abril 29, 2010

Nós

O meu cigarro acabou. E já não havia mais o que ser dito, por hora. Vinte segundos de conversa e, de repente, toda a confusão dentro de mim se acalmou. Os olhos da Mia em comum-acordo e a sensação de que eu não era a única surtando sobre a situação que nos metemos – foi como se tirasse um grande peso das minhas costas. Mas sabia que não podia ficar ali.
 
A desvantagem de se morar no meio da zona mais famosa de São Paulo é a rapidez que namorados alheios levam para comprar dez ou quinze gramas de maconha na rua ao lado. E voltar. Não era a melhor das ideias ficar ali dando bandeira – não com tanta culpa nos rondando. Além disso, ainda havia a dupla ressaca moral no quarto ao lado pesando na minha consciência e isso, ah, isso era pior do que o retorno iminente do Fer. Não podia deixar que a Mia descobrisse. Preciso resolver isso antes dela sair do quarto, pensei.
 
_Bom, e-eu vou... – disse meio sem jeito, em tom de despedida – ...cê sabe.
 
Mas quando ia me virar pra abrir a porta, a Mia se levantou às pressas. E antes que pudesse entender o que se passava, me pegou pela mão e rapidamente me abraçou. Como se receasse que eu saísse daquele quarto, como se... no segundo em que eu passasse por aquela porta, não fosse mais me ver. Seus braços deslizaram sobre os meus ombros. Não com o desespero com o qual correu para alcançar a minha mão, apenas me... m-me abraçou. Como se fosse natural que o fizesse. E após um segundo de confusão, eu a abracei de volta.
 
_Senti saudades de ficar perto de você...
 
Ela disse, baixinho. E meus braços apertaram a sua cintura, a segurando mais forte ainda. Senti a minha recente paz de espírito escorregando para longe de mim. Aquilo me desmontou. Fechei os olhos e afundei o rosto no seu ombro, sentindo uma vontade louca de erguer o seu queixo e a beijar, de perguntar o que estava sentindo, o que passou pela sua cabeça todos aqueles dias, de olhar nos seus olhos para entender, entender que parte de mim ela sentiu falta, que versão de nós, mas apenas a segurei de volta. Por longos segundos. E quando suas mãos começaram a afrouxar ao redor do meu corpo, era eu quem não estava pronta deixar ela ir.
 
Mas não o demonstrei. Seus braços me soltaram e eu apenas sorri de volta, retomando o meu caminho para... onde mesmo? Ah, é, a porta. Dei dois ou três passos e girei a maçaneta, a Mia ficou. Se sentou de novo no colchão. Os pés descalços suspensos ao lado do seu coturno surrado, largado ao pé da cama em algum momento da madrugada anterior. Fechei a porta atrás de mim. E sem conseguir pensar direito, caminhei lentamente até o meu quarto. Minha cabeça ainda tentava assimilar o que diabos tinha acontecido. Entrei antes de estar, de fato, preparada – as garotas continuavam na cama e eu fui subitamente atirada de volta à realidade.
 
A Dani ergueu a cabeça, acordada pelo som da porta, e me olhou por detrás do travesseiro, sonolenta. Sorriu. Esticando a mão no ar como se me convidasse a deitar com ela. Fiquei a olhando, sem saber o que fazer com tudo aquilo. Olhei então para a Débora, ao seu lado, e de repente tudo me pareceu uma imensa confusão na qual eu havia me metido sem perceber. A última coisa que eu queria naquele momento era ter que lidar com a noite passada. Subitamente presa naqueles últimos cinco minutos.

abril 27, 2010

Me, Myself & Mia

A televisão estava desligada – mas eu continuava olhando para o meu reflexo na tela preta, numa insistência burra. Eu sou patética. Não estava afim de voltar para o quarto ainda. E de certa forma, ficar ali sozinha em silêncio parecia algo que eu precisava fazer naquele momento. Me deprimindo deliberadamente, revirei os olhos.
 
Acendi um cigarro, o primeiro daquele domingo, e observei a mim mesma refletida enquanto tragava. Incrível como somos uma juventude tomada pelo tédio. Não importa o que você fez ou deixou de fazer na noite anterior, o quão absurdas suas experiências são ou o tanto que você encheu a cara e perdeu a linha – na manhã seguinte, somos os mesmos vegetais que éramos na anterior. Entediados até a morte. De novo e de novo. A única diferença, entre um dia e outro, é a ressaca martelando na sua cabeça.
 
Geração hedonista de merda. 
 
O barulho do Fer abrindo a porta interrompeu subitamente a minha viagem existencialista. Olhei para ele, saindo do apartamento com uns shorts de moletom e chinelo, e ele disse que ia fazer um corre. Como se me devesse alguma explicação para estar saindo sozinho num fim de tarde de domingo – mas a real é que eu também senti uma necessidade irracional de explicar o que eu estava fazendo ali, toda ridícula no sofá, enquanto as minas ainda dormiam no quarto. Mas achei melhor não dizer nada.
 
E não, eu não estava sequer pensando na Mia. Estava simplesmente... Ok, mentira. A única coisa que eu conseguia pensar, além dos meus próprios botões filosóficos, era na Mia. E nas suas pernas, sentadas naquela pia, no dia anterior. Na inevitabilidade. Sorri de volta para o Fer conforme ele fechava a porta, tentando disfarçar meu estado de espírito, mas não tenho certeza se ele viu. E lá estava eu, sozinha. De novo. Eu, o sofá e a porra da TV desligada.
 
Traguei o cigarro mais uma vez e o silêncio me incomodou. A ausência de supervisão repentina. Soltei a fumaça, sentindo a inconsequência começando a me coçar. Olhei mais uma vez para mim mesma no reflexo da televisão, como se procurasse qualquer resposta ali. E não achei. Tudo estava apagado. Que se foda, me levantei.
 
E caminhei pelo corredor, tentando ignorar minha própria sensatez que me mandava voltar.
 
Com o cigarro ainda aceso em mãos, passei reto pela porta do meu quarto. Parei em frente à do Fer. E encarei a maçaneta. Coloquei o cigarro na boca e, com a mesma mão, a girei. O quarto do meu amigo era menor do que o meu, apertado e em L, fazia uma curva mal projetada – precisava dar dois passos para ver a cama espremida contra a parede. E lá estava ela, deitada. Usando uma camiseta emprestada e desbotada da época em que o Fer ainda era um adolescente sem tatuagem ou voz de homem.
 
Não sei se estava dormindo até então.
 
Sei que, quando fechei a porta atrás de mim, os seus olhos se ergueram. Ela me viu e não disse nada. Eu também não. Que diabos tô fazendo?, suspirei, sentindo a minha consciência contestar. Encostei na parede, ainda em pé ali, e a Mia continuava me observando, mas nenhuma de nós fazia ou dizia nada. O clima estava estranho e eu não conseguia me lembrar como foi que havia chegado a esse ponto. Que merda. Lembrei do cigarro na minha mão e o levei à boca, tragando desviando os olhos para o chão.
 
_O que cê tá fazendo?
 
A Mia se incomodou.
 
_Não sei... – fui sincera – Não sei mesmo, Mia.
_Não sabe?! Você entra aqui do nada e fica parada aí, sem dizer nada, como se...
_E você? Por acaso, sabe?! – a interrompi –Tem ideia do que tava fazendo ontem na cozinha?
_E-eu... – a Mia baixou a guarda, se enrolando – ...n-não, não sei.
 
Ficamos em silêncio por um tempo.
 
_É. Acho que a gente tá realmente ferrada...

abril 26, 2010

A grama do vizinho

De repente, eu acordei. Olhei ao redor e as garotas continuavam dormindo, tranquilas. O quarto estava em perfeito silêncio – era uma tarde preguiçosa de domingo. Demorei alguns segundos para entender o quê, então, havia me feito abrir os olhos, mas logo aquela sensação horrível começou a subir pelo meu corpo. Um a um, senti meus órgãos formigando e depois se contorcendo. Argh, ressaca.
 
Fraca e ainda meio sonolenta, engatinhei com certo esforço até uma das beiradas da cama. Ao ficar em pé, senti a maior dor de cabeça da minha vida e tropecei pelas roupas no chão até achar uma cueca. A subi pelas pernas e vesti minha camiseta ao avesso. Parei na porta, me sentindo enjoada, e respirei fundo. Dei uma espiada na cama e ambas continuavam dormindo, entrelaçadas entre si. A lembrança da noite anterior me fez sorrir.
 
Água, meu corpo resmungou, sedento.
 
Arrastei os pés pelo corredor e entrei na cozinha atrás de qualquer líquido que amenizasse as consequências agonizantes da minha falta de controle na noite anterior no Glória. Por que diabos fui beber tanto? O Fer estava sentado à mesa, comendo os restos dum delivery chinês e rabiscando aleatoriamente num flyer promocional largado em cima da mesa. Sem desviar a atenção do seu desenho bobo, ele me cumprimentou com um “bom dia” murmurado, sonolento, o que sugeria que ele também havia acabado de acordar.
 
Cinco da tarde passadas e só nós dois acordados naquele apartamento inteiro. Imediatamente senti vontade de contar a ele tudo o que tinha acontecido, mas me contive – primeiro, curar essa ressaca. Me dirigi à geladeira, como quem acabou de sobreviver a uma travessia no deserto, só para descobrir que não tinha água naquela casa. Droga. Vi então uma garrafa de Coca e me abaixei para pegar, abrindo-a. Mandei goles e mais goles daquele veneno maravilhoso e gelado garganta abaixo. Como eu precisava disso, nossa. Fechei a porta da geladeira e levei a garrafa comigo. Puxei uma cadeira e me sentei do lado oposto da mesa, em frente ao Fer, com um sorriso impensado no rosto.
 
_Que é que cê tá toda felizinha aí?
_Nada...
 
Ele me olhou, desconfiado, e eu tomei mais um gole.
 
_Não... – ele riu – ...cê fez alguma coisa.
_Hum... – ri também – Talvez.
_Me conta, porra.
_Tá... – eu disse baixinho, sorrindo – ...mas cê não vai acreditar quem tá no meu quarto.
_A Dani – respondeu o óbvio.
_Sim, e...?
_“E” o quê?!
_“E o quê”, não... – eu ri – ...“E quem”.
_Como assim? – ele perguntou confuso e, só após alguns segundos, a ficha caiu – Sua filha-da-mãe, desgraçada. Cê tá falando sério?!
 
Achei graça e esfreguei a mão no rosto, como se ainda não acreditasse na noite anterior. Então ergui o olha novamente, para o meu amigo sentado ali.
 
_Mano... Ontem foi foda – dei mais um gole na Coca, sentindo a ressaca passar – A Dani é... sei lá, não sei nem o que dizer, a gente se diverte.
_Sentiu falta, né? – me zombou, rindo.
_Cala a boca.
_Olha... – sacudiu a cabeça – Eu bem queria me divertir que nem cês duas... Puta merda.
 
O Fer puxou o último cigarro dum maço sobre a mesa e o colocou na boca, ainda rindo. Olhei enquanto ele o acendia com o isqueiro e lentamente deixei de sorrir, sentindo um incômodo tomar o lugar do breve contentamento com que despertei. Droga. Eu era quem o invejava, o que ele tinha. Quão errado é você querer as duas garotas na minha cama enquanto eu só queria a que está na sua?
 
Suspirei.

abril 25, 2010

Dissolved Girl

Começa.
 
Começa com um olhar na balada. Depois, uma conversa cheia de segundas intenções e, enfim, um convite imoral. Os acontecimentos se aceleram progressivamente até a pista de dança, bem-acompanhada até o chão. Numa rapidez, tudo converge contraditoriamente para o silêncio – aquelas quatro paredes dum pequeno apartamento paulistano, a meia-luz sugestiva, as intenções subentendidas. Três garotas. E a música começa, lentamente, despindo-as uma a uma. Camisetas e vestidos no chão, alças de sutiã escorregando, braços descobertos, zíperes se abrindo e, pouco a pouco, os beijos esquentam a pele. Numa indecência compartilhada.
 
Shame, such a shame…
I think I kind of lost myself again…
 
Começa, na verdade, com um olhar em meio a uma tarde lenta. Mais lenta que a música no quarto acima. Você deixa seu rosto escapar em segredo para o lado, mesmo quando não deveria, e acaba por vê-la. Progressivamente, as batidas do seu coração aceleram. A lentidão te irrita, o silêncio te incomoda. Você sente o que não quer e, então, procura sons mais altos. Para ensurdecer o barulho que vem de dentro do seu peito. Procura qualquer coisa que te faça perder os sentidos – e encontra as curvas perfeitas no meio do caminho.
 
Say, say my name…
I need a little love to ease the pain…
I need a little love to ease the pain…
 
As pontas dos seus dedos percorrem as curvas de uma, enquanto a língua da outra desliza pelas suas. Continuamente. Vocês se movem juntas, sem pensar muito a respeito, e deixam o álcool desinibir o resto. Pelos molhados, peles suadas. O gosto delas na sua boca. Velha de guerra, você sabe o que fazer para prolongar as horas, perder os sentidos, a porra do fôlego, de novo e de novo. E faz exatamente isso – como se fosse parte da sua própria natureza.
 
'Cause it feels like I've been…
I've been here before...
 
Por dentro, todavia, você está cansada. Física e emocionalmente cansada. Cansada de tardes como aquela, mas cansada também de noites como esta. Cansada de agradar uma, duas, três ou quantas mais vierem. E elas vêm, uma após a outra na sua vida. Todas elas – menos a que você tanto quer. Ela, não. Ela não vem. E no fim do dia, a sua cama continua sempre vazia. Dia após dia. Uma hora você simplesmente se cansa e, antes que perceba, está de novo nos braços e nas pernas, nas bocas de outras.
 
You are not my savior…
But I still don't go…
 
Que se dane. Que se dane toda essa baboseira romântica – você pensa. Mulher alguma é melhor do que mulher nenhuma. Não é como se você tivesse algo melhor para fazer enquanto a espera, ali, sem perspectiva alguma, sofrendo por detrás de portas fechadas e corredores estreitos, incertos demais. Com elas, é fácil. É gostoso. É descomplicado, você se convence. E ao menos, você se diverte. 
 
Passion's overrated anyway…
Say, say my name…
 
Então, você troca as pernas que viu sentadas sobre a pia naquela tarde pelos dois pares de coxas que agora se entrelaçam no seu corpo. O nome – aquele nome – continua na sua cabeça e em cada mulher que você coloca na sua cama. Te perturbando. Insistentemente. No entanto, pouco a pouco, toda a intensidade e os dedos e o sobe e desce e os toques e os arrepios e as línguas e a endorfina e aquele gosto salgado de suor fazem você esquecer. Esquecer do nome, esquecer dela, esquecer de porque você está ali, afinal. Você se perde em cada centímetro de pele descoberta. Você perde a cabeça.
 
I could fake it...
But I still want more…
 
E aproveita cada segundo daquilo.

abril 22, 2010

Mais difícil do que parece

Maldita fechadura, eu me revoltava em frente à porta, com certa dificuldade de acertar a chave naquele buraquinho tão, tão pequeno. Inferno. Bebi demais. E para ajudar a situação, eu ainda tinha duas garotas se agarrando na parede ao meu lado, me desconcentrando. Cacete. A Dani me puxava para o meio delas a cada dez segundos, dificultando todo o processo de álcool-chave-fechadura. Que se dane. Eu me virava, sem tirar a mão da chave, e as beijava. Uma, a outra. Por mim, ia ali mesmo, mas achei que, por motivos de convivência obrigatória com os vizinhos, era melhor não.
 
Quinze minutos de batalha depois e, enfim, venci a guerra. Toooma, porta escrota de merda. Finalmente. Ok. Pensamentos vingativos à parte, as peguei pela mão e fomos direto para o quarto. A minha briguinha imbecil com a fechadura havia esgotado toda a minha paciência e me deixado ainda mais na seca já que, , no último quarto de hora, a Dani aproveitou a companhia praticamente sozinha. Mas assim que chegamos, ela anunciou que precisava ir no banheiro. A Dani, digo.
 
Antes de sair, me deu uma fuzilada com o olhar, como se me proibisse de começar qualquer coisa sem ela. Revirei os olhos de volta, ofendida com tal implicação totalmente infundada sobre o meu caráter confiável. Eu sei as porras das regras, pensei, como se ela pudesse me ouvir, e a Dani nos deixou sozinhas.
 
_Pode fumar aqui?
_Fica à vontade – respondi, de costas para a Débora, enquanto colocava uma playlist de trip hop no computador.
 
Cigarro aceso, luzes apagadas. Apenas a luz do amanhecer iluminava o quarto, indiretamente, escapando pelas frestas acidentais da janela. Voltei na direção dela, parando a poucos passos de onde ela estava. O silêncio entre nós cresceu, mas não de um jeito incômodo. Eram aqueles instantes de antecipação, era a calmaria antes da tempestade. E é, era sexy pra caralho.
 
Ergui o olhar até o da Débora e ela soltou a fumaça lentamente, me encarando de volta. Quis beijá-la ali mesmo. Insuportavelmente. Mas não, não vou fazer nada idiota. Vou esperar a Dani, procurei me convencer, sem condições de me controlar, não quero estragar isso aqui. Sorri, por fim, sem jeito. E desviei o olhar. Aos poucos, o Massive Attack que saía das caixas de som foi preenchendo todo o cômodo e cada célula do meu corpo, perigosamente. Me corrompendo. Cacete. Subi o rosto mais uma vez; e ela me observava. Ali.
 
Que se foda.
 
Dei dois passos na sua direção e a puxei para perto, arrancando um beijo. O mal estava feito. Movidas pelas batidas graves do Tricky ao fundo, começamos uns amassos fortes. Ela me empurrou contra a porta e eu a puxei, ao mesmo tempo, na minha direção. Meu impulso era de arrancar aquela camiseta – a dela e a minha –, mas me segurava, sempre na metade do caminho, sabendo que a Dani chegaria a qualquer momento.
 
E ela chegou. Merda, merda. Empurrei a Débora para longe de mim e desencostei da porta o quanto antes, a fim de dar passagem.
 
_Desculpa, tava apoiada aí – disse quando ela entrou, na cara de pau.
_Sei.
 
A Dani riu, desconfiada.
 
_E então... – a Débora retomou – Onde paramos?

1... 2... 3...

Not only you and me
Got one eighty degrees
And I’m caught in between
Countin’
1, 2, 3
Peter, Paul and Mary³
Getting’ down with 3P
Everybody loves… uhh!

...

Livin’ in sin is the new thing.

(Britney Spears)

abril 21, 2010

I’m a little curious…

...of you in crowded scenes.
(Massive Attack)
 
Sempre fui adepta da teoria de que quanto mais, melhor. E no auge dos meus 23 anos, isso significava beijar toda boca, ir em toda festa, cair em toda sarjeta, me apaixonar até não sobrar um cigarro na porra do maço, me encantar e desencantar, foder até virar o dia, capotar por duas, três horas, acordar e foder de novo, experimentar tudo, numa compulsão desenfreada por viver. Qualquer garota com um mínimo de gaydar percebia os traços imprestáveis da minha personalidade, a minha falta deliberada de limites, antes mesmo de eu abrir a boca. E talvez isso tenha sido o que atraiu a Débora – esse era o nome dela – na minha direção naquela noite no Glória.
 
Isso e o fato de eu estar pegando a Dani.
 
Desci as escadas, sentindo cada batida grave dos amplificadores atravessando meu corpo, meu coração. Entrei na pista, incapaz de planejar muito os meus próximos passos, dada a quantidade sobre-humana de tequila que corria nas minhas veias. Encontrei a Dani dançando entre todas aquelas pessoas e a puxei pela mão, a levando para perto de um dos espelhos do Glória. A DJ estava tocando qualquer faixa electro em alto e bom som. A pista estava lotada e o sentimento era quase claustrofóbico de tão apertadas ali. O calor sapatão embaçava a lateral dos vidros e espelhos ao redor. E, mesmo que tal incentivo não fosse necessário, a quantidade de pernas por metro quadrado nos obrigava a dançar mais próximas ainda umas das outras.
 
A pista de dança era como um oceano de garotas – movendo-nos como se fôssemos uma coisa só, fluindo juntas. Em meio à imensidão, eu tinha as minhas mãos na Dani, as suas pernas intercaladas nas minhas, dançando contra mim. Inebriadas pelos arredores. Suor se misturava com álcool e a umidade no ar, o gosto uma da outra. E quando reparei, a Débora já estava dançando ao nosso lado. Fingi não a conhecer, como se fosse ao acaso. Ela começou a dançar cada vez mais perto de nós duas, empurrada pela quantidade absurda de pessoas ali, e sorriu para a Dani. Que, sem limites como era, reparou. E antes que eu percebesse, as duas já estavam trocando olhares com certa frequência.
 
A música aumentou. Estávamos bêbadas demais, envolvidas demais no clima da pista. A Débora chegou mais perto ainda e passou a dançar assim, grudada em nós – a Dani não contestou. Agora o clima era entre as três. Olhei para a Débora, ela olhou para mim, a Dani me olhou e depois olhou para ela também, e eu fiquei confiante. Virei a Dani de costas para mim, de frente para a garota, e a puxei contra o meu corpo, a segurando pela cintura. Tirei seu cabelo das costas, colocando-o para frente do seu ombro. E beijei a sua nuca. A Dani fechou os olhos por um breve momento e depois encarou a Débora ali, que continuava dançando na sua frente. Subi a boca pelo seu pescoço, a apertando contra mim, e então encostei no seu ouvido.
 
_Olha, eu tô com vontade de fazer uma coisa... – falei, competindo com o som dos amplificadores – Mas não sei se cê topa.
_Gata... – ela riu, na mesma hora.
 
E antes que eu pudesse reagir, a Dani beijou a Débora, colocou suas mãos em volta dela sem qualquer constrangimento. Eu as observei, fascinada. E a Dani deixou a boca dela, virou-se para a minha. A Débora me agarrou, com a Dani entre nós, e me puxou contra ela. Ficamos ainda mais coladas – e me subiu uma vontade de levar as duas para a cama. A beijei por cima do ombro da Dani. Senti os dedos da Débora deslizarem sob a minha camiseta. Descaradamente.
 
Eu ia perder a cabeça, deus.

abril 20, 2010

Incorrigível

E lá estávamos nós, mais uma vez, eu e o Glória.
 
Merda. A última vez que enfrentei aquela fila, acompanhada da Clara, a noite terminou comigo cambaleando para fora quando o sol já nascia, depois de tomar o maior porre do século e com a sensação de ter causado bem mais problema do que eu me lembrava. Não pretendia repetir a dose. Não do lado da Dani. Nada... nada, nada, nada... nem um pouquinho... nem de leve... nem de graça... nem sob provocação alheia... nem com sua reputação em jogo... sob hipótese alguma... nada... nada... nada de tequila hoje, eu repeti para mim mesma mentalmente, tentando enfiar qualquer bom senso na minha cabeça. A única regra no meu manualzinho de sobrevivência para noites como aquela era me manter sóbria. E com motivo, né?
 
É.
 
Trinta minutos na fila, todavia, e eu já começava a ficar impaciente. Céus, essa porra vai demorar. A Dani me beijava a cada dez segundos, enquanto esperávamos do lado de fora. Apoiei os meus braços no seu ombro, mais casalzinho do que jamais estive na vida. Deus me livre de trombar a Clara aqui, torcia covardemente por trás dos meus olhos devidamente fechados, ciente até demais de que era uma noite de sábado. Não estava com vontade de sair para começo de conversa, menos ainda de me meter em problema. Abri os olhos e dei uma checada em volta. Por enquanto, pensei, tudo bem.
 
Assim que fiz a tal constatação, entretanto, reparei numa garota a uns metros de nós na fila, nos olhando fixamente. E você...?, a analisei por um segundo, sem muita certeza se já tinha beijado aquela boca ou não. Se beijei, estava bêbada demais para lembrar. E logo me peguei considerando a possibilidade de ser apenas uma hétera qualquer, chocada com os meus amassos com a Dani. Uma segunda olhada na nossa direção e ergui o queixo, com orgulho, a encarando de volta. Algum problema, garota? Ela encostou o ombro na parede e sorriu, como se achasse graça, acendendo um cigarro em seguida.
 
A fila andou pouco tempo depois e a garota entrou na balada, nós ficamos. Paramos umas cinco ou seis pessoas para trás. E eu esqueci do assunto. Mais alguns minutos em pé ali e logo estávamos do lado de dentro também, cercadas por aquele monte de sapata numa aglomeração partyhardsãopaulo. A sacada do Glória estava tão lotada naquela noite que demoramos uns bons minutos para conseguir chegar até o bar. Ao atingirmos o nosso objetivo, eu já havia topado com a porra da Aninha e uma ex da Dani que obviamente me odiava, depois de todas as vezes em que a Dani a traiu comigo, o que imediatamente me fez repensar a minha promessa quanto ao José Cuervo. Argh.
 
Assim que cheguei no bar, bati minha comanda no balcão e ordenei, covardemente – “me vê uma tequila aí”. A Dani me acompanhou e eu me convenci que não teria problema. Uma dose só nunca matou ninguém. Ao final de mais algumas rodadas, percebi o equívoco. Óbvio. E comecei a perder a noção do que estava fazendo. Mas, àquela altura, eu já estava pouco me fodendo para as consequências. E me divertindo. Como há algum tempo não fazia, me agarrando com a Dani no meio da pista fervendo.
 
Por volta das três da manhã, já consideravelmente fora de mim, desviei de algumas meninas para subir até o segundo andar. A Dani decidiu enfrentar a fila do banheiro e eu, a do bar. Minhas intenções até então – eu juro – eram meramente alcoólicas. Acontece que acabei trombando acidentalmente com a garota da entrada. A supostamente hétero, é. Dei uma olhada de canto de olho e passei reto, indo para o balcão.
 
_Ei – ouvi ela chamar, atrás de mim – Onde tá sua namorada?
_Oi? Que namorada? – me virei e ela riu.
_Caramba... – ergueu as sobrancelhas e, só então, percebi o que eu tinha acabado de implicar – Isso quer dizer que ela não é sua mina?
_Não... – achei graça também – Digo, viemos juntas e tal, mas, assim... – sorri pra ela, aí sim com más intenções – ...a gente não namora.
_Hum... – ela sorriu e se aproximou – Eu tava olhando vocês, sabe, aqui de cima.
 
Sorri. Ela me olhava dum jeito, sabe aquele jeito que as pessoas olham quando querem pegar alguém? Encarando a sua boca, se demorando demais com o olhar. Desse jeito. E eu não estava no melhor controle das minhas decisões. Já estava prestes a beijá-la ali mesmo – sabendo muito bem que tinha que voltar para a Dani na pista, que se dane. Estava alta demais para pensar a respeito. Só reagi, coloquei uma das mãos na sua cintura, a trazendo para perto e ela sorriu de volta, com o canto da boca – “gostei de você”.
 
_É?
_É. E acho que... – ela continuou, arqueando as sobrancelhas – ...nós temos o mesmo gosto pra mulher.
 
Espera, repete.

abril 19, 2010

Lapso de coerência

_Vem pra cama... – a Dani miava, seminua, entre os meus lençóis.
_Tô ocupada – eu respondia, sentada em frente ao computador.
_Cê não tá fazendo porra nenhuma aí, mano! Vem pra cá, vai...
_Dani, caralho, já disse que tô ocupada!
 
Resmunguei, sendo grossa sem motivo.
 
Ela bufou, revirando os olhos, e se virou de barriga para o teto. Mau-humor é, de fato, contagiante. Eu estava sendo estúpida com ela há horas e começando a deixá-la realmente irritada. Era como assistir a um filme ruim, daqueles que se discorda muito, muito, do rumo que a história está tomando, mas não se pode fazer nada: o final já foi filmado, editado e lançado. E lá estava eu, como uma espectadora impotente da minha própria cabeça-dura, me condenando por cada palavra insensível que saía da minha boca.
 
Tem dias em que simplesmente te falta a boa vontade de ser diferente, de ser melhor. E então eu insistia. Sem pensar direito a respeito, bancando uma de quem aguenta as consequências. A verdade é que eu queria me distrair com qualquer coisa que não fosse ela – e, assim, evitar em pensar na única garota que fazia o meu coração pular uma batida ou duas pelos corredores, sofás, banheiros e pias por aí. Tudo o que a Dani queria, por outro lado, era justamente o contrário.
 
Me deixa em paz, inferno, eu sacudia a cabeça, enfiada até o pescoço em qualquer lixo internético. A última vez que a gente tinha transado, logo após o incidente da cozinha naquela tarde, fora péssimo. Realmente péssimo. E olha, já comi muita garota pelos motivos errados, mas da Dani eu gostava – por mais que eu odiasse admitir – e era sacanagem. Ser falsa a esse ponto. Não que ser fria com ela daquele jeito fosse fazê-la mais feliz, mas de alguma forma isso parecia menos pior para mim – no meu conceito distorcido e egoísta de moral – do que fingir envolvimento quando tudo o que eu queria agora era outra. Era o melhor que eu podia oferecer.
 
_Olha, se você vai ficar plantada aí... – a Dani se encheu, de repente – ...eu vou sair.
 
Me virei para trás, olhando na sua direção. E me deparei com ela ali, extremamente irritada, cobrindo o corpo, com o vestido que estava usando no Sonique no fim de semana anterior.
 
_Quer alguma roupa emprestada? – respondi, tentando não dar bola.
_Não – retrucou – Não quero nada.
_Tá. Boa balada, então...
_Cê não vai mesmo?
_Não, tô de boa...
_Sei.
_Onde cê vai?
_Bom, nesse caso, eu vou pro Glória.
 
Opa, pera lá. 
 
_Como “nesse caso”?! – questionei, enciumada – O que isso quer dizer?
_Entenda o que quiser.
_Por que cê iria até o Glória e não na Augusta, meu, que é aqui do lado?
_E por que não? – perguntou, sem qualquer paciência comigo, e com razão.
_Ah, meu, sei lá... É longe e...
_Vou com o meu carro – me interrompeu.
_É, mas cê vai sozinha? Sem conhecer ninguém?
_Vou. Quem sabe eu não conheço alguém lá... – me provocou.
_Quer saber, Dani? Faz o que cê quiser – retruquei.
 
Virei as costas para ela e encarei a tela do computador de novo. Filha-da-mãe, me irritei. Você tá louca se pensa que eu vou correr atrás de você. Engoli todo o meu incômodo e procurei ignorar a situação, com uma dificuldade considerável. Eu tinha plena consciência de que a culpa era minha, mas de alguma forma eu sempre esperava que as garotas aguentassem a minha merda. Até que elas decidiam não aturar mais e caíam fora, exatamente como a Dani estava fazendo naquele instante. E de repente, dei por mim. Acorda, porra, é a Dani. 
 
_Espera – voltei atrás – Eu vou com você.

Oh

I lose control
When I hear your body move
Through the walls
In the next room
 
Oh, I lose control
When I hear your body move
And I'm dying to break through
To the next room
Oh, to the next room

(Neon Trees)


abril 18, 2010

Siesta

Depois do almoço, o apartamento simplesmente adormeceu. Não que tenhamos todos voltado a dormir, isto é, foi apenas o ritmo que diminuiu. O silêncio se instaurou e era quase possível sentir a vibração do sol forte que queimava do lado de fora. O calor daquela tarde tranquila nos amolecia e todo mundo se separou – a Dani foi deitar e eu fiquei sozinha na cozinha, lavando a louça que se amontoava na pia.
 
Com uma certa preguiça, eu ia enxaguando lentamente prato por prato, quase hipnotizada pelos pontinhos de luz que apareciam e sumiam conforme a corrente fluía. Uma fresta no vitrô deixava entrar alguns raios de luminosidade, que cintilavam na água gelada. O cômodo inteiro estava numa tranquilidade leve, contínua, que não podia ser interrompida por nada.
 
Quase nada.
 
Inesperadamente, a Mia entrou pela porta. Sem fazer ruído algum. Caminhou descalça até onde eu estava e eu só a notei quando surgiu, de fato, ao meu lado. Não disse nada, apenas se sentou em cima da pia, à minha direita. E aí apoiou as mãos na beirada. Prestes a acabar com a minha paz. Que diabos...? Meio sem querer, olhei para as suas pernas, ali, vestidas indiscretamente nuns shorts jeans, e só depois subi o rosto e encarei seus olhos. Ela acompanhava o meu olhar, atenta.
 
Não. Não vou fazer isso, abaixei a cabeça.
 
Voltei ao que estava fazendo anteriormente – e o que era mesmo? – e tentei focar novamente na água, mas agora o sol refletido na corrente gelada parecia apenas um bando de pontos idiotas de luz. A presença da Mia me perturbava, inferno, me inquietando. E aquele silêncio foi me tirando do sério. Continuei me forçando a focar nos pratos na pia, e só neles, mas podia senti-la do meu lado. Ali, sem dizer nada, sentada a meio metro de mim.
 
Não queria olhar para ela. Sabia que isso era exatamente o que ela queria – testar o quanto de influência ainda tinha sobre mim. Desgraçada. Tentei resistir e não lhe dar esse gostinho, mas, em menos de um minuto, não me aguentei. E virei de leve o rosto para o lado, espiando o que ela estava usando. O shortinho deixava as tatuagens nas suas coxas completamente descobertas e as mangas da sua camiseta de banda desgastada estavam enroladas grosseiramente, revelando os seus braços, deixando os seus ombros à mostra. Meu deus, não. Voltei a encarar a água e a pilha enorme de louças na minha frente. Não queria olhar. Não queria. Então não olha, porra, briguei comigo mesma.
 
Foi aí, no entanto, que a Mia se moveu para frente. E com o canto do olho, vi a sua camiseta subir lentamente pelas suas costas. Os raios de sol que escapavam pela fresta da janela agora encostavam na sua pele e olhar para aquela cena tornava a água nas minhas mãos ainda mais fria. Caralho. Meu, se concentra, suspirei e olhei para o outro lado, sem conseguir disfarçar direito. A Mia me olhou por cima dos ombros e sorriu com o canto da boca. E juro, eu estava prestes a mandá-la sair de perto de mim, tentação dos infernos. Mas não queria lhe dar mais satisfação ainda. Então desliguei a água e simplesmente saí, sem dizer nada e nem lhe direcionar mais o olhar.
 
Filha-da-mãe.
 
Atravessei o corredor e me fechei no quarto, quase que num impulso. Me senti segura por um instante, ali. A Dani, que estava deitada na cama, levantou ao me ver e veio ao meu encontro. Escutei a porta do quarto do Fer fechando poucos segundos depois, ao fundo no corredor, e senti um incômodo familiar me revirar o estômago. Faz cena para mim só pra depois ir lá deitar na cama dele. É assim, não é, Mia? Tentei não dar bandeira, olhando a Dani caminhar na minha direção, e forcei um sorriso.
 
Ela se aproximou de mim. E com as mãos apertando minha cintura, me pressionando contra a porta, beijou meu rosto e desceu pelo meu pescoço. A única coisa que vinha na minha cabeça, todavia, era a porra da Mia. Mas que droga. Respirei fundo e procurei entrar no clima, subindo as minhas mãos pelas pernas descobertas da Dani, que se amassava só de calcinha em mim. Mas tudo o que eu conseguia pensar era na Mia.
 
Mia... Mia... Mia... Mia.
 
É. Ela estava de volta na minha cabeça.

A inquisição

_Não vou me meter... – o Fer argumentou, rindo.
 
A Dani estava literalmente em cima de mim, quase caindo da sua cadeira, me esmagando contra a parede da cozinha. Eu implorava pela ajuda do meu melhor amigo, aquele pamonha, que não fazia nada além de rir da minha cara. Um almoço calmo de sábado era interrompido por um momento inoportuno de lucidez da garota que agora me amassava contra os ladrilhos atrás de uma confissão.
 
_ADMITE!!!
_SAI DE CIMA DE MIM!! – eu gritava, rindo.
_ADMITE! ADMITE! AMANTE DE MEIA TIGELA!
_SAAAI DE CIMA DE MIM!
_Ficou me zoando, é? Agora, admite! ADMITE LOGO!
_NÃO VOU ADMITIR NADA!! – declarei e ela me amassou ainda mais.
_ADMITE!!! Vai, fala: “Eu sou uma mentirosa que não aguenta o tranco”.
_Eu não menti! Eu tava mesmo na casa do Gui, eu falei que tava!
_DORMINDO!!!!! – ela gritou, indignada, e eu ri, incapaz de me defender – Filha-da-mãe! Não acredito que você me trocou por uma cama!
_Não te troquei!! Só adiei um pouquinho, porra!
_Ah! Então quer dizer que você admite?!
_Não. Não disse isso.
_Só confessa. Fala de uma vez!
_Não, não... não.
_Não aguenta, né, e ainda vem me tirar depois!
_São coisas diferentes, eu não fiz nada demais. Você tava toda enciumadinha!
_LÓGICO! Cê ficou sei-lá-quantas horas sem dar notícia!!
_Então, você admite?
_Eu não admito nada! Você que tem que admitir!
_Não vou admitir.
_E eu não vou sair de cima de você. Não até eu ouvir essa sua boca falar com todas as letras que você me trocou por um travesseiro, sua preguiçosa de merda!
_Não vou falar nada, SAI DE CIMA DE MIM!
_NÃO!!
 
E por aí fomos... por minutos a fio, divertindo o Fer com a nossa discussão tonta. Já a namorada dele, sentada e emburrada ao seu lado, sequer nos olhava. Com todas as forças, a Mia tentava não prestar atenção em mim, especialmente quando eu estava com a Dani e mais ainda nessas situações bobas de casal. Podia ver nitidamente nos seus olhos a agonia para terminar de comer e sair logo de perto de nós duas daquela mesa.
 
Por um momento, eu mesma quis empurrar a Dani de volta ao seu lugar e poupar a Mia das nossas demonstrações públicas de afeto. Meu coração ficava confuso, por um segundo. No entanto, ultimamente, os meus pensamentos sobre a Mia eram sempre passageiros e logo se tornavam irrelevantes. Minha cabeça a substituía com facilidade pela Dani. E com ela em cima de mim o tempo todo, era mais fácil ainda.
 
Ou pelo menos, era isso que eu achava.

abril 17, 2010

Sunshine, lollipops... ♫

Cinco horas de sono e eu cheguei no apartamento com a maior cara de pau do mundo, cantarolando pela porta. Já passava da meia-noite. Olhei para o Fer, sentado ao lado da Mia no sofá, e sorri satisfeita. Nada como uma cama de solteiro, pensei e ele riu da minha felicidade pós-travesseiro. A Mia apenas olhou brevemente para mim e levantou para pegar outro pedaço de pizza na mesa, ignorando a minha presença. E eu ignorei a dela também, estava num humor fantástico.
 
Deixei os dois pra lá. Passei pelo corredor, deslizando uma mão em cada parede e cantarolando qualquer coisa. Entrei no quarto, ansiosa por mais um pouquinho de Dani na minha vida. E fechei a porta atrás de mim. A Dani estava sentada na cadeira do computador, encarando qualquer merda na internet, como quem já se entediava há horas.
 
_Onde cê tava?
_Na casa do meu amigo...
_Amigo? “O”? Homem?!
_É.
_Até essa hora? Desde a hora que cê saiu até agora na casa de um amigo? – ela levantou as sobrancelhas, cheia de suspeitas – De um cara?
_Sim, Dani... – eu comecei a rir.
_Por que cê tá rindo? – questionou, brava.
_Porque vocêêê... – eu ri, a levantando e puxando pela mão, na minha direção – ...faz pose de durona, mas tá aí, com esse ciúminho ridículo estampado na sua cara... – eu disse, a abraçando, e ela continuou me empurrando para trás – Admite, vai. Diz que ficou horas sentada aqui, imaginando com quem eu tava, sofrendo, pensando em cada peça de roupa que eu podia tá tirando e bolando um monte de frases de impacto para me dizer quando eu passasse por aquela porta... – eu me divertia.
_Não fiquei, não... – a Dani se soltou e encostou na parede, contrariada.
_Ficou, siiiim... – eu cantarolei, a pegando pela cintura de novo e achando a maior graça.
 
Pressionei o seu corpo contra a parede e beijei o seu pescoço. Ainda emburrada, a Dani me empurrou para longe dela:
 
_Não fiquei!
_Admite... – ri.
_Vai se foder... – retrucou, se segurando para não rir junto e para manter a sua pose de indiferente.
_Cê quer rir, não quer?
_Não!
_Meu, cê tá tão, tão na minha... – eu continuava, rindo – É o seu fim! A Dani? A Dani que eu conhecia não dava dessas. Não. Fala que gosta de mim, vai... Admite... Pode falar! Ficou com ciumiiiinho porque eu não vim para casa depois do trabalho, não ficou? – zombei – Ficou aqui me esperando, sentadiiiinha, bonitiiiinha e toda mordida de ciúmes, por horas e horas e eu não apareciiiia. Ficou aqui me esperando, enquanto cê poderia simplesmente ter levantado e ido embora, mas não foi... Não foi, né? Sabe por quê? Porque, ah, porque vocêêêê não é mais aquela Dani de antes... Não, não... Agora você me queeeer...
_Mano, você é a pessoa mais insuportável que eu conheço! – ela riu, indignada – Que inferno!
_Você me ama, só admite. Vai. Diz que me quer...
_Não vou admitir nada. Vai se foder!
_Vem cá, vem... – eu ri e a beijei.
 
Brincadeiras à parte, a Dani andava mesmo me surpreendendo. Até eu andava me surpreendendo ultimamente. E aquilo me divertia. Agora de volta ao apê, com a disposição e todas as minhas más intenções recuperadas, levei a Dani para dar uma voltinha pelo quarto. Fomos juntas da parede até a mesa, da mesa até a cadeira, da cadeira até o chão, do chão até a cama, da cama de volta para o chão e... tudo de novo.
 
A minha sexta só estava começando.

abril 15, 2010

Amigos são para...

A uma hora de terminar o meu último expediente da semana, eu me debruçava sobre a máquina de café do estúdio como uma zumbi em fim de carreira – de All Stars e uma regata velha, a primeira que minhas mãos alcançaram naquela manhã, atrasada, e me esforçando, muito, para manter os olhos abertos. Estava prestes a acabar com o estoque de cafeína do trampo e isso me dava certo desespero, já que aquela maquininha era a única coisa que vinha me salvando durante toda a porra daquela sexta-feira.
 
Sentei de novo numa das mesas do estúdio, com o copo na mão e o cabelo bagunçado, as raízes enormes, e senti meus olhos se fecharem lentamente por diversas vezes. Do nada, eu acordava assustada e procurava fingir que nada tinha acontecido. Como se eu estivesse 100% bem e desperta – só que não. O pior é que eu não tinha nada para fazer. Nada. Nenhuma tarefa sequer. Ainda assim, era obrigada a ficar ali, morgando, até meu chefe terminar uma sessão de fotos só para guardar os equipamentos no final. E no meu estado atual, aquilo era o equivalente a tortura. Peguei o celular no meu bolso com certo esforço – afinal, tudo quando se está com sono requer esforço – e disquei para o Fer:
 
_Deixa eu perguntar, meu, cê já tá em casa?
_Tô, cheguei faz um tempinho.
_E a Dani, tá aí?
_Sei lá... Se estiver, tá no quarto. Por quê?
_Fer – implorei – Cê precisa se livrar dela pra mim.
_O quê? – ele começou a rir.
_Qualquer coisa, sério, inventa qualquer merda. Mas tira ela daí, por favor! Eu não aguento mais. Por favor, por favor, por favor... Ela não pode tá aí quando eu voltar! Eu vou enlouquecer!
_Se livra dela você, meu! Por que eu tenho que fazer isso?
_Porque eu não quero soar escrota e depois... Sei lá, ela, e-ela vai ficar brava comigo... Não. Não dá. Não quero que ela dê o fora de vez, só que ela saia um pouquinho. Por favor. Tem que ser você.
_Eu?! Que desculpa eu tenho para chutar a menina daqui?!
_Fala baixo, porra, ela vai te ouvir! – adverti e ele riu – Ai, sei lá, fala que você vai trazer a Mia aí e que cê não quer ninguém no apê... Que ela tem que sair, ir dar um rolê... 
_Eu não vou falar isso... – ele riu – Por que você não fala?!
_Porque ela vai sacar que eu tô mentindo.
_Então não mente, ué... Fala a real para ela ou, sei lá, deixa a mina aí, mano. Qual o problema?
_Ela não me deixa dormiiiiiiiiiiir – choraminguei – E eu quero muito... muito... muito... só... sabe, dormir um pouquinho, duas horinhas que seja...
_Ohhhhhh, nooooossa... – ouvi ele zombar, ironicamente – Como cê sofre, não? Coitada! Toda essa falta de sono, assim, dia após dia... Ô vida dura!
_Ah, vai se foder, Fernando.
_Cê é um barato... – ele riu – Por que cê simplesmente não fala com ela, mano? A casa é sua! Chega e vai dormir, porra! O que ela vai fazer? Te impedir?
_Você tá mesmo sugerindo, sem brincadeira, que eu fique no mesmo apartamento que a Dani e vá dormir? Que eu ignore aquela mina linda, insaciável e maravilhosa, como se fosse a coisa mais fácil do mundo? Que eu me vire para o outro lado e vá dormir? – me revoltei – Sério mesmo? Eu?!
_Tá, tá... Colocado dessa forma, talvez cê tenha razão.
_Você precisa se livrar dela, sério. Seja um bom amigo e faça isso por mim, vai?
_Eu não vou fazer bosta nenhuma! – ele riu – Se vira!
_Eu te odeio – resmunguei, azeda.
 
Desliguei e coloquei o telefone de volta no bolso. Começava a ser tomada por uma agonia horrível, um desespero de quem não dormia há uma semana. Apertei o rosto contra as mãos, como quem está prestes a chorar de cansaço, e me debrucei exausta sobre a mesa. Eu não queria ter que mandar a Dani embora, não mesmo. Os últimos dias estavam sendo tranquilos, como nunca foram entre nós, e eu não queria estragar aquilo só porque não aguentava o tranco – muito menos admitir isso como justificativa para ela. De jeito nenhum. Merda, merda, merda. Levantei a cabeça e peguei novamente o celular:
 
_Meu, deixa eu te perguntar... – arrisquei – ...você tá em casa?
_Tô, por quê? – o Gui respondeu.
_Eu preciso da sua cama.

abril 13, 2010

Jogo sujo, garota

Quando foi duas da manhã, eu me encontrava deitada sobre um lençol no chão do quarto, ao lado da minha suposta nova esposa. A Dani era a responsável por todo o falatório no meu trabalho – e por toda a maratona de exercícios daquela semana também. Por um instante, desejei que o nosso relacionamento não fosse sempre tão obsessivo. Por que não pode ser tranquilo? Nunca era. Nunca. Entre idas e vindas, destruíamos uma à outra numa necessidade louca de estarmos juntas. Nossos corpos pareciam querer compensar toda a ausência de uma só vez.  Durava dias, às vezes semanas. E acabava – tão rápido quanto recomeçou.
 
Apoiei os pés na cama, sem qualquer roupa no corpo, e me pus a fumar o pouco de maconha que ainda restava. A Dani passou a perna por cima da minha e subiu em cima do meu corpo, me beijando logo em seguida, sentada pouco abaixo da minha cintura. Roubou o baseado entre os meus dedos e coloquei as mãos atrás da minha cabeça, me apoiando nelas. Observei-a por um tempo – conforme ela tragava e soltava a fumaça lentamente no ar.
 
_Você é uma graça... – sorri.
_Ihhh... – ela me zombou, desacostumada com elogios – ...acho que toda essa erva tá começando a afetar o seu julgamento.
_Não. Você é, sim – eu ri e peguei o baseado de volta – Mas cê vai acabar comigo, garota. Juro. Muito antes das drogas.
 
Ela conteve um sorriso, lisonjeada, e se abaixou na minha direção. Eu soltei a fumaça rapidamente para o lado, antes de beijá-la. Uma das minhas mãos continuava sob a minha cabeça e as dela começaram a percorrer a lateral do meu corpo, aí deslizaram para o meio das minhas pernas. Puta que pariu, senti me subir um calor involuntariamente.
 
_Cê só pode tá brincando...
 
Comecei a rir, achando absurdo.
 
_O quê?! – ela respondeu, contendo um sorriso.
_Hoje eu vou dormir cedo, pilantra. 
_Vai?
_É sério, não adianta fazer essa cara aí! Isso aqui, ó... – mostrei a ponta do baseado na minha mão – ...é para eu capotar e você não ter nem chance de me acordar. Hoje não tem essa, meu. Pode esquecer. Depois que eu terminar esse é “boa noite”, cama, fim de papo, game over.
_Ai, que exagero... – me provocou – ...são só duas da manhã.
_É, né, porque não é você que tem que levantar cedo todo dia! – eu ri, retrucando – Cê pode ficar aqui, descansando, numa boa, folgada... Eu tenho que ir trabalhar amanhã de manhã, sem ter pregado o olho. Nem vem! Cê sossega aí. Hoje não tem conversa, meu, eu não dormi a semana inteira!
_Nossa, hein... Quem diria que eu viveria para ver o dia em que cê ia recusar?
_Não tô recusando – me ofendi – Só adiando.
_Pra mim, tá parecendo mais que cê não aguenta...
 
Provocou. Maldita. E eu ia retrucar, mas não consegui achar qualquer argumento que não me fizesse soar quatro vezes a minha idade. Não tinha nada que me tirava mais do sério do que um duvido-que-você-consegue. Suspirei, com raiva. E encarei a Dani de volta, por alguns segundos, tentando resistir à tentação – me forçando a pensar no trabalho, no alarme tocando, em todas as horas que teria que encarar acordada e nas minhas obrigações, no que eu deveria fazer. Mas...
 
...não consegui.

Perdendo o sono e a reputação

Passamos o resto do sábado na cama. E do domingo também, testando os limites do quanto aguentávamos. No dia seguinte, após pouquíssimas horas de sono, o despertador me acordou. E então, eu acordei a Dani. Sexo. Chuveiro. Sexo. Café. Sexo de novo. E eu saí para trabalhar atrasada, claro. Passei o dia inteiro agoniada, querendo sair dali e voltar logo para a Dani para casa. Quando finalmente botei os pés dentro do apartamento de novo, passamos o resto da noite trancadas no quarto, ouvindo um trip hop pesado e bagunçando os lençóis, cada centímetro da bagunça pelo chão, na escrivaninha.
 
Na terça-feira, o alarme me acordou mais uma vez. Duas horas de sono, que inferno. Desliguei aquela porcaria escandalosa e voltei a fechar os olhos, enfiada no travesseiro. Aí foi a Dani que me acordou – com a cara metida entre as minhas pernas – e, uma hora e cinquenta minutos depois, eu estava apertando o botão do elevador freneticamente enquanto enfiava os tênis de qualquer jeito no pé. Atrasada para um caralho. É. Não dava para manter esse ritmo. Chega.
 
Aquela noite seria reservada para confortáveis horas de sono – ou eu seria incapaz de continuar. Mandei repetidas mensagens engraçadinhas para a Dani ao longo do dia, avisando que ela tinha que dormir no sofá. E no final das contas, fomos nós duas que não-dormimos-nem-um-pouco no sofá naquela noite. O resultado? Três míseras horinhas de travesseiro almofada e nem um segundo a mais.
 
Quando chegou a quarta-feira, eu não conseguia sequer inventar mais desculpas para o meu chefe pelos atrasos. A minha cara evidente de quem não pregava os olhos há dias me delatava imediatamente, toda vez que encontrava com ele no estúdio. E para ajudar, tinham ainda todas as evidências indiscretas espalhadas nos lugares menos estratégicos do meu corpo, e aquele meu cabelo constantemente bagunçado pela manhã, que agregavam um “porquê” à minha cara de sono – e rapidamente tornaram a convivência com meus colegas de trabalho insuportável. Ao final do expediente de quinta, eu já tinha “ganhado” uma porra de uma esposa.
 
Fofoqueiros de merda.

abril 12, 2010

Pequenas aberturas

“With your feet on the air and your head on the ground”, eu ouvia e não conseguia evitar senão acompanhar os Pixies, com uma cerveja na mão e a cabeça metida naquele ritmo viciante. Meus olhos, por outro lado, estavam exclusivamente na Dani. Eu me divertia, sentada sobre a mesa da cozinha, enquanto observava ela se debruçar frustrada no chão. Um dos seus brincos havia escorregado para debaixo da geladeira, numa fresta mínima e humanamente inatingível.
 
_Larga mão de ser fresca! – eu provocava de propósito – Cê não vai conseguir, já era... Tira o outro brinco e fica sem, meu. Qual o problema?
_Sabe, você podia me ajudar... – ela resmungou.
_Não. Tô bem aqui... – eu ri – A vista tá ótima, Dani.
_Vai se foder – ela retrucou e virou o corpo um pouco mais para o lado, a fim de me privar da minha “ótima vista”, se desdobrando inteira no chão.
 
Tomei mais um gole da cerveja e continuei cantarolando a letra, entretida com toda a situação. Eu estava me sentindo leve, me sentindo bem. Não só pelo fato da Dani estar de joelhos ali, sofrendo por um pedacinho de metal – o que estava me divertindo, confesso, mas também pelos motivos que eu não queria admitir. Nem para mim mesma e muito menos para ela. O fato é que, apesar da minha bebedeira fenomenal do dia anterior, eu me lembrava de cada segundo, de cada balada, de cada beijo e de cada metro percorrido. E mais especificamente, de cada frase confessada.
 
“Ciúmes”. A palavra por si só me perturbava. Ainda que fora de contexto, ainda que cochichada após litros de tequila e vodka barata e duas horas de sexo à beira da exaustão; de um jeito ou de outro, me perturbava. Mais de um do que do outro: a Dani sempre foi uma constante na minha vida. No entanto, ao longo dos anos, ela conseguiu – de uma forma realmente impressionante – me superar na filha-da-putice e na ausência completa de compromisso ou qualquer sentimento sincero de carinho. Ela nunca deu a mínima para nós duas. Sumia quando bem entendia. E me fazia bem saber que ela sentia alguma coisa por mim, seja lá o que fosse.
 
Só não fazia sentido.
 
A Dani já tinha me visto com inúmeras outras minas. Ela desaparecia e depois ressurgia durante os meus namoros, atrapalhava cada um deles. Sempre conversamos abertamente sobre nossos casos. Contanto que conseguisse o que queria, não era um problema. Qual era a implicância repentina com a Mia? Não pode ter sido tão grave assim, eu pensava, enquanto olhava-a esticar o corpo na minha frente. Eu não estava tão bêbada assim. Não a esse ponto, porra, na frente do Fer?, tentei me convencer, não. Eu não daria tão na cara assim.
 
Infelizmente, em flashes esparsos de memória, o que eu me lembrava era que, sim, eu estava tão bêbada assim. Estava até pior, aliás. E a minha falta de discrição acarretava um milhão de possíveis riscos, o que me incomodava bem mais do que o ciúme da Dani. Esse último me intrigava, como uma coceirinha boa atrás da orelha. Parte de mim – a parte curiosa e masoquista – tinha vontade de cutucar a leoa para ver até onde chegava aquela história.
 
_Ah! Desisto! – a Dani declarou irritada, já em pé, após alguns minutos.
 
E imersa em meus pensamentos, deixei escapar.
 
_Ei... O que cê vai fazer essa semana?
_Nada, sei lá, vou voltar pra casa dos meus pais. Por quê?
_Não quer ficar uns dias aí? – perguntei, sem pensar.
 
E sem mais nem menos, estava feita a proposta.

abril 09, 2010

Manhã lenta

Senti as pernas mornas da Dani encostando no meu corpo, uma de cada lado da minha cintura, enquanto eu afundava o rosto no travesseiro. Suas mãos passeavam lentamente pelas minhas costas, me tocando apenas com as pontinhas dos dedos e me arrepiando inteira. Senti vontade de me encolher, mas não me restava qualquer força para me mover. Não queria sair dali. Suas coxas deslizavam pela minha pele e as pontas do seu cabelo faziam curvas suaves em mim. De repente, um beijo. Inesperado. Desses que talvez pudessem passar despercebidos, que quase não se fazem sentir de tão delicados. Era gostoso.
 
_Quando foi... – ouvi a Dani perguntar baixinho, por cima do meu ombro – ...que cê fez essa?
_Hmm?!
 
Murmurei, exausta, afundada no travesseiro.
 
_A tatuagem – ela explicou e eu senti seus dedos desenharem lentamente no alto das minhas costas, no mesmo lugar em que há pouco me beijara – Cê não tinha ela na última vez que te vi.
_Do que cê tá falando... – resmunguei, com preguiça de conversar – Vem aqui... vem.
 
Não ouvi nada por alguns segundos. Sem resposta. E aos poucos, senti a Dani deitando-se ao meu lado na cama – bem aos poucos. A contragosto, parecia. Pelo movimento, supus que estivesse virada para cima, encarando o teto, mas não chequei. Após mais de 24 horas sem dormir, eu me recusava a abrir os olhos. Puta sono. Estava cansada, física e emocionalmente. O meu dia, a minha noite e aquela manhã tinham sido surreais. E intermináveis.
 
Depois de sobreviver a tudo aquilo, além de uma dose extra de não-sei-de-onde-tirei-forças-para-duas-horas-de-sexo, eu não tinha mais força ou disposição de lidar com as perguntas da Dani. Nada, zero. Ela, por outro lado, permanecia irritantemente desperta. O que diabos cê cheirou, mano, me afundei ainda mais no travesseiro. Não movia um só músculo do corpo. Estava derrotada. E apesar de ainda bem desperta, ao mesmo tempo a Dani parecia mais delicada. Quase carinhosa, hum, deve ser a bebida. Tanto que se deitou ao meu lado, sem objeções, e achei por um instante que ia conseguir dormir. Tudo ficou quieto.  
 
Mas não durou.
 
_Qual é a sua com aquela garota?
 
A Dani perguntou, quebrando o silêncio.
 
_A “Mia”.
_Dani... – respondi, ainda enfiada no travesseiro – ...sem perguntas complicadas.
_Porque, assim, se alguém me perguntasse... Eu diria que cê sente alguma coisa por ela.
_Acredite... Eu não tô perguntando.
_Mas cê sente, não sente?
_Dani... – resmunguei, cansada.
_Eu entenderia, se sentisse. Digo, até que ela é gostosa – deu de ombros e eu suspirei, incomodada com a forma agressiva como a palavra “gostosa” soava em uma manhã interminável da porra – Cê comeu ela?
_Por favor... Só me deixa dormir – me irritei, submersa na fronha.
_Comeu ou não comeu?
_Me deixa dormir, mano.
_Certeza que cês já se pegaram... – ela continuou tagarelando, bêbada ou chapada, quase como se falasse sozinha, o que não estava muito longe da realidade – Foi estranho. Cê tava incomodada demais por ela ir embora e, tipo, que diferença ia fazer se ela ficasse? Ela ia dormir lá com o teu amigo de qualquer jeito e você aqui comigo... Não sei por que você insistiu – a Dani simplesmente não calava a boca e, nesse ponto, eu comecei a considerar seriamente a hipótese de chutá-la da cama – E ainda bem que ela não ficou, né? Só me faltava você me trocar para ficar com uma heterozinha que não sabe nem achar o meio das pernas de uma garota, eu te matava.
_Fica quieta, Dani. Por favor.
_Na boa, não sei como o seu amigo não percebe... – ela seguiu, me alfinetando – Sério. Tá muito na cara!
_Jesus, você não vai calar a boca...
_Cê pegou ela, não pegou?
_“Sim”, “não”... – perdi a paciência e sentei na cama – Que diferença faz, meu?!
_Nossa, calma. Só tô puxando assunto...
_Puxando assunto, Dani? Daqui a pouco são 10 da manhã e eu não dormi porra nenhuma! – reclamei, irritada, me enfiando de novo no travesseiro – Cacete, mano, tava tudo indo bem até agora. Você realmente quer começar esse blá-blá-blá todo aí e estragar o clima, meu? Vamos dormir, velho, por favor. Eu tô cansada... – implorei – Vem cá, vai...
 
Tateei o seu corpo, pegando-a pela cintura e puxei-a contra mim. Virei para o mesmo lado e entrelacei um dos meus braços nos dela, abraçando-a de conchinha, enquanto o outro apoiava minha cabeça por debaixo do travesseiro. Para a minha surpresa, a Dani não se opôs e me abraçou de volta, quieta no seu canto. Não éramos muito de dormir grudadas assim, eu e ela, mas àquela altura já havíamos esgotado toda a nossa cota de distanciamento calculista e eu estava cansada demais para prolongar a discussão.
 
Enfim, silêncio.
 
(...)
 
_Dani... – retomei baixinho, um tempo depois.
_Hmm? – ela murmurou de volta, já quase dormindo.
_Você... v-você tá com ciúmes?
_Acho q-que... – hesitou, baixinho – ...que sim.
 
E sem que ela pudesse ver, eu abri os meus olhos.

abril 08, 2010

Desculpa (ou não)

De repente, ela surgiu. O sol já começava a nascer, iluminando cada rachadura e prédio da rua em tons de cinza e revelando toda a sujeira de São Paulo, que se acumulava nos botecos, puteiros e bueiros. A Rua Augusta amanhecia junto com o dia, tomada por sua insônia usual e centenas de pessoas que se recusavam a ir para casa. Inclusive nós.
 
Vi a Dani descer do seu carro do lado oposto da rua e deslizar entre o trânsito na direção do Santa Augusta. Fiquei em pé, para que ela me visse no meio daquela pequena aglomeração, com um cigarro quase acabado na mão. Ela sorriu para mim e eu fingi que não notei, ainda de longe. Continuava com raiva dela, mas não queria ficar nem um segundo a mais sozinha naquela sarjeta enquanto o Fer praticamente comia a Mia na minha frente. Então, assim que a Dani chegou do nosso lado da rua, coloquei meu braço ao redor da sua cintura.
 
A apresentei rapidamente para os demais. Sem cerimônias. O Fer ela já conhecia de outros erros passados. A Mia me olhou e virou a cara, amarga, na mesma hora. Já o Rafa moveu-se um pouco mais para cima na sarjeta, encarando as pernas da Dani conforme nos sentamos no meio do grupo. Comentei qualquer coisa idiota que me veio à mente e, já logo na primeira frase, me confundi e troquei uma palavra por outra.
 
_Caralho – a Dani riu, meio babaca – Passou da conta, gata?
 
A pergunta foi retórica, mas não gostei da cutucada.
 
_Pois é... – traguei mais uma vez o cigarro e joguei a bituca no chão – Sorte a sua.
 
E a puxei para perto de mim, num beijo quase sem vontade. Só me faz esquecer. Daí para frente, exceto pelo que agora me falha à memória, não desgrudamos mais. Como duas adolescentes, bêbadas, é, nos agarrando pela roupa, descaradamente, perdendo a noção do limite, montadas uma em cima da outra naquela calçada suja. Logo nos tornamos o sucesso de todos os passantes da Augusta – mas eu não estava ligando ou sequer ouvindo o que os outros diziam. Ia me atracar com a Dani com toda determinação, sim. E com todas minhas frustrações também.
 
O Fer comentou qualquer coisa a respeito, me zombando, olha quem fala. Mas depois de um tempo, se viu obrigado a dar atenção para o nosso amigo, plantado ali de vela, largando um pouco a Mia de lado. Parece que o jogo virou, não é mesmo? Doce vingança. A cada beijo de tirar o fôlego que eu emendava na Dani, podia sentir a raiva da Mia na nossa direção. Frustrada com o fracasso do seu planinho de merda para me torturar a manhã toda. E eu estava adorando cada segundo daquilo. O único problema é que as minhas mãos...
 
...estavam na garota errada.