_Desculpa, demorei? – murmurei, entrando no carro abarrotado de
caixas, com o som do pisca-alerta tiquetaqueando no painel.
_Não, de boa...
Assim que bati a porta, o Fer abaixou o freio de mão e saiu com o
carro. Não demoramos muito para atravessar a cidade até Santo Amaro, já que o trânsito
dava certa trégua aos domingos. Não levamos mais do que vinte minutos. Mas isso
não impediu, claro, que o pai do meu
amigo nos recepcionasse com um comentário desagradável logo de cara.
_Você disse que vinha na hora do almoço, Fernando – ele resmungou,
abrindo o portão – São três e meia, sua mãe ficou esperando! Se já vai começar
assim, a gente vai ter um problema...
O Fer não respondeu nada, apenas bufou em silêncio do meu lado,
sem que o velho ouvisse, conforme tirávamos as amarras do colchão. O carro
estava estacionado diretamente em frente à casa dos pais dele, numa rua calma do
bairro. Descarregamos tudo em pouco menos de meia hora e as pilhas se
acumularam do lado de dentro – era estranho estar de volta ao antigo quarto do
Fer, anos depois do fim do colégio.
_Não, de boa...
Ficamos parados, por alguns instantes, naquele cômodo vazio. Sem
dizer nada. As caixas aglomeradas num canto, o sentimento de abandono no resto
do quarto. O Fernando passou a mão na parte de trás da cabeça, escorregando os
dedos entre os fios raspados, com as tatuagens no braço. Estava visivelmente
nervoso. Perguntei se queria ajuda para montar a estrutura da cama e ele topou
– como quem não tem nada melhor para ocupar a cabeça.
Começamos a separar as vigas no chão, agachados. E o clima pesou.
Era triste estar, estarmos ali. Depois de
tanto tempo, de tudo que passamos.
Olhei para cima, para ele, assim que começamos a montar o estrado. A ressaca
enfraquecia os meus braços, que encaixavam peça a peça de madeira com certa dificuldade.
Ele me ajudava, no lado oposto, com a expressão séria. Como se tivesse algo
engasgado do peito. Nenhum de nós queria estar ali – eu o queria de volta no apartamento.
Arrumamos a estrutura da cama, trazendo o colchão para o quarto,
sem dizer uma palavra. E ao final, sentamos para fumar um cigarro contra a
parede. Esticamos as pernas no chão. Ele tirou o tênis, empurrando um pé
noutro, e ficou apenas de meia. Ao meu lado. As primeiras tragadas foram em
silêncio. Eu observava o rodapé e o piso escuro de madeira, aquele espaço que
encolhera com os anos, numa nostalgia estranha.
Aquele era o quarto onde ouvimos CDs de punk trasheira durante toda
a nossa adolescência, onde fumamos maconha escondido tantas vezes. E onde falei
para ele, pela primeira vez, que curtia meninas. Moleque, com as pernas
cruzadas e a cabeça baixa na minha frente, ele murmurou um – “pra valer?”. E eu
disse que não sabia, que não tinha pensado direito a respeito. Muitos anos
antes.
E agora, em outra realidade, com outras cabeças por completo,
dividíamos um cigarro sem falar o que tanto ele, quanto eu, queríamos de fato
dizer um para o outro.
_Vai ser estranho... – hesitei para começar, num sussurro
relutante e incômodo – ...sem você lá, depois desse tempo todo.
Eu falava baixo, quase para dentro. E o Fer me ouvia sem desviar o
rosto do chão. Nós dois éramos, provavelmente, as duas piores pessoas no mundo
quando se tratava de sentimentos. Eu nunca dizia o quanto o amava, o quanto todos
aqueles anos morando juntos me mudaram. Todo peso dele na minha vida pela
última década. Você, porra, você é o meu melhor
amigo. E não o ter mais por perto todos os dias, de repente, me deixava
mais insegura do que eu era capaz de admitir naquele momento. Ainda assim, eu
insisti:
_Cara, eu vou sentir sua falta. Eu sei... q-que a gente andou
brigando esses dias, que eu me afastei às vezes... – relutei em dizer, sabendo
que o motivo inconsciente por trás de todas as vezes que nos distanciamos, nos
últimos dois anos, era a Mia – ...mas, sei lá... e-eu... acho que não sei mais
viver sem você no quarto do lado ou na rua debaixo, eu...
_Mano... – ele suspirou, desconfortável, se reajeitando contra a parede e tragou, soltando a fumaça pro lado – ...não começa com essas bichices, velho. Já... – lamentou – ...t-tô na merda pra caralho, meu. Se logo você for...
_Hum, diz, se eu o quê... – eu ri e o empurrei com a lateral do corpo, mudando o clima da conversa – ...cê vai chorar?
_É, vai brincando... – ele riu também.
_Mano... – ele suspirou, desconfortável, se reajeitando contra a parede e tragou, soltando a fumaça pro lado – ...não começa com essas bichices, velho. Já... – lamentou – ...t-tô na merda pra caralho, meu. Se logo você for...
_Hum, diz, se eu o quê... – eu ri e o empurrei com a lateral do corpo, mudando o clima da conversa – ...cê vai chorar?
_É, vai brincando... – ele riu também.
Eu sabia que aqueles meses na casa dos pais, em especial o convívio
com o velho, não eram fáceis para o Fer engolir àquela altura. Metendo o
orgulho goela abaixo, na segunda metade dos seus vinte anos. E conforme eu me
despedia dele, já na porta, a certeza de que aquilo não era tão mais fácil para
mim se concretizou. Como um peso desgraçado, que há semanas eu vinha evitando dentro
de mim, a cada passo que eu dava. Numa vontade angustiada de não voltar para o
apê pela primeira vez sem ele. O nosso apê.
Desci até o ponto de ônibus, me sentindo estranha. Sozinha. Maldição,
passei as mãos no rosto e acendi outro cigarro. Eram talvez sete, oito da
noite. Senti uma necessidade desesperada de estar com alguém. Mas a Clara
estava a quilômetros de São Paulo. E não podia ligar para a Mia – é, num senso distorcido de respeito ao meu momento
com o Fer. Então, digitei o número da única outra garota que eu sabia que
me confortaria. E ela logo atendeu, do outro lado da linha.
_Meu... – suspirei, chateada.
_O que aconteceu, flor?! – ouvi a voz preocupada da Marina.
_Dorme comigo hoje?
_O que aconteceu, flor?! – ouvi a voz preocupada da Marina.
_Dorme comigo hoje?
Owwwnn... Tadinhos!
ResponderExcluirSeparações indesejadas são foda! =/
AAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHH. QUE POST! Eu não sei se comento da Mia, do Fer ou da Marina. Meu deus. *-*
ResponderExcluir"Dorme comigo hoje?". Mel quer me matar.
ResponderExcluirEla ligou pra Marina *-*
ResponderExcluirAi que triste a separação deles =/
aIII manoooo que dor!!! to com o olho cheio de lagrimas!! ='(
ResponderExcluirtava com saudade da Marina!
MARINAAAAA <3
ResponderExcluirAdorei!..olha eu me atualizando no blog da Mel. Ok, ainda preciso entender pq o Fer saiu do apto.
ResponderExcluirBy the way, sempre curti a Marina ;)
Tava com saudade da Marina *-* Véi, na boa, que lindo isso *O*
ResponderExcluirSó eu achei LINDA a cena dela contando pro Fer que curtia minas? Os dois adolescentes, amigos ♥
ResponderExcluirCara, quem ela chamo pra dormir ? pffffff né
ResponderExcluirMarina.
ResponderExcluirMel arrasou...começou c Mia e aquela sensação de quero mais de gelar qlq estômago...passou pela agonia da despedida e termina com o gostinho de quero mais com a <3 Marina <3...
ResponderExcluirAIAIAI...de novo ansiosa pelo próximo...
(ANA CURI)
Eu sempre fico com um pé atrás quando a FM resolve falar com a Marina. #MedinhodeUmFlashBack :D
ResponderExcluirA Mia tá mto filha da puta, plmdds. u.u e os dois: Fer e FM é o casal mais lindo do mundo. :D
Só eu achei LINDA a cena dela contando pro Fer que curtia minas? (2) foi demais !!!!
ResponderExcluirMariiiiiiiiiiiiiiiiiiiina *-*
ResponderExcluirA Marina nunca dormiu no apê, desde o começo do blog, sequer lembro dela lá ;s
Deu uma angústia com essa "separação" deles, deve ser tão doloroso. Maldito Fer, tão amável ¬¬
Que triste. =(
ResponderExcluirMarina, claro.
Eu necessito do post com a Marina, tem previsão?
ResponderExcluirMARINA *-* Já tava com saudades dela <3
ResponderExcluireu jurava que ela ia pro ape da Mia! ou pelo menos ligar pra ela!!!!
ResponderExcluirAwwwn que post perfeito cara. *-*
ResponderExcluirAmizade linda demais. E ah, que saudade da Marina. []
Ah cara cara, um post desse abala as estruturas de qualquer um velho. Não aguento. "/
ResponderExcluirAaaah , ah marina. Um post inteiro com ela please.
A marina super abala minhas estruturas tbm cara.
Nossa acho q esse foi o melhor post q vc ja escreveu. Venho sempre aqui no fuckin mia e me surpreendo, mas este foi demais. Parabens mesmo Mel! Nao deve ser facil pra fm q sempre viveu com ele se separar do fer e eu nao tinha me dado conta ate ler este post, de quao dificil vai ser voltr pro ape sem ele. ma decada com ele sempre ali na rua ou no quarto do lado como ela disse eh muito! Imaginei ela conta pra ele q era gay. E de repente nao ter isto...A pessoa perde o chao, ela se tocou tarde demais disto. E a solucao com a marina, o recorrer a ela foi muito sensivel. Queria q tivesse sido com a mia, mas admto q nenhuma das duas opcoes (ela e a clara ) eram possiveis. Nossa post lindo Mel!
ResponderExcluirParabens pelo trabalho de verdade!!
gente adorei o post todo, tem mia, fer e marina =)))
ResponderExcluirNossa muito bom! Muito triste cara, e surpreendente o rumo que as coisas tao tomando...
ResponderExcluirEsse posto foi realmente foda. Conseguiu reunir uma variedade de sentimentos. A Mia sacana e toda saidinha, toda aquela nostalgia em volta da despedida do Fer (que cena linda, da FM contando pra ele que curtia meninas), e no fim, a FM se entregando, quebrando o muro, e admitindo que precisa de alguém e ligando pra Marina. Delirei bonito!
ResponderExcluirMel, a cada dia que passa você me surpreende como escritora.
Eu gosto tanto da Marina *-*
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