abril 20, 2011

A intromissão

_Fer! – fui atrás dele no corredor, numa arrogância embriagada – Tem alguém aí??
_Não é da sua conta!
 
Ah, tem.
 
_Quem é?!
_Já falei, porra, não se mete! – retrucou, grosso, indo em direção à porta.
_Que foi agora, Fernando?! O apartamento é meu também, caralho! Não tenho direito de saber?!
_Cara, alguma vez já me intrometi na sua vida?!?? – se virou para mim, sem paciência – Já?! Já fiquei perguntando quais as minas que cê traz aí, porra?!
_Foda-se! Eu tô perguntando agora!!
_VAI ARRANJAR O QUE FAZER, INFERNO!
_AH, É! PORQUE VOCÊ PELO JEITO JÁ ARRANJOU, NÉ...
_Se a Mia pode, também posso – resmungou, puto, entrando no quarto.
 
E bateu a porta na minha cara.

abril 16, 2011

Pena, vaidade e outros problemas da humanidade

Dois minutos e o meu celular começou a tocar. O assisti espernear em cima da mesa da cozinha, barulhento, com os meus braços cruzados. Paralisada. Quantas vezes nesses dias todos eu quis que você me ligasse, garota?, os meus olhos inchados observavam o nome da Mia na tela, tentada a atender. Mas as lágrimas ainda corriam no meu rosto e eu não suportava desmoronar assim na frente dos outros – e pior ainda, dela.
 
Aquilo me feria o ego dum jeito filha-da-puta.
 
Me sentia fraca, uma idiota. Indo atrás dela às sete da manhã dum domingo, bêbada e sem conseguir arrancar uma palavra sequer da minha garganta, ridícula, me afogando no meu próprio choro. Incapaz de conter o meu desespero. Quantas vezes? Quantas? A vontade de falar com a Mia fazia meus dedos formigarem, ansiosos para pegar a porra do telefone antes que ela desistisse. Como eu quis, porra, que você surgisse no meio da madrugada, que me ligasse e falasse o que diabos tá acontecendo, que você se preocupasse comigo. Aquilo me doía por dentro, me esmagando ali, em silêncio.
 
Os meus pensamentos ecoavam pelo cômodo amanhecido, enquanto o som do toque aumentava e a tela acendia insistentemente, com o seu nome nela. Mas parte de mim temia os seus motivos. Você não tinha nada para me falar em todas as vezes que te procurei, você não disse nada quando eu disse que te amava. E agora ali estava, de repente, pronta para me ouvir.
 
O que você quer de mim?, apertei as sobrancelhas com desgosto. As minhas lágrimas, garota? A dor na minha voz? Me ouvir desmoronar, caralho, é isso que te faz pegar a porra do telefone?, passei a mão no rosto. E o aperto no meu peito voltou, incômodo. Balancei a cabeça e me afundei na cadeira, me sentindo humilhada. Progressivamente na defensiva. Escutar os segundos entalados na minha garganta? É isso que você quer? Evidência salgada, molhada, do meu amor por você? De repente, te importa o bastante para me ligar de volta?
 
Argh. Me sentia confusa. E me doía – como doía – olhar o nome da garota que eu amava me chamando daquele jeito, sem saber que porra fazer. Puta merda. Sentia as lágrimas subindo até meus olhos já vermelhos e me machucando ainda mais. A verdade é que eu queria falar com ela. Desesperadamente. Era só isso que me importava, inferno. Passei as mãos mais uma vez no rosto e apoiei os cotovelos na mesa, deixando os meus olhos fechados por um instante sob meus dedos.
 
Foi quando escutei a porta do quarto do Fer se abrir no corredor, do nada. E num impulso covarde, desliguei o celular. Apagando rapidamente qualquer evidência de que era a sua ex-namorada me ligando.
 
_É você que tá fazendo esse barulho todo, caralho?!?
 
Ergui os olhos e vi o Fer parado ali, só de samba-canção e com uma puta cara de sono, na porta aberta da cozinha. Estava tão desnorteado que sequer reparou na minha embriaguez – ou em como enxuguei as minhas bochechas no antebraço assim que ele chegou.
 
_Foi mal... – murmurei.
_PORRA, CUSTA?! – ele se exaltou, nervoso – ABAIXA ESSA MERDA, INFERNO. A GENTE TÁ TENTANDO DORMIR!
 
Socou a porta com a lateral da mão para mostrar que o quanto estava irritadinho. E saiu da cozinha. Babaca, revirei os olhos. Peguei o celular sobre a mesa e encarei a tela, agora desligada.
 
Mas espera, levantei o olhar, “a gente” quem?

abril 10, 2011

Recuperando consciência

Me afastei, andando pela calçada suja do Ana Rosa. Descontava na Isa uma frustração violenta e que, no fundo, pouco tinha a ver com a situação em si – e eu sabia. Puta merda, olhei para o meu cigarro e o vi quase rasgado, provavelmente amassado no meio do meu surto, agora pendendo torto na minha boca. Tentei endireitá-lo, já quase alcançando a esquina seguinte. O dia já tinha clareado o suficiente e eu poderia muito bem pegar as quatro estações de metrô que me separavam de casa, mas não tinha dinheiro suficiente.
 
Então, andei. Metro por metro de chão, um passo atrás do outro, me sentindo um nada. Não pensei em porra nenhuma, só andei. Até a porta do meu prédio. E aí, quando entrei em casa, quarenta minutos depois, fui direto para a cozinha, largando as chaves sobre a mesa e pegando um copo no armário de cima. O enchi de água, numa sede do caralho. Então puxei uma cadeira e tirei o celular do bolso, largando-o ali na mesa e me sentando meio de qualquer jeito, afundada contra o encosto. Tomei a água em goles espaçados, totalmente alcoolizada, exausta. E assim que terminei, fiquei parada olhando para o copo vazio. A minha respiração estava pesada.
 
Merda.
 
Virei para o lado, apoiando os braços nas pernas e o rosto nas mãos. Começou a me voltar, de repente, toda a cagada que eu tinha feito. E o ar começou a me faltar. Senti um soco no estômago e os meus olhos doeram, inchados com uma rapidez embriagada, já fora de mim. A minha garganta apertou. Comecei a sentir uma agonia que vinha de dentro; um desespero. Olhava à minha volta, o apartamento, a pia, os armários, as cadeiras, o microondas, a geladeira, a torneira, o chão, a mesa, a porra do copo vazio, as minhas chaves e a porta para o corredor – e as coisas simplesmente não faziam sentido. Nada, porra, nada faz sentido nessa merda, senti as lágrimas me subindo doídas pela garganta, mas não quis chorar.
 
Me virei de novo para a mesa e coloquei os cotovelos apoiados sobre o tampo, segurando os olhos entre os dedos e relutando, com o rosto metido nas mãos. Inferno. As minhas ações não faziam sentido, eu não fazia sentido. O que diabos eu tô fazendo?!, me torturei, bêbada. Eu não sabia como tudo havia chegado àquele ponto. Peguei o telefone meio de qualquer jeito, em cima da mesa, num desespero impulsivo. E aí liguei para ela. Não sei o que eu buscava, o que eu esperava ouvir – só sei que não conseguia mais estar sozinha. E que motivo egoísta, não é, para enfiá-la à força na minha vida, para trazer ela de volta, trazer ela para perto. Mas eu não conseguia evitar. Sentia a minha cabeça prestes a explodir, completamente sem rumo.
 
_Hmm...?!
 
A ouvi murmurar do outro lado da linha, sonolenta.
 
_Mia... – tentei falar e os meus olhos se encheram de lágrimas, me doendo inteira – Mia, e-eu... – segurei as palavras na minha boca, angustiada, e os segundos correram em silêncio, droga, criei coragem e retomei – Mia...
_O que aconteceu?! – ela soou mais desperta, assustada.
_E-eu... – busquei fôlego, com dificuldade – ...e-eu não... eu não sei... e-eu... – não conseguia empurrar palavra alguma para fora, numa angústia horrível que me fechava a garganta, a apertando tanto que quase não deixava passar o ar.
_Alô?! Alô??
 
Quis desligar, de repente. E senti me doer mais ainda – puta que pariu. As lágrimas escorriam pelo meu rosto. Tentava respirar fundo, mas não conseguia. Meu peito se enchia de angústia, esmagado em si. Passei a mão no rosto. Eu tô perdendo a razão, pensei, merda. Apertei os olhos, bem fechados, e enxuguei as lágrimas com pressa, com raiva de mim mesma, as tirando dali. Mas elas tornavam a brotar.
 
_Linda? O que foi?!
_E-eu... – solucei, chorando contra a minha vontade, sentindo uma tensão terrível tomar conta de mim, sem entender como diabos aquilo estava acontecendo comigo, o carro, a briga, a Mia, o apartamento, a porra do meu amigo, como eu tinha deixado a minha vida chegar àquele ponto e o quão idiota eu podia ser, caralho – Eu... e-eu não devia ter te ligado... desculpa.
 
Desliguei. E as lágrimas voltaram.

abril 09, 2011

Cansaço

_Ei... – ela sentou e me segurou pela mão, fazendo com que eu parasse de me vestir por um segundo – ...o que foi?!
_Nada! – me soltei dela, desvirando a camiseta e a colocando no corpo.
_Nada?
_Nada, porra...
_Então, é isso?!
_É – me sentei do lado oposto do banco, sem saco para conversar, e acendi um cigarro.
_O que foi?! – ela me encarava, insistente – Só fala, meu. O que é? Você não gosta, é isso? – continuou – Meu, eu não preciso fazer nada, tipo, “com você”. Eu posso só...
_Não é isso...
_Não?!
_Não... – balancei a cabeça, tragando.
_Bom, então me explica, né... – se irritou, levemente ofendida – ...porque eu achei que tava tudo bem!
_Mas tava...
_E?!
_E nada, porra! – me irritei também – Sei lá, eu não... n-não tô afim.
_Assim, de repente?!
_É.
 
Abaixei manualmente o vidro da janela para deixar a fumaça sair. Aí olhei para a calçada e notei o dia já bem mais claro, com os resquícios da sujeira partyhard daquela madrugada.
 
_Cara, cê tem sérios problemas... – ouvi a Isa reclamar, ao fundo – ...na boa.
_Pois é – me enchi dela, num impulso grosseiro, e troquei o cigarro de mão, puxando a trava da porta para sair.
_O que cê tá fazendo?!?
_Eu posso andar até em casa – justifiquei e saí.
_Não, meu... Espera! – ela se apressou, escorregando pelo banco, e veio atrás de mim na calçada – O que diabos cê tá fazendo?! Calma, mano, eu te levo...
_Eu não quero que cê me leve – virei para falar com ela, cansada – Vai pra casa, meu. Tá tudo bem... A, a gente... a gente bebeu demais e... sei lá.
_Mas que merda deu em você?! – ergueu a voz – Não... não vou. Cê acha que eu vou te largar aqui, mano?! Entra no carro, vai, eu te levo até lá, não custa nada...
_Eu tô bem, é aqui do lado, meu. Sério, eu quero ficar sozinha.
_Ficar...? – ela levou a mão à testa, se estressando de repente – “Ficar sozinha”?! Então, por QUE RAIOS CÊ ME LIGOU, PORRA?!?
_Ah, mano. Não...
 
Comecei a rir, realmente bêbada. Sem paciência pra aquilo.
 
_QUAL É O SEU PROBLEMA?? – ela me confrontou, nervosa, e eu parei de achar graça – SÉRIO, ME FALA! O SEU PLANO ERA O QUÊ?! ME ENROLAR A NOITE TODA E FINGIR QUE IA ME COMER?! É ISSO?!? – revirei os olhos, com o cigarro metido na boca, e a sua atitude começou a me incomodar – E PRA QUÊ?! HEIN??? PRA CHEGAR NO CARRO E FAZER GRAÇA POR MEIA HORA, DEPOIS SAIR ANDANDO ANTES DE EU GOZAR?!
_Meu, na boa... – balancei a cabeça, tentando me segurar – ...não começa, vai.
_“NÃO COMEÇA”, O CARALHO! CÊ ACHA QUE ISSO É CERTO?!
_Espera aí... “certo”?! MANO, QUE CÊ QUER DE MIM? – levantei a voz, estourando – CÊ QUER QUE EU TE COMA?! É ISSO? É ISSO QUE VOCÊ QUER, PORRA?? ENTÃO TÁ! VAMOS LÁ!! – marchei de volta para o carro e abri a porta bruscamente – ENTRA AÍ!
_Não, eu não d...
_QUÊ?! QUER ROMANTISMO AGORA, PORRA?!
 
Bati a porta, de novo.
 
_NÃO! EU SÓ QUERO ENTENDER PORQUE VOC...
_Olha, na boa, você não quer entender... – resmunguei, sem paciência alguma, passando por ela na calçada – ...o que você realmente quer, garota, eu não tenho.
_AH! É ISSO, ENTÃO?!? – ela gritou na minha direção – CÊ SIMPLESMENTE VAI SAIR ANDANDO??
_É.

abril 08, 2011

O ato em si

É. Era estranho beijá-la. Metidas no banco de trás do carro, parado ali no meio da rua, às quase seis da manhã de um domingo. Sentia alguma coisa fora de lugar na minha cabeça, como quando se tem a impressão de estar esquecendo algo – as chaves ou a porra da consciência. Mas a beijava de novo, e de novo, me forçando por cima do seu corpo, apertando as suas coxas e erguendo o vestido até a sua cintura, como se tivesse que continuar até terminar o que aceitei fazer naquele carro.
 
A verdade é que eu já nem sabia o que estava acontecendo. Quando se está tão bêbada quanto eu realmente estava, suas ações assumem um estado arriscado de inércia. Disparam em linha reta. Pensar a respeito, uma vez que se começa a fazer merda, e de fato mover-se no sentido contrário requer muito, muito mais do que um mero “incômodo” lá no fundo da sua mente. Então eu continuava ali, como se machucasse a mim mesma. Silenciosamente. Em cada beijo que dava naquela boca que eu não queria, naquele pescoço que eu não queria – definitivamente não queria.
 
Cacete.

Abertas, as pernas dela se apertavam contra o meu joelho, apoiado ali no banco, enquanto eu subia em cima da Isa. Minha coxa se forçava contra ela e os seus lábios se apertavam nos meus em resposta, mordendo a minha boca e me puxando pela nuca, com ambas as mãos, enroscando os dedos no meu cabelo. Podia sentir o ar se tornando abafado, úmido, conforme os minutos se passavam, trancadas ali dentro. E antes que pudesse me dar conta, eu já estava suando, me enroscando cada vez mais intensamente nela no banco de trás.
 
Todas as janelas estavam fechadas. E eu podia sentir a tequila fervendo no meu cérebro, nas minhas veias, beijo atrás de beijo. Cada vez mais molhados. Entrava e saía de mim, nuns lapsos de consciência, como se me sufocassem a realidade. Com a minha... minha mão metida na... é, entre as pernas dela. Aí a tirei, de repente, sem pensar, e arranquei a minha camiseta – passando o tecido de qualquer jeito no rosto, secando o suor. Joguei-o no chão do carro e voltei para cima dela, sem ideia do que estava fazendo.
 
Os vidros começavam a embaçar e a temperatura subia progressivamente. As mãos dela deslizavam pelas minhas costas suadas e as minhas terminavam de tirar a calcinha enrolada no meio das suas coxas. Os meus dedos entraram nela e ela me pegou pelo pulso, como se me obrigasse mais para dentro. Fechou os olhos lentamente, com a boca entreaberta – se contorcendo enquanto eu a fodia. Puta merda, mano. Senti minha cabeça latejar, naquele calor desesperador.

Ergui os olhos e vi o céu clarear pela janela. Caralho, eu vou... acabar... s-sendo pega... aqui, fiz certo esforço para concluir o pensamento, tentando me manter minimamente sóbria. Não conseguia. Sua mão me puxou o rosto de volta e a beijei, nuns apagões violentos que me doíam a cabeça. O meu braço se movia entre nossos corpos, quase automaticamente, a comendo sem qualquer vontade. A sua boca machucava o meu pescoço, me enchendo de marcas roxas. E eu pensava na Mia, me torturando – mas continuava.
 
Numa estupidez contraditória irremediável, me movia em cima dela. Merda. E ela me puxava para si, com uma das pernas ao redor da minha cintura, descendo as mãos pelas minhas costas, arranhando a minha pele deliberadamente. Seus dedos encontraram caminho pela linha do meu jeans até o zíper. Nem pensar, garota. A segurei, na mesma hora. Ela riu e me olhou, intrigada. E sem tirar os olhos dos meus, num atrevimento que era para ser provocante, se soltou de mim. Aí insinuou o corpo para frente, me beijando, e veio mais uma vez. Insistindo.
 
Parei de beijá-la, de novo. Inferno. E olhei para baixo, para a sua mão sobre o zíper da minha calça – a centímetros de onde ela realmente queria chegar. A Isa sorriu, meio sem graça, notando a minha expressão séria, e tirou as mãos de cima de mim. Desviou o olhar por um instante, depois tornou a me encarar. E aí perdi, de repente, toda a pouca vontade que ainda tinha de estar ali com ela. Escorreguei minha mão para cima de novo, para fora dela. E me inclinei para trás.

_E-eu fiz alguma coisa?
_Não... – respondi, sem paciência, procurando a minha camiseta no chão do carro.