Dois dias depois, comecei a me perguntar se tinha feito
merda. A Clara não me respondia desde a minha ida-surpresa ao seu apartamento,
o que me fez cogitar se a minha declaração desajeitada a tinha assustado. Inferno,
olhei para a tela do celular pela terceira vez naquela manhã de domingo, sem qualquer
resposta. Por que diabos eu fui até lá?, me frustrei, largando o celular
ao meu lado.
Estava deitada no sofá da Thaís, onde tinha passado a noite
depois de alguns baseados e um filme terrível que assistimos na TV. Talvez
ela só precise de um pouco de espaço, pensei, enquanto minha cara era
lambida pelo Bruce. Nosso relacionamento era diferente de todos os que eu já tinha
tido – eu sabia que a Clara gostava de certas liberdades tanto quanto eu. E eu
amava aquele seu jeito desencanado, de quem sequer gosta de dar nome aos bois,
zombando dos apaixonamentos alheios, enquanto a gente mesma não conseguia se
largar. Nuns afetos que eram, ao mesmo tempo, livres e absolutamente
compulsivos.
A gente se entendia, se gostava. Não sei explicar. E
isso tornava ainda mais difícil não receber qualquer notícia sua depois que eu
fui até a casa dela só para dizer que “gostava mesmo” dela – isso e o peso na
consciência que eu estava sentindo pela discussão com a Mia. É. De
muitas maneiras. Argh. Para a minha decepção, quando meu celular
finalmente tocou, era só o Gui. “C ta em casa?? preciso duma caminhao,
urgente!”, dizia o SMS dele. Eu li e achei graça, digitando de volta – “to
umas quadras pra cima, fala ai”. E logo veio a explicação: “queimou meu chuveiro
kkkk”.
Ah, fala sério.
“Ta me zoando?? vc ñ sabe trocar resistencia,
guilherme??”, comecei a rir. “q?? ñ me julgaaa! pfvrzin, vou ver o
bofe.. preciso tomar banho!!”. “e ele ñ pode fazer pra vc? ja testa o chuveiro
com ele dps... ;)”. “ñ confio em macho fazendo isso, qro minha sapatao!!”. “rs
daqui a pouco to ai!”. “c tem furadeira? Podia ja me ajudar a por a estante tb,
neh?”. “ñ, mas to na casa da thais...”, digitei, enquanto levantava do sofá,
“vou ver se ela tem”. Caminhei até o quarto da minha amiga, que dormia
só de cueca preta e regata num colchão de viúva, com todas as tatuagens de fora,
e bati na porta aberta.
_Bora levantar... – falei alto, a acordando – ...temos que
resgatar um viado lá no Centro!
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