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dezembro 31, 2010

E vice-versa

Merda. Mal pisei dentro do estúdio e me bateu um arrependimento violento por cada palavra que tinha acabado de sair da minha boca. Às vezes, não sei o que diabos se passa pela minha cabeça. Mas que hora, hein, para dar pitizinho... Sua idiota! Passei as mãos no rosto, tentando me livrar daquela culpa filha-da-puta e tudo que eu conseguia pensar era se realmente ia deixar a Mia ir embora brava comigo. A mina vem aqui na maior boa vontade, maravilhosa, querendo te ver e a única coisa que você faz é defender a droga do seu amigo, porra?, andava de um lado para outro na recepção, sua imbecil. Esfreguei o rosto mais uma vez e aí engoli meu orgulho.

_Onde cê tá?
_Por quê? – a Mia perguntou, sem paciência, do outro lado da linha.
_Não vai embora assim, meu... Me escuta. Me fala onde cê tá, por favor.
_Cara, o que deu em você hoje?!
_Nada, eu sou uma babaca. Cadê você?
_Tô na rua de trás.
_Fica aí, meu. Não sai daí! – desliguei o telefone e virei para a secretária do meu chefe, que me olhava como se eu fosse desequilibrada – Ô, segura as pontas aí pra mim? Eu já volto, sério, cinco minutos!

Virei a esquina o mais rápido que pude e andei pela calçada, sem qualquer pensamento na cabeça, querendo só chegar. Logo. Dei a volta no quarteirão e a vi ali parada, encostada num muro, me esperando. Mesmo de longe, podia ver o descontentamento na sua cara. E alguns metros mais a frente, o ponto de táxi – onde ela provavelmente queria chegar.
 
Sem saber ainda o que dizer, me aproximei e peguei na sua mão:

_Desculpa... – abaixei a cabeça, parando na sua frente – ...me desculpa, meu. E-eu, não sei, eu... – suspirei – ...é complicado. É o Fer e ele... ele é meu amigo, porra. Eu gosto demais dele. Não dá pra... pra achar que... que tudo bem, q-que a gente está certa. Porra, eu estava errada... na sexta. E ele tá tentando, sabe? Ele queria acertar as coisas entre vocês e, às vezes, e-eu... sei lá, parte de mim quase... queria que desse certo, porque não quero ver ele mal. Mas por outro lado, é... é você, saca? E eu... – subi o olhar até o dela – ...eu gosto muito de você... porra, eu gosto pra caralho de você, Mia, e... e então, e-eu... eu acho que não... não queria de verdade que... desse certo. E é confuso e é zoado e sabe... às vezes, eu só... queria poder ficar com você... – desviei o olhar por um segundo e então a encarei de novo – ...ficar mesmo com você, sabe?
_Mas é isso que eu não entendo! – ela retrucou, brava – Mano, quando, sei lá, eu me pego pensando em você, porra... Do nada, você vira e...
_Me ignora – pedi, a cortando, e ri – Pelo amor de deus, só me ignora. Eu tenho sérios problemas!
_É... – ela riu, cedendo um pouco – ...fica meio difícil ignorar com você... sabe, me levando aí pra umas pistas escuras... e vindo na minha casa de madrugada... e... sendo você... o tempo todo.

É? Sorri na mesma hora. Então a puxei pela cintura, apoiando a outra mão no muro acima do seu ombro. Senti seus dedos me agarrarem a camiseta e ela sorriu de volta para mim. Caralho. Deitei a cabeça e fui me aproximando. E aí ela, esquecendo-se da luz do dia e das redondezas, me beijou. Como eu te amo, puta merda.

_Você fode a minha cabeça, sabia? – ela disse baixinho, achando graça.
_Eu?! – a olhei de volta e comecei a rir.

Se você soubesse o que faz com a minha, garota.

dezembro 29, 2010

Objeto complicado de desejo

Uma vez na vida cheguei cedo no meu trabalho – o que não me impediu de acender um cigarro na calçada da frente e me atrasar de todo jeito. Claro. Sentei na minha mesa e tirei o celular do bolso de trás da calça, abrindo-o para ler mais uma vez a mensagem da Mia da noite anterior. Ainda não a tinha respondido – a conversa com o Fer naquela manhã tinha me fodido demais a cabeça para escrever para ela como se nada estivesse acontecendo.
 
Cacete.
 
Tentei me manter ocupada. E passei a maior parte do dia tratando um pacote imenso de imagens num programa desatualizado que meu chefe insistia em manter em todos os computadores do estúdio. Lá pelas três da tarde, recebi mais um SMS da Mia, me perguntando se eu estava trabalhando. São duas e cinquenta numa terça-feira, mano. O que mais eu estaria fazendo?
 
Empurrei as costas contra o encosto da cadeira, mordendo inconscientemente a ponta do dedo, de leve, enquanto minha cabeça se perdia nas mesmas ansiedades de sempre. Argh. Que se dane. Peguei o maço na mesa e meti o isqueiro no bolso, levantando para mais uma pausa. Subi as escadas do estúdio, já colocando um dos cigarros nos lábios, e atravessei a recepção.
 
Ao sair pela porta, dei de cara com a Mia.
 
_O que cê tá fazendo aqui? – tirei o cigarro da boca e sorri, meio desnorteada.
_E-eu... – ela riu, igualmente surpresa – ...ia lá te chamar. Espera, o que você tá fazendo aqui?
_Tava saindo pra fumar, meu – disse, mostrando o cigarro na minha mão.
 
E então ela me abraçou, me dando um beijo na bochecha. Não um daqueles esbarrar de rosto com que se costuma cumprimentar as pessoas – foi um beijo mesmo. Sorri para ela, com o canto da boca, enquanto colocava o cigarro de volta nos lábios e a observava ali. Feliz com a surpresa. A desgraçada estava maravilhosa, com uma calça skinny rasgada e uma blusa justa preta, por baixo duma jaqueta de couro. Meu deus, a olhei com saudade, como se não a visse há anos, a garota acabou de chegar e eu já tô idiota assim?
 
Respirei fundo, desviando o olhar para baixo. Então fui com ela alguns metros para lá na calçada, sentando no meio-fio para fumar. A Mia se sentou ao meu lado, abraçando os joelhos dobrados em frente ao corpo, e eu finalmente acendi o cigarro. Joguei o maço adiante na sarjeta, com preguiça de colocá-lo de novo no bolso da calça.
 
_E aí, bonita... – pisquei na sua direção e ela sorriu – ...cê tá melhor?
_Tô. Apesar de, né, certas pessoas não terem cumprido a promessa...
_Eu?! – ri.
_É! Cê disse que ia ficar...
_Ah, qual é... – argumentei – Eu fiquei até de manhãzinha!
_Não é o bastante... – me empurrou de leve com o corpo, num flerte gostosinho – ...tonta.
_Tá, tá... – sorri, achando graça – ...na próxima eu fico.
 
Sentia o meu estômago embrulhar, silenciosamente, se misturando com a felicidade de estar com ela de novo. Argh. Aquilo era difícil pra caralho.
 
_E o que cê veio fazer pros lados de cá?
_Ah, sei lá... – riu, como se fosse óbvio, e o meu coração pulou uma batida – Cê recebeu minha mensagem ontem?
_Recebi...
_Tá tudo bem?
_Tá... – traguei o cigarro – ...só, sei lá. É complicado.
_Como assim?
 
Suspirei, hesitante. Cacete. Não queria tocar no assunto.
 
_Cê... – disse, já sabendo a resposta – ...cê falou com o Fer?
_Quê?!
_Com o Fer... – traguei mais uma vez e olhei para ela – ...ele não foi na sua casa no domingo?
_Foi, mas... o que isso tem a ver?
_Nada. Só tô perguntando.
_Perguntando por quê?
_Falou ou não falou?!
_Nós não... – ela respirou fundo – E-eu não deixei ele subir, eu... e-eu não queria falar... sei lá. Ainda tô brava com ele, sabe, ele não devia ter te mandado embora da festa daquele je...
_Ele não me mandou fazer nada, Mia, eu que decidi sair.
_Não interessa... Ele não tinha que ter começado a briga!
_E cê realmente acha que a gente tava com a razão? Que o Fer estava errado?! – me indignei, balançando a cabeça – Mano, o que cê faria se fosse o contrário? Se você visse ele dançando com outra mina daquele jeito?
_É diferente.
_Não é diferente.
_É, sim.
_Não é, Mia. Você que não entendeu isso ainda... – me frustrei – ...a gente tava errada, porra. E agora cê não vai nem falar com o cara, meu?!
_E cê espera que eu diga o quê pra ele?! – se irritou comigo – A verdade? É?
 
Não consegui responder. Inferno. Não quero brigar, garota. Abaixei a minha cabeça, ficando quieta por um instante, entre uma tragada e outra. A Mia encarava a rua, pistola comigo. Merda, não posso deixar as coisas assim, me incomodei. E então retomei, falando mais baixo:
 
_E-eu não tô tentando brigar, Mia, é só... – continuei, com o olhar na sarjeta sob meus pés – ...s-só que eu tô no apartamento todo dia, meu, e é foda. É foda ver ele mal. Eu me sinto uma merda, me sinto culpada, porra. Sabe, ele gosta pra caralho de você, meu...
_Tá. E você?
_Não faz isso...
_Olha... – interrompeu a conversa, brava – ...na boa, eu não preciso de você para me dizer o que o Fernando sente por mim, eu sei muito bem. Caso cê tenha se esquecido, a gente namora – argumentou, já se levantando – Não sei nem o que eu vim fazer aqui, mano.

dezembro 28, 2010

Responsabilidade

_Eita – tomei um susto – Que cê tá fazendo acordado aí, meu?!
 
Parei ali, em pé no final do corredor e enrolada no meu cobertor, dando de cara com o Fer na sala. Não eram nem cinco da manhã – tinha ido dormir tão cedo que acabei caindo da porra da cama horas antes do meu horário normal. E lá estava ele, com uma camiseta qualquer de ficar em casa e um moletom, fumando um no sofá com a TV ligada na MTV, como quem não tinha pregado o olho a madrugada toda.
 
_Não consigo dormir – murmurou, colocando o baseado na boca e abaixando o som da TV com o controle – Te acordei?!
_Não. Capotei antes até de jantar ontem... – ri e sentei ao seu lado no sofá – Cê tá bem?
_Ah, sei lá... – soltou a fumaça espessa pro lado, com uma aparência cansada – Tô. Não sei.
_Aconteceu alguma coisa?
_Não. É a mesma merda... – esfregou a mão no rosto e tragou mais uma vez – ...não consigo falar com a Mia, meu.
_Como assim?
_Ah, ela não me atende, não fala porra nenhuma, não sei o que fazer...
_Mas cê não foi lá domingo?
_Fui! – se frustrou – Ela nem desceu, mano. Disse que não queria me ver, que tava doente. Aí não respondeu o dia todo hoje. Meu, tá foda... – balançou a cabeça, lamentando – ...não achei que ia durar tanto assim. A, a gente já brigou outras vezes, mas por um dia ou nem isso. Nunca desse jeito.
_Calma, meu, vai ficar tudo bem...
_Vai?! Não sei – ergueu o olhar na minha direção, levando o baseado de novo até a boca – Tenho medo dela não me perdoar, meu...
_Às vezes vocês só pr...
_Não... – me interrompeu, passando as mãos no rosto de novo – ...eu fodi as coisas, mano. Fodi mesmo.
 
Abaixou a cabeça, respirando fundo. Tinha aquele ar pesado de quem já estava na mesma bad há horas demais para conseguir sequer distinguir a realidade das paranoias que a sua cabeça cria. Merda. E lá estava eu, nem cinco da manhã ainda, sentada em mais um sofá, consolando mais um amigo em menos de 48h – só que, ao contrário da briga da Marina com a Bia, agora a culpa era realmente minha. Inferno, como aquilo me destruía. Por todos os motivos. Por todos os piores motivos. Caralho.
 
Conversamos por algum tempo e, conforme o relógio se aproximava das sete da manhã, eu tentava convencê-lo a não ir trabalhar para poder descansar. “Mano, diz que tá doente”, sugeri, enquanto fazia café para nós dois na cozinha. “Não, velho, vou fazer o quê o dia todo aqui?”, resmungou, “se ficar à toa aí é que vou ficar fritando o cérebro nessa merda mesmo, é pior”. “Cê tem que dormir, Fer”. “Num dá, meu. Não é tão simples assim, não posso dar mancada no trabalho”, insistiu.
 
E eu o assisti arrastar os pés até o quarto para se trocar. Tudo o que o Fer tinha de porralouca nos finais de semana e madrugadas, ele tinha de responsável durante o dia. Apesar de nós dois termos penado para conseguir bons empregos, a sua pele era mais escura que a minha e parecia um acaso recorrente demais a quantidade de vezes que ele já tinha perdido vaga para gente bem menos qualificada. Então não arriscava – e em poucas ocasiões, naqueles anos todos, o vi faltar no trabalho.  
 
Agora me embrulhava o estômago vê-lo sair pela porta sem ter dormido uma porra de segundo. Porque não era um pequeno preço a se pagar por toda a diversão inconsequente do dia anterior, como às vezes era o caso. Estava mais para um castigo duplo – e eu me sentia terrivelmente responsável.
 
Puta merda. 

dezembro 26, 2010

Ah, segundas-feiras!

Me esforcei para suportar as últimas horas de labuta e, na volta para casa, o metrô estava absolutamente lotado. E eu, estressada. Argh. Por que eu não saio uma horinha mais tarde?, pensei enquanto olhava a multidão das 18h-e-pouco se apertando vagão adentro, ou uma horinha mais cedo? Revirei os olhos, esmagada contra uma das paredes próximas à porta, ainda com a roupa da noite anterior e desesperada para tomar um banho assim que chegasse em casa.
 
_A superlotação do transporte público paulistano tem uma influência direta na minha dependência de nicotina... – resmunguei ao telefone, conforme acendia um cigarro na saída do metrô Consolação – ...sério, cara, como é que eu vou parar de fumar um dia se eu continuar me locomovendo por aí com uma média de trinta pessoas por metro quadrado?!
_Espera. Cê quer parar de fumar? – o Gui riu – Você?!
_Não, Guilherme, tô falando hipoteticamente.
_Ahh...
_Olha, eu preciso de um carro – continuei, irritada – Não, melhor. Preciso dum helicóptero.
_E um heliporto...
_É. Na cobertura de casa – disse, tragando mais uma vez, enquanto descia a Frei Caneca – Não, é sério, Gui. Eu preciso achar um jeito de ficar rica. Mas ficar, tipo, podre de rica!
_Não só você, né, gata...
_Eu... odeio... minha... vida.
_Não odeia, não...
_Um infeliz foi ouvindo pregação hoje no trem, mano, juro!
_Tá. Cê odeia sua vida.
_Obrigada... – o agradeci pela compreensão.
_Escuta, vamos quinta no Vegas comigo?
_Gui, assim cê não colabora com o meu plano de ficar rica.
_Por favor?!
_Meu, não sei por que cê gosta tanto do Vegas...
_Cala a boca, cê sempre adorou aquela porra! Só pegou birrinha de lá...
_É lógico que eu peguei birra!
_Faz um milhão de anos isso, vai... É do lado da sua casa, vagabunda, que custa?!
_Dinheiro.
_Então cê prefere ser rica-e-sem-amigos do que pobre-mas-feliz?
_Meu, eu te odeio – resmunguei, sem argumentos.
_Combinado, então. Quinta! – concluiu, contente.
_Tá – concordei, rabugenta, jogando a bituca do cigarro entre a calçada e o começo do asfalto – Deixa eu ir que cheguei aqui na minha mansão...
 
Desliguei o telefone e subi pelo elevador, sequer notando os passos que dava de tão cansada. Entrei no apartamento, vazio e completamente apagado – e o fato do Fer não estar lá me incomodou. Toda vez essa merda. Fui direto para o chuveiro, larguei minhas coisas todas em cima da pia, as roupas pelo chão, e deixei a sujeira acumulada de dois dias pesados escorrer ralo abaixo. Saí dez minutos depois, vesti uma boxer, uma camiseta qualquer e me enfiei no travesseiro. Que sono do cão, mano. Não eram nem sete da noite e eu já estava pronta para dormir.

Apaguei os olhos por cinco segundos e acordei com o meu celular apitando. Inferno, me levantei e caminhei de volta até o banheiro para resgatar o maldito. Duas mensagens não lidas. Arrastei meus pés lentamente pelo corredor, retornando à minha cama, enquanto lia o SMS da Marina, dizendo que havia combinado de encontrar a Bia naquela noite para conversar. Sabia. Me joguei na cama e, com a cabeça afundada no travesseiro, os meus olhos cansados leram uma mensagem da Mia – “qria te ver esses dias... dá?”.
 
Suspirei e reli, pouco antes de apagar, fechando os olhos de novo.

dezembro 21, 2010

Boa amiga, péssima assalariada


Ô, cacete. Puta que pariu!, me dei conta que já era de manhã e pulei imediatamente do sofá. Ai... Merda, merda, merda. Não só já era de manhã, ô maldição do caralho, como era segunda-feira. Sua idiota, estúpida, burra. Vesti os tênis de qualquer jeito, me xingando mentalmente, tentando me equilibrar num pé só, conforme andava atrás da Marina, pensando na bronca que ia tomar por chegar atrasada. Eu tô fodida, pensei já arrependida de ter dormido ali, terminando de enfiar os cadarços para dentro e me apoiando na porta da cozinha.

_Que horas são?! – perguntei em voz alta para o vazio, sem ver a Marina por ali e nem obter resposta – ...Má?!
_Oi? – ouvi sua voz ao longe, vinda da área de serviço.
_Que horas são?! – gritei de volta, tentando arrumar o cabelo mais ou menos no reflexo do microondas e me atrapalhando para conseguir ver direito – Por que cê não me acordou antes, porra?! Eu preciso sair, meu. Tenho que pegar o busão até lá!
_Relaxa... – ela surgiu na porta que separava a lavanderia da cozinha, abotoando uma camisa semi-social branca – ...são quinze pras oito.
_Nossa, Marina. Eu vou te matar, meu. Cê disse que ia me acordar, cacete! – argumentei, rabugenta, enquanto me servia uma xícara de café – Eu não posso me atrasar, caralho. Meu chefe já tá puto que não fui trampar uns dias na semana passada... Eu tenho um bilhão de coisas para fazer, mano.
_Eu te chamei umas cinco vezes, ô esperta! – me olhou, achando graça – Não é minha culpa se você não levantou!

Que seja, traidora. Revirei os olhos, brava, e a Marina começou a rir do meu mau-humor matinal. Era bom vê-la um pouco melhor. Ao fundo, a sua vitrola de vinil tocava um Gaylads que melhorava o ânimo de qualquer um. “My love, it's warmer than the sunlight, it's warmer than the breath of spring, yeah, my love, it's sweeter than the cherry tree”, ressoava aquele rocksteady gostosinho e a Marina cantarolava. Sorri, a observando. Ela pegou as chaves no balcão da cozinha e me olhou – vamos?”. “Vamos”, me apressei, terminando meu café de uma só vez.
 
No fim das contas, cheguei só quinze minutos atrasada no trabalho. As horas se arrastaram numa lentidão esmagadoramente proporcional ao pouco que eu tinha dormido em todos os dias anteriores. Puta, mano, que fim de semana interminável. Me sentia sobrecarregada. A Mia não tinha falado comigo durante a noite toda e acordar sem uma mensagem dela me fez supor o pior. Me torturando, entre uma tragada e outra nas pausas para cigarro no trabalho, com a possibilidade de que a última semana tivesse sido um sonho curto. Não, não. Ela tá doente, cacete, talvez só estivesse cansada demais.
 
É.
 
E aí quando finalmente veio, lá pelas duas da tarde, num SMS à toa, como se nada tivesse acontecido, foi pior ainda. O Fer não foi aí ontem à noite, porra?! Não vamos falar sobre isso? Esfreguei a mão na cara, angustiada. Puta merda. Chega. Chega, inferno, isso é falta de sono, caralho. Eu preciso dormir.

dezembro 16, 2010

Please, stay

Por um instante, esqueci onde estava. Reabri os olhos, como se só os tivesse fechado por dez segundos, e o apartamento continuava exatamente como o havíamos deixado. As luzes acesas e o resto intacto, imóvel. O meu braço estava preso, entre o encosto do sofá e o cabelo da Marina, que dormia com a cabeça apoiada no meu ombro direito. A sua mão descansava a poucos centímetros do meu umbigo e eu movi os olhos discretamente, na tentativa de olhar o horário no celular – apoiado em cima da mesinha de centro – mas sem acordá-la. Não dava para ver. Inferno, suspirei.
 
O chá restava quase terminado sobre o tapete da sala. Dei mais uma analisada na minha situação ali e percebi que não conseguia, de fato, me mexer. Tentei ensaiar uma escorregada discreta para a esquerda, sem sucesso. E quando eu achava que não poderia piorar, subitamente senti todas as latinhas de cerveja ingeridas com o Fer naquela tarde apertarem a minha bexiga. Marina que me desculpe, agora preciso me mexer mesmo. Tirei o braço do jeito menos brusco possível, apoiando a sua cabeça delicadamente no sofá e corri pro banheiro assim que me vi livre. Ufa.
 
Quando voltei, tudo estava igual – exceto pela minha ex-namorada. Cadê a Marina? Andei, curiosa, até a cozinha e me apoiei no batente. Ela estava lá, em pé frente a pia, meio descabelada e com a mesma cara de cansada, lavando a caneca do chá. Óbvio. Naquela sua necessidade de não deixar nada para depois. Achei graça. Olhei em volta e notei que o apartamento continuava vazio.
 
_Sua irmã não tá aí? – perguntei.
_Ela quase não fica mais aqui – respondeu, sem tirar os olhos da água.
_Só acho engraçado, né. Quando a gente tava juntas, ela insistia em aparecer toda santa vez... Puta inferno! – eu ri e entrei na cozinha, me sentando na pia ao seu lado – E agora que não tem mais perigo, ela nunca mais tá aí, né?!
_É que ela arranjou um namorado... Faz um ano, mais ou menos – explicou, com o humor um pouco melhor, já enxugando a caneca no pano – Aí fica o tempo todo lá.
_Sempre assim... – comentei, apoiada na beirada, e olhei para o lado, curiosa – ...e ela ainda me odeia?
_Odeia... – a Marina ensaiou um sorriso, por fim.
 
Então deixou o pano úmido sobre o balcão e esticou-se para colocar a caneca numa das prateleiras de cima dos armarinhos. Em seguida, fechou a portinha de vidro e se juntou a mim, sentando-se ao meu lado na pia. Segurei a sua mão e encaramos a parede por uns segundos, com os pés suspensos no ar, a trinta centímetros do chão.
 
_Ei, deixa eu te perguntar uma coisa... – pedi, como quem não quer nada, e a Marina me olhou – ...v-você... você dormiu com a Lê, meu?
_Como cê sabe disso?! – ela arregalou os olhos, surpresa.
_Por quê?! – ri – Não era pra eu saber?
_Não, sei lá, não tem problema, só... – desconversou – ...não achei que você sabia.
 
Deu de ombros, fingindo não ter importância, e eu a observei, sem acreditar por um segundo naquele teatrinho. Ficamos quietas por um instante. Reajeitei meus dedos entre os dela e ela apoiou a sua outra mão na pia. Então insisti:
 
_E por que cê não me contou?
_A gente não tava se falando na época. Sei lá, faz tempo... – respondeu, encabulada – Quase três anos já, acho.
_Mas... tipo... rolou alguma coisa entre vocês?! – murmurei.
_Não, acho que... Foi mais porque, sei lá, nós duas estávamos sozinhas e... não sei. Pra matar a curiosidade, talvez, sei lá. Não sei.
_Então foi só uma vez?
_Por que você quer saber isso, meu?! – levantou o tom de voz, indignada com a minha pentelhice.
_Não sei, porra, tô só perguntando... – argumentei, insistente.
_Não, foram duas vezes. Pronto. Tá bom assim? Satisfeita?! – ela falou comigo como se estivesse dando bronca numa criança de dois anos – Agora chega, vai.
_Por que cê tá brava, meu? – achei graça.
_Porque eu não gosto de falar dessas coisas com você... – ela se irritou, ajeitando os óculos rapidamente – ...e eu não tô brava.
_Não, imagina... – ri, ironizando – E nada a ver, Má... Eu vivo te contando das meninas com quem eu dormi, meu. Qual é o problema?!
_Isso é diferente. É sua amiga, sou eu, é você, o clima naquela época era outro... – ela listou, fazendo a sua cara de gênio incompreendido, soando mais com a Marina que eu conhecia – Não sei por que cê tem que ficar cutucando.
_Tá bom, tá bom... – me rendi, ainda rindo – Eu paro. Ô, que horas será que são?
_Não sei... – ela se apoiou levemente para cima de mim e tirou o celular do bolso de trás da calça, olhando-o na mão – São... 22:14.
_Nossa, meu, achei que fosse mais tarde já – comentei distraída, com vontade de acender um cigarro, e não ouvi resposta; olhei para o lado, tirando o cabelo bagunçado do rosto, e a Marina continuava olhando para o celular, com uma mão na minha e o telefone na outra; os segundos passaram e o silêncio cresceu, incômodo, ela parecia chateada – ...Má?
_...
_Ei... – perguntei, baixinho – ...tá tudo bem?
_Ela não... n-não me ligou, não mandou nada.
_Ela vai ligar – cochichei.
 
Por que diabos eu fui perguntar as horas?! Caralho, viu, eu odiava ver a Marina magoada daquele jeito. Continuou olhando para o telefone e eu a observava, sentindo-a mais triste do que antes, curvada e abatida. A abracei, num impulso quase automático, e ela afundou o rosto no meu ombro, me abraçando de volta pela cintura. Permaneceu quieta, cabeça-dura e orgulhosa como era. Mas eu percebia que estava chorando, pela forma como respirava e se movia sob as minhas mãos, sentia a umidade aos poucos atravessar a minha blusa, sobre o meu ombro.
 
_Não fica assim, linda... – eu beijei a sua cabeça, passando a mão pelo seu cabelo.

dezembro 15, 2010

Conforto antigo

A Consolação estava absolutamente parada. Nenhum automóvel andava e o Fer começou a ficar nervoso com aquele trânsito improvável num domingo à noite. Aí repetiu mil vezes, paranoico, que devia ter uma droga de uma blitz imaginária mais para frente ali na Av. Dr. Arnaldo e que ele ia, porque ia, perder a carteira. “Dá pra você relaxar, porra?!”, eu me irritava com ele, bêbada, e nós dois discutíamos amigavelmente, num tom mais alto do que o rádio barulhento do carro.

Aí tentamos ir por dentro para fugir do trânsito e acabamos nos perdendo. Merda. Quando finalmente notei que estávamos perto, guiei o Fer pelos últimos quarteirões, tentando fazer o melhor que podia com a minha memória de pedestre. Após duas ou três viravoltas, meio-perdidos, enfim acertamos a droga da rua. Desci do carro e o Fer me desejou boa sorte com a Marina. Não posso te desejar o mesmo, encarei-o com a porta ainda nas mãos e certo peso no coração, em pé do lado de fora.
 
No fundo, eu não queria que a Mia visse o Fer – não queria que ficasse tudo bem, não queria que ela desse bola para o seu ato bêbado de ir lá acertar as contas com ela. Não queria e me sentia um lixo por isso. Sou a pior amiga do mundo, pensei e revirei os olhos, conforme batia a porta do carro, com raiva de mim mesma. Me virei e joguei a bituca do cigarro no asfalto, caminhando até a porta do prédio onde ficava a redação na qual a Marina trabalhava.

Salas de espera de prédio são sempre desconfortáveis – seja por culpa das cadeiras ou do silêncio irritante que as habita. E lá estava eu, sozinha, sentada há mais de vinte minutos numa. Me tornando progressivamente impaciente. Domingos eram um inferno em São Paulo, aquele “nada” todo e aquela calmaria que contaminavam os muros pichados e as paredes de concreto não combinavam em porra nenhuma com a cidade. Ah, que se foda, tirei o maço do bolso e acendi um cigarro, já inquieta, encarando propositalmente o aviso de não fumar estampado na parede daquela recepção vazia aporrinhadora do caralho.

E claro, logo no minuto seguinte a Marina saiu do elevador. Fez a cara mais feia do mundo para mim ao me ver ali, desrespeitando a ordem pública, e eu apaguei o cigarro imediatamente nas pedrinhas de um vaso ao meu lado. Com toda a boa intenção do mundo, juro – mas tudo que conquistei foi mais um olhar reprovador à distância. A Marina parecia melhor, mais calma, mas a sua expressão escondia um cansaço angustiado por trás daqueles óculos pretinhos dela. Te conheço, garota, observei ela vir na minha direção.

_Ei, como você tá? – perguntei baixinho no seu ouvido, conforme a abraçava e ela me segurava de volta, demoradamente.

Não disse nada. Por segundos a fio só nos abraçamos, apertadas, de um jeito reconfortante mesmo para mim – que não tinha nada além da possibilidade de um entendimento entre o Fer e a garota que eu amava para ser reconfortado. Mas né. Nos seguramos ali até ela se soltar de mim e murmurar um “vamos pra casa”, já pegando as chaves numa sacola de pano, naquele piloto automático emocional pós-horas de choro dela. A Marina sempre foi muito sensata, muito racional, e eu sabia que ela não devia estar muito satisfeita consigo mesma por ter desmoronado ao telefone.
 
Algumas garotas fazem isso com a gente e tudo bem, eu queria lhe dizer. Mas só segurei a sua mão e ela me olhou, por instante, abalada.
 
_É um saco, né?! – suspirou.
_Sempre é – respondi – Mas sempre passa também, Má.
 
Ela abaixou a cabeça, sem querer demonstrar o quão triste realmente estava. Aquele era o seu jeito. Fomos o caminho todo até a sua casa em silêncio. Nada. Ela não queria falar. Chegando no apartamento, jogou a bolsa no sofá e foi até a cozinha “preparar um chá”. Perguntou se eu queria e disse que não, então ela se dirigiu para lá, como se para ficar sozinha por uns minutos. Voltou pouco depois. O cômodo permanecia em perfeito silêncio.
 
Sentou-se ao meu lado, afundando-se contra o encosto e segurando a caneca cheia com ambas as mãos. Respirou fundo. Ainda quieta, deixou o olhar e o pensamento irem longe, encarando a fumaça que saía do chá, sem dizer nada. Coloquei os pés apoiados contra a sua mesinha de centro, afundando-me também ao seu lado. E assim ficamos por uns bons minutos. De tempos em tempos, a Marina levantava a caneca lentamente até a sua boca, a assoprava e dava um gole. E eu observava-a se mover, ali, sem vontade alguma de existir. Aquilo me partia o coração.
 
Os seus olhos se enchiam de lágrimas, silenciosamente. Voltou a caneca sobre as pernas e então deslizei a minha mão até a sua, entrelaçando os meus dedos nos seus. Que merda, né.

dezembro 12, 2010

UM ANO ♥

“Parabéns pra você... Nesta data querida...
Muitas felicidades... Muitos anos de vida!”

Sim, o blog fez aniversário! 
 
Como alguns de vocês já comentaram, neste domingo (12), o Fucking Mia completou um ano no ar! E o que começou sem alarde, como uma brincadeira, hoje tem milhares de acessos diários e, sério, eu não poderia estar mais feliz e orgulhosa por todo esse trabalho e o que recebi em troca de vocês. Acho que o blog cresceu, tá ficando velhinho, mas ainda está beeem longe da aposentaria! ;P

Ok, trocadilhos infames de lado... Fato é: eu só faço uma parte, a outra quem faz são vocês – e foda-se se isso vai soar clichê, porque é a mais pura verdade e eu sou brega mesmo, não ligo. Não tenho nem como agradecer. Por tudo, pelos acessos de todo-santo-dia, os papos no Twitter, comentários divertidíssimos no blog, o povo que sempre acompanha, que vem falar comigo na balada, gente que se tornou amigo mesmo, pelos elogios, pelas sugestões, pela divulgação que tanta gente faz sem ganhar nada em troca. Porra, cara, vocês são demais. Mesmo. Se não fosse isso, acho que já teria perdido o sentido.
 
Então: obrigada, obrigada! :)

Espero que o tempo de vida do blog atinja mais uns aninhos (quem sabe?). Ainda tenho muita coisa planejada e já devem ter reparado que uma “leve” obsessão com detalhes faz com que o decorrer do blog caminhe lentamente, mas chegaremos lá! Com muitos barracos, sexo, drogas e rock n’ roll no meio do caminho. Ah! E não posso deixar de agradecer também (e imensamente) à minha amiga Noelly Castro que, entre outras coisas, me ajudou com a aprovação de comentários por alguns meses, com o HTML do blog e com a divulgação, sempre.
 
Aliás, obrigada a todo mundo, de novo.

E, né... Feliz aniversário, Fucking Mia.

Mel M.

dezembro 06, 2010

A tal ex da minha ex

_Meu, o que aconteceu?! – liguei imediatamente para a Marina.
_Achei que cê não fosse ver... – ela disse baixinho, desanimada.
_Claro que eu ia, Má. Desculpa, é q-que só peguei o celular agora, meu. E-eu tava... com o Fer... aqui... – me atrapalhei um pouco, sem querer admitir que a havia trocado por seis partidas de videogame – ...me conta o que aconteceu, meu.
_E-ela... ela terminou comigo.
_Quem terminou?
_A Bia. Ela... – a sua voz hesitou e eu senti vontade de abraçá-la na mesma hora – ...foi tão do nada. A, a gente estava tão bem, poxa...
_Mas ela não ia passar o fim de semana aí, meu?
_Sim, ela veio e... foi... foi ótimo. Ai, e-eu... – murmurou, soando realmente chateada – ...eu gosto tanto dela, não é justo!
_Mas o que aconteceu, Má?!
_E-ela... ela acha... – suspirou – ...ela acha que e-eu ainda gosto de você, meu. E que... eu... e-eu não...
_DE MIM?! – me indignei, a interrompendo – MAS DE ONDE ESSA GAROTA TIROU ISSO?!?
_Ah, meu... Ela n-não entende como a gente pode ser amiga, a-acha que eu te dou muito espaço na minha vida, não sei... E-eu... – a voz dela começou a tremer – Foi... foi culpa minha, foi um... um negócio que eu falei... sexta... eu comentei que... que você queria vir ver filme com a, a gente... era para ser uma piada, meu... eu contei toda a história... da... da Mia... n-não sei porque ela acha que... eu e você temos qualquer coisa! – respirou fundo, tentando controlar suas emoções – Mas aí ela... ela disse que... que eu não tô comprometida com o que a gente tem... sendo que, q-que ela que não queria namorar, sabe? E-eu sempre fiz tudo pra gente ficar junta e do nada, meu, ela diz que... q-que não tem paciência para quem ainda, a-ainda tem rolo com ex, que ela... e-ela... precisa... de outra coisa na vida dela... agora... – começou a chorar, angustiada – ...que precisa estar com... com alguém melhor.
_COMO ASSIM ALGUÉM “MELHOR”?! – me revoltei, andando de um lado para outro na sala – VOCÊ QUE PRECISA DE ALGUÉM MELHOR DO QUE ELA, MEU! QUE FILHA-DA-PUTA!
 
Escrota. A simples ideia de alguma garota partindo o coração da Marina me tirava do sério. Ouvi-la chorando era uma das poucas coisas no mundo que eu não podia suportar. Quis matar a desgraçada da Bia na mesma hora.
 
_Não. Ela não pode estar falando sério, Má... Essa mina perdeu a cabeça. Você é a pessoa mais incrível que eu conheço! Você é maravilhosa!
_É, sou “maravilhosa”... – parecia tentar conter as lágrimas, do outro lado da linha – ...mas todo mundo sempre termina comigo.
_Não é verdade, Marina.
_Não?! – se indignou – Como cê pode dizer isso se nem você ficou comigo?
_Não fiquei porque eu era uma completa idiota! Má, pelo amor de deus, você sabe disso – argumentei – Não foi por sua causa! Você é a melhor namorada que alguém pode ter, meu...
_...e você foi lá e ME TRAIU! – levantou a voz, irritada comigo – E A GI ME TROCOU PELA CAROL, A LUÍSA NÃO ME APRESENTOU NEM PRA MELHOR AMIGA, SÓ POSSO SER EU A PORRA DO PROBLEMA!
_MARINA, PARA. NÃO ENTRA NESSAS!
_SOU EU, SIM!
_NÃO É, PORRA! – briguei com ela – Escuta. Relacionamento é assim mesmo, meu... Tá todo mundo terminando o tempo todo, caralho, isso não tem a ver com você. Cê não pode entrar nessa lógica, linda, não pode ficar se botando pra baixo. E outra, eu era uma pirralha quando namorei com você, mano... Queria viver todas as minhas vontades, era imatura, egoísta. Qual a desculpa dessa garota aí? Ela já deveria saber melhor, porra. E agora vem despejar as frustrações dela em cima de você?? E assim, do nada! Não tem nada a ver o que ela tá falando!
_Mas, porra, não é possível. Não tem uma garota no mundo que me ache... suficiente? – se chateou – Que... q-que goste mesmo de mim?! Eu... e-eu não sei o que eu estou fazendo de errado.
_Linda, por favor... Não pensa assim! – o Fer passou na minha frente com a chave do carro na mão, como se fosse sair, e eu o segurei pelo braço sem explicar – Você não tá fazendo nada de errado...
_Não?! Porque eu tô cansada... – começou a chorar de novo – ...cansada de ser largada, de chorar, de correr atrás de quem não me quer, caralho, eu não aguento mais. A gente... a, a gente tava tão bem, sabe! E-eu cozinhei pra ela no sábado... a gente passou o dia juntas... eu... fiz tudo... mas... m-mas aí... aí hoje... do nada...
_Má, me escuta, você não fez nada de errado. É sério. A culpa não é sua! Essa mina é louca!
_MAS CÊ NÃO ENTENDE??? – ela levantou o tom de voz, retrucando – EU, E-EU GOSTO DELA, CACETE!
_Eu sei, linda... Não fica assim, meu! – eu me fragilizava, cada vez mais, com a tristeza dela ao telefone e o Fer me olhava sem entender – Onde cê tá?
_Na redação, eu... Eu vim faz umas três horas, terminar uma matéria, mas... – ela suspirava, sem fôlego – ...aí a gente começou a discutir e...
_Como na redação?! – a interrompi – Essa menina terminou com você por onde? Por telefone?!
_Por MSN – respondeu, baixinho.
_FILHA-DA-MÃE! – me indignei, largando do Fer e já pegando as minhas chaves e a carteira na mesa – Escuta, eu tô indo aí.
_Ai, meu... Sério, foi tão... tão... horrível, ela nem me deu chance de... de explicar! Se irritou e me bloqueou! E-eu tentei ligar, mas... mas ela não me atendeu... e-eu não sei o que fazer, não sei porque ela... ela ficou tão... brava. Como ela pode ignorar tudo que a gente tinha juntas?
_Má, essa garota é uma ridícula – argumentei, fazendo sinal para o Fer me esperar – Faz o seguinte: lava o rosto e toma uma água. Tenta escrever a sua matéria, desce no estacionamento para tomar um ar, sei lá, não fica pensando nisso que agora já passou... A gente vai consertar, eu prometo. Mas fica aí, meu... Eu já tô indo.
_Tá.
 
Desliguei o telefone, puta da vida, e perguntei para o Fer onde ele estava indo. “Na casa da Mia”, ele disse, meio bêbado, e explicou que ia tentar falar com ela. A resposta me acertou no estômago. Ótimo, era tudo que eu não precisava saber. Me atrapalhei, por um instante, com a ideia de que talvez ele fosse até o quarto que eu tinha deixado horas antes, naquela manhã, para acertar as coisas entre eles. De que talvez conseguisse. Cacete. Não sabia como me sentir com aquilo – mas não podia deixar a Marina na mão. Não ela.
 
_Me leva no trampo da Marina, meu?
_Ah, mano... – reclamou – É pra lá da Heitor Penteado!
_Que tem, meu?! Aqui do lado!
_Porra, já bebi um monte, na Dr. Arnaldo sempre tem blitz, cê sabe disso, meu.
 
Não, não sei. Porque eu ando de transporte público, ô babaca.
 
_Fer, a gente vai por dentro... Que que custa, meu? Vai, por favor!
_Tá, que se dane – ele sacudiu a cabeça, como se não quisesse pensar responsavelmente a respeito – Já pegou suas coisas?
_Já.
_Vamos nessa, então.

Desligada

As horas passaram voando. E as não muitas cervejas restantes no apartamento – depois da passagem da Lê – desceram todas garganta abaixo, enquanto eu humilhava o meu pobre melhor amigo repetidas vezes na corrida. , deixando meu ego de lado, foram pouco mais de metade. Mas ainda assim. Lá pelas tantas, me levantei para ver se achava mais alguma latinha escondida na nossa geladeira.

_Acabou mesmo, meu! – gritei, ao abrir a porta das últimas esperanças.
_Tô com puta sede, mano... – o Fer berrou de volta da sala – Não tem nada?!
_Vejamos, vejamos... – murmurei para mim mesma e olhei, sem querer, para aquela Bacardi, ali, num canto esquecido e com o vidro já embaçado de tanto passar frio na geladeira.

É você mesma, baby.

Animada com a minha escolha, comecei a vasculhar nossa cesta mal frequentada de frutas. Sem sucesso. Então, busquei na gaveta de verduras – nada de limões. Inferno. Quando estava prestes a desistir, localizei os malditos escondidos no lugar onde supostamente deveriam estar os ovos. Cinco deles... e meio. Vai ter que ser o suficiente, calculei, empilhando-os na mão enquanto alcançava o açúcar. Estava feliz de passar algum tempo com o Fer. Cada vez menos tínhamos tardes como aquela – desde que eu passei a evitá-lo no apartamento por ciúmes, isto é. Ou culpa.

E assim, tão logo o meu pensamento cruzou as redondezas da Mia, me lembrei que o meu celular tinha descarregado horas antes. Merda, mil vezes merda, pus-me a xingar mentalmente, com as mãos imobilizadas por toda aquela sujeira de limão-com-açúcar-e-rum, impossibilitada de ir colocá-lo para carregar. Saco. Já eram quase sete da noite e o céu escurecia à minha frente, através das frestas do vitrô da cozinha. Acelerei o processo, concluindo meia panela de caipiríssima, onde despejei duas travessas de gelo. Lavei minhas mãos em seguida e voltei para a sala, ligando o telefone na tomada.
 
Sentei novamente no sofá, deixando a panela gelada na mesinha de centro e o celular ao meu lado numa almofada. O Fer já tinha tirado a camisa e acendido um cigarro – do qual eu me aproveitei, assim que vi.

_Cê mudou o jogo, porra?! – olhei a tela da TV, desapontada.
_Ah, meu, faz horas que a gente tá jogando o mesmo...
_Mau-perdedor.

Quando a panela já estava acabando, nós dois nos encontrávamos na quarta ou quinta disputa – e eu enfrentava uma onda de má-sorte infeliz, perdendo de lavada. Argh. Só então que percebi, numa olhada de canto de olho pro celular ao meu lado, que eu tinha uma mensagem não lida. Observei melhor o nome abaixo da notificação e, ah, a Marina pode esperar. Só que o que era para ser só mais uma rodada, obviamente viraram duas, três, quatro... ou seis, para ser mais precisa. E aí, quando finalmente fui ler a mensagem, percebi que talvez ela não pudesse, de fato, esperar.
 
A Marina estava mal. Merda.

Azia e videogame

Cheguei em casa, exausta, às três. Ainda não tinha conseguido dormir e aquele almoço se prolongou mais do que deveria. E com bem mais opiniões do que deveria também. A minha mãe ficou reclamando que eu não largava do celular, trocando mensagens com a Mia durante o almoço todo. E para piorar, enquanto o meu velho não decidia se levantar da cadeira, éramos obrigadas a ficar ali na mesa – aí eu me lembrei por quê não era tão fã de almoços em família. Argh. De volta ao apartamento, joguei o meu corpo no sofá e fiquei largada ao lado do Fer, em silêncio por alguns segundos, aliviada, escutando os seus dedos se movendo rapidamente no controle do videogame.

_Se divertiu lá? – ele me olhou, após algum tempo.
_Ô! – fiz um sinal de “joia” para ele, sarcástica, e ele riu – Nossa, ainda bem que isso só acontece a cada seis, sete meses.
_Eles são seus pais, meu... – ele disse, sem tirar os olhos da TV – ...dá uma trégua.
_Olha quem fala! – resmunguei e o Fer mordeu a língua – Mano... Acho que se um dia eu for obrigada a morar com a minha mãe de novo, eu me mato. Tô falando sério!
_Ah, cara... eu gosto deles.
_Puxa-saco! – dei um soco de brincadeira no seu braço e observei o que ele estava jogando – Ô, deixa eu correr também?
_Toma aí – me passou o segundo controle, sem pausar – Deixa só eu terminar essa, falta uma volta.
_E a Lê? Foi embora?
_Foi. Depois que cê saiu – respondeu, concentrado.
_Hm. E você foi onde ontem?
_...
_Fer?
_Filho-da-puta! – jogou o controle no sofá, enquanto a televisão indicava o seu segundo lugar na corrida; aí se apoiou contra o encosto, derrotado, e só então me olhou – ...o que cê disse?
_O rolê de ontem...
_Ah, fui com os moleques no pub aí da... Como chama, caralho?! O que tem sinuca, sabe? Onde o Felipe tocou uma vez... Ali, na... na Itu, manja? O... – ele seguiu, tentando lembrar, e eu o olhava de volta sem nenhuma sugestão – ...o O’Malley’s!
_Ah, tô ligada... – disse, distraída, selecionando a opção de dois jogadores – ...foi só os caras?
_Não, a namorada do Rafa e a do Vini tavam também. Só a Mia que não foi...
_Hum. Tá tudo bem com vocês?
_Tá nada, uma bosta, meu. Ela tá me dando o maior gelo... – comentou, escolhendo o carro na TV – ...desde sexta. Não me respondeu ontem o dia todo. Continua puta, não quer me ver, não quer falar comigo.

Bom, comigo, por outro lado. Me ajeitei no sofá e, então, a corrida começou.

_Que bad, meu.
_Ah, me fode demais isso – disse, parecendo chateado – Eu gosto dela pra caralho.
_Eu sei – me senti uma mentirosa, tentando consolá-lo – É osso. Mas, às vezes, ela só precisa de um tempo, sabe...
_É. Sei lá – lamentou, respirando fundo, com os olhos ainda no jogo – Eu fiz merda, cara.
_Calma, Fer, não foi tanto assim...
_Ah, velho, ela não tá nem me atendendo... Tenho medo de ter fodido as coisas por causa duma discussão idiota, de bêbado, meu. A gente brigou muito feio na sexta, eu não devia ter falado aquelas merdas.
_Não, calma... – me senti péssima – ...cê vai ver, daqui a pouco ela tá batendo aí de novo.
 
Suspirei, escorregando contra o encosto com o controle nas mãos. Não sabia o que me fazia sentir pior – a minha traição de merda ou dizer que tudo ia ficar bem, enquanto desejava com todo meu coração que não ficasse. Inferno.
 
_É. Quem sabe... – ele murmurou – Espero que sim.
_Vai, sim, meu.
_Pode ser. A Mia é cheia dessas também, faz greve por uma semana e depois vem aí queren...
_SAI DA FRENTE, PORRA! – gritei com a TV, de repente, interrompendo aquela conversa antes que começasse a me dar um desgosto maior.