Peguei mais uma cerveja na geladeira. E disquei o seu número – “por favor”, murmurei, com os olhos
já inchados de tanto chorar. Fui até a área de serviço, tentando não fazer
barulho conforme me escondia. Ouvi o telefone chamar, sem resposta. Era a minha
quarta ligação em menos de duas horas. Atende,
atende. A latinha suava entre meus dedos e o calor que assolava São Paulo
naquela noite se esparramava janela adentro. Contra meu ouvido, os toques
ecoavam. Ignorados. Vai, só atende, porra.
Aí escutei o meu nome na cozinha e a ligação caiu mais uma vez.
_Caralho... – chutei um balde entulhado de produtos no chão, apoiada
nas beiradas do tanque com celular e cerveja ainda em mãos.
O Fernando abriu a porta atrás de mim.
_Mano, cê tá se escondendo?!
_Não – retruquei, grossa.
_Para, porra... – relou na minha mão e eu saí da área de serviço,
trombando no seu ombro – ...para de ligar pra ela!
Continuei em direção ao corredor, sem responder. Larguei a latinha
sobre a mesa da sala e enfiei a cara numa almofada, me jogando no sofá. O Fer
veio em seguida. Sentou na poltrona, me observando ter um ataque de frustração.
Ele riu. E então mandou que eu entregasse o celular. “Não” – respondi,
rancorosa. E me sentei, tornando a discar o número da Clara. Ninguém atendia. O
Fer se levantou, dando dois passos até mim, e tirou o aparelho do meu ouvido – “chega”.
Desligou o telefone ao sentar-se de volta na poltrona e o meteu no bolso da
bermuda, encerrando o assunto.
_Me dá. Eu não vou ligar.
_Vai, sim.
_Me dá a merda do telefone!
_Não, cara... – ele riu, de novo – Quê que cê vai conseguir com isso?
Faz dias que você tá perseguindo a mina e ela num dá sinal de vida, meu... a
única coisa que vai sair disso é briga.
_Dane-se! Talvez eu queira que ela brigue comigo!
_Mais?! – o Fer balançou a cabeça, indignado.
Aí puxou a camiseta por cima da nuca, a tirando. E tornou a
encostar na poltrona, largando a blusa no chão e acendendo um baseado.
_Velho... – soltou a fumaça espessa no ar, me encarando – ...para.
Cê não é assim, na boa.
_Foda-se. Eu preciso fazer alguma coisa! Qualquer coisa! Eu
prefiro que ela atenda essa porra desse telefone e me xingue, que grite comigo
do que que eu não tenha nem chance de falar, caralho, de explicar q-que eu...
porra, que eu sinto uma falta desgraçada dela!! Fer, eu, e-eu tô enlouquecendo!
_Calma, ela vai voltar... Cê tem que dar um tempo para ela, mano.
_Não. Não pra Clara... – neguei e ele roubou um gole da minha
cerveja, com calor – ...ela não vai me esperar. Já deve ter uma porra duma fila
de mina aí pra curar ela de mim, cacete. Eu não posso, não posso deixar ela me
esquecer, mano. Porque eu sei que ela vai! Ela não vai vir rastejando de volta,
não a Clara.
_Meu, cê tá viajando, o que cês tinham não é descartável assim. Ela
gosta de você.
_Não, Fer... Eu fodi tudo, fodi mesmo. Ela tá puta comigo.
_Ela te levou para a Argentina, mano! Cê que não tá vendo o quanto
essa mina te curte...
Não, balancei
a cabeça e arqueei a sobrancelha, não sei
se a Argentina melhora ou pioras as coisas. Tomei mais um gole da minha cerveja,
pensando se devia fumar também. Meu coração estava dilacerado. Não conseguia
acreditar que tinha fodido tudo com a garota que eu amava. Sentia-me vazia sem ela
do meu lado, sem os seus SMS o dia todo. Parecia que faltava algo, alguém para
dividir a minha cama, a minha porra de existência naquele buraco – São
Paulo tornava-se ainda mais cinza. Argh.
Já era quarta-feira. E eu me deixava amargurar com o passar dos
dias, a sua ausência parecia gritar dentro de mim. Tinha feito tudo, tudo
errado. Chorei por três noites seguidas, consolada pela Marina que dormiu
comigo de domingo até aquela quarta de manhã. A cada pausa que fazia no trabalho,
cada segundo que tinha livre, eu mandava mensagem, ligava e checava a tela do
meu celular compulsivamente. Mas nada.
Mais cedo naquela noite, o Fer me encontrou na saída da produtora,
provavelmente depois de receber uma mensagem preocupada da minha ex. Contei quase
tudo que tinha acontecido. Ele não entendia como eu podia ter mencionado o nome
de outra garota em meio à nossa viagem em Buenos Aires – no caso, o da namorada dele. Cujas mensagens, aliás, eu vinha ignorando a semana toda. Eu sabia que o Fer já tinha contado para ela e que a Mia só estava preocupada, tentando me apoiar. Mas não estava com
coração cabeça para lidar com o motivo personificado do meu término com
a Clara. Inferno.
_Pelo menos deixa ligada essa merda, meu! – me inquietei no sofá –
Vai que ela responde...
_Não vou ligar, cacete. Esquece!
_Fernand... – interrompi meu próprio resmungo, nervosa.
Ele me observava, inabalado. E me vi obrigada a ceder – não estava
desesperada o bastante para ir, de fato, até lá e tirar o celular à força do
bolso dele. Foi quando ouvimos a porta da frente se abrir. Era o Du, chegando de
algum happy hour, com cheiro de bar.
O Fer se virou para ver quem entrava, estendendo-lhe a mão por cima do encosto
da poltrona.
_E aí, velho? Beleza? – ambos se cumprimentaram e o Du largou uma
sacola da Livraria da Vila sobre a mesinha à minha frente.
_Que cês tão fazendo aí?
Perguntou ao sentar na ponta oposta do sofá, largado a meu lado. Revirou
então os olhos e riu, de bom humor, assim que o Fernando explicou – “curando a fossa
dessa aí”.
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