junho 16, 2012

Toda calma do mundo

É. Não nos casamos, evidentemente – mas também não nos largamos mais. Nem naquele dia, nem nos meses que se seguiram. E talvez eu tenha tropeçado um tanto para afastar o meu coração da Mia, incapaz de realmente deixar seu apartamento no outro dia ou de impedir seus avanços durante a festa, , mas estar com a Clara era diferente. Diferente de tudo que eu já tinha vivido.
 
Era o relacionamento mais sincero que eu já tinha tido. Numa ausência completa de hesitação. Não tinha um pensamento que cruzasse a minha cabeça e que não saísse sem medo da minha boca, se concretizando quase imediatamente ao lado dela. Como se testássemos o limite uma da outra e fôssemos nos expandindo, sem filtro. Juntas. Nos apaixonando pela expressão mais sincera de quem éramos. Puta merda.
 
Assim, matando o trabalho só para nos ver; dez, doze horas sem sair da cama; fodendo em cada banheiro que a gente encontrava; caindo pelas sarjetas da Augusta, numas declarações bêbadas de madrugada; subindo no primeiro ônibus pro litoral só para ver o sol nascer no mar; conversando o caminho todo, com as mãos e as pernas entrelaçadas, afundadas no banco; nos contando todos nossos segredos, nuns papos sem fim, aos risos; xavecando nossas amigas; cuspindo água gelada uma na outra, numa tarde de calor no sofá da sala; e nos beijando até acabar o ar. Nunca tinha vivido esse tipo de genuinidade com alguém.
 
Esse tipo de liberdade.
 
A única coisa sobre a qual a gente não falava era a Mia. Mas também não é como se tivesse muito o que dizer – desde que conversamos sobre nossos sentimentos, eles pareciam ter perdido a força. Ou a urgência. Era como se, em algum lugar, a Mia agora soubesse o que significava para mim e eu para ela. E a certeza nos tirava aquela angústia toda. Chegamos num ponto em que passamos a quase achar graça, ocasionalmente nos provocando pelos corredores ou nuns SMS bobos. Mas sem nunca cruzar a linha.
 
As coisas só não estavam indo lá muito bem no apartamento. É. Financeiramente – o Fer continuava sem emprego. Começou com uma festa aqui, outra ali, mas aí passou um mês inteiro e depois outro e nada. No terceiro mês, bateu o desespero. Paramos com as festas e passamos a mandar o currículo dele para tudo quanto é canto. O Fer tentou alguns freelas e até rolaram umas entrevistas, mas nada. Nada de vaga. E quando foi lá pelo quinto mês, acabou o seguro-desemprego. Aí apertou de vez.  
 
No sexto, acabaram-se as economias dele. No sétimo, as minhas. E aí aconteceu exatamente o que não deveria – as festas voltaram.
 
Inferno.
 
Não para o apartamento em si, porque eu deixei bem claro que era contra, mas o Fer não passava mais uma porra de noite em casa. Não sei. Talvez ele estivesse cansado de ficar lá depois de tantos meses ou talvez só precisasse extravasar a frustração, vai saber. Mas o clima ficou uma merda. Toda vez que eu chegava do trabalho, exausta de tanta hora extra que pegava, e não o encontrava... eu reclamava.
 
E toda vez que eu reclamava, ah, dava treta.  

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