“Vc me deixa meio boba...
como pode? rs”. Olhei a mensagem dela, já pela terceira vez, e sorri.
Estiquei os pés sobre o apoio lateral do sofá e traguei mais uma vez. Dei uma
bola e segurei o haxixe no pulmão por alguns instantes, com o corpo largado
contra as almofadas. E então deixei que a fumaça saísse. O sol começava a se
pôr do lado de fora da Frei Caneca, aos poucos preenchendo o cômodo todo com um
tom alaranjado. Tinha pedido demissão e passei o resto da tarde conversando com
a Patti, que agora colocava um sorriso no canto da minha boca.
Aquela tarde de quinta estava tranquila. E eu estava feliz por não
ter que trabalhar até segunda. Abri o campo para uma nova mensagem e digitei o
número do celular da Marina, decorado uns anos antes. “Qdo vc ñ consegue
parar de ler uma msg, eh q c ta meio apaixonadinha, neh?”, digitei e hesitei.
Ah, não. Não dava. Por mais que fosse a Marina, que eu sabia que ia adorar
receber esse tipo de fofoca, eu
não podia mandar aquilo assim. Deletei tudo, de uma só vez, e comecei de novo:
“Ñ consigo parar de olhar a msg de uma garota”.
Mandei.
E a Marina, claro, respondeu no mesmo instante, antes que
eu levasse mais uma vez o baseado à boca. “QUE GAROTA????? :) :) :)”, em
letras maiúsculas e exageradas. Comecei rir sozinha – mas cê se empolga, hein, Marina. Ainda não tinha
contado direito sobre a Patti para ela, só mandei uma mensagem bêbada do Vegas,
falando que consegui o emprego e que estava comemorando aos beijos com minha nova
namoradinha de balada. Sem muitos detalhes. Dei mais um trago e respondi quem
era. “Mas essa ñ é a q vc conhece faz, tipo, um dia?”, ela me questionou.
“E daí?”, soltei a fumaça no ar, despreocupadamente.
O meu cabelo começava a bagunçar de tanto tempo largada ali no sofá.
Me curvei sobre a mesinha de centro e deslizei suavemente uma das pontas do
baseado na parede do cinzeiro, fazendo com que as poucas cinzas formadas
caíssem. Ainda estava com o celular em mãos, mas a Marina não me respondia.
Larguei-o sobre a mesa. Aí traguei mais uma vez e decidi parar naquela – haxixe batia mais forte em mim. É.
Mais um pouco e eu ficaria realmente chapada. Soprei a fumaça para o lado e o
apaguei no cinzeiro, apoiando-o na borda. O celular vibrou sobre a mesa – “vc
ñ acha q pode ta projetando um pouco, linda? :-/”.
Projetando
o quê, meu?!
Me ofendi, na mesma hora. Afundei o corpo contra o sofá e bufei,
olhando a tela do celular. Não
precisava desse tipo de comentário. Não vindo da Marina. Achei que cê ia
ficar animada, porra. Neste mesmo instante, o Fer entrou no apartamento com
as roupas do trabalho, carregando umas sacolas de mercado nas mãos. Me
cumprimentou de longe e deixou as chaves sobre a mesa ali ao lado, atravessando
então para a cozinha. Pouco depois, voltou pra sala. Começou a falar e eu me virei
para olhá-lo, ali em pé, atrás do sofá, tentando abrir um pacote com os dentes.
_E aí... – me perguntou, quase indecifravelmente, com a boca ocupada
– ...pediu demissão?
_Pedi.
_E foi de boa?
_Ah, mais ou menos. Meu chefe ficou meio puto, falou que eu tava largando ele
na mão, e depois veio com um papo de que já tava pensando em me cortar mesmo...
Foi um babaca.
Notei mais uma mensagem da Marina chegar no meu celular, largado sobre a mesa,
mas não peguei para ler. Não quero saber. O Fer finalmente
conseguiu abrir o pacote e se sentou na poltrona, ao lado do sofá, olhando para
o meu celular aceso.
_Hum... – o indicou com a cabeça – ...num vai responder?
_Ah, não, é a Marina me dando bronca...
_Ê laiá – ele riu, comendo uma bolacha – Quê que cê fez agora?!
_Eu? Nada! Ela tá achando ruim só porque tô gostando de alguém...
_Quem?
_Ah... – me espreguicei, enquanto falava, esticando o corpo contra
o encosto – ...uma mina aí.
_Não, jura?! E cê resolveu inovar também em... sei lá... outras
áreas da sua vida?
_Babaca – eu comecei a rir dele e peguei o celular para ler.
“Flor, ñ se chateia. Eu só acho q vc devia ir com calma e ver
se... se é isso msm, sabe?”, a Marina tinha me escrito. Argh. Fechei
o celular e larguei na mesinha de centro, de novo.
_Mas conta aí... Que menina que é?
_Ah, aquela lá do Vegas... – sorri – A Patti.
_Nossa, mano, mas cê já tá gostando dela?
Então ele me olhou, como se estranhasse, arregalando os olhos por
um instante. Quê? Aí levantou as sobrancelhas, dando de ombros – como se
dissesse um “então tá” conformado. Não entendia a porra da reação das pessoas à
minha volta. Qual é agora?! Não era
como se eu nunca tivesse me interessado por ninguém, na minha vida toda. Ainda
que, tá... eu só conhecesse ela há um
dia. Mas, e daí? Me deixa,
porra. Finjam menos surpresa, menos relutância, me emburrei, afundada no sofá.
Sejam
educados, caralho.
Balancei a cabeça e parei de olhar na direção do Fer, desviando o
olhar pro chão. Isso é ridículo. Quem
são vocês pra ficar me julgando? Aliás, quem é a Marina pra ficar supondo teorias
a meu respeito? Sobre o que eu sinto ou não por uma garota? Eu tô bem, porra. E
tô bem há meses. Agora não posso me interessar por ninguém? Vai se foder! Eu
gosto de falar com a Patti. E isso não quer dizer nada. Nada! Não é como se,
como se a garota estivesse substituindo a porcaria da Mia na minha vida. No meu
coração. Inferno.