janeiro 30, 2010

Os mal-entendidos de sempre

Não vi a Mia por uns três dias e, na quarta-feira, meu pai me ligou. É, o meu pai. Aquele bonachão adorável e ocupado que raramente entrava em contato comigo. Não que nós tivéssemos motivos para não ligarmos um para o outro – nós dois simplesmente não gostávamos de telefone. Sempre restringi o meu uso a situações de real necessidade, um hábito que certamente puxei dele já que a minha mãe era a própria reencarnação duma telefonista.
 
Sendo assim, me surpreendi ao ver o telefone do meu pai piscando na tela do celular. Larguei o trabalho imediatamente e o atendi. Estava com saudades de ouvir sua voz. Logo na primeira frase fui intimada a encontrá-lo para jantar. A ligação chegou em boa hora – eu estava faminta e a quantidade absurda de álcool comprada para a festa havia acabado com todos os meus últimos centavos.
 
O meu pai era um “paulistano” convicto – isto é, mesmo tendo nascido e crescido numa cidadezinha no interior do Pará. Veio para São Paulo uns anos antes de conhecer a minha mãe e, desde então, raramente pisava para fora do seu mundinho em Santo Amaro. Era um tanto bairrista. Mas aquela quarta-feira era uma exceção: um fornecedor qualquer o arrastou para as redondezas do estúdio onde eu trabalhava. Eis o porquê do telefonema, concluí. E sem pensar duas vezes fui encontrá-lo num restaurante a poucas quadras dali, assim que terminou meu expediente.
 
_E então... – me perguntou, interessado, pouco tempo depois de começarmos a comer – Como vai no emprego?
_Vai bem. Sei lá, normal. Muita coisa para fazer...
_E em casa, tudo bem?
_Tá, sim.
_Como vão as coisas entre você e o Fernando? – ele me olhou, forçando um olhar de “sogro” na minha direção – Hum?!
_Pai... O Fernando não é meu namorado, você sabe disso. Nós somos só amigos.
_Isso é o que você continua me dizendo, mas aquele garoto gosta de você – ele continuou, como se estivesse coberto de razão – Confia no que eu estou te dizendo. Eu sei como é...
_Não – eu ri – Escuta você o que eu estou dizendo: o Fernando gosta de garotas que gostam de garotos, como ele. E não de outras minas, que nem eu.
_Ah. Por favor! – me zombou – Vocês não desgrudam desde que eram pivetes!
 
Cê também não desgruda do pai dele, não é?, o encarei, achando graça, tão sempre aí fazendo churrasco, vendo futebol junto e nem por isso eu tô aqui fazendo planos pro casamento de vocês. A piada já era antiga entre as nossas famílias. Todo mundo sempre achou que íamos acabar nos casando. E apesar de ser o maior sonho do meu pai, na esperança de que alguém me salvasse da sapatonice, provavelmente era o pior pesadelo do pai do Fer.
 
Os dois se conheciam através dum primo do meu velho – que eu mesma nunca conheci. Meus pais ajudaram a família o Fer a se instalar na cidade quando eles se mudaram para São Paulo, quando o Fer tinha 9 anos, e desde então ficou todo mundo muito amigo. Dois anos depois, ele passou a estudar na mesma escola que eu, aí nos tornamos inseparáveis. E terríveis. A gente andava pra todo lado junto quando era adolescente e, dada a proximidade das nossas famílias, toda vez que aprontávamos a gente tomava bronca duas vezes. Era um saco. 
 
_Eu nunca vejo ele com outra garota – meu pai retomou – Tá sempre aí, com a minha filha linda, é ou não é?
_Nossa, pai... – balancei a cabeça, com uma careta de quem acabou de ouvir a maior besteira do mundo – Que absurdo. O Fer tá sempre com alguém, meu, inclusive tá namorando agora.
_E quando vocês casam? – sorriu, com uma certa ironia.
_Não comigo... O nome dela é Mia.
_Mia? – ele colocou mais uma garfada na boca, falando de boca cheia – Sou mais a minha filha.
_Céus...
_Mas essa tal de Mia aí, é boa gente? Você gosta dela?
 
Eita, quem te contou?, me diverti em pensamento. Era estranho ter que explicar quem era a Mia para o meu pai. Deixa eu ver, pensei, como posso resumir? Gosto, pai, gosto mais do que deveria, muito mais, passo o dia inteiro pensando nela obsessivamente, é uma pena que o Fer chegou primeiro e, sim, estou apaixonada, perdidamente apaixonada, a gente até já se pegou uma vez e agora não estamos nos falando direito, mas sabe como é, né pai, coisa de amiga.
 
_Ah... – disse, por fim, evitando qualquer resposta sincera – Ela é boa gente, sim. Sei lá, normal.
_Sei.
_Nada demais.
_Eu sabia! – ele riu – Sabia! Me diz se isso não é ciúmes do Fernando? Tá na sua cara!
_Pois é, pai, pois é...
 
Concordei, rindo, a fim de não prolongar o assunto. E aí voltei a encarar a comida no meu prato, ciente até demais de quem eu realmente tinha ciúmes, involuntariamente pensando de novo na Mia. Droga.

3 comentários:

  1. uhnn.. um pai foi ótimoo..

    Desde: "Muito, acho que...", até: "...coisa de amiga!", sem comentários.. hehehe

    (L)

    ;)

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  2. eu ri demais quando vc pensava no que fla pro pai. acabo fazendo isso o tempo todo, mas já percebi que nao é muito bom fazer isso. rs

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  3. FATO! As respostas pro pai são as melhores! kkkk rachei! perfeito

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