setembro 15, 2010

As boas intenções mal-interpretadas

Rodávamos aleatoriamente pelos corredores da locadora, entre as fileiras intermináveis de DVDs, rindo. A Mia ia na frente, naquele moletom tão grande que sequer parecia ter um shorts ali embaixo, pegando as piores comédias românticas da prateleira. Ela tirava sarro dos títulos terrivelmente machistas e eu ria. “Namorada de aluguel”, “Tudo para ficar com ele”, “Procura-se uma noiva”, “As namoradas do papai” – para cada um, uma revirada de olho.    
 
Nos divertíamos meio à toa pela loja. E só quando chegamos na seção de desenhos animados, foi que a Mia notou a sua camiseta na minha mão. “Essa aí é a minha?”, perguntou e eu confirmei com a cabeça. Se você soubesse o problema que esse maldito pedaço de pano me causou ontem, pensei e ri da minha própria desgraça. Ela sorriu e continuou andando, a alguns passos na minha frente. Notei que um dos rasgos da sua meia-calça circulava certinho o pequeno escravelho que ela tinha tatuado atrás do joelho – num acaso charmoso.

_E esse CD aí, o que é?! – a Mia olhou rapidamente para trás, na direção da minha mão, já indo para o corredor seguinte.
_É seu presente...
_Hum. Então quer dizer que existe mesmo um presente?!
_Tem... – peguei um dos encartes para olhar, logo colocando-o de volta – ...por quê?
_Ah, sei lá... – ela sorriu, por cima da prateleira que nos separava – ...quando eu li a mensagem, eu pensei... q-que o presente era, tipo, você.
 
O meu rosto se iluminou involuntariamente. Não faz isso com o meu coração, garota.

_Bom, não precisa falar duas vezes... Eu jogo isso fora e problema resolvido! – fiz graça, erguendo o CD, como se fosse largá-lo no chão.
_Nããão! Eu quero ele! – ela contestou na mesma hora, se debruçando sobre a prateleira, tentando pegá-lo da minha mão.
_Não, não, não, não... – me desvencilhei, escondendo-o atrás de mim – ...eu gostei mais da sua ideia.
_Não foi minha ideia! – a Mia deu a volta até a fileira que eu estava – Achei que você tivesse pensado isso!
_Eu?! – forcei um tom de indignada, enquanto ela tentava puxar meu braço de trás das costas pra alcançar o CD – Cê que pensa besteira aí e depois vem jogar pra cima de mim... Eu não falei nada disso! Eu disse que tinha um presente. Pre-sen-te.
_É, mas eu achei que era só uma... – continuou – ...uma desculpa pra... p-pra...
_...pra ver você? – eu ri mais ainda, resistindo aos esforços dela – Mas tá se achando, hein?!
_Mano... Você que se acha, pra começo de conversa!
_Não o suficiente para me oferecer como presente de aniversário... Isso, assim, né, só na sua cabeça.
_Besta! – ela riu, desistindo, e cruzou os braços – Deixa eu ver, vai?
_Não.
_Por favor!
_Não, meu, cê vê na sua casa... – balancei a cabeça – Vem. Vamos escolher um filme!

A Mia resmungou, contrariada, e eu coloquei meu braço sobre os seus ombros, dando-lhe um beijo na bochecha. E então, sem combinar, fomos juntas para a seção de terror. Eu amava isso nela. O jeito como ela gostava das mesmas coisas que eu, numas coincidências bobas que me faziam feliz. Por mais de uma vez, no apartamento, juntamos forças para convencer o Fer a assistir filmes de espíritos, já sabendo que ele provavelmente ia vazar no meio. Ele podia ver qualquer tipo de terror, mas não os paranormais, sempre levantava e ia fazer outra coisa. E é – talvez fosse justamente essa a nossa intenção.
 
Agora que estávamos sozinhas ali, escolhendo um só para nós, a tarefa não era tão fácil. Considerando o quanto nós duas gostávamos do gênero, não sobrava lá muita coisa que já não tivesse sido vista. Lá pelo oitavo filme que puxamos da prateleira, sem sucesso, decidimos que a melhor estratégia era rever algum dos clássicos.
 
_A gente podia levar um de vampiro, né... – a Mia murmurou, deslizando os dedos pelos DVDs enquanto lia rapidamente os títulos – Qual seu favorito?
_Ah, depende. Cê quer a resposta decente ou a sincera?
_A sincera – a Mia riu.
_Tá, mas não pode julgar...
_Não vou, prometo!
_Ok. “Fome de viver”.
_Que raios de filme é esse, meu?! – estranhou.
_Ah, aquele péssimo do Bowie...
_Do Bowie?!
_É... – me surpreendi – Espera, CÊ NUNCA VIU ESSE FILME?!?
_Não... – ela riu, de novo.
_Puta merda. A gente TEM que assistir! – comecei a caçar freneticamente o filme nas prateleiras – É um puta clássico gótico dos anos 80, meu, o visual cafona, o Bauhaus, o Bowie. Caralho, eu não acredito que cê nunca viu!
_Nossa, não, nem nunca ouvir falar...
_Como assim?! – eu ri, indignada – Mano, para, eu passei a adolescência inteira assistindo esse filme só pra ver a Catherine Deneuve pegando a Susan Sarandon.  
_Hum... – achou graça – Entendi agora.
_Olha, você tá rindo aí porque cê não sabe o que é crescer sapatão vendo só hétero na TV e, de repente, assistir uma cena daquelas. E fora que né, eu já tinha ali uma queda razoável pela Susan Sarandon desde “Thelma & Louise”...
_Quem não tinha, não é?
 
Ela sorriu e eu finalmente encontrei o DVD da prateleira, pegando-o na mesma hora, animada.
 
_Aqui. Achei!

16 comentários:

  1. olha, eu consegui até sorrir!
    melhor post da semana.

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  2. Aaaaaaaah Mel, mto bom como sempre. Quem nunca fez essas brincadeirinhas e falou várias verdades fingindo que ñ era? Suuuper tradicional kkkk
    Na expectativa pro próximo... bjo, Mel ;*

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  3. hahaaa...
    algm tiraa esse sorriso idiota de miinha face OMG!

    e agoraan...q vaii ser?

    voto por pegar um fiilme e ver no apto da Mia `666

    BGS///

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  4. Esse blog é meu mais novo vício!!! Acesso todos os dias a espera de mais um post!!! Parabéns pela inteligência e sagacidade!!!

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  5. "algm tiraa esse sorriso idiota de miinha face OMG!"2
    hauhauhau, muito lindo, tô com cara/sentimentos de garota apaixonada....
    okok, eu estou apaixonada, por duas pessoas ( qualifico a FM como pessoa né?) ;p

    Maravilhoso Mel, simplismente isso!

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  6. (Pensamento: queria ser a Mia para ter alguem como a FM.....;\)

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  7. fazia tempo que eu não ria de alguma coisa...
    gostei mel.
    post relaxantte. ando precisando.

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  8. aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah MORRI aqui! que LIIIIIIIIIIIIIIIIIIINDAS *----

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  9. Seção de terror é? Dessa parte eu manjo. Vamos ver se 1)será algum dos que eu respeito, e 2)como será utilizado para gerar (ainda) mais situações (in)decentes, que essa sua cabecinha (deliciosamente) demente não cansa de maquinar.

    ... nossa... meu pensamento está particular(mente) (entre)cortado a essas horas tardias da madrugada... =P

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  10. lembreii de uma regrinha da Trilogia Pänico...

    em fiilmes de terror, queem transa, necessariamente, MORRE! `666

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  11. Caramba, estou totalmente envolvida neste conto, cada vez fico querendo mais... Fica na minha mente, imaginando...Instigando. Você escreve de uma maneira muito surreal, maravilhosamente envolvente... Isso vicia.

    Quero mais....(#ansiosa)

    Ed-João Pessoa/Pb

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  12. caraca, passei por uma dessa esses dias, hahaha

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  13. chega logo novo pots,please!

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  14. Rodrigo... melhor post EVER!
    ahsaushuash

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