abril 29, 2010

Nós

O meu cigarro acabou e já não havia mais o que ser dito. Por hora, pelo menos. Vinte segundos de conversa e, de repente, toda a confusão dentro de mim havia se acalmado. Nós duas rimos da grande merda em que nos metemos. E passado o momento de comum-acordo sobre a nossa situação, a expressão no rosto da Mia mudou – ela agora sorria para mim. E eu me senti bem, aliviada, como se tivesse tirado um grande peso das minhas costas. 
 
_Bom, e-eu vou... cê sabe... – eu disse, em tom de despedida, me virando para a porta.
 
Ainda sentada na cama, a Mia acenou com a cabeça, como se compreendesse. Uma das desvantagens de se morar no meio da zona mais famosa de São Paulo é, justamente, a rapidez que os namorados alheios levam para sair e comprar dez ou quinze gramas de maconha na rua ao lado. E voltar. Nós duas sabíamos que não era a melhor das ideias ficar ali trocando ideia como se nada fosse. E talvez não fosse mesmo, caso não sentíssemos tanta culpa.
 
Pois é.
 
Além de tudo, ainda havia a dupla ressaca moral pesando na minha consciência – do tipo que causa sacanagem demais e sono de menos. Ambas me esperando na cama. Esse fato, aliás, pesava mais para mim do que o retorno iminente do Fer ao apartamento. Não queria que a Mia descobrisse sobre minha noite anterior e possivelmente colocasse por terra aquela pequena trégua, conquistada nos últimos segundos no quarto. Melhor voltar para lá e lidar logo com isso.
 
Antes de eu abrir a porta para sair, no entanto, a Mia se levantou apressada. Em dois milésimos de segundo. E antes que pudesse entender o que se passava, me pegou pela mão. Rapidamente, como se receasse que eu saísse, como se... Sei lá. Como se não fosse mais me ver, no segundo em que eu passasse por aquela porta. Me virei na sua direção e aí ela me abraçou.
 
Assim, sem mais nem menos.
 
Não com o desespero com o qual correu para alcançar a minha mão, apenas me... m-me abraçou. Como se fosse natural que o fizesse. Não por necessidade, mas por querer. Senti uma vontade louca de lhe beijar, de perguntar o que estava acontecendo, mas apenas segurei ela de volta. Em silêncio.
 
_Senti saudades de ficar perto de você...
 
Ela disse, baixinho. E meus braços apertaram-na ao redor da sua cintura, a segurando mais forte ainda. Eu também, garota. Aquilo me desmontou. Senti toda a minha recém-conquistada paz de espírito escorregando para longe de mim. Fechei os olhos e apoiei a cabeça no seu ombro, afundando o rosto no seu cabelo. Eu sentia o meu coração ansioso e não era um sentimento bom. Era pesado. E quando as mãos dela começaram a afrouxar ao redor do meu corpo, era eu quem não estava pronta deixar ela ir.
 
Mas não demonstrei. Apenas sorri de volta para ela e retomei o meu caminho para... onde mesmo? Ah, é, para a porta. Girei a maçaneta e a Mia ficou ali, eu saí. Senti o meu coração dilacerar em silêncio. Minha cabeça ainda estava meio confusa, tentando assimilar o que tinha acontecido. Sem conseguir pensar direito, caminhei lentamente até o meu quarto e entrei, antes de estar – de fato – preparada. As garotas continuavam na cama, nuas, e eu fui subitamente atirada de volta à realidade.
 
Droga.
 
A Dani me olhou por detrás do travesseiro, sonolenta, como se o barulho da porta a tivesse acordado. E sorriu. Fiquei olhando para ela, sem saber o que fazer, sem reação. Droga. Droga. Droga. Olhei para a Débora em seguida, deitada ao seu lado, e de repente tudo me pareceu uma imensa confusão na qual eu havia me metido sem perceber. A última coisa que eu queria naquele momento era ter que lidar com aquilo. Com as duas ali. Mas, argh, eu não tinha muita escolha.

abril 27, 2010

Me, Myself & Mia

A televisão estava desligada – mas eu continuava olhando para o meu reflexo na tela preta, numa insistência burra e sem motivo aparente. Eu sou patética. Não estava afim de voltar para o quarto ainda. E de certa forma, ficar ali sozinha em silêncio parecia algo que eu precisava fazer. Me auto-deprimindo, revirei os olhos.
 
Acendi um cigarro, o primeiro daquele domingo, e observei a mim mesma refletida enquanto tragava. Incrível como somos uma juventude tomada pelo tédio. Não importa o que você fez ou deixou de fazer na noite anterior, o quão absurdas suas experiências são ou o tanto que você encheu a cara e perdeu a linha – na manhã seguinte, somos os mesmos vegetais que éramos na manhã anterior. Entediados até a morte. De novo e de novo. A única diferença, entre um dia e outro, é a ressaca martelando na sua cabeça.
 
Argh. Geração hedonista de merda. 
 
O barulho do Fer abrindo a porta interrompeu subitamente a minha viagem existencialista. Olhei para ele, saindo do apartamento com uns shorts de moletom e chinelo, e ele disse que ia na boca da Paim, como se me devesse alguma explicação para estar saindo sozinho num fim de tarde de domingo. Quê que eu tenho a ver com isso? A real é que eu também senti uma necessidade irracional de explicar o que eu estava fazendo ali, toda idiota e ridícula no sofá, enquanto tinha duas minas dormindo na minha cama. Mas achei melhor ficar quieta.
 
E não – eu não estava sequer pensando na Mia. Estava simplesmente... Ok, mentira. A única coisa que eu conseguia pensar, além dos meus próprios botões filosóficos, era na Mia. E nas suas pernas me torturando, sentadas naquela pia, no dia anterior. Sorri de volta enquanto o Fer fechava a porta, mas não tenho certeza se ele viu. E por fim, lá estava eu, sozinha de novo. Eu e a porra da TV desligada. Traguei o cigarro mais uma vez e o silêncio me incomodou.
 
As garotas seguiam no meu quarto e a namorada do meu melhor amigo no quarto ao lado. Soltei a fumaça, sentindo a inconsequência começando a me coçar. Olhei mais uma vez para mim mesma no reflexo da televisão, como se procurasse qualquer resposta ali. E não achei. Que se foda, enfiei na cabeça e me levantei.
 
Caminhei pelo corredor, tentando ignorar minha própria sensatez que me mandava voltar. Com o cigarro na mão, passei reto pela porta do meu quarto e parei em frente à do Fer. Fechada. Coloquei o cigarro na boca e, com a mesma mão, girei a maçaneta, nem aí para as consequências. Entrei e ela estava lá, deitada – usando uma camiseta emprestada e desbotada da época em que o Fer ainda era um adolescente magrelo, sem tatuagem ou voz de homem.
 
Não sei se estava dormindo até então. Sei que, quando abri a porta, os seus olhos já me olhavam de volta – eu não disse nada e ela também não. O que diabos tô fazendo aqui?, suspirei, revirando a minha consciência. Encostei na parede, ainda em pé, e deixei a porta fechada. A Mia continuava me observando, mas nenhuma de nós fazia ou dizia nada. O clima estava estranho e eu não conseguia me lembrar como foi que havia chegado a esse ponto. Mas que merda. Traguei mais uma vez e olhei para o chão por um instante.
 
_O que cê tá fazendo? – a Mia perguntou, incomodada.
_Não sei... – respondi, com sinceridade – ...n-não sei mesmo.
_Não sabe?! Você entra aqui do nada e fica parada aí, sem dizer nada, como se...
_E você – a interrompi – Tem alguma ideia do que tava fazendo ontem? Na cozinha?
_E-eu... – a Mia se enrolou, baixando a guarda – ...não sei.
 
Ficamos em silêncio por um tempo. E eu a observei, ainda de cabeça baixa.
 
_É. Acho que a gente tá realmente ferrada...

abril 26, 2010

A grama do vizinho

De repente, eu acordei. Olhei ao meu redor e as meninas continuavam dormindo, despidas e tranquilas. O quarto estava em perfeito silêncio – era uma tarde preguiçosa de domingo. Demorei alguns segundos para entender o que, então, havia me feito abrir os olhos, mas logo aquela sensação horrível começou a subir pelo meu corpo. Um a um, senti meus órgãos formigando e depois se contorcendo. Ressaca, argh.
 
Fraca e ainda meio sonolenta, com certo esforço, engatinhei até uma das beiradas da cama. Ao ficar em pé, senti a maior dor de cabeça da minha vida e tropecei pelas roupas no chão até achar a minha cueca. A subi pelas pernas e vesti minha camiseta ao avesso. Parei na porta, me sentindo enjoada, e respirei fundo. Dei uma espiada na cama e as garotas continuavam dormindo, entrelaçadas entre si. E a lembrança da noite anterior me fez sorrir.
 
Água – meu corpo resmungou então, sedento.
 
Esgotada da madrugada anterior, arrastei-me pelo corredor e entrei na cozinha atrás de qualquer líquido que amenizasse as consequências agonizantes da minha falta de controle no Glória. Por que diabos fui beber tequila? O Fer estava sentado à mesa, comendo os restos dum delivery chinês e rabiscando aleatoriamente num flyer promocional largado em cima da mesa. Sem desviar a atenção do seu desenho bobo, ele me cumprimentou com um “bom dia” preguiçoso, o que sugeria que ele também havia acabado de acordar.
 
Cinco da tarde passadas e só nós dois acordados no apartamento inteiro. Imediatamente senti vontade de contar a ele tudo o que tinha acontecido, mas me contive – primeiro, preciso curar essa ressaca. Me dirigi à geladeira, como quem acabou de atravessar o deserto, só para descobrir que não tinha água gelada naquela casa. Droga. Vi então uma garrafa de Coca e me abaixei para pegar, abrindo-a em seguida.
 
Mandei goles e mais goles daquele veneno maravilhoso e gelado garganta abaixo. Como eu precisava disso, meu deus. Havia álcool demais no meu sangue, me sugando toda a energia – puta merda. Após a primeira leva de refrigerante, fechei a porta da geladeira e levei a garrafa comigo. Puxei uma cadeira e me sentei do lado oposto da mesa, em frente ao Fer, com um sorriso inevitável estampado no rosto.
 
_Que é que cê tá toda felizinha aí?
_Nada...
 
Ele me olhou, desconfiado, e eu tomei mais um gole da Coca.
 
_Não... – ele riu – ...cê fez alguma coisa.
_É... – ri também – Talvez.
_Me conta, porra!
_Tá... – eu disse baixinho, sorrindo – ...mas cê não vai acreditar quem tá no meu quarto.
_A Dani – ele respondeu o óbvio.
_Sim, e...?
_“E” o quê?!
_“E o quê”, não... – eu ri – ...“E quem”.
_Como assim? – ele perguntou confuso e, só após alguns segundos, a ficha caiu – Sua filha-da-mãe desgraçada. Cê tá falando sério?!
 
Achei graça e esfreguei a mão no rosto, como se ainda não acreditasse na noite anterior. Então olhei para o meu amigo.
 
_Mano... Ontem foi foda – dei mais um gole na Coca, sentindo a ressaca passar – A Dani é... sei lá, a gente se diverte junta.
_Sentiu falta, né? – me zombou, rindo.
_Cala a boca.
_Olha... – sacudiu a cabeça – Eu bem queria me divertir que nem cês duas... Puta merda.
 
O Fer puxou o último cigarro dum maço sobre a mesa e o colocou na boca, ainda rindo. Olhei enquanto ele o acendia com o isqueiro e foi só então que me toquei. Droga. Deixei lentamente de sorrir, sentindo um incômodo tomar o lugar da breve felicidade com que despertei minutos antes. A verdade é que era eu quem invejava o que ele tinha – com todo meu coração, arghO quão errado é você querer as duas garotas da minha cama enquanto eu só queria a que está na sua?
 
Suspirei.

abril 25, 2010

Dissolved Girl

Começa.
 
Começa com um olhar na balada. Depois, uma conversa cheia de segundas intenções e, enfim, um convite imoral. Os acontecimentos se aceleram progressivamente até a pista de dança, bem-acompanhada até o chão. Numa rapidez, tudo converge contraditoriamente para o silêncio – aquelas quatro paredes dum pequeno apartamento paulistano, a meia-luz sugestiva, as intenções subentendidas. Três garotas. E a música começa, lentamente, despindo-as uma a uma. Camisetas e vestidos no chão, alças de sutiã escorregando, braços descobertos, zíperes se abrindo e, pouco a pouco, os beijos esquentam a pele. Numa indecência compartilhada.
 
Shame, such a shame…
I think I kind of lost myself again…
 
Começa, na verdade, com um olhar em meio a uma tarde lenta. Mais lenta que a música no quarto acima. Você deixa seu rosto escapar em segredo para o lado, mesmo quando não deveria, e acaba por vê-la. Progressivamente, as batidas do seu coração aceleram. A lentidão te irrita, o silêncio te incomoda. Você sente o que não quer e, então, procura sons mais altos. Para ensurdecer o barulho que vem de dentro do seu peito. Procura qualquer coisa que te faça perder os sentidos – e encontra as curvas perfeitas no meio do caminho.
 
Say, say my name…
I need a little love to ease the pain…
I need a little love to ease the pain…
 
As pontas dos seus dedos percorrem as curvas de uma, enquanto a língua da outra desliza pelas suas. Continuamente. Vocês se movem juntas, sem pensar muito a respeito, e deixam o álcool desinibir o resto. Pelos molhados, peles suadas. O gosto delas na sua boca. Velha de guerra, você sabe o que fazer para prolongar as horas, perder os sentidos, a porra do fôlego, de novo e de novo. E faz exatamente isso – como se fosse parte da sua própria natureza.
 
'Cause it feels like I've been…
I've been here before...
 
Por dentro, todavia, você está cansada. Física e emocionalmente cansada. Cansada de tardes como aquela, mas cansada também de noites como esta. Cansada de agradar uma, duas, três ou quantas mais vierem. E elas vêm, uma após a outra na sua vida. Todas elas – menos a que você tanto quer. Ela, não. Ela não vem. E no fim do dia, a sua cama continua sempre vazia. Dia após dia. Uma hora você simplesmente se cansa e, antes que perceba, está de novo nos braços e nas pernas, nas bocas de outras.
 
You are not my savior…
But I still don't go…
 
Que se dane. Que se dane toda essa baboseira romântica – você pensa. Mulher alguma é melhor do que mulher nenhuma. Não é como se você tivesse algo melhor para fazer enquanto a espera, ali, sem perspectiva alguma, sofrendo por detrás de portas fechadas e corredores estreitos, incertos demais. Com elas, é fácil. É gostoso. É descomplicado, você se convence. E ao menos, você se diverte. 
 
Passion's overrated anyway…
Say, say my name…
 
Então, você troca as pernas que viu sentadas sobre a pia naquela tarde pelos dois pares de coxas que agora se entrelaçam no seu corpo. O nome – aquele nome – continua na sua cabeça e em cada mulher que você coloca na sua cama. Te perturbando. Insistentemente. No entanto, pouco a pouco, toda a intensidade e os dedos e o sobe e desce e os toques e os arrepios e as línguas e a endorfina e aquele gosto salgado de suor fazem você esquecer. Esquecer do nome, esquecer dela, esquecer de porque você está ali, afinal. Você se perde em cada centímetro de pele descoberta. Você perde a cabeça.
 
I could fake it...
But I still want more…
 
E aproveita cada segundo daquilo.

abril 22, 2010

Mais difícil do que parece

Maldita fechadura. Me revoltava em frente à porta, com uma certa dificuldade de acertar a chave naquele buraquinho tão, tão pequeno. Inferno. Bebi demais. E para ajudar a situação, eu ainda tinha duas garotas incrivelmente lindas se agarrando na parede ao meu lado, me desconcentrando. Cacete. A Dani me puxava para o meio delas a cada dez segundos, dificultando todo o processo álcool-chave-fechadura. Eu me virava, sem tirar a mão da chave, e beijava cada uma. Caralho, viu. Por mim, a gente fazia ali mesmo – e estávamos a um passo disso –, mas por motivos de convivência posterior obrigatória com os vizinhos, achei melhor não. Algum bom senso eu ainda tinha.
 
Para falar a verdade, era só esse mesmo.
 
Uns 20 minutos de batalha depois e eu, enfim, venci a guerra. Toooma, porta escrota de merda! Ok. Pensamentos vingativos à parte, peguei as garotas pela mão e as levei direto para o quarto. A minha briguinha imbecil com a fechadura havia esgotado toda a minha paciência e me deixado ainda mais ansiosa para um pouco de atenção – já que, , no último terço de hora, a Dani aproveitou a companhia da nossa convidada praticamente sozinha. E assim que chegamos no quarto, ela anunciou que precisava ir no banheiro. Parece que os humilhados serão exaltados, não é mesmo?
 
Antes de sair, me deu uma fuzilada séria com o olhar, como se me proibisse de começar qualquer coisa sem ela. Revirei os olhos de volta, ofendida com tal implicação totalmente infundada sobre o meu caráter sempre confiável. Eu conheço as porras das regras, pensei, como se ela pudesse me ouvir, e a Dani nos deixou sozinhas.
 
_Pode fumar aqui?
_Fica à vontade – respondi, de costas para a Débora, enquanto colocava uma playlist de trip hop no computador.
 
Cigarro aceso e luzes apagadas, hum. Me virei e andei na direção dela, parando a poucos passos de onde ela estava. A luz do amanhecer já iluminava o quarto, apenas indiretamente, escapando pelas frestas acidentais da janela. O silêncio entre nós cresceu, mas não nos incomodava. Era como aqueles instantes de antecipação, a calmaria antes da tempestade. E era, era sexy pra caralho.
 
Olhei para ela e ela soltou a fumaça lentamente, me encarando de volta. Quis beijá-la. Quase insuportavelmente. Não – vou esperar a Dani, pensei e procurei me convencer, não estou em condições de me controlar e não quero estragar isso aqui. Sorri, enfim, sem jeito. E olhei para baixo. O Massive Attack que saía das caixas de som preenchia todo o cômodo e cada célula do meu corpo, me corrompendo perigosamente. Não – não vou fazer nada idiota. Subi o rosto, mais uma vez, e ela me observava. Ali, toda maravilhosa e toda disponível.
 
Ah, que se dane.
 
A puxei para perto de mim, arrancando-lhe um beijo. E então, o mal estava feito. Começamos uns amassos fortes, movidas pelas batidas graves do Tricky ao fundo. Ela me empurrou contra a porta e eu a puxei, ao mesmo tempo, na minha direção. Meu impulso constante era de arrancar aquela camiseta – a dela e a minha –, mas me segurava sempre na metade do caminho, pensando que a Dani chegaria a qualquer momento.
 
E ela chegou, é claro.
 
Merda, merda. Empurrei a Débora para longe de mim e desencostei da porta o quanto antes, a fim de dar passagem para a Dani.
 
_Desculpa, eu tava apoiada aí – disse, na maior cara de pau, quando ela entrou.
_Sei... – a Dani riu, desconfiada de mim.
_E então... – a Débora retomou – Onde nós paramos?!

1... 2... 3...

Not only you and me
Got one eighty degrees
And I’m caught in between
Countin’
1, 2, 3
Peter, Paul and Mary³
Getting’ down with 3P
Everybody loves… uhh!

...

Livin’ in sin is the new thing.

(Britney Spears)

abril 21, 2010

I’m a little curious…

...of you in crowded scenes.
(Massive Attack)
 
Sempre fui adepta da teoria de que quanto mais, melhor. E no auge dos meus 23 anos, isso significava beijar toda boca, ir em toda festa, cair em toda sarjeta, me apaixonar até não sobrar um cigarro na porra do maço, me encantar e desencantar, experimentar tudo e foder até virar o dia, capotar por duas horas, acordar e foder de novo, numa compulsão desenfreada por viver. Qualquer garota com um mínimo de gaydar percebia os traços imprestáveis da minha personalidade antes mesmo de eu abrir a boca, a minha falta deliberada de limites era evidente. E talvez isso tenha sido o que atraiu a Débora – esse era o nome dela – na minha direção naquela noite no Glória.
 
Isso e o fato de eu estar pegando a Dani.
 
Desci as escadas, sentindo cada batida grave dos amplificadores atravessando meu corpo, meu coração, ansiosa. Isso tem que dar certo, entrei na pista, incapaz de planejar muito os meus próximos passos, dada a quantidade sobre-humana de tequila que corria nas minhas veias.
 
Encontrei a Dani dançando entre todas aquelas pessoas e a puxei pela mão, sem dizer muito, a levando para perto de um dos espelhos do Glória. A DJ estava tocando qualquer faixa electro em alto e bom som. A pista estava lotada, em sua maioria por mulheres, e o sentimento era quase claustrofóbico de tão apertadas que estávamos ali. Era possível ver o calor sapatão embaçando a lateral dos vidros e espelhos ao redor. E mesmo que tal incentivo não fosse necessário, a quantidade de pernas por metro quadrado nos obrigava a dançar mais próximas ainda umas das outras. A pista de dança era como um oceano de garotas, movendo-se como se fôssemos uma coisa só, fluindo juntas.
 
Eu estava com as minhas mãos na Dani, por todo o seu corpo, enquanto ela dançava contra mim, com as suas pernas intercaladas nas minhas. E quando reparei, a Débora já estava dançando ao nosso lado. Fingi não a conhecer, como se fosse ao acaso. Ela começou a dançar cada vez mais perto de nós duas, empurrada pela quantidade absurda de pessoas ali, e sorriu para a Dani. Sem limites como era, ela reparou. E antes que eu percebesse, as duas já estavam trocando olhares com uma certa frequência.
 
A música aumentou. A Débora chegou mais perto ainda e passou a dançar grudada em nós – a Dani não contestou. Estávamos bêbadas demais, envolvidas demais no clima da pista. E agora, o clima era entre nós três. Olhei para a Débora, ela olhou para mim, a Dani me olhou e depois olhou para ela também, repetidas vezes.
 
E eu fiquei confiante.
 
Virei a Dani de costas para mim – de frente para a garota – e a puxei contra o meu corpo, segurando-a pela cintura. Tirei seu cabelo das costas, colocando-o para frente do seu ombro. E beijei a sua nuca. A Dani fechou os olhos por um breve momento e depois encarou a Débora ali, que continuava dançando bem na sua frente. Subi com a boca pelo seu pescoço, cada vez mais na sacanagem, apertando-a contra mim, e então encostei no seu ouvido:
 
_Olha, eu tô com vontade de fazer uma coisa... – falei, competindo com o som dos amplificadores – Mas não sei se cê topa.
_Gata... – ela respondeu, na mesma hora – É por isso que te adoro.
 
E antes que eu pudesse reagir, a Dani colocou suas mãos em volta da Débora e as duas se beijaram sem qualquer constrangimento. Eu as observei, fascinada. E me subiu uma vontade de levar as duas para a cama. A Dani deixou a boca dela, virou-se e veio para a minha. A Débora me agarrou, com a Dani entre a gente, e me puxou contra ela. Ficamos ainda mais coladas – aquilo era perfeito. Eu a beijei por cima do ombro da Dani. Senti as mãos da Débora em mim. Descaradamente. Eu ia perder a cabeça.
 
Meu deus.

abril 20, 2010

Incorrigível

E lá estávamos nós, mais uma vez, eu e o Glória. Merda. A última vez que enfrentei aquela fila, eu estava acompanhada da Clara e a noite terminou comigo cambaleando para fora quando o sol já começava a nascer, depois de tomar o maior porre e com a sensação de ter causado bem mais do que eu me lembrava. Não pretendia repetir a cena. Não do lado da Dani.
 
Nada... nada, nada, nada... nem um pouquinho... nem de leve... nem de graça... nem sob provocação alheia... nem com sua reputação em jogo... sob hipótese alguma... nada... nada... nada de tequila hoje, eu repetia para mim mesma mentalmente, tentando enfiar qualquer bom senso na minha cabeça. A única regra no meu manualzinho de sobrevivência para noites como aquela era me manter sóbria. E havia motivo para isso, né?
 
É.
 
Trinta minutos na fila e eu já estava impaciente. Céus, essa porra vai demorar. A Dani me colocou contra a parede, enquanto esperávamos do lado de fora, e me deu um beijo demorado. Apoiei os meus braços no seu ombro, a beijando de volta. Mais casalzinho do que jamais estivemos na vida. Deus me livre de ter qualquer ex aqui, torcia covardemente por trás dos meus olhos devidamente fechados. Minha ou da Dani. Não estava com vontade de sair para começo de conversa, menos ainda de me meter em problema. Abri os olhos e dei uma checada em volta, a fim de me certificar que estávamos salvas. Por enquanto, pensei, tudo bem.
 
Assim que fiz a tal constatação, todavia, reparei numa garota a alguns metros de nós na fila, que me olhava fixamente. Será?, a analisei por um segundo, sem muita certeza se já tinha beijado aquela boca ou não. Se beijei, refleti, estava bêbada demais para lembrar. Não faço ideia de quem seja. E logo me peguei considerando a possibilidade de ser apenas uma hétera qualquer, chocada com os meus amassos com a Dani. Uma segunda olhada na nossa direção e ergui o queixo, com orgulho, a encarando de volta – algum problema, garota?
 
Ela encostou o ombro na parede e sorriu, como se achasse graça, acendendo um cigarro em seguida.
 
A fila andou pouco tempo depois e a garota entrou na balada, enquanto nós ficamos. Paramos umas cinco ou seis pessoas para trás. Mais alguns minutos em pé ali e logo estávamos do lado de dentro também, cercadas por aquele monte de sapata e viado numa aglomeração partyhardsãopaulo. A sacada do Glória estava tão lotada naquela noite que demoramos uns bons minutos para conseguir chegar até o bar. Ao atingirmos o nosso objetivo, eu já havia topado com a porra da Aninha e uma ex da Dani que obviamente me odiava, depois de todas as vezes em que a Dani a traiu na minha cama, o que imediatamente me fez repensar a minha promessa quanto ao José Cuervo. Argh.
 
Assim que cheguei no bar, bati minha comanda no balcão e ordenei, covardemente – “me vê uma tequila aí”. A Dani me acompanhou e eu me convenci que não teria problema. Uma dose só nunca matou ninguém. Ao final de mais algumas rodadas daquelas, percebi o equívoco. Óbvio. Comecei a perder a noção do que estava fazendo. Mas àquela altura, tendo em vista o meu estado alterado de consciência e a boa companhia, eu estava pouco me fodendo para as consequências e me divertindo. Como há algum tempo não fazia. Glória, agradeci, me agarrando com a Dani no meio da pista fervendo.
 
Por volta das três da manhã, já consideravelmente fora de mim, desviei de algumas meninas para subir até o segundo andar. A Dani decidiu enfrentar a fila do banheiro e eu, a do bar. Minhas intenções até então – juro – eram meramente alcoólicas. Acontece que acabei trombando acidentalmente com a garota da entrada. A supostamente hétero, é. Dei uma olhada de canto de olho e passei reto, indo para o balcão.
 
_Ei – ouvi ela dizer, atrás de mim – Onde tá sua namorada?
_Oi? – me virei – Que namorada?
_Caramba... – ela riu e, só então, eu percebi o que eu tinha acabado de implicar – Isso quer dizer que ela não é sua mina?
_Não... – eu ri também – Digo, viemos juntas e tal, mas, se cê tá perguntando... – sorri pra ela; aí sim, com más intenções – ...a gente não namora.
_Hum... – ela se aproximou sugestivamente – É que eu tava olhando aqui de cima, sabe, vocês.
 
Sorri, bêbada, e notei que ela me olhava daquele jeito, sabe aquele jeito que as pessoas olham quando querem pegar alguém? Para a sua boca, com vontade, numas pausas demoradas demais. Pois é, desse jeito. E eu já estava prestes a beijá-la ali mesmo, que se dane – sabendo que eu teria que voltar a qualquer momento para a Dani na pista. Estava alta demais para pensar a respeito. Só reagi. Coloquei uma das mãos na sua cintura a trazendo para perto e ela sorriu de volta, com o canto da boca – “cê é gata demais”.
 
_É?
_É. E o bom... – ela continuou, arqueando as sobrancelhas para mim – ...é que nós temos o mesmo gosto pra mulher.
 
Espera, repete.

abril 19, 2010

Lapso de coerência

_Vem pra cama... – a Dani miava, seminua, entre os meus lençóis.
_Tô ocupada – eu respondia, sentada em frente ao computador.
_Cê não tá fazendo porra nenhuma aí, mano! Vem pra cá, vai...
_Dani, caralho, já disse que tô ocupada! – resmunguei, sendo grossa sem motivo.
 
Ela bufou, revirando os olhos, e virou-se de barriga para o teto. Mau-humor é, de fato, contagiante. Eu estava sendo estúpida com ela há horas e começando a deixá-la realmente irritada. Era como assistir a um filme ruim, daqueles que se discorda muito – muito – do rumo que a história está tomando, mas não se pode fazer nada: o final já foi filmado, editado e lançado. E lá estava eu, como uma espectadora impotente da minha própria cabeça-dura, me condenando por cada palavra insensível que saía da minha boca.
 
Tem dias em que simplesmente te falta a boa vontade de ser diferente, de ser melhor. E então eu insistia. Sem pensar direito a respeito, bancando uma de quem aguenta as consequências de um comportamento daqueles. A verdade é que eu queria me distrair com qualquer coisa que não fosse ela – e assim, evitar em pensar na única garota que fazia o meu coração pular uma batida ou duas pelos corredores, sofás, banheiros e pias por aí.
 
Tudo o que a Dani queria, por outro lado, era justamente o contrário. Um pouquinho de mim. Me deixa em paz, inferno, eu sacudia a cabeça, enfiada até o pescoço em qualquer lixo internético. A última vez que a gente tinha transado, logo após o incidente da cozinha naquela tarde, foi péssimo. E olha, já comi muita garota pelos motivos errados, mas da Dani eu gostava – por mais que eu odiasse admitir. E sendo assim, era sacanagem demais. Ser falsa a esse ponto. Não que ser fria com ela daquele jeito fosse fazê-la mais feliz, mas de alguma forma isso parecia menos pior para mim – no meu conceito distorcido e egoísta de moral – do que fingir romantismo. Era o melhor que eu podia oferecer.
 
_Olha, se você vai ficar plantada aí... – a Dani se encheu, de repente – ...eu vou sair.
 
Me virei para trás, olhando na sua direção. E me deparei com ela, extremamente irritada, cobrindo o corpo com o vestido que estava usando no Sonique, no fim de semana anterior.
 
_Quer alguma roupa emprestada? – eu respondi, tentando não dar bola.
_Não – retrucou – Não quero nada.
_Tá. Boa balada, então...
_Cê não vai mesmo?
_Não, tô de boa...
_Ok.
_Onde cê vai?
_Bom, nesse caso então, eu vou pro Glória.
 
Opa, espera. 
 
_Como “nesse caso”?! O que isso quer dizer? – questionei, enciumada – Por que cê vai até o Glória e não na Augusta, meu, que é aqui do lado?
_E por que não? – perguntou, sem qualquer paciência comigo e com razão.
_Ah, sei lá... É longe, tem que pegar táxi...
_Vou com o meu carro – ela me interrompeu.
_É, mas cê vai sozinha? Sem conhecer ninguém?
_Vou, oras – me provocou – Quem sabe eu não conheço alguém lá...
_Quer saber, Dani? – retruquei – Faz o que cê quiser!
 
Virei as costas para ela e encarei a tela do computador de novo. Filha-da-mãe, me irritei. Você tá louca se pensa que eu vou correr atrás de você. Engoli todo o meu incômodo e procurei ignorar a situação, com uma dificuldade considerável. Eu tinha plena consciência de que a culpa era minha, mas eu sempre esperava que as garotas aguentassem a minha merda. Até que elas decidiam não aturar mais aquilo e caíam fora, exatamente como a Dani estava fazendo naquele instante. E de repente, dei por mim: acorda, porra, é a Dani. 
 
_Espera – voltei atrás – Eu vou com você.

Oh

I lose control
When I hear your body move
Through the walls
In the next room
 
Oh, I lose control
When I hear your body move
And I'm dying to break through
To the next room
Oh, to the next room

(Neon Trees)


abril 18, 2010

Siesta

Depois do almoço, o apartamento simplesmente adormeceu. Não que tenhamos todos voltado a dormir, isto é, foi apenas o ritmo que diminuiu. O silêncio se instaurou e era quase possível sentir a vibração do sol forte que queimava do lado de fora. O calor daquela tarde tranquila nos amolecia e todo mundo se separou – a Dani foi deitar e eu fiquei sozinha na cozinha, lavando a louça que se amontoava na pia.
 
Com uma certa preguiça, eu enxaguava lentamente prato por prato, quase hipnotizada pelos pontinhos de luz que apareciam e sumiam conforme a corrente fluía. Uma fresta na janela deixava entrar alguns raios de luminosidade, que cintilavam na água gelada. O cômodo inteiro estava numa tranquilidade leve, contínua, que não podia ser interrompida por nada.
 
Ou quase nada.
 
Inesperadamente, a Mia entrou pela porta. Sem fazer ruído algum. Caminhou descalça até onde eu estava e eu só a notei quando surgiu, de fato, ao meu lado. Não disse nada, apenas se sentou em cima da pia, do meu lado direito. E aí apoiou as mãos na beirada. Prestes a acabar com a minha paz. Que diabos...? Meio sem querer olhei para as suas pernas, ali, vestidas indiscretamente nuns shorts curtos jeans, e só depois subi o rosto e encarei seus olhos. Ela acompanhava o meu olhar, atenta a cada movimento meu. Não. Não vou fazer isso, abaixei a cabeça.
 
Voltei ao que estava fazendo anteriormente – o que era mesmo? – e tentei focar novamente na água, mas agora o sol refletido na corrente gelada parecia apenas um bando de pontos idiotas de luz. A presença da Mia me incomodava, inferno, me inquietava. E aquele silêncio me tirava do sério. Continuei me forçando a pensar nos pratos na pia, neles, só neles, mas podia senti-la do meu lado. Ali, sem dizer nada, apenas sentada a meio metro de mim.
 
Não queria olhar para ela. Sabia que isso era exatamente o que ela queria – testar o quanto de influência ainda tinha sobre mim. Desgraçada. Tentei resistir e não lhe dar esse gostinho, mas, em menos de dois minutos, eu não me aguentei. E virei de leve o rosto para o lado, espiando o que ela estava usando. O shortinho deixava as tatuagens nas suas coxas completamente descobertas e as mangas da sua camiseta de banda desgastada estavam enroladas grosseiramente, revelando os seus braços também tatuados, deixando os seus ombros à mostra. Meu deus, não. Voltei a encarar a água e a pilha enorme de louças na minha frente. Não queria olhar. Não queria. Então não olha, porra, briguei comigo mesma.
 
Foi aí, entretanto, que a Mia se moveu para frente. E com o canto do olho, vi a sua camiseta subir lentamente pelas suas costas. Os raios de sol que escapavam pela fresta da janela agora encostavam na sua pele e olhar para aquela cena tornava a água nas minhas mãos ainda mais fria. Caralho. Se concentra, suspirei e olhei para o outro lado, sem conseguir disfarçar direito. A Mia me olhou por cima dos ombros e sorriu com o canto da boca. E juro, eu estava prestes a mandá-la sair de perto de mim – tentação dos infernos. Mas não queria lhe dar mais atenção ainda. Então desliguei a água e simplesmente saí, sem dizer nada e nem direcionar o olhar mais para ela.
 
Argh. Filha-da-mãe.
 
Atravessei o corredor e me fechei no quarto, quase que num impulso. Me senti segura por um instante, ali. A Dani, que estava deitada na cama, levantou ao me ver e veio ao meu encontro. Escutei a porta do quarto do Fer fechando poucos segundos depois, ao fundo no corredor, e senti um incômodo familiar me revirar o estômago – é assim? Cê vem fazer cena para mim na cozinha só pra depois ir lá deitar na cama dele, Mia? Tentei não dar bandeira, olhando a Dani caminhar na minha direção, e forcei um sorriso.
 
Ela se aproximou de mim. E com as mãos apertando minha cintura, me pressionando contra a porta, beijou meu rosto e desceu pelo meu pescoço. A única coisa que vinha na minha cabeça, todavia, era a porra da Mia. Mas que droga. Respirei fundo e procurei entrar no clima, subindo as minhas mãos pelas pernas descobertas da Dani, que se amassava só de calcinha em mim. Mas tudo o que eu conseguia pensar era na Mia. Mia... Mia... Mia... Mia.
 
É. Ela estava de volta na minha cabeça.

A inquisição

_Não vou me meter... – o Fer argumentou, rindo.
 
A Dani estava literalmente em cima de mim, quase caindo da sua cadeira, me esmagando contra a parede da cozinha. Eu implorava pela ajuda do meu melhor amigo, aquele pamonha, que não fazia nada além de rir da minha cara. Um almoço calmo de sábado era interrompido por um momento inoportuno de lucidez da garota que agora me amassava contra os ladrilhos atrás de uma confissão.
 
_ADMITE!
_SAI DE CIMA DE MIM! – eu gritava, rindo.
_ADMITE! ADMITE! AMANTE DE MEIA TIGELA!
_SAAAI DE CIMA DE MIM!
_Ficou me zoando, é? Agora, admite! ADMITE LOGO!
_NÃO VOU ADMITIR NADA! – declarei e ela me amassou ainda mais.
_ADMITE! Vai, fala: “Eu sou uma mentirosa que não aguenta o tranco”.
_Eu não menti! Eu tava mesmo na casa do Gui, eu falei que tava!
_DORMINDO!!!!! – ela gritou, indignada, e eu ri, incapaz de me defender – Filha-da-mãe! Não acredito que você me trocou por uma cama!
_Não te troquei... Só adiei um pouquinho, porra!
_Ah! Então quer dizer que você admite?!
_Não. Não disse isso.
_Só confessa. Fala de uma vez!
_Não, não... não.
_Não aguenta, né, e ainda vem me tirar depois!
_São coisas diferentes, eu não fiz nada demais. Você tava toda enciumadinha!
_LÓGICO! Cê ficou sei-lá-quantas horas sem dar notícia!!
_Então, você admite?
_Eu não admito nada! Você que tem que admitir!
_Não vou admitir.
_E eu não vou sair de cima de você. Não até eu ouvir essa sua boquinha falar com todas as letras que você me trocou por um travesseiro, sua preguiçosa de merda!
_NÃO VOU FALAR NADA, SAI DE CIMA DE MIM!
_NÃO!!
 
E por aí fomos... tretando por minutos a fio e divertindo o Fer com a nossa discussãozinha tonta. Já a namorada dele, sentada e emburrada ao seu lado, sequer nos olhava. Com todas as forças, a Mia tentava não prestar atenção em mim, especialmente quando eu estava com a Dani e ainda mais nessas situações bobas de casal, que a tiravam do sério. Eu podia ver nitidamente nos seus olhos a agonia para terminar de comer e sair logo daquela mesa. Sair de perto de nós duas.
 
Por um momento, eu mesma quis empurrar a Dani de volta ao seu lugar e poupar a Mia das nossas demonstrações públicas e vergonhosas de afeto. Meu coração ficava confuso por um segundo. No entanto, ultimamente, os meus pensamentos sobre a Mia eram sempre passageiros e logo se tornavam irrelevantes. Minha cabeça a substituía com facilidade pela Dani. E com ela em cima de mim daquele jeito, era mais fácil ainda.
 
Ou pelo menos, era isso que eu achava.

abril 17, 2010

Sunshine, lollipops... ♫

Cinco horas de sono e eu cheguei no apartamento com a maior cara de pau do mundo, cantarolando pela porta. Já passava da meia-noite. Olhei para o Fer, sentado ao lado da Mia no sofá, e sorri satisfeita. Nada como uma cama de solteiro, pensei e ele riu da minha felicidade pós-travesseiro. A Mia apenas olhou brevemente para mim e levantou para pegar outro pedaço de pizza na mesa, ignorando a minha presença. E eu ignorei a dela também – estava num humor fantástico.
 
Deixei os dois pra lá. Passei pelo corredor, deslizando uma mão em cada parede e cantarolando qualquer coisa. Entrei no quarto, ansiosa por mais um pouquinho de baixaria. E fechei a porta atrás de mim. A Dani estava sentada na cadeira do computador, encarando qualquer merda na internet, como quem já se entediava há horas.
 
_Onde cê tava? – me olhou, irritada.
_Na casa do meu amigo...
_Amigo? “O”? Homem?!
_É.
_Até essa hora? Desde a hora que cê saiu até agora na casa de um amigo? – ela levantou as sobrancelhas, cheia de suspeitas – De um cara?
_Sim, Dani... – eu comecei a rir.
_Por que cê tá rindo? – questionou, brava.
_Porque vocêêê... – eu ri, puxando-a pela mão, na minha direção – ...faz pose de durona, mas tá aí, com esse ciúminho ridículo estampado na sua cara... – eu disse, a abraçando, e ela continuou me empurrando para trás – Admite, vai. Aposto que cê ficou horas sentada aqui, imaginando com quantas minas eu tava, pensando em cada peça de roupa que eu podia estar tirando delas e bolando um monte de frases de impacto para me dizer quando eu passasse por aquela porta... – eu me divertia.
_Não fiquei, não... – a Dani se soltou e encostou na parede, me contrariando.
_Ficou, siiiim... – eu cantarolei, a pegando pela cintura de novo e achando a maior graça.
 
Pressionei o seu corpo contra a parede e beijei o seu pescoço. Ainda emburrada, a Dani me empurrou para longe dela:
 
_Não fiquei!
_Admite... – eu ri.
_Vai se foder... – retrucou, se segurando para não rir junto e para manter a sua pose de indiferente.
_Cê quer rir, não quer?
_Não!
_Meu, cê tá tão, tão na minha... – eu continuava, rindo – É o seu fim! Fala que gosta de mim, vai... Admite... Pode falar! Ficou com ciumiiiinho porque eu não vim para casa depois do trabalho. Não ficou? Ficou aqui me esperando, sentadiiiinha, bonitiiiinha e toda mordida de ciúmes. Por horas e horas e eu não apareciiiia. Ficou aqui me esperando, enquanto cê poderia simplesmente ter levantado e ido embora, mas não foi... Não foi, né? Sabe por quê? Porque, ah, porque vocêêêê não é mais aquela Dani que eu conhecia... Não, não... Agora cê me queeeer...
_Mano, você é a pessoa mais insuportável que eu conheço! – ela riu, indignada – Que inferno!
_Você me ama, só admite. Vai. Diz que me quer...
_Não vou admitir nada. Vai se foder!
_Vem cá, vem... – eu ri e a beijei.
 
Brincadeiras à parte, a Dani andava mesmo me surpreendendo. Até eu andava me surpreendendo ultimamente. E aquilo me divertia. Agora de volta ao apê, com a disposição e todas as minhas más intenções recuperadas, levei a Dani para dar uma voltinha pelo quarto. Fomos juntas da parede até a mesa, da mesa até a cadeira, da cadeira até o chão, do chão até a cama, da cama de volta para o chão e... Tudo de novo. A minha sexta só estava começando.

abril 15, 2010

Amigos são para...

A uma hora de terminar o meu último expediente da semana, eu me debruçava sobre a máquina de café do estúdio como uma zumbi – de All Stars e uma regata velha, a primeira que minhas mãos alcançaram naquela manhã, atrasada. Me esforçando, e muito, para manter os olhos abertos. Estava prestes a acabar com o estoque de cafeína do trampo e isso me dava um certo desespero, já que aquela maquininha era a única coisa que vinha me salvando durante toda a porra daquela sexta-feira.
 
Sentei de novo numa das mesas do estúdio, com o copo na mão e o cabelo bagunçado, as raízes enormes, e senti meus olhos se fecharem lentamente por diversas vezes. Do nada, eu acordava assustada e procurava fingir que nada tinha acontecido. Como se eu estivesse 100% bem e desperta – só que não. O pior é que eu não tinha nada para fazer. Nada. Nenhuma tarefa sequer. Ainda assim, era obrigada a ficar ali, morgando, até meu chefe terminar uma sessão de fotos só para guardar os equipamentos no final. E no meu estado atual, aquilo era o equivalente a tortura.
 
Peguei o celular no meu bolso com certo esforço – afinal, tudo quando se está com sono requer esforço – e disquei para o Fer:
 
_Deixa eu perguntar, meu, cê já tá em casa?
_Tô, cheguei faz um tempinho.
_E a Dani, ela tá aí?
_Sei lá... Se estiver, tá no quarto. Por quê?
_Fer – implorei – Cê precisa se livrar dela pra mim.
_O quê? – ele começou a rir.
_Qualquer coisa, sério, inventa qualquer merda. Mas tira ela daí, por favor! Eu não aguento mais. Por favor, por favor, por favor... Ela não pode tá aí quando eu voltar!
_Se livra dela você, meu! Por que eu tenho que fazer isso?
_Porque eu não quero soar escrota e depois... Sei lá, e-ela vai ficar brava comigo... Não. Não dá. Não quero que ela dê o fora de vez, só que ela saia um pouquinho. Por favor. Tem que ser você.
_Eu?! Que desculpa eu tenho para chutar a menina daqui?!
_Fala baixo, porra, ela vai te ouvir! – adverti e ele riu – Olha, num sei, fala que você vai trazer a Mia aí e que cê não quer ninguém no apê... Que ela tem que sair, ir dar um rolê... 
_Eu não vou falar isso... – ele riu – Por que você não fala?!
_Porque ela vai sacar que eu tô mentindo.
_Então não mente, ué... Fala a real para ela ou, sei lá, deixa a mina aí, mano. Qual o problema?
_Ela não me deixa dormiiiiiiiiiiir – choraminguei – E eu quero muito... muito... muito... só... sabe, dormir um pouquinho, duas horinhas que seja...
_Ohhhhhh, nooooossa... – ouvi ele zombar, ironicamente – Como cê sofre, não? Coitada! Todo essa baixaria, assim, dia após dia... Que tortura! Ô vida dura!
_Ah, vai se foder, Fernando.
_Cê é um barato... – ele riu – Por que cê simplesmente não fala com ela, mano? A casa é sua! Chega e vai dormir, porra! O que ela vai fazer? Te impedir?
_Você tá mesmo sugerindo, sem brincadeira, que eu fique no mesmo apartamento que a Dani e vá dormir? Que eu ignore aquela garota linda, insaciável e maravilhosa, como se fosse a coisa mais fácil do mundo? Que eu me vire para o outro lado e vá dormir? – me revoltei – Sério mesmo? Eu?!
_Tá, tá... Colocado dessa forma, talvez cê tenha razão.
_Você precisa se livrar dela, sério. Seja um bom amigo e faça isso por mim, meu.
_Eu não vou fazer bosta nenhuma! – ele riu – Se vira!
_Eu te odeio – resmunguei, azeda.
 
Desliguei e coloquei o telefone de volta no bolso. Começava a ser tomada por uma agonia horrível, um desespero de quem não dormia há uma semana. Apertei o rosto contra as mãos, como quem está prestes a chorar de cansaço, e me debrucei exausta sobre a mesa. Eu não queria ter que mandar a Dani embora, não mesmo. Os últimos dias estavam sendo tranquilos, como nunca foram entre nós, e eu não queria estragar aquilo só porque não aguentava o tranco – muito menos admitir isso como justificativa para ela. De jeito nenhum. Merda, merda, merda. Levantei a cabeça e peguei novamente o celular:
 
_Meu, deixa eu te perguntar... – arrisquei – ...você tá em casa?
_Tô, por quê? – o Gui respondeu.
_Eu preciso da sua cama.

abril 13, 2010

Jogo sujo, garota

Quando foi duas da manhã, ainda na quinta, eu me encontrava deitada sobre um lençol no chão do quarto, ao lado da minha suposta nova esposa. A Dani era a responsável por todo o falatório no meu trabalho – e por toda a maratona de exercícios daquela semana também. Meu deus, por um instante, desejei que o nosso relacionamento não fosse sempre tão obsessivo. Nunca era tranquilo. Nunca. Entre idas e vindas, destruíamos uma à outra numa necessidade louca de estarmos juntas. Durava dias, às vezes semanas. E acabava – tão rápido quanto recomeçou. Os nossos corpos pareciam querer compensar toda a ausência de uma só vez. 
 
Apoiei os pés na cama, sem qualquer roupa no corpo, e me pus a fumar o pouco de maconha que ainda restava. A Dani passou sua perna por cima da minha e subiu em cima do meu corpo, me beijando logo em seguida. Ficou ali, sentada confortavelmente logo abaixo da minha cintura, completamente nua. Roubou o baseado entre os meus dedos e coloquei as mãos atrás da minha cabeça, me apoiando nelas. Observei a Dani por um tempo – ela tragava e soltava a fumaça lentamente no ar.
 
_Você é uma graça... – eu sorri.
_Ihhh... – ela me zombou, desacostumada com elogios – ...acho que toda essa erva tá começando a afetar o seu julgamento.
_Não. Você é, sim – eu ri e peguei o baseado de volta – Mas cê vai acabar comigo, garota. Juro. Muito antes que as drogas...
 
Ela conteve um sorriso, lisonjeada, e se abaixou na minha direção. Eu soltei a fumaça rapidamente para o lado, antes de beijá-la. Uma das minhas mãos continuava sob a minha cabeça e as dela começaram a percorrer a lateral do meu corpo, aí deslizaram para o meio das minhas pernas. Puta que pariu, senti me subir um calor, involuntariamente.
 
_Cê só pode tá brincando... – comecei a rir, achando absurdo.
_O quê?! – ela respondeu, contendo um sorriso.
_Hoje eu vou dormir cedo, viu, pilantra. 
_Vai?
_É sério, não adianta fazer essa cara aí! Isso aqui, olha... – eu disse, mostrando a ponta do baseado na minha mão e tirando a sua de mim – ...é para eu capotar e você não ter nem chance de me acordar. Hoje não tem essa, meu. Depois que eu terminar esse é “boa noite”, cama, fim de papo, game over.
_Ai, que exagero... – me provocou – ...são só duas da manhã.
_É, né, porque não é você que tem que levantar cedo todo dia! – eu ri, retrucando – Cê pode ficar aqui, descansando, folgada... E eu tenho que ir trabalhar amanhã de manhã, sem ter pregado o olho. Nem vem! Hoje não tem conversa, meu, eu não dormi a semana inteira!
_Nossa... Quem diria que eu viveria para ver o dia em que cê ia recusar sexo?
_Não tô recusando – me ofendi – Só adiando.
_Pra mim, tá parecendo que cê não aguenta...
 
Me provocou. Maldita. E eu ia retrucar, mas não consegui achar qualquer argumento que não me fizesse soar quatro vezes a minha idade. Não tinha nada que me tirava mais do sério do que um duvido-que-você-consegue. Suspirei, com raiva. Desgraçada. E então encarei a Dani de volta, por alguns segundos, tentando resistir à tentação – me forçando a pensar no trabalho, no alarme tocando, em todas as horas que teria que encarar acordada e nas minhas obrigações, no que eu deveria fazer.
 
Mas não consegui.

Perdendo o sono e a reputação

Passamos o resto do sábado na cama. E do domingo também. No dia seguinte, após pouquíssimas horas de sono, o despertador me acordou. E então, eu acordei a Dani. Sexo. Chuveiro. Sexo. Café na cama. Sexo de novo. E eu saí para trabalhar atrasada, claro. Passei o dia inteiro agoniada, querendo sair dali e voltar logo para a Dani para casa. Quando finalmente botei os pés dentro do apartamento de novo, passamos o resto da noite trancadas no quarto, ouvindo um trip hop pesado e bagunçando ainda mais os lençóis.
 
Na terça-feira, o alarme me acordou mais uma vez. Duas horas de sono, que inferno. Desliguei aquela porcaria escandalosa e voltei a fechar os olhos, enfiada no travesseiro. Aí foi a Dani que me acordou – com a cara metida entre as minhas pernas – e, uma hora e cinquenta minutos depois, eu estava apertando o botão do elevador freneticamente enquanto enfiava os tênis de qualquer jeito no pé.
 
É. Atrasada, para variar.
 
Não dava para manter esse ritmo. Chega. Aquela noite tinha que ser reservada para confortáveis horas de sono – ou eu seria incapaz de continuar. Mandei repetidas mensagens engraçadinhas para a Dani ao longo do dia, avisando-a que ela tinha que dormir no sofá. E no final das contas, fomos nós duas que não-dormimos-nem-um-pouco no sofá naquela noite. Resultado? Consegui míseras três horas de travesseiro almofada e nem um segundo a mais.
 
Quando chegou a quarta-feira, eu não conseguia sequer inventar mais desculpas para o meu chefe pelos meus atrasos recorrentes. A minha cara evidente de quem não pregava os olhos há dias me delatava imediatamente, toda vez que eu encontrava com ele no estúdio. E para ajudar, tinham todos os chupões e mordidas e marcas indiscretas, espalhadas nos lugares menos estratégicos do meu corpo, e aquele meu cabelo constantemente bagunçado pela manhã, que agregavam um “porquê” à minha cara de sono – e que rapidamente tornaram a convivência com meus colegas de trabalho insuportável. Ao final do expediente de quinta, eu já tinha “ganhado” uma porra de uma esposa.
 
Fofoqueiros de merda.

abril 12, 2010

Pequenas aberturas

“With your feet on the air and your head on the ground”, eu ouvia e não conseguia evitar senão acompanhar os Pixies, com uma cerveja na mão e a cabeça metida naquele ritmo viciante. Meus olhos, por outro lado, estavam exclusivamente na Dani. Eu me divertia, sentada sobre a mesa da cozinha, enquanto observava ela se debruçar frustrada no chão. Um dos seus brincos havia escorregado para debaixo da geladeira, numa fresta mínima e humanamente inatingível.
 
_Larga mão de ser menininha! – eu provocava de propósito – Cê não vai conseguir, já era... Tira o outro brinco e fica sem, meu. Qual o problema?
_Sabe, você podia me ajudar... – ela resmungou.
_Não. Tô bem aqui... – eu ri – A vista tá ótima, Dani!
_Vai se foder – ela retrucou e virou o corpo um pouco mais para o lado, a fim de me privar da minha “ótima vista” sobre ele, se desdobrando inteira no chão.
 
Tomei mais um gole da cerveja e continuei cantarolando a letra, entretida com toda a situação. Eu estava me sentindo leve, me sentindo bem. Não só pelo fato da Dani estar de joelhos ali, sofrendo por um pedacinho de metal – o que estava me divertindo, confesso, mas também pelos motivos que eu não queria admitir. Nem para mim mesma e muito menos para ela. O fato é que, apesar da minha bebedeira fenomenal do dia anterior, eu me lembrava de cada segundo, de cada balada, de cada beijo e de cada metro percorrido. E mais especificamente, de cada frase confessada.
 
Ciúmes”. A palavra por si só me perturbava. Ainda que fora de contexto, ainda que cochichada após litros de tequila e uma hora de sexo; de um jeito ou de outro, me perturbava. Mais de um do que do outro: a Dani sempre foi uma constante na minha vida. No entanto, ao longo dos anos, ela conseguiu – de uma forma realmente impressionante – me superar na filha-da-putice e na ausência completa de compromisso ou qualquer sentimento sincero de carinho. Ela nunca deu a mínima para nós duas. Me fazia bem saber que ela sentia alguma coisa por mim, seja lá o que fosse.
 
Só não fazia sentido.
 
A Dani já tinha me visto com inúmeras meninas. Ela sumia e ressurgia durante os meus namoros, sempre conversamos abertamente sobre nossos casos. Qual era a implicância repentina com a Mia? Não pode ter sido tão grave assim, eu pensava, enquanto olhava-a esticar o corpo na minha frente. Eu não estava tão bêbada assim. Não a esse ponto, porra, na frente do Fer – tentei me convencer. Eu não daria tão na cara.
 
Infelizmente, em flashes esparsos de memória, o que eu me lembrava era que: sim, eu estava tão bêbada assim. Estava até pior, aliás. E a minha falta de descrição acarretava um milhão de possíveis riscos, o que me incomodava bem mais do que o ciúme da Dani. Esse último me intrigava, como uma coceirinha boa atrás da orelha. Parte de mim – aquela parte curiosa e masoquista – tinha vontade de cutucar a leoa para ver até onde chegava aquela história.
 
_Desisto! – a Dani declarou irritada, já em pé, após alguns minutos.
 
E imersa em meus pensamentos, eu disse:
 
_Ei... O que cê vai fazer essa semana?
_Nada, sei lá, vou voltar pra casa dos meus pais. Por quê?
_Não quer ficar uns dias aí? – perguntei, sem pensar.
 
E sem mais nem menos, estava feita a proposta.

abril 09, 2010

Manhã lenta

Senti as pernas mornas da Dani encostando no meu corpo, uma de cada lado da minha cintura, enquanto eu afundava o rosto no travesseiro. Ela passou a mão lentamente pelas minhas costas, me tocando apenas com as pontinhas dos dedos e me arrepiando inteira. Tive vontade de me encolher, mas não me restava qualquer força para me mover. Estava acomodada, tranquila. Não queria mais sair dali.
 
Suas coxas deslizavam pela minha pele e as pontas do seu cabelo faziam curvas suaves em mim. Quando de repente, um beijo. Inesperado. Daqueles que talvez pudessem passar despercebidos, que quase não se fazem sentir de tão delicados. Era tudo gostoso.
 
_Quando foi... – ouvi a Dani perguntar baixinho, por cima do meu ombro – ...que cê fez essa?
_Hmm?! – murmurei, exausta, afundada no travesseiro.
_A tatuagem – ela explicou e eu senti seus dedos desenharem lentamente no alto das minhas costas, no mesmo lugar em que há pouco me beijara – Cê não tinha ela na última vez que te vi.
_Do que cê tá falando... – eu murmurei impaciente, com uma preguiça enorme de conversar – Vem aqui... vem.
 
Não ouvi nada por alguns segundos, sem resposta. E aos poucos, senti a Dani deitando-se ao meu lado na cama – bem aos poucos. Quase como se ela não quisesse. Pelo movimento, supus que ela estivesse virada para cima, encarando o teto. Mas não chequei – após mais de 24 horas sem dormir, eu me recusava a abrir os olhos. Que sono, meu deus. Estava cansada, física e emocionalmente. O meu dia, a minha noite e a manhã seguinte tinham sido surreais. E intermináveis.
 
Depois de sobreviver a tudo aquilo – além de uma dose extra de sexo –, eu não tinha mais força ou disposição de lidar com as perguntas da Dani. Nada, zero. Ela, por outro lado, permanecia irritantemente desperta. O que cê cheirou, mano?, me afundei no travesseiro. Eu não movia um só músculo. Estava derrotada. E apesar de ainda bem desperta, a Dani parecia estranhamente mais delicada. Quase carinhosa, não sei. Deve ser a bebida. Tanto que se deitou ao meu lado, sem objeções, e ficou quieta. Tudo o que eu queria agora era dormir.
 
Mas não durou muito:
 
_Qual é a sua com aquela garota? – perguntou, quebrando o silêncio – A tal da Mia.
_Dani... – respondi, ainda enfiada no travesseiro – ...sem perguntas complicadas.
_Porque se alguém me perguntasse... Eu diria que cê sente alguma coisa por ela.
_Acredite... Eu não tô perguntando.
_Mas cê sente, não sente?
_Dani... – resmunguei, cansada.
_Eu entenderia, se sentisse. Digo, ela até que é gostosa – deu de ombros e eu suspirei, incomodada com a forma agressiva como a palavra “gostosa” soava em uma manhã interminável da porra – Cê já comeu ela?
_Por favor... Só me deixa dormir – me irritei, submersa na fronha.
_Comeu ou não comeu?
_Não é da sua conta, mano.
_Certeza que cês já se pegaram... – ela continuou, tagarelando, bêbada ou chapada, como se falasse sozinha, o que não estava muito longe da realidade – Foi estranho. Cê tava incomodada demais por ela ir embora e, tipo, que diferença ia fazer se ela ficasse ou não? Ela ia dormir lá com o teu amigo de qualquer jeito e você aqui comigo... – a Dani simplesmente não calava a boca e, nesse ponto, eu comecei a considerar seriamente a hipótese de chutá-la da cama – E ainda bem que não ficou, né? Porque só me faltava você me trocar para ficar com uma heterozinha que não sabe nem achar o meio das pernas de uma garota. Eu te matava.
_Fica quieta, Dani. Por favor.
_Na boa, não sei como o seu amigo não percebe... – ela riu, me alfinetando – Sério. Tá muito na cara!
_Jesus, você não vai calar a boca...
_Cê pegou ela, não pegou?
_“Sim”, “não”... – perdi a paciência e sentei na cama – Que diferença faz, meu?!
_Nossa, calma. Só tô puxando assunto...
_Puxando assunto, Dani? Daqui a pouco são 9 da manhã e eu não dormi porra nenhuma! – reclamei, irritada, me enfiando de novo no travesseiro – Cacete, mano, tava tudo indo tão bem até agora. Você realmente quer começar esse blá-blá-blá todo aí e estragar o clima, meu? Vamos dormir, velho, por favor. Eu tô cansada... – implorei – Vem. Vem cá, vai...
 
Tateei o seu corpo, pegando-a pela cintura e puxei-a contra mim. Virei para o mesmo lado e entrelacei um dos meus braços nos dela, abraçando-a de conchinha, enquanto o outro apoiava minha cabeça por debaixo do travesseiro. Para a minha surpresa, a Dani não se opôs e me abraçou de volta, quieta no seu canto. Não éramos muito de dormir grudadas assim, eu e ela, mas àquela altura já havíamos esgotado toda a nossa cota de distanciamento calculista e eu estava cansada demais para prolongar a discussão.
 
Enfim, silêncio.
 
(...)
 
_Dani... – retomei baixinho, um tempo depois, inquieta.
_Hmm? – ela murmurou de volta, já quase dormindo.
_Você... v-você tá com ciúmes?
_Acho q-que... – hesitou, falando baixinho – ...que sim.
 
E sem que ela pudesse ver, eu abri os meus olhos.

abril 08, 2010

Desculpa (ou não)

De repente, ela surgiu. O sol já começava a nascer, iluminando cada rachadura e prédio da rua em tons de cinza e revelando toda a sujeira de São Paulo, que se acumulava nos botecos, puteiros e bueiros. A Rua Augusta amanhecia junto com o dia, tomada por sua insônia usual e centenas de pessoas que se recusavam a ir para casa. Inclusive nós.
 
Vi a Dani descer do seu carro do lado oposto da rua e deslizar entre o trânsito na direção do Santa Augusta. Fiquei em pé, para que ela me visse no meio daquela pequena aglomeração, com um cigarro quase acabado na mão. Ela sorriu para mim e eu fingi que não notei, ainda de longe. Eu continuava com raiva dela, evidentemente, mas não queria ficar nem um segundo a mais sozinha naquela sarjeta enquanto o Fer praticamente comia a Mia na minha frente. Argh.
 
Assim que a Dani chegou do nosso lado da rua, coloquei meu braço ao redor da sua cintura e a apresentei rapidamente para os demais. Sem cerimônias. Hora da vingança. A Mia me olhou e virou a cara, amarga, na mesma hora. Já o Rafa moveu-se um pouco mais para cima na sarjeta, encarando as pernas da Dani. Nos sentamos no meio do grupo. Comentei qualquer coisa idiota que me veio à mente e, logo na primeira frase, me confundi e troquei uma palavra por outra.
 
_Caralho – a Dani riu da minha cara, meio babaca – Cê já passou da conta, hein?
 
A pergunta era quase retórica e, portanto, não merecia uma resposta da minha parte. Mas senti que foi uma cutucada, então retruquei:
 
_Pois é... – traguei mais uma vez o cigarro e joguei a bituca no chão – Sorte a sua.
 
No segundo seguinte, a puxei para perto de mim e nos beijamos, num beijo quase sem querer. E daí para frente, exceto pelo que agora me falha à memória, nós não nos desgrudamos mais. Parecíamos duas adolescentes, é, nos agarrando pela roupa descaradamente, montadas uma em cima da outra e bêbadas naquela calçada suja, nos beijando. Logo nos tornamos o sucesso de todos os passantes da Augusta – mas eu não estava ligando ou sequer ouvindo o que os outros diziam. Ia me atracar com a Dani com toda a minha vontade, sim. E com todas as frustrações também.
 
O Fer comentou qualquer coisa a respeito, brincando comigo. Olha quem fala. Mas depois de um tempo, ele se viu obrigado a dar atenção para o nosso amigo, plantado ali de vela, largando um pouco a Mia de lado.
 
Parece que o jogo virou, não é mesmo?
 
Ah. Doce vingança. A cada beijo de tirar o fôlego que eu emendava na Dani, podia sentir a raiva da Mia na nossa direção. Frustrada com o fracasso do seu planinho de merda para me torturar a manhã toda. Agora era justo o contrário e eu estava adorando cada segundo daquilo. O único problema é que as minhas mãos...
 
...estavam na garota errada.

abril 07, 2010

Santa Augusta

Quase cinco da manhã e nós persistíamos lá na Augusta, como quatro gambás bêbados, sentados numa sarjeta imunda qualquer. O nosso porto seguro, o Ibotirama, havia fechado algumas horas antes e nos expulsado educadamente junto com alguns dos últimos clientes. O caos de sexta à noite dominava a rua em alto e bom som.
 
Entre um bar superlotado e outro, os meninos cometeram a besteira de comprar dois litros de vodka barata – e eu cometi a besteira ainda maior de ajudar a virar toda aquela dor-de-cabeça engarrafada. Após algumas pequenas confusões quase propositais, cambaleando pela rua, e muitos novos amigos conhecidos no meio do caminho, sentamos acabados em frente ao Santa Augusta, atraídos pela movimentação constante.
 
O convívio com a Mia até aquela altura estava sendo bastante simples: ela me ignorava e eu engolia, calada, com o rabo entre as pernas. Algo próximo do tolerável. Ao chegar no Santa Augusta, ela entrou para usar o banheiro e eu fui um tempo depois para buscar uma cerveja, munida com o dinheiro do Fer. Dei de cara com ela no meio da muvuca, assim, de repente, enquanto ela voltava para o lado de fora e eu entrava. Olhei para a cara da Mia e ela olhou imediatamente para baixo, nitidamente incomodada. Merda. Desviei dela, evitando qualquer constrangimento desnecessário, e me pus a caminho do bar. O que mais eu poderia fazer?
 
De volta à calçada, matei a garrafa com o Fer e começamos a comentar sobre um amigo em comum com o Rafa, detalhando os absurdos do passado duvidoso dele. O Fer ria tanto, mas tanto, que chegou a tombar duas ou três vezes para trás, esbarrando no cara parado atrás dele e o irritando. Quase deu briga. Não que o meu estado fosse tão melhor, afinal, eu esquecia uma de cada três palavras e já não fazia mais sentido em nada do que eu dizia.
 
Enquanto isso, a Mia ficava cada vez mais soltinha – e consequentemente, cada vez mais em cima do Fer. Literalmente. Desgraçada. Aí, sim, começou a me incomodar. Aqueles beijos empolgados, sentada no colo dele e beirando o insuportável, me tiravam do sério. E no auge da minha irracionalidade alcoólica, eu não podia evitar senão ficar encarando enquanto os dois se pegavam na sarjeta, completamente mordida de ciúmes, ignorando o que o Rafa tagarelava bêbado ao meu lado.
 
Para de olhar. Para de olhar. Para de olhar. Argh. Não dava. Quanto mais eu me esforçava para recuperar parte da minha sobriedade, virar a cabeça e encarar a porra do chão, mais indiscreta eu ficava. Olhando fixamente para as mãos do Fer, agarrando as coxas da Mia. Por sorte, ele estava tão bêbado e tão ocupado em pôr as suas mãos nela, que não percebeu. A Mia, por outro lado, fazia questão de virar os olhos sutilmente na minha direção, de tempos em tempos, para checar se eu estava prestando atenção suficiente – e eu estava, é claro.
 
Porcaria.
 
Por volta das cinco e quarenta, o meu celular tocou. Eu não percebi logo de início, hipnotizada pela ceninha desconcertante da Mia e do Fer. Só fui ver alguns minutos depois. Quando olhei o visor, meu telefone já registrava duas chamadas não atendidas. Liguei de volta e, para a minha surpresa – ou não – era a Dani.
 
_Olha, não tô afim de ir pra Lari. Quero te encontrar – soou arrependida – Onde cê tá? Eu tô saindo daqui agora, posso ir aí? 
 
Não pode. Não pode. Não pode.
 
_Tá. Que se dane. Tô no Santa Augusta, vem aí.

abril 06, 2010

Transtorno

Deixei a minha comanda vazia no balcão da frente e saí para a rua, puta da vida. Parei em frente à balada, arrependida de ter sequer saído de casa naquela noite, e acendi um cigarro. Eu sabia que isso ia acontecer, eu me torturava mentalmente, me sentindo idiota. Que bem poderia vir de sair com a Dani? Nenhum, porra. Nenhum!
 
Subi a rua até a esquina oposta, parando no posto seguinte para comprar uma cerveja, sem saber direito para onde ir dali. Eu já deveria saber, eu já deveria saber, eu pensava e passava a mão no rosto, inconformada, enquanto esperava na fila do caixa. Os meus trocados não foram suficientes para pagar a porcaria da cerveja superfaturada da loja de conveniência e um playboy idiota que estava atrás de mim se ofereceu para pagar. Isto é, dependendo de como eu ia “agradecê-lo”. Claro. Babaca do caralho. Mandei ele à merda e saí, sem a cerveja.
 
Tirei o celular do bolso, descendo em direção ao meu apê, e liguei para o Fer. Não sei bem por que, simplesmente liguei. Ele atendeu em meio a uma gritaria, soando realmente bêbado. Perguntei onde ele estava e não consegui ouvir o que ele dizia. Desliguei, mais irritada ainda, e joguei a bituca do cigarro no meio da rua. Fracasso total. De repente, o meu celular vibrou e eu vi uma mensagem do Fer piscando na tela.
 
“To na augusta com a mia e o rafa benatti no ibotirama,vem ai.”
 
E contrariando todo o bom senso – como sempre –, eu fui.

Implícito

Vows are spoken to be broken
Feelings are intense, words are trivial
Pleasures remain… so does the pain.
Words are meaningless
And forgettable

All I ever wanted
All I ever needed
Is here in my arms
Words are very unnecessary
They can only do harm

Enjoy the silence... bitch.

(Depeche Mode)