maio 24, 2010

O pasto

Desde que a porra da Lei Anti-Fumo foi aprovada, a cidade de São Paulo tinha entrado em estado de sítio. Os fumantes viraram uns terroristas em potencial, perdendo seus direitos para o Estado – o que não me incomodava tanto, afinal, sempre curti uma ilegalidade. Dou qualquer desculpa para desafiar o sistema e aquela era só mais uma oportunidade de quebrar as regras. Mas, porra, puta que pariu, esses cercadinhos de vaca são foda.
 
Sair da balada para fumar numa área protegida por grades me fazia sentir a escória da humanidade. Pior ainda é quando o estabelecimento resolve economizar uns trocados e restringir nossos metros quadrados com aquelas fitas listradas de amarelo e preto. Me sentia uma merda duma assassina. Assassina serial de tabaco.
 
O bar onde estávamos naquela noite era adepto do estilo homicídio-ao-ar-livre. Em meio à cena do crime, dividindo a calçada com outras vinte pessoas que se espremiam no perímetro demarcado pela fita, estávamos eu, a Mia e o babaca. Mais babaca do que nunca, aliás. E conforme o tempo passava, a babaquice só piorava. Todo assunto que a gente começava era interrompido por aqueles 1,80m de pura preguiça e vergonha alheia. E que sequer fumando estava. Mas isso não o impediu de se aproximar da Mia, praticamente babando, e soltar a seguinte frase:
 
_Acho sexy demais ver mulher fumando...
 
Jesus, eu revirei os olhos.
 
_É? – a Mia tirou o cigarro lentamente do meio dos seus lábios e olhou na minha direção – Eu também.
_Pô, me vê um aí – o idiota me cutucou com as costas da mão, pedindo um cigarro.
 
Mas é muita audácia mesmo, eu pensei, enquanto negava o pedido mais absurdo da noite. Nem a pau. Ele a cercava como um abutre.
 
_Hm, e esse “Mia”... É o quê? – ele continuou, falando arrastado de tão bêbado – Inglês? Russo?
_Italiano – ela respondeu, impaciente.
_“Mamma Mia!” – ele brincou, num xaveco cafona.
 
Nós duas reviramos os olhos imediatamente. E ele continuou:
 
_Quer dizer “minha”, não é?
_Não “sua”... – a Mia comentou baixinho, levantando as sobrancelhas ironicamente.
 
Eu comecei a rir.
 
_É, colega, acho que tá na hora de você ir arranjar aquele cigarro com outra pessoa... – aconselhei, já de saco cheio da presença desagradável dele ali – ...vai, já deu.
_Do que cê tá falando?
_Só vaza, meu.
_Por quê? – ele perguntou, se virando para a Mia – Você tem namorado? 
 
Claro. O imbecil não podia ter feito uma pergunta mais desconfortável. Merda. Já não basta os caras respeitarem mais um namorado do que um “não” das minas, ele ainda tinha que tocar justo no assunto que nós tentamos evitar a noite inteira. Olhei para a Mia e ela abaixou a cabeça, desviando o olhar, sem saber o que responder na minha frente. Droga. Droga, droga. Eu precisava fazer alguma coisa antes que a situação ficasse pior ainda.
 
_Amigo, vem... – coloquei o braço nas costas do mano e o virei para a direção oposta, tentando tirá-lo de lá – ...vai dar uma volta.
 
Ele se soltou e virou, visivelmente incomodado com a minha intervenção, resmungando um “tô bem aqui”. Ah pronto, o idiota vai insistir. Aí se voltou de novo para a Mia, daquele jeito sem limites que os caras ficam quando ouvem um “não”, falando ofendido.
 
_Vai, tamo pedindo numa boa...
_Tô conversando aqui com ela – reclamou na minha direção – Dá licença!
_Colega, só vaza, não vai rolar...
_Desculpa, cara – retrucou, ofendido de repente – Mas quem tem que me falar se está interessada ou não é ela!!
_Eu não tô – a Mia disse, na mesma hora.
_Pronto. Aí sua resposta! Agora vaza.
_Espera – ele riu, alcoolizado, indignado com a Mia – Cê tá falando sério?!
_Cara, sim, sério...  Tamo querendo fumar em paz desde que viemos aqui pra fora.
_Mas a gente tava trocando ideia até agora! – ele pegou no braço dela, como se ela devesse algo para ele.
_Me solta! – a Mia puxou o braço de volta e senti a situação começar a sair do controle.
_Que foi?! Hein?! – riu do desconforto dela – A gente tá só se divertindo...
 
A Mia virou levemente o corpo, constrangida, tentando evitar o cara. E ele se aproximou ainda mais dela.
 
_Nem um beijo? – insistiu, bêbado, pegando no cabelo dela – Só um e eu vou embora...
_Meu, NÃO!
_Não? Hum. Você é muito bonita, sabia...
_Mano – me enfiei no meio, tirando a mão dele de cima dela – Cê não tá escutando? ELA NÃO QUER!
_Velho, qual é, NÃO SE METE! – ele se irritou comigo – TÔ FALANDO COM ELA, NÃO COM VOCÊ!
_MAS ELA NÃO QUER FALAR COM VOCÊ, PORRA. JÁ DISSE TRÊS VEZES QUE NÃO!
_Mia... – ele tentou pegar na mão dela e ela se desvencilhou – Mia, fala para sua amiga que tamo numa boa...
_Deixa ela em paz, cara! CHEGA!
_CHEGA O QUÊ?! – ele levantou a voz, puto, vindo para cima de mim – VOCÊ QUE TÁ CAUSANDO!
_EU?! – gritei de volta – CARALHO, É TÃO DIFÍCIL ASSIM? A MINA NÃO TÁ AFIM, PORRA, SÓ VIRA AS COSTAS E VAZA! 
_E QUÊ QUE CÊ TEM A VER COM ISSO?!
_ELA VEIO COMIGO, BABACA!
_E DAÍ, PORRA?!
_JESUS! – suspirei, irritada – DEIXA EU VER SE FICA CLARO ASSIM: “COMIGO” NO SENTIDO CÁSSIA ELLER DA COISA, ENTENDEU? NÃO?! – expliquei e ele me olhou, confuso – COLAR O VELCRO, COLEGA, LAMBER CARPETE, SABE? RACHAR A BOLACHA COM A AMIGA, IR NA SAPATARIA, ABRIR O CLUBE DA LULUZINHA, FANCHA, ENTENDIDA... SAPATÃO.
_Não. Não mesmo – ele debochou – NEM A PAU.
 
Céus.
 
_Cês tão tirando com a minha cara... – ele negou, balançando a cabeça.
_Não. AGORA VAZA!
_SE CÊS TÃO JUNTA MESMO, ENTÃO DÁ UM BEIJO AÍ PARA EU VER!
 
E lá estavam elas, as palavras que nenhuma sapatão aguenta mais ouvir. O beija-aí-então é o ápice da escrotice masculina. Argh. Aquele misto deplorável de desrespeito, como se a sua sexualidade precisasse ser provada para ser levada a sério – e dá vontade de fazer só para esfregar na cara –, com o asco de saber que qualquer beijo que você der só vai alimentar uma fantasia punheteira adolescente de ver duas minas se pegando. Me recuso a dar prazer para esse idiota.
 
Antes que eu pudesse retrucar, todavia, a Mia entrou furiosa na discussão:
 
_DÁ O QUÊ?! – se intrometeu, indignada – O QUE VOCÊ FALOU??
_DÁ UM BEIJO AÍ!
_TENHO UMA IDEIA MELHOR, POR QUE EU NÃO TE DOU MEU DEDO?? – levantou o dedo do meio na cara dele – E VOCÊ ENFIA NO SEU CU!!! QUEM VOCÊ PENSA QUE É? CÊ ACHA QUE A GENTE TÁ AQUI PRA SUA DIVERSÃO?!
_TIRA A MÃO DA MINHA CARA!
 
Ele a empurrou e, na mesma hora, eu o empurrei de volta. Um cara que estava ali do lado segurou o idiota antes que ele viesse para cima de mim. A confusão começou a ficar cada vez mais barulhenta, podia ouvir a Mia gritando com o mano por cima do meu ombro, eu o xingava aos berros, as pessoas foram se metendo no meio e os seguranças da porta começaram a cortar caminho pela aglomeração da área de fumantes para chegar onde estávamos. Vai dar merda. Olhei para a Mia, no meio do caos, e a peguei pela mão:
 
_Vamos dar uma volta, eu e você... – eu disse, levantando a fita ilegalmente.
 
Demos as costas sem pensar duas vezes, largando o babaca entre outros fumantes desconhecidos, que se meteram na briga, e saímos em direção à rua. Não demos nem três passos na calçada e a Mia soltou a minha mão, virando-se de novo para o cara ainda na área cercada. E berrou:
 
_APRENDE A RESPEITAR AS MINAS, SEU ARROMBADO!

18 comentários:

  1. estou rindo consideravelmente desse post. mas acho que o cara se conformou muito fácil e rápido, não conheço nenhum cara hetero, do tipo que fica em cima, como esse aí, e que teria uma atitude parecida.

    se fosse assim tava era bom! =)

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  2. QUE LINDO! Quero mais ):

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  3. cara dando em cima da TUA mulher... nada poderia ser pior ¬¬

    mas esse papo de vamos dar uma volta eu e você é velho conhecido hein :D quero só ver o próximo post :D

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  4. Hahahaha.. cara, rachei de rir com esse post! Homens são muito previsíveis, meu, que saco. ¬¬

    E a nossa FM mandou muito bem.. adorei o "...lamber carpete, colar velcro..." e outros sinônimos. =P

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  5. Abrir os olhos do cara era necessário, de fato....

    Incoveniencia, acontece nas melhores [e piores] festas...

    que bom que tudo ficou claro finalmente, hehehe

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  6. Liiz, em São Paulo a cena gay é muito desenvolvida :) tem lésbica em tudo quanto é balada (não sendo aquelas plaboys demais) hahaha então tem muito cara hétero que respeita após um aviso direto :P

    Garanto que o post (principalmente a conversa) foi baseado em fatos reais! hahahaha

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  7. Concordo com a Liz, ele se conformou rápido...
    Se fosse aqui, ia encher a merda do saco! hehehehe
    mass...devido a explicação da Mel, eu acredito, não conheço SP pra saber se é assim mesmo :)
    Adorei o post, super gosto de quero mais...como tooooodosss hehe

    bjooo =*

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  8. ps: apenas um comentario: adoro como essas leis anti fumo nao sao nem levadas em conta nos lugares que eu saio aqui em poa, hehehe

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  9. poxa, que bom isso. precisamos dessa evolução no universo, em geral. aqui em bras-ilha dificilmente um cara seria tão "de boa" assim, mesmo com a maior chamada do universo. =x

    mas SP é uma coisa para daqui 26 dias (e contando) :P

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  10. Gente, babacas tem em TODO lugar. Punheteiro mala, aff... ¬¬ mas acho que SP está evoluindo bem nesse aspecto, principalmente nas cena alternativa, nas baladas da Augusta, etc... :)

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  11. Juro que chorei muito com o ''lamber carpete''. Extremamente hilário...

    Parece que o destino insiste em colocar barreiras para impedir que as duas fiquem (como no caso desse infeliz de 1,73 m). Mas, como ambas são um tanto quanto insistentes, acho que no próximo post as coisas vão rolar.
    Fico na expectativa!


    :*

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  12. (é a Dea, tou com um blog de fotografia novo!)

    adorei o post. e você tá sendo MUITO homeopática nessa aproximação das duas, Melissa. eu tou quase surtando aqui. acho que a gnt merece double post! \o/

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  13. só eu achei o parágrafo da crítica à lei anti-fumo lindo?

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  14. até que o cara entendeu legal, homem é lerdinho assim mesmo ;D

    e não sei porque, sinto que ta tudo bem agora, mas que daqui a pouco vai dar merda /pessimismo @@

    sei lá, esse mundo é pequeno, vai que esse cara aí conhece o Fernando .__.


    ps: foi um dos melhores posts, sério! muito agradável, e engraçado, deu pra imaginar direitinho a situação,as imagens se formaram com perfeição na minha mente.

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  15. Eu não fumo, mas acho ridículo que as pessoas tenham que ficar se espremendo do na área delimitada pelos bares. Nas baladas rola um pessoal fumando escondido dos seguranças como se fossem criminosos e em algumas tendo que carimbar o braço e sair da balada pra fumar.

    Poxa, finalmente o cara foi embora, hein. Também, mais direta do que a Devassa foi impossível, né? Depois de quase estragar noite com a maldita pergunta sobre o namorado ele mereceu.
    Acho que o fato de todos eles terem ido junto com o Gabriel também ajudou pra que ele caísse fora de boa.


    Bem, finalmente estão só elas duas... Agooora sim!!! (6)

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  16. "nao sua" haushaushaushaus to começando a gostar da mia!!

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  17. Nossa altas gargalhadas .... amei ..
    ansiosa para saber da volta ...
    bjs

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  18. Post 10 e comentários mil! Adorei as indagações (achei iria ter barraco como a Liz) e explicações! Nem fazia idéia que DF era bras-ilha!

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