_Cê tem um novo admirador...
Comentei ao sair com o Fer para tomar um ar em frente ao prédio –
o apartamento estava um forno, não dava mais para continuar ali.
_É só o que me faltava – ele achou graça, acendendo um cigarro – Se
bem que eu devia mesmo aparecer na casa do velho com um namorado, ver se ele me
deserda de vez...
_Bom, tá fácil. Já tem voluntário... – arqueei a sobrancelha e
roubei o cigarro das suas mãos, dando um trago também – ...mas acho que o Du faz
mais a linha só-quero-te-comer.
_Não, para. Tô de boa.
Retirou a brincadeira na hora. E eu comecei a rir – o tesão platônico
do Du pelo Fer me divertia. E me distraía da merda que estava a minha vida. Nos
sentamos no meio-fio, já levemente bêbados de tanta cerveja, e eu traguei mais
uma vez o cigarro que tinha roubado, passando-o de volta para o Fer logo em
seguida.
_Mas e aí, meu... – olhei para ele – ...falando em namoro, acabei
nem perguntando, como tão as coisas entre você e a Mia? Cês andavam se
desentendendo, né...
_Ah, mano... sei lá... –
balançou a cabeça, frustrado – ...esse fim de semana até que foi da hora. Mas
mesmo quando tamo de boa, estar em Santo Amaro dificulta um pouco as coisas. É
foda não ter grana pra sair e ter que ficar se vendo na casa dos pais dela, dos
meus...
_Nossa, sim. Não dá nem pra fumar um, meu!
_É, então. Foda. Mas vamos ver, né... O cara lá do trampo da
Marina me ligou, vou lá essa semana. Quem sabe rola mesmo e aí eu volto pra cá
te atazanar...
_Por favor! Preciso de pelo menos uma notícia boa na minha vida...
E assim que falei aquelas palavras, ainda que sinceras, o meu
coração afundou. É estranho como os seus pensamentos se voltam contra você
quando se está triste. Peguei o cigarro das suas mãos, dando mais um trago,
enquanto sentia meu peito se dividir entre realmente querer morar com meu
melhor amigo de novo e um medo desgraçado de perder o que tinha com a Mia quando
ele não estava no apartamento, a intimidade que construímos nos últimos três, quase quatro meses. Argh. Como posso sequer pensar isso, me reprimi
silenciosamente, escrota do caralho.
Aquela semana estava particularmente difícil para lidar comigo
mesma. E por mais que tentasse manter a minha cabeça no lugar, a minha mente tinha
um jeito sorrateiro de tirar as coisas de contexto, de ir me envolvendo numas
brisas estúpidas. E eu não conseguia fugir. De repente, conversando ali,
sentados na calçada da Frei Caneca, me sentia como a razão para tudo o que tinha
dado de errado na vida do Fer recentemente – desde o relacionamento dele com a
Mia ao seu retorno à casa dos pais. A culpa era minha. Toda minha. Assim como também
era culpada pelo meu término com a Clara, por machucar tanto a garota que eu
amava. E eu me torturava por dentro, inferno, naqueles breves segundos, soltando
a fumaça para o lado, cabisbaixa.
_Ei... – o Fer notou a minha angústia e deduziu – ...calma, ela
vai voltar também.
_Fer, não, e-ela... – suspirei e os meus olhos doeram, cacete – ...ela é esperta demais para
voltar para mim. Cê não tá ligado o quanto eu fodi as coisas.
_Ela seria uma idiota de não voltar, meu.
Colocou o braço sobre meus ombros, me abraçando, numa tentativa de
me animar, e sorriu. Mas no fundo, eu sabia – sabia que a Clara não tinha que aguentar
nenhuma das minhas merdas. E sabia que ela estava certa. Já estava decidido no
segundo em que subimos naquele avião – e no fundo, talvez o Fernando também soubesse
disso. Mas me beijou a testa, com carinho, chateado por ter que assistir o meu coração
partir assim.
Conversamos até tarde naquela noite. E quando me deitei, lá pelas
tantas da madrugada, tive um impulso de religar o celular. De ir importuná-la.
De ligar e ligar e ligar, de novo, até que me atendesse, de obrigá-la a lidar
com a falta absurda que eu sentia dela, por mais injusto que fosse. Não sabia o que fazer com
aquele buraco no meu peito, na minha vida. Caralho. Mas por algum motivo
não o fiz – dando-me conta de quem eu
estava me tornando. E quem eu não queria ser. Eu precisava deixar a Clara em
paz.
Deixar ela me esquecer.
É. É isso.
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