dezembro 14, 2009

80's kids

_Mas espera, quantos anos cê tem mesmo?
_23 – respondi.
_Ai, como você é ridícula... aí falando que “na sua época”, mano, se toca!
_Quê?!
_São três a mais que eu. Três! E daqui uns meses, só dois...
 
Tá bom, gata, quando chegar em dois a gente dá uns beijos pra comemorar.
 
_Que foi? – indagou, como se eu risse dela.
_Nada, deixa pra lá...
 
A Mia continuou me olhando, insatisfeita com a resposta. Uns minutos antes, a conversa tinha ido parar nas tranqueiras que comíamos na infância e eu a provocava deliberadamente, falando dos comerciais que passavam na TV como se ela não tivesse idade para ter visto nenhum deles. Agora ela me encarava, contrariada.
 
_Cê acha que eu nasci nos anos 2000, né? Eu sou de 89!
_Desculpa aê, gente grande, mas semana passada você me perguntou que música era a...
_EU JÁ DISSE QUE CONHECIA, SÓ NÃO SABIA O NOME!
_Era Blondie. BLONDIE! Quem não conhece Blondie?
_Eu conheço Blondie. Eu só não sab...
_É a coisa mais pop dos anos 80! – interrompi, rindo.
_Não é a coisa mais pop dos anos 80...
_É a coisa mais pop que eu ouço dos anos 80.
 
A Mia revirou os olhos, achando graça na minha atitude.
 
_Você deve me achar uma pirralha...
_Acho – respondi e levantei da mesa, rindo.
_Babaca.
 
Caminhei até a pia e abri a torneira, jogando água sobre o prato. Olhei por cima do meu ombro e vi a Mia ainda sentada em cima da mesa, indignada, me encarando de volta. Achei graça.
 
_Olha... – pisquei na sua direção, a provocando – Mas até que eu gosto dumas novinhas assim, que nem você.
 
“Cala a boca! Novinha o caralho!”, ela protestou, rindo. Terminei de lavar o prato e sequei a mão na lateral das coxas – meio na minha camiseta, meio molhando as minhas pernas. Então agachei para pegar o filtro de café sob a pia e me levantei, em seguida, procurando qualquer coisa limpa no escorredor onde eu pudesse ferver água. A Mia me observava, em toda a minha caminhoneirice, a uns metros dali.
 
_Ô. É bonita essa sua cuequinha aí, hein... – comentou.
 
Olhei para baixo para lembrar o que estava vestindo e aí balancei a cabeça, rindo.
 
_É assim? Um xaveco meu e você já é sapatão?
_Ah, nossa, aquilo foi um xaveco?!
_Poderia ser...
 
E ela revirou os olhos mais uma vez, negando com a cabeça.
 
_Triste, hein?! Essa é a sua melhor cantada?
 
Não, a respondi em pensamento. E a Mia pulou em pé no chão, pegando o meu maço sobre a mesa. A observei, conforme ela acendia um cigarro do outro lado da cozinha. Ao fundo, ainda podia ouvir a TV ligada na sala. Ela fechou os olhos por um instante, dando a primeira tragada, e depois os reabriu, me olhando de volta por trás da fumaça. Assim – encostada na parede de ladrilho, quase me desafiando. E o clima mudou. Apoiada contra a pia, observei as suas pernas naquele vestido, numa vontade desgraçada de entrar ali. A Mia me encarava de volta. E o silêncio parecia transformar toda estática do ar em tensão entre nós.
 
Por um segundo, senti uma abertura. Por uma porra de segundo. Então desencostei da pia e andei na sua direção, apoiando a mão por cima do seu ombro, até chegar bem perto, quase a prendendo contra a parede. Os seus olhos se fixaram nos meus. E de repente, já não parecia mais tão brincadeira assim. Eu estava confortável, a encarava de volta – mas podia sentir a sua respiração ficando mais intensa. Que vontade de te dar um beijo, garota. Puta merda. O meu corpo estava quase encostando no seu. Podia sentir o ar sair do seu peito, inquieto, até a sua boca entreaberta. Ali, atenta a cada movimento meu.
 
_O dia que eu der em cima de você, Mia – falei baixinho para ela – Você vai saber.
 
Ela não se moveu, nem um milímetro mais. Não piscou, sequer respirou. Céus, tô dando em cima da namorada do meu melhor amigo. Qual é meu problema?, achei certa graça. E meio sem jeito, após intermináveis segundos de silêncio, a Mia forçou um sorriso. Passei a mão na sua cabeça, bagunçando propositalmente o seu cabelo, como se indicasse que estava só brincando. Não estava. Mas, né – que opção eu tenho?
 
_Ei, quer ver TV? – mudei rapidamente de assunto e dei uns passos até a porta da cozinha, como se nada estivesse acontecendo.
_Não, e-eu... – ela murmurou, um tanto confusa – ...acho q-que, que vou para o quarto esperar o... o Fê chegar.
 
Não me virei para ouvir a sua resposta, apenas continuei até a sala e religuei a TV. Instantes depois, a Mia passou pelo corredor atrás de mim e entrou no banheiro, fechando a porta. Merda. Deitei no sofá e passei a mão no rosto, me forçando a cair na real. Merda. Merda. Merda. Decidi ignorar minha vontade de desaparecer e afundei o corpo numa almofada. Olhei para a televisão e ela continuava na droga da TV Jockey. Inferno. Me arrependi de ter feito falado sonhado insinuado qualquer coisa para a Mia.
 
Agora ela estava lá, trancada no banheiro, pensando sabe-se-lá o quê de mim. Argh. Preciso me controlar, repeti para mim mesma, me sentindo uma idiota. Olha o que você tá fazendo, porra. Isso vai dar ruim. Muito ruim. Olhei novamente para a TV e as malditas corridas de cavalo continuavam lá. Aquilo me irritou profundamente e, num impulso, eu desliguei a televisão. Preciso sair daqui. Subitamente impaciente. Coloquei a calça que estava largada no chão, peguei dinheiro, o iPod, o maço e fui para rua. Puta comigo mesma.

2 comentários:

  1. Hum .. o fato de ela comentar que o namorado ia demorar me faz indagar que ela queria algo .. rsrs

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  2. Mel, essa estória é genial desde o começo! :)

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