Que erro. Me afoguei no tecido, me contorcendo sem
nem perceber. Não conseguia adquirir consciência, apenas me movia por impulso.
E o meu corpo inteiro reclamava – sentia o meu interior enfraquecido. Meu
estômago se revirava e eu me recusava a abrir os olhos, meu deus,
numa ressaca violenta. Onde diabos eu tô?, a minha mente despertou
por um instante. E abri os olhos. Os lençóis se misturavam com a franja
bagunçada sobre o meu rosto, afundada no colchão.
De repente, a minha barriga se dobrou involuntariamente.
Nauseada. Levantei com certo esforço, desorientada; a minha cabeça doía. Argh,
onde é o banheiro nessa porra?! Respirei fundo, aquela agonia me
pesava o corpo todo. Merda. Andei, passo a passo, pisando
descalça no chão, quase cambaleando. Banheiro, banheiro,
banheiro... Saí no corredor, procurando, confusa. Entrei numa porta e
vi um pedaço de uma cama, onde alguém dormia debaixo duns lençóis amassados. Tá,
aqui não..., encostei a porta de novo e me virei para o outro
lado do corredor, ...onde é, porra? A ânsia que dominava o meu
corpo começava a me desesperar, merda. Empurrei a porta, já quase
onde havia pressuposto ser a sala, e lá estava o banheiro.
Enfim.
Me inclinei sobre a pia e molhei o rosto, alguns fios
grudaram ao longo da minha testa. Numa tentativa de subir minha pressão. Olhei
no espelho e estava completamente destruída. Meu deus. Tirei as
mechas molhadas de cabelo da cara, as minhas olheiras me davam um aspecto horrível
e cansado, de quem bebeu mais do que deveria na noite anterior. E em
todas antes. Agachei em frente à pia, só com a boxer vestida no corpo, me
sentindo enjoada. O que eu tô fazendo aqui, mano, apertei os meus
olhos em desgosto. E os meus órgãos se contorceram, não, inferno... não!
Percorri meio metro arrastado, sem me levantar do chão, e
dobrei o corpo sobre o vaso, levantando a tampa da privada. Maldição.
Deixei a cabeça cair, apoiada nas minhas mãos, me segurando pela testa.
Respirei fundo, tomada por um mal-estar horrível, merda. E aí me
faltou o ar, de repente – comecei a vomitar toda a inconsequência da madrugada
anterior. Merda. Merda. Merda.
Dez minutos se seguiram no chão do banheiro. Daquele
banheiro. Onde diabos eu tô, meu? Minha coxa tinha um chupão, bem
ao lado da tatuagem que a Mia fez em mim. Minha barriga tinha outro. Voltei pro
quarto com uma enxaqueca filha-da-puta, o gosto na minha boca me dava vontade
de vomitar. De novo. Me sentia um lixo. Olhei para a garota
capotada na cama, sem calcinha e nem nada no corpo – o cabelo ruivo estava bagunçado
sobre o seu rosto. E eu não a conhecia.
Peguei a minha blusa amassada no chão e a vesti.
Então, ajoelhei em cima do colchão:
_Ei... – passei a mão no seu ombro e ela despertou, sem se
mover – ...tem uma escova que eu posso usar?
_Hmm? – murmurou, ainda desorientada.
_Alguma escova?!
_Tem uma nova... – disse baixo, sonolenta, quase num suspiro – ...tá lá, na
caixa debaixo da pia.
Fui até o banheiro e revirei a caixa para achar. Escovei os dentes, sem
conseguir me livrar daquele gosto de cabo de guarda-chuva na boca. Ainda me
sentia enjoada. Voltei mais uma vez ao quarto e a garota seguia dormindo,
completamente desmaiada. Dei uma olhada pela janela e não reconheci a
vizinhança. Cadê meu celular? Rodei a cama com as mãos e
depois o chão, até encontrá-lo no bolso da minha calça, largada atrás da porta.
Minha carteira estava vazia e um recibo da balada amassado em uma das cavidades
me auto-incriminava. Merda. Gastei toda grana. Sequer
me lembrava como tinha chegado ali – e me esforçava para buscar qualquer
memória de talvez ter pegado o metrô.
Ou foi o ônibus?
Não conseguia lembrar. E era um sentimento estranho não saber – me sentia
roubada de uma parte de mim. Do pior jeito possível. Ali, sem roupa, no quarto
de uma mina que eu não conhecia, sem ter certeza do que eu tinha feito com o
meu corpo ou quanto tinha bebido. E pior, sem um puto na carteira para voltar
para casa. Caralho. Esfreguei as mãos no rosto. Peguei o celular e
chequei, eram 15:53. Disquei para o Fer e segurei o telefone contra o ouvido,
escutando os toques se sucederem sem resposta. Aí liguei mais uma vez. Mas ele
não atendeu – merda.
Então, passei para a segunda pessoa que eu mais confiava nessas
situações.
_Oi, sou eu. Onde cê tá?
_Em casa, por quê? – a Marina respondeu, do outro lado da linha.
_O que cê tá fazendo?
_Escrevendo. Adiantando umas coisas pra amanhã... – estranhou – O que foi?
_Você... – parei por um segundo, sem realmente querer lhe pedir aquilo, droga –
...você pode vir me pegar?
_Te pegar?
_É. E-eu... – murmurei, envergonhada – ... saí ontem e não tenho como voltar...
pra casa.
_Ah, ótimo... – suspirou, sem paciência com as minhas merdas – ...onde cê tá?
Dei uma olhada ao redor, cara, não faço
ideia. Andei três ou quatro passos até a cama e acordei mais uma vez a
garota. Ela me olhou, com sono.
_Que bairro é este? – perguntei, falando baixo.
_Hum... Penha.
Puta que pariu, a Marina vai me matar.
E de fato, ela bem quis. Assim que eu repeti o endereço ao telefone, pude
ouvir sua respiração pesar do outro lado da linha. Não disse nada, só que
demoraria para chegar – “já que, né, é do outro lado da cidade”. Eu sabia
quando irritava a Marina e aquilo ultrapassava todos os limites do aceitável. Inferno.
Não queria fazer aquilo com ela, mas não ia pedir dinheiro para a garota e não
tinha condições de ir andando, menos ainda no estado que eu me encontrava.
Coloquei o telefone em cima de uma escrivaninha e ouvi os lençóis se mexendo. Olhei
de canto de olho na sua direção e a garota estava com as mãos sobre o rosto,
esfregando os olhos, como se despertasse devagar. Parecia gente boa, não tinha nada
contra ela – e sim, contra mim. Por que diabos eu me meto nessas, mano, fingi
estar distraída, com vontade de sumir. Me sentia uma merda.
_Bom dia... – ela disse, sonolenta, e os fios dos seus cabelos escorregaram
pelo seu corpo descoberto.
Olhei na sua direção e sorri brevemente, por etiqueta.
Chega logo, Marina, pelo amor de deus.