Foi como se me roubassem o tempo. Quando se vive junto assim por tantos
anos, sua cabeça nem cogita qualquer outra possibilidade – aquela era a minha
realidade, o nosso apartamento, porra. Sempre foi. Do segundo em que saímos
da casa dos nossos pais, sempre fomos eu e ele. Nunca tinha morado com outra
pessoa. E a ideia de deixá-lo ir me partia o coração.
Aos poucos, conforme os dias foram passando, fui me dando conta de
que ele não ia mais estar no quarto ao lado. De que ia perder o meu companheiro
de tantas conversas no sofá, de tantas cervejas e ressacas, abraçando a porra
da privada juntos e nos metendo em encrenca, voltando para casa cambaleando de
madrugada, desperdiçando domingos inteiros jogando videogame. É o Fer. É o
Fer, caralho. E o que diabos eu ia fazer sem ele?
Inferno.
Cada vez mais, a situação ganhava a devida dimensão. E a ansiedade
invadia o meu sono, as minhas madrugadas. Aí fumava dois, três cigarros na
beira da cama, desperta. Sem conseguir pregar os olhos. Depois deitava ao lado
da Clara, ainda sem solução para o que estava sentindo. Para aquela angústia. E
ela me abraçava, me beijando carinhosamente os olhos – “vocês ainda têm tempo,
linda”. Mas não o suficiente. Já era metade de dezembro. E com a
proximidade do inferno das festas em família, combinamos que ele só se mudaria
em janeiro. Por insistência minha, para o poupar de passar a pior época do ano metido
numa casa com os pais.
Ao mesmo tempo, eu me recusava a achar alguém para entrar no seu
lugar. Sentia como se aquilo, de alguma forma, fosse tornar “real demais” a sua
saída. E então postergava. É. Fui ignorando, o máximo que pude. E o Fer foi
fazendo o mesmo – não empacotava uma só coisa naquela casa. Nada. Eu tava
triste. Puta merda, mano, como eu tava triste. Mas sabia que ele também estava
e não o queria chatear ainda mais. Então a gente ria. E quando chegou a semana
antes do Natal, a nossa nova tradição era virar noites inteiras, fumando
maconha na sala e tagarelando.
Como se pudéssemos compensar o que estava por vir. Ou evitar que as
horas rodassem no relógio, que mais um dia virasse. E que o meu melhor amigo fosse
embora do nosso apartamento. Cacete. Existe vida sem Fernando ao meu lado?
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