junho 27, 2011

Que erro. Me afoguei no tecido, me contorcendo sem nem perceber. Não conseguia adquirir consciência, apenas me movia por impulso. E o meu corpo inteiro reclamava – sentia o meu interior enfraquecido. Meu estômago se revirava e eu me recusava a abrir os olhos, meu deus, numa ressaca violenta. Onde diabos eu tô?, a minha mente despertou por um instante. E abri os olhos. Os lençóis se misturavam com a franja bagunçada sobre o meu rosto, afundada no colchão.
 
De repente, a minha barriga se dobrou involuntariamente. Nauseada. Levantei com certo esforço, desorientada; a minha cabeça doía. Argh, onde é o banheiro nessa porra?! Respirei fundo, aquela agonia me pesava o corpo todo. Merda. Andei, passo a passo, pisando descalça no chão, quase cambaleando. Banheiro, banheiro, banheiro... Saí no corredor, procurando, confusa. Entrei numa porta e vi um pedaço de uma cama, onde alguém dormia debaixo duns lençóis amassados. Tá, aqui não...encostei a porta de novo e me virei para o outro lado do corredor, ...onde é, porra? A ânsia que dominava o meu corpo começava a me desesperar, merda. Empurrei a porta, já quase onde havia pressuposto ser a sala, e lá estava o banheiro.
 
Enfim.
 
Me inclinei sobre a pia e molhei o rosto, alguns fios grudaram ao longo da minha testa. Numa tentativa de subir minha pressão. Olhei no espelho e estava completamente destruída. Meu deus. Tirei as mechas molhadas de cabelo da cara, as minhas olheiras me davam um aspecto horrível e cansado, de quem bebeu mais do que deveria na noite anterior. E em todas antes. Agachei em frente à pia, só com a boxer vestida no corpo, me sentindo enjoada. O que eu tô fazendo aqui, mano, apertei os meus olhos em desgosto. E os meus órgãos se contorceram, não, inferno... não!
 
Percorri meio metro arrastado, sem me levantar do chão, e dobrei o corpo sobre o vaso, levantando a tampa da privada. Maldição. Deixei a cabeça cair, apoiada nas minhas mãos, me segurando pela testa. Respirei fundo, tomada por um mal-estar horrível, merda. E aí me faltou o ar, de repente – comecei a vomitar toda a inconsequência da madrugada anterior. Merda. Merda. Merda.
 
Dez minutos se seguiram no chão do banheiro. Daquele banheiro. Onde diabos eu tô, meu? Minha coxa tinha um chupão, bem ao lado da tatuagem que a Mia fez em mim. Minha barriga tinha outro. Voltei pro quarto com uma enxaqueca filha-da-puta, o gosto na minha boca me dava vontade de vomitar. De novo. Me sentia um lixo. Olhei para a garota capotada na cama, sem calcinha e nem nada no corpo – o cabelo ruivo estava bagunçado sobre o seu rosto. E eu não a conhecia. 
 
Peguei a minha blusa amassada no chão e a vesti. Então, ajoelhei em cima do colchão:
 
_Ei... – passei a mão no seu ombro e ela despertou, sem se mover – ...tem uma escova que eu posso usar?
_Hmm? – murmurou, ainda desorientada.
_Alguma escova?!
_Tem uma nova... – disse baixo, sonolenta, quase num suspiro – ...tá lá, na caixa debaixo da pia.

Fui até o banheiro e revirei a caixa para achar. Escovei os dentes, sem conseguir me livrar daquele gosto de cabo de guarda-chuva na boca. Ainda me sentia enjoada. Voltei mais uma vez ao quarto e a garota seguia dormindo, completamente desmaiada. Dei uma olhada pela janela e não reconheci a vizinhança. Cadê meu celular? Rodei a cama com as mãos e depois o chão, até encontrá-lo no bolso da minha calça, largada atrás da porta. Minha carteira estava vazia e um recibo da balada amassado em uma das cavidades me auto-incriminava. MerdaGastei toda grana. Sequer me lembrava como tinha chegado ali – e me esforçava para buscar qualquer memória de talvez ter pegado o metrô. 
 
Ou foi o ônibus?
 
Não conseguia lembrar. E era um sentimento estranho não saber – me sentia roubada de uma parte de mim. Do pior jeito possível. Ali, sem roupa, no quarto de uma mina que eu não conhecia, sem ter certeza do que eu tinha feito com o meu corpo ou quanto tinha bebido. E pior, sem um puto na carteira para voltar para casa. Caralho. Esfreguei as mãos no rosto. Peguei o celular e chequei, eram 15:53. Disquei para o Fer e segurei o telefone contra o ouvido, escutando os toques se sucederem sem resposta. Aí liguei mais uma vez. Mas ele não atendeu – merda.
 
Então, passei para a segunda pessoa que eu mais confiava nessas situações.
 
_Oi, sou eu. Onde cê tá?
_Em casa, por quê? – a Marina respondeu, do outro lado da linha.
_O que cê tá fazendo?
_Escrevendo. Adiantando umas coisas pra amanhã... – estranhou – O que foi?
_Você... – parei por um segundo, sem realmente querer lhe pedir aquilo, droga – ...você pode vir me pegar?
_Te pegar?
_É. E-eu... – murmurei, envergonhada – ... saí ontem e não tenho como voltar... pra casa.
_Ah, ótimo... – suspirou, sem paciência com as minhas merdas – ...onde cê tá?
 
Dei uma olhada ao redor, cara, não faço ideia. Andei três ou quatro passos até a cama e acordei mais uma vez a garota. Ela me olhou, com sono.
 
_Que bairro é este? – perguntei, falando baixo.
_Hum... Penha.
 
Puta que pariu, a Marina vai me matar.

E de fato, ela bem quis. Assim que eu repeti o endereço ao telefone, pude ouvir sua respiração pesar do outro lado da linha. Não disse nada, só que demoraria para chegar – “já que, né, é do outro lado da cidade”. Eu sabia quando irritava a Marina e aquilo ultrapassava todos os limites do aceitável. Inferno. Não queria fazer aquilo com ela, mas não ia pedir dinheiro para a garota e não tinha condições de ir andando, menos ainda no estado que eu me encontrava.
 
Coloquei o telefone em cima de uma escrivaninha e ouvi os lençóis se mexendo. Olhei de canto de olho na sua direção e a garota estava com as mãos sobre o rosto, esfregando os olhos, como se despertasse devagar. Parecia gente boa, não tinha nada contra ela – e sim, contra mim. Por que diabos eu me meto nessas, mano, fingi estar distraída, com vontade de sumir. Me sentia uma merda. 

_Bom dia... – ela disse, sonolenta, e os fios dos seus cabelos escorregaram pelo seu corpo descoberto.
 
Olhei na sua direção e sorri brevemente, por etiqueta.
 
Chega logo, Marina, pelo amor de deus.

junho 26, 2011

Num buraco sem fim

Naquela noite, depois de pegarmos um ônibus até em casa e dormirmos o dia inteiro, destruídos, o Fer não quis sair. Eu, sim.

junho 25, 2011

Nothing is real and nothing lasts

...
 
...abri os olhos, sentindo um chuvisco respingar gelado na minha cara, amassada contra o jeans do Fer. Caralho, o que aconteceu? Suas pernas estavam largadas num chão imundo e eu senti minha cabeça densa, apoiada no seu colo. Morrendo de frio. Como se todo sangue tivesse sido drenado das minhas veias, deitada naquela calçada suja da rua paralela da Trackers, com o braço contra um concreto que provavelmente já tinha sido mijado incontáveis vezes. Argh. Senti a repulsa correr sob minha pele, num impulso de me levantar dali, mas não conseguia mover um músculo sem toda aquela tequila e sei-lá-mais-o-quê se revirar dentro de mim. Prestes a sair pela minha garganta, de novo.
 
De novo?
 
É. Não fazia ideia. Era como se uma parte da noite tivesse sido apagada da minha memória – inferno, eu não lembrava de porra nenhuma. Meu corpo doía por dentro e minha boca estava amarrada, com gosto de vômito. Eca. Ainda me sentia embriagada, chapada, completamente fora de mim. Apoiei a mão na perna do meu amigo, me erguendo com muito esforço até encostar sentada contra a parede pichada. O Fer me observou, com um olhar preocupado, se esforçando para se manter minimamente sóbrio consciente. Deve ter me arrastado até aqui para, não sei, pensei, com certa dificuldade, para eu vomitar? Sei lá.
 
Ele estava igualmente alcoolizado – provavelmente tinha vomitado junto. Colocou o braço ao redor dos meus ombros e eu apoiei a cabeça nele, sentindo um vento gelado soprar a garoa pra cima de nós. O breu da madrugada já começava a clarear aos poucos, no trechinho de céu que dava para ver entre os prédios antigos da República. Ficamos sentados ali, num estado quase contemplativo, ainda bastante bêbados. Metidos nas nossas próprias viagens. Me passavam pensamentos aleatórios pela cabeça, dispersos, se confundindo com as luzes que dançavam refletidas no prédio em frente à Trackers, deslizando pelos meus olhos em meio aos graffitis.

_V-você... – respirei fundo e perguntei, sem pensar – ...você sente falta dela?
_Hum?!
_...sente?
_De quem?
_Da Mia... – murmurei, confessando o seu nome em meus pensamentos – ... cê... num pensa nela?

O Fer se virou para mim, largando a cabeça contra a parede, e me encarou por um instante, como se não entendesse por que diabos eu estava falando daquilo naquele momento. Tinha os olhos exaustos.

_Não.

Fiquei encarando ele, ali acima de mim, ainda com o rosto apoiado em seu ombro. Então a expressão nos seus olhos mudou e ele suspirou, cansado, com as pálpebras pesadas.

_Sei lá, a, a real é que... – falou baixo, arrastado – ...q-que sim, sinto. Pra caralho.
_Hum.

Voltei o olhar para os pôsteres colados na parede à frente. Lambes de festas. Cartazes rasgados de lojas de ouro. Adesivos desbotados. E pixos. Não quis falar nada. Para não confessar que eu, talvez, no fundo de toda aquela bagunça dentro de mim, também sentia. Senti o meu interior vazio. Num lapso indesejado de consciência, bêbada demais para lidar com aquilo. Podia ouvir o Fer respirar ao meu lado, com o seu braço ao redor de mim, repentinamente pensativo. Ambos quietos.
 
É... então é assim.

junho 24, 2011

In the Big Machine now

Empilhei, com certa dificuldade, o quinto copo por cima de uma fileira com outros quatro. O Fer virava mais um e a gente tentava esvaziar os seguintes, o quanto antes, para ver quem completava a pirâmide. Shots de tequila. Argh. A aposta mais idiota que alguém podia fazer numa balada, longe de casa e sem carro – onde eu tava com a cabeça, mano? Aproximei mais um copo da minha boca e senti o meu fígado estômago se contorcer numa ânsia de quem não aguenta mais uma só gota. Já tô bêbada demais, puta merda. Os outros moleques gritavam no meu ouvido e metade dos desconhecidos à nossa volta assistiam à disputa, achando graça.
 
Suspirei. E virei de uma vez aquela droga.

Puta que pariu. Senti tudo me voltar até o topo da garganta. Apoiei as duas mãos na mesa, respirando fundo, e tentei me concentrar em não vomitar. O idiota do Rafa Benatti – o único idiota a topar enfrentar eu e o Fer naquela babaquice – assoprava pesado no ar ao meu lado, numa pausa semelhante à minha. Já estávamos todos no limite. Eu precisava beber pelo menos mais dois shots, seriamente perigando uma manhã toda com a cara enfiada na privada, se quisesse vencer.
 
Encarei a tequila, ali sentadinha dentro do copo, à minha espera. Que se dane. E virei mais um. Fechei os olhos, os apertando numa careta. Desgraça. Minha cabeça caiu entre os meus braços, apoiados naquela mesa no meio dum dos muitos quartos da Trackers. Vou gorfar, caralho, v-vou, vou desmaiar. Puta que pariu. Olhei pro lado e o Fer balançou a cabeça, me encarando de volta, como quem arrega silenciosamente – a gente não ia conseguir. Sem chance. O primo do Benatti batucava nas paredes, exaltado, o encorajando a virar o último copo. Só faltava um para terminar a droga da pirâmide. E quem virasse, ganhava – os perdedores pagavam a conta. 
 
_Não rola, velho... – o Fer murmurou, encarando o shot e arregalando os olhos em desespero.
 
Os meus não desgrudavam da tábua da mesa, sentindo me revirar tudo por dentro. Não. Não ia dar. Eu ia realmente passar mal e, cara, não vai ser bonito. Que brincadeira mais imbecil, pensei. Não conseguia lembrar quando beber assim se tornara tão normal para a nossa geração. O Fer deu dois passos para trás, com as mãos para cima, desistindo. Restava só eu e o Benatti – a última dose oscilava, intragável, diante dos nossos olhos embriagados. Não. Não dá, porra. Bati as mãos na mesa, entregando o jogo também.
 
E num impulso estúpido, o nosso corajoso oponente pegou o copo e virou de uma vez. O primo entrou em surto. Comemorando aos berros, com xingamentos “amigáveis” a mim e ao Fer, nos ofendendo, enquanto quase sufocava o Benatti num abraço apertado de bêbado. Os moleques o sacudiam e batiam nas paredes, declarando a vitória. Eu estava tão nauseada que sequer conseguia achar graça naquilo, me virando para o Fer, embrulhada:

_Preciso de uma Coca, pelo amor de deus – pedi e ele me abraçou de lado para me levar até o bar.

Mas nos perdemos no meio do caminho. Ops. E os minutos seguintes foram permeados por náusea e risos e gritos um tanto desnecessários, pelo som alto estourando nossos ouvidos, a pista lotada demais, numa velocidade descomunal dos fatos, merda, numa sequência confusa e nuns flashes bêbados de memória, as batidas graves dos amplificadores, dançando, inebriada, sem nem saber onde estava, tomei um quarto de doce, não sei nem de que mão peguei, as luzes pintavam todo mundo de vermelho e preto e aí um cara pintou a minha cara com uns riscos de guache, completamente fora de mim, me agarrei com uma mina, que em seguida beijou o Fer, os dois se enroscaram contra uma das paredes, as pontas dos meus dedos passeavam soltas pelo ar, uma multidão de corpos se esbarrava, eu cambaleava e me apoiava no Fer, agora sem a garota, e a gente ria muito, de absolutamente nada, isto é, sacudíamos a cabeça e a minha pressão caía, eu esfregava a mão na cara, toda suja de tinta, sentindo um calor desgraçado, eu vou desmaiar, meu estômago se contorcia, beijei mais uma mina, senti a sua boca mordendo a minha e aí, cacete, uns apagões, dançando com os olhos fechados e a boca entreaberta, a cabeça rodando, caí em cima das pessoas, o Fer ria, que horas são, caralho, meus olhos deslizavam pelo teto todo pichado, sem sentir mais meus pés e eu, e-eu...

...

junho 07, 2011

Certa conspiração

Então saímos naquela noite. E aí de novo na seguinte; e na outra; e no sábado também. E depois na semana seguinte, mais uma vez, numa sequência de privadas abraçadas e excessos e horários perdidos pela manhã – caralho. É. Era como nos velhos tempos. Exceto por todas as vezes em que eu acabei chorando naquela semana, inferno, perdendo a noção do tempo em banheiros sujos ou ao fechar a porta do meu quarto, no escuro, embriagada e longe da visão do meu amigo. Assim que amanhecia, todavia, eu já não sentia mais nada.
 
Que se foda a Mia.
 
Seguia com a minha vida. E às três da manhã da sexta da outra semana, eu me encontrava no meio do caos da voodoohop, entre uma galera fritando pelos quartinhos daquele prédio abandonado e as bichas seminuas enroladas em panos coloridos, me envergonhando publicamente na frente de uma sapatão que tinha as mãos mais bonitas que já vi – as mãos e todo o resto. E que infelizmente eu só reparei tarde demais.

_Não, mano... – ela riu e revirou os olhos, indignada – ...cara, cê pegou minha amiga!
_Eu?! – comecei a rir também – Não... não, não... – e me aproximei do seu ouvido, zombando – ...cê tá me confundindo, meu!
_Cê é muito cara-de-pau, velho!
_Mas não fui eu, juro!

Mentira.
 
E eu sequer tentava esconder. Estava bêbada demais para fingir que realmente não era culpada, então fazia graça e ela ria junto. A festa acontecia numa construção toda detonada, grafitada no centro de São Paulo – a Trackers. A garota estava sentada dentro de uma banheira vazia, dessas antigas, com outras três ou quatro pessoas, em um dos muitos quartos daquele inferninho. Me apoiei na beirada e ela subiu os olhos por mim, passando a mão pela lateral raspada da cabeça, sorrindo perigosamente.
 
_Me fala seu nome – pedi.
 
E ela balançou a cabeça, se divertindo comigo. Já tinha me perdido do Fer há uns bons quarenta minutos, mais ou menos por volta do fatídico momento em que me atraquei com a tal amiga num daqueles corredores estreitos. Agora pagava a porra do preço. A beirada da banheira batia no meu joelho. Pulei e me enfiei ao seu lado, ouvindo resmungos das outras pessoas ali, me forçando a caber entre elas. Num espaço onde não deviam estar mais de três. O meu ombro colou no da sapatão do moicano, apertadas uma contra a outra, e coloquei os meus coturnos por cima dos seus na borda. Nossas pernas se erguiam frente aos nossos corpos, afundadas ali.
 
_Oi!
_E aí... – ela riu.
_Cê não vai me dar bola mesmo?
_Não... – me torturou, com aquele sorriso desgraçado, a franja bagunçada na cara e só metade da regata branca enfiada na calça – ...só um pouquinho.
_Olha, eu acho... – brinquei, argumentando no seu ouvido – ...que cês nem são tão amigas assim.
_Ah, é?! – ela achava graça, se desviando das minhas intenções – ...hum, vai lá perguntar pra ela se sou ou não.
_Não.
_Não?
_Tô bem aqui... – pisquei na sua direção, rindo também.

É. Metade do meu mérito nesta vida devo à minha cara de pau. E eu sabia quando ia conseguir. Ela sorriu, de leve – e eu podia ver nos seus olhos, no jeito como as suas mãos subiam pelos rasgos na minha skinny até o joelho. Aquelas mãos. Como se os seus dedos passeassem pela ideia. Mas a tal da amiga continuava inconscientemente entre nós. O som dos amplificadores da balada reverberava nas paredes rabiscadas. Cheguei perto de novo, olhando-a nos olhos, sem valer um centavo, e ela colocou a pontinha da língua entre os dentes. Cacete. Num quase beijo, espremidas naquela banheira empoeirada.
 
_Meu, cê não faz ideia de como eu tô me sentindo idiota... – eu disse, sincera – Puta merda, sério.
_Olha, ninguém mandou chegar tarde...
_É, né? E me fala... – fui me aproximando da sua boca, mal intencionada – ...se sua amiga não tivesse aí...

De repente, senti um tapão no meu coturno. Ergui os olhos e o Fer estava parado em pé, rindo de mim com a mina ali.
 
_PORRA, TAVA TE PROCURANDO!
 
Esticou a mão por cima das minhas pernas, como se fosse para eu levantar. Não fode.

_Vem, mano... – deu dois tapas na minha perna e estendeu o braço de novo, insistindo – Vamos começar!
_Cara, não, me dá cinco minutos.
_Não, velho, vem e depois cê volta!
_Fer, cinco minutos... – repeti, fazendo um movimento rápido com o olhar na direção da garota ao meu lado, discretamente – ...espera cinco minutos, vai, porra!
_Não, mano. Vambora! – me puxou contra a minha vontade – Os caras tão esperando, vem!
_Fer...
_Quê?! – resmungou, enquanto me puxava pela mão e eu tropeçava para fora daquela banheira – Cê fica agitando as coisas e depois some, caralho?!

Mas o cara tem a manha mesmo, né, pensei, já imediatamente amarga, de empatar todas as minas que eu quero, inferno.

_Mano... – me virei para a garota, conforme o Fer me arrastava na direção do bar – ...não some. Fica aí, meu! Eu vou voltar!

junho 01, 2011

359º

O vento passava por entre as folhas daquelas copas altas, numa praça nas redondezas do Hospital Samaritano, a dois quarteirões da casa da Mia. Subi em cima da mureta e sentei ali, com os pés suspensos no ar. Já estava escuro, tinha pouco movimento. Desabotoei a camisa e fiquei só com a regata que estava usando por baixo, alcançando um baseado no fundo do maço e o meu isqueiro.
 
Frio do cacete. A verdade é que estava ventando demais para ficar só de regata, mas as mangas estavam me incomodando nos braços. Cortei a pontinha torcida do baseado, a puxando com os dedos e jogando para o lado. Aí acendi. A minha cabeça estava vazia, eu estava calma – de uma forma estranha. Dei um trago, segurando a fumaça por algum tempo antes de soltar no ar. Um casal passou, me notando com certo desprezo. E eu dei mais um trago, os encarando de volta. Esperei se afastarem, mais adiante na calçada, e apoiei os antebraços nas minhas pernas.
 
Sentia como se nada acontecesse ou fosse acontecer. Que dia. Traguei mais uma vez e minha visão divagou entre as árvores, os blocos da calçada, lenta e sem pensamentos concretos. A Mia estava lá, eu sabia, dentro de mim – podia senti-la. Em algum lugar, submersa. Mas eu não a trazia para a superfície. Era como um sussurro que eu não fazia questão de ouvir, exausta de tanto sentir, de tanto chorar pela mesma merda. 
 
Decidi voltar a pé para casa. Era uma longa caminhada. Pulei da mureta para o chão e me ocupei com os meus passos, enquanto fumava o baseado Higienópolis afora. Me sentia estranha, deslocada de mim mesma. Atravessei o bairro todo até a Consolação e fui indo, prestando atenção em qualquer coisa que passasse diante dos meus olhos. Postes. Lambes. Carros. Pixos. Até chegar na Roosevelt, num desvio inconsciente. Então sentei ali por algum tempo, observando uns moleques andando de skate. Digitei uma mensagem para a Marina, me desculpando por como eu andava agindo com ela nas últimas semanas meses anos.
 
E aí levantei, caminhando o trecho restante até a Frei Caneca.
 
Cheguei no prédio e fui direto para o elevador. O Fer estava na sala, largado no sofá, assistindo um jogo do Corinthians na televisão. Duas latinhas de cerveja vazias descansavam na mesinha de centro. Deixei as minhas chaves e o celular numa estante perto da entrada, e me juntei a ele. Não disse nada, apenas sentei. Coloquei os pés sobre a mesinha, me afundando no encosto, e prestei atenção no jogo. Já estava nos vinte e tantos minutos do segundo tempo, 2 x 0. Meus olhos acompanhavam a tela mesmo sem saber nada de futebol – o que, no meio sapatão, era uma ofensa quase pior do que não acreditar em astrologia.
 
De tempos em tempos, o Fer xingava a TV, entretido. E me oferecia a sua terceira cerveja aberta – senti uma trégua entre nós, um tanto inesperada. Há tempos não o via assim, em desconforto. Como se não fosse mais um empecilho. Nos sentamos juntos ali até o fim do jogo contra o Avaí. 4 x 0. Deixei a lata vazia sobre a mesa e o Fer continuou vendo a televisão, sem muito interesse. Observei-o por alguns segundos, ao meu lado, numa camiseta branca e calça de moletom, se entediando até a morte naquele sofá. Assim como eu.
 
_Ei... – sugeri, sem pensar muito – ...vamos sair?
_Quê?! – ele riu, estranhando, e se espreguiçou contra o encosto – Hoje?!
_É.
_Cê tá falando sério?
_Por que não, porra? Não é como se a gente tivesse alguma coisa melhor pra fazer... – argumentei, ainda afundada de qualquer jeito no sofá – ...puta tempo que não saímos eu e você, meu.
_Mas pra onde?
_Sei lá, mano, qualquer lugar com bebida... – respondi e estiquei o braço para pegar o seu maço sobre a mesa, roubando um cigarro – ...vamos?
 
Ele achou graça.
 
_Demorou...

Você está saindo da minha vida

...

E não adianta nem me procurar
Em outros timbres, outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu

Só por hoje não quero mais te ver
Só por hoje não vou tomar minha dose de você
Cansei de chorar feridas que não se fecham, não se curam
E essa abstinência, uma hora
Vai passar

(Pitty)