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janeiro 30, 2010

A varanda

No caminho de volta para casa, a Mia já estava presente em cada pensamento que passava pela minha cabeça. Por mais que nós nos metêssemos em situações confusas e, às vezes, até acabássemos nos desentendendo, eu não conseguia tirar ela dos meus pensamentos. Ela continuava lá. E eu ali, constantemente presa àquele sentimento, àquele impulso na sua direção. Inferno. Nos últimos dias tinha ficado claro que ela gostava de mim, de uma forma ou de outra. O problema era que eu não sabia qual – e isso me perturbava.
 
Chegando na estação Consolação, parei numa banca para comprar um chiclete e, enquanto esperava o troco, recebi uma mensagem do Fer. Ele estava na casa duns amigos ali perto, na Matias Aires. Mais amigos dele do que meus. Era um apartamento velho e grande dividido por um número sempre flutuante de moradores – eram cinco? oito? difícil dizer. Para piorar, a cada semana o sofá da sala era ocupado por algum estranho alcoolizado ou estudante de Filosofia da USP qualquer, que não tinha onde pregar os olhos ou comer a namorada. Parecia uma república coletiva de toda a Augusta.
 
Entrei no apartamento dos moleques e joguei minhas tralhas no sofá. A sala estava sob uma marofa descomunal. Logo vi o Fer sentado no chão jogando videogame com outro cara, que eu não conhecia, em meio à uma roda de pessoas que conversavam aos gritos, que eu também não conhecia. Ele me cumprimentou de longe – sem tirar os olhos da TV. E eu imediatamente me arrependi de ter ido naquele rolê errado.
 
Já quero ir embora, resmunguei pra mim mesma. Mas foi quando reparei na Mia, ali, num jeans preto e com as mangas da camiseta enroladas, as tatuagens à mostra, magnífica, fumando sozinha na varanda. Bom, quer dizer, talvez eu possa ficar uns minutinhos...
 
_Oi... – eu disse, fechando a porta de vidro atrás de mim.
 
Ela sorriu de volta, com uma das mãos apoiada na beirada da varanda. Meu coração pulou uma batida, inferno.
 
_Não sabia que você ia colar aí...
_É. O Fer me mandou mensagem agora, tava saindo do metrô... – roubei o cigarro das mãos dela, apoiando os antebraços na grade, e olhei na sua direção – E você, tá escondida aqui por quê?
_Ah, mano – a Mia revirou os olhos – Muito chato lá dentro, num dá...
 
“Tá foda mesmo”, eu ri. E traguei uma vez, antes de devolver o cigarro para ela. Estava escuro ali fora. A Mia observava o movimento da rua – os restaurantes tiravam as cadeiras da calçada e preparavam-se para fechar. Ela colocou o cigarro na boca, se curvando para ver mais embaixo. E eu me juntei a ela. Ficamos ali, por um tempo, observando as poucas pessoas que passavam na calçada.
 
_Será que se todo mundo vivesse à noite... – ela comentou, do nada, como se pensasse em voz alta – ...a gente ia querer ficar acordado de dia?
 
Achei graça. E sorri para ela – “eu sei que eu ia”. Ela me passou o cigarro e sentou no chão, com as costas apoiadas contra o vidro da porta. Sentei ao seu lado e a observei, rindo.
 
_Quê?!
_Cê parece entediada até a morte, meu.
_Tô mesmo. Esse rolê tá um porre, mano.
_Como assim?! – dei um trago e forcei uma voz indignada, irônica – Você não quer assistir dois caras jogarem FIFA pela vigésima vez seguida?!
_Céus, não – ela riu.
_Osso, né?
_Pelo menos tem pizza – a Mia pegou o cigarro e me olhou – Cê já jantou?
_Já... Meu pai passou perto do meu trampo hoje e fomos num restaurante por lá – respondi – Meu, é sempre a mesma conversa, toda vez que saímos juntos... Ele acha que eu e o Fer somos casados ou algo do tipo.
_Você e o Fê? – ela riu.
_Juro. É ridículo.
_Mas, espera, ele não sabe que você...?
_Sabe – balancei a cabeça, enquanto ela soltava a fumaça entre os lábios – Ele só ignora.
_Que bizarro... Faz quanto tempo que ele sabe?
_Uns seis, sete anos. Deixa eu pensar... – calculei rapidamente – É, quase sete, eu tinha de 16 pra 17 quando contei.
_E o que ele disse?
_Nada.
_Nada?
_É, por uns dois meses inteiros – eu ri.
_Isso é horrível!
 
Ela começou a rir e eu concordei, é. Foi mesmo.
 
_Mas depois vocês ficaram bem, não?
_Ah, sim – peguei o cigarro e dei mais um trago – Sei lá, meu, acho que por mais difícil que seja, as pessoas que realmente te amam acabam entendendo. E nunca deixam de te amar, sabe? Em algum momento, elas percebem que você não pode ser feliz de outra maneira...
_Mas seu pai não aceitou totalmente... Digo, por causa desse lance do Fê e tudo mais.
_Ele fala mais por brincadeira... No fundo, ele sabe que não é assim. Já conversamos muito, ele conheceu as minas que eu namorei, acho que s-só não perde totalmente as esperanças de um dia me ver casando, tendo filho, sabe? Ao lado dum bom rapaz e o caralho a quatro.
_Olha, o Fê não é exatamente o que eu chamaria de um “bom rapaz”.
_É, cê tem razão... – eu ri.

2 comentários:

emily disse...

:)

Ketlen K. disse...

Em algum momento elas percebem que você não pode ser feliz de outra maneira e acabam entendendo.
[Fato/
Ameei *.*