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agosto 17, 2010

_Pede esse aí ó, o de baixo... – me estiquei por cima da mesa de canto, até onde a Mia estava, apontando o número no cardápio – É muito bom.
_Hum, não... – ela fez uma careta.
_Mano, olha o desperdício de oportunidade... Sério, vai por mim! É o melhor sanduíche de São Paulo!
_Mas eu não quero, porra... – ela riu e me reprovou com os olhos, pondo fim à discussão; em seguida ergueu a cabeça e encarou com um sorriso o pobre do atendente, que mantivemos plantado em pé ao lado da nossa mesa – ...eu vou querer o 8, obrigada.
_E eu, o 11 – me dei por vencida e fechei o cardápio, olhando emburrada para ela.
 
O cara, de uns 30 e poucos anos, pegou das nossas mãos os papéis amassados onde estava o menu e saiu em direção à cozinha com uma expressão descontente. A Mia riu e colocou o antebraço na beirada da mesa, absolutamente maravilhosa naquele moletom cinza. As mangas arregaçadas deixavam escapar suas tatuagens mais antigas – uma cobra old school, um trecho do livro do Thoreau que ela gostava, umas plantas e uma adaga que ela fez de handpoke. A essa altura, eu já estava largada para trás na cadeira de novo, a admirando de longe. Seus olhos cruzaram com os meus e ela arqueou as sobrancelhas, em desaforo.
 
_Cê é muito cabeça dura, mano... – comentei, rindo.
_Eu não tava afim do sanduíche, meu...
_Mas é a especialidade dos caras, caralho!
_Nossa, desculpa aí a falta de respeito. Cê acha que eu preciso ir na cozinha me desculpar com o chef também?
_Como cê é besta... – eu sorri, olhando para ela.
 
A Mia achou graça e sorriu de volta, ambas tomadas por uma felicidade boba de estarmos juntas ali. O barulho no fundo pareceu crescer lentamente.
 
_E então... Vai me contar a história ou não?
_Que história?!
_Da sua ex-namorada – a Mia riu – ...a da tatuagem.
_Ah, é... – ajeitei o corpo na cadeira, achando graça – ...a dona do Infinito.
_Essa mesma... – a Mia balançou a cabeça – Meu, acho que eu nunca imaginei você como alguém que faz tatuagem pra mina...
_É, nem eu acredito nas merdas que eu faço às vezes... – ri, num arrependimento conformado – Mas, sei lá, acho que na época fazia sentido, sabe?
_Sentido como?
_Não sei... Eu era nova pra caralho e a gente era um daqueles casais que vão e voltam o tempo todo, saca? Não era um namoro bom, era ruim, ruim mesmo, mas eu era completamente babaca por ela. A Nana me ajudou muito quando eu saí do armário pros meus pais, ela tinha uma importância muito grande pra mim. E aí mesmo que a gente brigasse, sei lá, eu achava que ia ficar naquele rolo para sempre, que a pessoa para quem eu sempre voltava era a minha constante na vida ou algo do tipo... e acabei tatuando um infinito no pulso – revirei os olhos – Foi cagada, eu sei que foi, mas na época era isso, meu. Não sei, parecia que ia ser pra sempre ela.
_Cês ficaram juntas muito tempo?
_Quase dois anos... Mas sempre naquelas, sabe? Indo e vindo.
_Dois anos? – ela puxou a minha mão delicadamente para perto dela, cruzando-a por cima da mesa, e pôs-se a observar novamente a tatuagem, deslizando a ponta do dedo na minha pele – E por que não deu certo?
_Ah... Por um monte de motivos – eu suspirei e tirei o cabelo bagunçado do rosto – Era complicado. Não era uma relação saudável... Chegou uma hora que a gente já não queria mais tá junta, só que não conseguíamos realmente nos desvincular uma da outra, a gente já tava muito acostumada.
_É, meu primeiro namoro foi assim... – a Mia riu, revirando os olhos.
_Né? É muito coisa de adolescente – ri também – E aí virou aquilo... ela se enchia, resolvia que não queria mais e a gente brigava, ela ia para a balada, pegava meio mundo, depois se arrependia, ficava mal, vinha correndo pra mim e eu, e-eu acabava deixando, aí duas horas depois ela me contava o que tinha feito, eu ficava puta, mandava a Nana ir embora, dizia que nunca mais queria ver ela... Aquele drama todo.
_Nossa – murmurou, enquanto o atendente nos servia a comida e uma cerveja que eu pedira antes – E todos seus namoros foram assim?
_Não, meu, só com ela. Acho que eu aprendi “demais” a lição – ri – Depois disso, sempre terminei antes de chegar nesse ponto.
_Ou fez alguma merda, né...
_Que absurdo! – me indignei, dando uma mordida no sanduíche, falando de boca cheia – Claro que não!
_Sei. Quero ouvir o que as suas exs têm a dizer a respeito...
_Ah, meu... – eu baixei a bola, achando a graça, numa confissão discreta – Mas, cara, independente de qualquer coisa, a maioria dos meus namoros foi ótima. Realmente ótima. É sério!
_“Até...”
_Até eu tropeçar e cair, sem querer, na cama de outra – eu brinquei, forçando uma voz ingênua e bem-intencionada.
 
A Mia começou a rir e balançou a cabeça, inconformada.
 
_Nossa, isso é tão “você”...

4 comentários:

jupiter disse...

esse é o post mais bonitinho dos últimos meses ç.ç juro! adorei a conversa, adorei a historia, adorei o 'quase dois anos', adorei a mia!

Anônimo disse...

"...na época fazia sentido"

Mikaylla disse...

Lindo esse, Mel! E adorei a singeleza do título ^^

bjs

Anônimo disse...

Hi - I am definitely delighted to discove this. great job!