agosto 27, 2011

We mimic the openness

…of the ones we love.
(Björk)

O meu lance com a Thaís não era um lance. Tecnicamente a gente não tava ficando – apesar de vez ou outra acabarmos na cama, por pura falta de algo melhor para fazer vergonha na cara. A real é que a maioria das vezes que eu ia no seu apartamento era pra evitar a Mia no meu ou pra fumar um. Ficava à toa, rolando no chão com o Bruce e conversando, enquanto ela desenhava tatuagens para alguma cliente. Ela tagarelava sobre qualquer garota que estava afim e eu reclamava sobre a minha vida. A gente se entendia.
 
E sim, ocasionalmente, quando dava vontade, a gente se pegava também – até porque, né? Nunca vi dois grelos grudar tão bem desse jeito, puta merda.
 
Naquele anoitecer de domingo, todavia, me atracar com a Thaís talvez não tenha sido a melhor das ideias. Estava um calor dos infernos. E se o ventilador já não estava dando conta de nós duas ali paradas – imagina quando resolvemos nos comer bem no meio da sala. Caralho. Sentia o suor escorrendo pelas minhas costas enquanto eu a fodia, passando das suas coxas para as minhas quando a gente as encaixava, pingando da sua testa no peito assim que ela subia em cima de mim, me fodendo também, e escorregando sob a minha mão na sua pele. Cacete. Eu soltava o ar pela boca, cozinhando de calor, esfregando o antebraço no rosto para me enxugar como dava, antes de a lamber perna adentro – a chupando até molhar a cara toda, de novo. Sacanagem.
 
Gozamos até não sobrar mais fôlego nos nossos pulmões – e em cada músculo do nosso corpo –, aí largamos nossas pernas e braços sobre o chão por alguns minutos. Até conseguirmos juntar força para nos mover ou sequer falar qualquer coisa. Como pode essa desgraça foder tão bem assim? Senti meus músculos tremerem por dentro, sem saber ao certo se os tinha os forçado por tempo demais ou se a culpa era dos orgasmos. Deixava a minha mente afundar em si, ainda chapada, sentindo cada centímetro do meu corpo.
 
A Thaís se levantou e desligou a TV, acendendo a luz da sala. Foi até o banheiro. E eu me despertei daquele estado de relaxamento, virando para alcançar o maço sobre o sofá. Aí soltei o corpo de novo no chão, exausta. Acendi um cigarro e soprei a fumaça em direção ao teto. Ouvi a descarga e, pouco tempo depois, a porta do banheiro se abriu. Observei a Thaís caminhar até uma caixa de som, colocando algo para tocar e vestindo a mesma camiseta de horas antes no corpo, enquanto eu tragava preguiçosamente. Assisti aquele pedaço de pano cobrir parte das suas tatuagens. Ela tinha uns braços fortes e o corpo grande, caminhoneira. Geralmente usava um boné para trás, mas naquele dia estava sem, com a franja curtinha jogada sobre a sobrancelha.  
 
Veio até onde eu estava e subiu em cima de mim, me olhando imprestavelmente. Mordeu meu pescoço, num beijo molhado. E eu achei graça, rindo da nossa falta de limite. Ela ergueu a cabeça e sorriu, perguntando do que eu estava rindo, já achando graça também. “Nada”, respondi. E ela se moveu lentamente para frente, na minha direção, me dando um beijo de desgraçar a cabeça. Aí largou o corpo ao meu lado, me roubando o cigarro por um instante.
 
_Essa música é animal, escuta – pediu, encarando o teto junto comigo.
 
Cantarolou duas ou três palavras. E eu prestei atenção no som, pegando o cigarro de volta, tragando mais uma vez.
 
_É Björk?
_É. Já tinha ouvido?
_Essa não – soltei a fumaça, aos poucos – Faz uma cota já que não ouço Björk, nossa. Ouvia muito antes.
_Hum, sei – ela riu, me zombando – Quer dizer que agora cê ouve “outras paradas”, então...
_Cala a boca... – a empurrei para o lado, rindo – ...não é, é só que... sei lá, me lembra alguém.
_Quem?
_Ah! Uma mina aí que eu saía, ano passado...
 
Me senti estranha, por um instante, ao responder.
 
_Ixi. Quer que eu tire?
_Não – sorri – De boa.
 
E foi aí que o Bruce, que até então estava capotado na cozinha, passou andando por nós – daquele seu jeito idoso e meio cego – e, num equívoco, levantou a pata para mijar sobre um vaso de planta, onde acidentalmente estava escorado o celular da Thaís. Ops. Num só pulo, aos berros, assisti minha amiga levantar correndo. E comecei a gargalhar, enquanto o Bruce abanava o rabo, sem entender porra nenhuma.

agosto 13, 2011

Passatempo

E lá pelo último terço do baseado, morrendo de calor, digamos... nós ficamos entediadas.

Baixa Augusta

Bati a porta sem olhar para trás. E caminhei até o elevador, alcançando os fones no meu bolso para ouvir qualquer coisa no iPod velho que comprei do Gui. Bowie? L7? Arctic Monkeys? Isso. Antes que desse por mim, já estava na rua e o Alex Turner cantava nos meus ouvidos. Desci a Augusta quase inteira e o corre foi tranquilo. Pouco depois das quatro e meia e eu já me encontrava completamente desocupada nas redondezas.
 
Tá. E agora, o quê?
 
Não queria ficar andando pelos cantos com 60g de maconha nos bolsos – não é mesmo? –, mas também não fazia muita questão de voltar para o apê e ver a cara da porra da Mia. Então mandei uma mensagem para a Thaís e colei lá. Salve, salve. A porta do seu apartamento estava destrancada quando cheguei. Assim que abri, fui recepcionada aos pulos pelo Bruce, que quase me derrubou no chão naquela animação vira-lata.
 
Minha amiga estava largada no piso, em frente ao sofá, tomando uma cerveja e assistindo “Pingu” na TV. Era até engraçado ver uma caminhão daquele tamanho, cheia das tatuagens, se entretendo com um pinguim de massinha que fica gritando “NÚT-NÚT”. Me juntei a ela no chão e nos atualizamos das últimas novidades – que, no meu caso, se resumia à audácia da Mia meia hora antes.
 
_Nem sei. Na boa, não sei mesmo... – comentei, depois de contar toda a história, deitando de costas no chão da sala enquanto a Thaís enrolava um do meu lado – Não entendo qual é a dela, meu...
_Ah, ela quer atenção... – a Thaís riu, lambendo a seda em seguida – ...é isso.
_É, né, agora que não tem mais...
_Foda, velho... Sem noção essa mina aí... – colocou o baseado entre os lábios e o acendeu, dando um trago – ...meu, vir com esses papinhos aí depois de te dar o maior fora?! Nem a pau. Num vem querer ser amiguinha, não!
 
Pois é. Dobrei um dos meus braços atrás da cabeça, apoiada no piso de madeira, e encarei a faixa de luz que o entardecer projetava da janela até o teto.
 
_Ei, e deixa eu te falar... – me chamou, passando o baseado – ...falei com aquela minha amiga lá, a Renata.
_Ah! E aí?!
_Ela disse que tá rolando ainda lá, passei seu número. Deve te ligar essa semana...
_Sério?! – sorri, empolgada, equilibrando o baseado na boca – Porra, que massa!
_É. Mas agora vê se num me faz passar vergonha, hein, meu, falei mil maravilhas de você, a Rê ficou animada pra caralho. Num me vai cagar na entrevista...
_Cala a boca, trouxa! – traguei demoradamente e ri – Claro que não, vou fazer certinho. Porra, mano, valeu mesmo...
 
Fiquei feliz. Aquilo me enchia de novas perspectivas, não sei – fazia tempo que não me sentia assim. Uns dias antes a Thaís tinha comentado sobre uma amiga que trabalhava numa produtora quase só de minas na Brigadeiro, que estava com vaga para assistente de produção. Não era exatamente o que eu fazia, mas pagava bem mais – e né, eu já estava de saco cheio de ficar rodeada de fotógrafo escroto o dia todo, organizando álbum de casamento e fazendo corre de produção pruns shoot de formatura. Credo. Tédio mortal.
 
Bati o baseado num cinzeiro no chão, com esperança de conseguir sair do estúdio. Já era fim de fevereiro e o ventilador do apartamento da Thaís movimentava o ar quente inutilmente, de um lado para outro. A cidade inteira parecia estar enfiada numa porra dum microondas. Cacete. A Thaís resmungou do calor, tirando a camiseta. Ficou só de cueca e passou a camiseta na testa e na nuca, secando o suor. Faltava uma semana pro Carnaval.
 
_Meu, e cê já decidiu se vai no rolê da Lê semana que vem?
_Se pá vou... – pegou o baseado de volta e tragou mais uma vez, apoiando a cabeça no sofá atrás de nós, agora com os peitos de fora – ...preciso ver se a grana vai dar, janeiro foi fraco. Ninguém tatua no começo do ano, meu.
_Velho, não, cê tem que ir. Sério! – implorei – Cê não pode me largar sozinha com a Marina e a porra da Bia num carro por sei lá quantas horas, mano. Puta morte lenta e horrível.
 
A Thaís soltou a fumaça no ar e riu, achando graça do meu drama.
 
Vai rindo, vai, desgraça.

agosto 11, 2011

3 Little Words

_Posso... – a Mia perguntou, falando baixinho – ...sentar aí?

A ouvi andar na direção de onde eu estava sentada no sofá, calçando meus All Stars. Lá vem... Uma indisposição imensa de estar perto dela me incomodou. Ainda assim, me movi um pouco para o lado, por educação, liberando espaço para ela se sentar. Peguei o outro tênis no chão e comecei a amarrar o cadarço, apoiando o pé sobre a mesinha de centro.
 
_E-eu... – ela murmurou e parou.

Você...? Os seus olhos me observavam, hesitantes, subitamente quieta. Sua comida não tá queimando no fogo, não?, me irritei com aquele silêncio, desejando que alguma fumaça saísse da cozinha e me resgatasse daquela situação. O Fer tinha acabado de ligar o chuveiro. Mantive os meus olhos nos cadarços, já quase terminando de amarrá-los, mas senti que ela queria me dizer algo. Saco.
 
_O que é?! – a questionei.
_Escuta, a, a gente... – ela suspirou – ...a gente n-não precisa ficar assim.
_Assim como?

Só então voltei os meus olhos para ela, ao meu lado.
 
_Olha, eu... e-eu não quero que você, sabe, me... – falou, baixinho – ...me odeie pra sempre.
_Eu não te odeio... – respondi, sem interesse nenhum no que estava me dizendo, e peguei um cigarro à minha frente, largando o maço de qualquer jeito na mesinha de centro.

A Mia ficou me olhando, com certo pesar, enquanto eu acendia o cigarro. Às vezes, acho, magoo as pessoas sem nem querer. Mas, né, dane-se. Naquele momento, eu estava mais interessada em fazer a minha brasa pegar por igual do que em prosseguir naquele papinho de merda dela.
 
_Então, cê não... tá... – murmurou, confusa – ...sei lá, incomodada... comigo aqui? Eu... eu achei qu...
_Não... – traguei lentamente – ...a vida é sua, Mia.
_Tá. Mas você não acha que o clima tá m-meio estr...
_Sei lá. Cê que sabe, meu... – continuei, a interrompendo antes que terminasse – Cê acha?!
_Bom, é meio óbvio... Não?! – ela mudou o tom, ligeiramente ofendida com a minha atitude – Sabe, eu... e-eu venho aqui e a gente nem se fala, meu! Parece que nem te conheço. E... E é, é que, é você. Porra... E eu, eu não queria que as coisas acabassem assim, mesmo que a gente não ten...
_Tá bom – a cortei, de novo – E o que você quer?
_Eu s...
_Cê quer que eu seja sua amiga... É isso?!
_N-não, eu só... – ela respirou fundo, frustrada – ...e-eu... – abaixou a cabeça por um instante e aí ergueu os olhos até os meus, mais uma vez – ...sim. Quero.

Me encarava como se aquilo pudesse resolver todos os seus problemas. Bem consigo mesma, sabe, como se eu fosse a última peça a ser encaixada na sua vida. Tinha uma das pernas tatuadas sobre o sofá e a outra para frente, apoiando a ponta do pé descalço no chão. Olhei-a por alguns segundos, sentada ali ao meu lado, com os fios castanhos quase encostando sobre a coxa, e traguei mais uma vez antes de me levantar para dar o fora.

_Não.