fevereiro 02, 2011

Do lado de lá

Um Mississipi, dois Mississipi, três Mississipi... doze Mississipi, treze Mississipi, quatorze Mississipi, quinze Mississipi... e vira. Um Mississipi, dois Mississipi... quatorze Mississipi, quinze Mississipi... e vira, de novo. Assim eu seguia, milagrosamente em pé antes da hora, no meu ritual rumo ao perfeito queijo quente de frigideira. Mal-vestida num samba-canção roubado do Fer uns anos antes, com uma regata branca velha e um ótimo humor – acordar com tempo suficiente para um café-da-manhã decente era tão raro na minha vida que, né, tais ocasiões mereciam pequenas recompensas. Mesmo que elas gerassem grandes louças.

Foda-se, tenho tempo, sorri e virei novamente o meu futuro lanche-mega-delicioso no fogão.
 
Olhei mais uma vez para o relógio na parede, entre quinze Mississipis e outros quinze do lado oposto, e notei as horas. 7:04. Sequer lembrava quando fora a última vez que pulei da cama assim tão cedo. Ainda mais depois de ter adormecido às 4-e-sei-lá-quantas, falando com a Mia no telefone. Maravilha. As fatias de pão-de-forma já mostravam os primeiros sinais de que iam dourar por fora e o queijo começava a derreter entre elas, me deixando realmente com fome. No meio do processo, ouvi o Fer entrar pela porta que dava no corredor.

_O que cê tá fazendo aí? – percebi ele se aproximar, atrás de mim.
_Pode tirar o olho, hein, é o meu café-da-manhã...
_Não falei nada... – ele riu e veio para o meu lado, se apoiando na pia e roubando um pedaço do queijo que eu deixei para fora da geladeira; enrolou uma fatia, olhando sei-lá-por-quê para a minha roupa, e depois comeu um pedaço – ...ô, essa aí não é minha?
_O quê? A cueca?!
_Acho que é, não é? – perguntou, mais interessado em comer o queijo do que em saber a resposta; aí me observou, distraído, conforme eu seguia contando Mississipis.
_É, sim...
_Espera... e isso aqui? – empurrou o meu cabelo para trás, descobrindo o meu pescoço, e riu, sentando-se na pia quase de frente para mim – Isso aí, com certeza, não é meu. De quem é, hein?
_Cala a boca. De ninguém, babaca.
_O quê? – ele riu, pegando mais uma fatia do queijo e me enchendo de propósito – Vai dizer que cê se queimou com a frigideira?
_Mano, sai daqui, vai... – eu o expulsei, ameaçando-o com a espátula suja, sem vontade de discutir o chupão que a sua namorada tinha me deixado na noite anterior.
 
Desavisado, o Fer achou graça. Desceu da pia e deu alguns passos atrás de mim, até a geladeira, tirando um resto de suco da prateleira de baixo. Deu uns goles direto da caixa, enquanto procurava pelo cereal no armário. Já estava pronto para sair para o trabalho e mais arrumado do que o normal para uma manhã de quarta-feira – com um jeans limpo, a barba feita, regata branca e uma camisa aberta por cima. Estranhei.
 
Que seja, voltei para o meu queijo quente, mais uma rodada de Mississipis e... pronto! Retirei o sanduíche da frigideira com a espátula, feliz, e o coloquei num prato vazio que aguardava na pia, ao meu lado. Aí peguei umas folhas de papel toalha e me sentei com o Fer na mesa, esnobando o seu reles café-da-manhã com o meu lindo sanduíche.

_Acordou cedo por quê?
_Sei lá, caí da cama. Levantei tão de boa hoje, meu, o despertador mal tocou e eu já tava em pé. Vai entender... – mordi o primeiro pedaço do meu queijo quente, magnífico, e olhei para o Fer conforme mastigava aquele pão crocante delicioso – E você? Tá todo arrumado aí, por quê? Foi promovido?!
_Promovido a ficar no mesmo cargo por mais dois anos, né, só se for... – revirou os olhos, frustrado com a absoluta falta de perspectiva no emprego – ...nem, meu. Vou encontrar a Mia hoje, mais tarde, pra gente conversar.

Ô, inferno. Como eu fui me esquecer?

_Hum... – tentei soar natural – ...boa sorte lá.
_Valeu, meu...
_Vocês... – continuei, sem ter certeza se queria ouvir a resposta – Vocês tão bem?
_Ah, acho que sim. Ela me ligou ontem, falou um monte. Só que eu tava no trampo, né... não dava pra conversar direito, então a gente marcou de se ver hoje pra falar com mais calma. Mas ela nem parecia brava mais...
_É? O que ela disse?
_Sei lá, falou uma pá de coisa. Que acabou exagerando, que gosta mesmo de mim. Ficou toda sentimental no telefone – deu mais uma colherada no cereal – Não entendi porra nenhuma, foi do nada...
_Hum...
_É foda, mano... Eu curto ela pra caralho, a gente se dá mó bem. Mas, porra, não entendo essas coisas! Num dia não quer falar comigo, no outro diz que tá com saudade. Me deixou o fim de semana todo na merda, meu... Sei lá. Queria que as coisas só ficassem bem entre a gente.
_Mas não era só o lance lá da... d-da festa?
_É. Ou, sei lá... Às vezes, acho que ela só quer uma desculpa pra terminar comigo, sabe? E-ela... Não sei, ela... fica distante, do nada, não quer fazer nada, não quer vir aí, não quer porra nenhuma comigo – argumentou, frustrado, deixando a colher de lado no prato e se explicando – E depois volta como se nem tivesse acontecido. Dessa vez foi igual, meu. Porra, fui até a casa dela domingo e ela nem me deixou subir, mano. Aí do nada, tá tudo bem, como se não tivesse rolado porra nenhuma, tudo lindo e azul no Paraíso. Sei lá, é estranho...
_Ah, Fer, não sei... às vezes, é só o jeito dela.
_É, só que... s-só que não era, cara! A Mia não era assim. Juro que não era, ela era muito sossegada. Faz uns meses só que ela entrou nessa de...
_De...?
_De, não sei, surtar o tempo todo. Me ama num segundo e, no outro, não quer nem que eu encoste nela, quer ficar sozinha. Antes a gente não conseguia nem tirar as mãos um do outro, porra! E eu curto ela pra cacete, sabe, eu sei que ela gosta de mim, mas... – balançou a cabeça – Puta, mano, é foda.
_É... – arqueei a sobrancelha, encarando a mesa.
_Velho, vai ser a mesma história de sempre. Cê pode ter certeza! Quer apostar quanto que eu vou chegar lá hoje e ela vai querer que eu vá com ela pra casa, vai querer foder a noite inteira, fingir que nem aconteceu? Mano... conheço, tô falando. Aposto o que cê quiser.
_Uhum... – empurrei o prato, discretamente.

Um queijo quente perfeito, desperdiçado. Perdi a fome.

14 comentários:

  1. aeee o Fer reapareceu, já tava sentindo saudades dele *-*

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  2. Fer, larga a Mia e seja meu. :/

    HAHAHAHA brincadeira, né... Tá magnífico, Mel ♥ seu jeito de escrever me deixa arrepiada, é tão... naturalmente perfeito. Acho que já disse isso, mas é bom repetir. :3

    Sou louca por esse blog! ♥

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  3. Own, Fer.. Pobre coitado todo fofinho e não percebe que essas bipolaridades da Mia são sinais. Quando ela volta amando é uma esperança de ainda existir algo de bi nela, eu acho, mas ah, com a FM ali perto, acho difícil...
    Quero mais, quero mais!

    =*

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  4. ps: Fiquei com vontade de comer um queijo quente.

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  5. coitada da FM .-.
    Espero que o fer teja errado
    e desculpa a minha ausencia por aqui, a minha vida ta uma loucura.

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  6. mel perfeita como sempre :)

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  7. eei Fer, ixxi, tô sendo chifrada então?
    a mulher vive nesse dilema, parece a Mia, caralho minha cabeça pesando, moooooooooon'

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  8. Mas tem gente q merece ser corno neh?!
    FM cara de pau como sempre
    E eu podia apostar q a manhã dela seria estragada com isso qdo li ela acordadno antes da hora :P

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  9. ‘Um Mississipi, dois Mississipi, três Mississipi...’
    AAAAh, Melissa! Pode-se dizer que ganhei o dia só por ler isso no começo do post!
    HAHAHAHA, amo meu relogio de paredee contado em mississipi.

    ps: cada vez mais me convenço do quanto vc é nerd.

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  10. Ai Ai e esse ciúme em ?? AOO sentimento que doe .

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  11. fiquei com vontade de queijo quente, nham! tou sentindo que em breve irá acontecer o que você disse que iria acontecer. o clima tá pesando... vixe, vixe!

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  12. como se faz queijo quente ? rs

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  13. Impossível não associar, né? AMIZADE segundo a FM: lavo as cuecas,em troca vc me empresta: a cueca e a namorada! Justíssimo! :P
    Obviamente, uma visão muito simplista dessa confa! :)

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