novembro 29, 2012

Ininterruptas

O gosto da Mia me contaminava os sentidos. O que você tem, garota, que me desgraça a cabeça assim? Não importava se eram meses ou apenas dias de abstinência dela. Eu ainda sentia a sua falta na minha boca. Nuns estragos à minha pele, à minha sanidade. Fodendo contra o sofá, de novo; na parede do corredor e no chão do meu quarto.
 
E não. Não era nada que faltava à Clara – não sentia que a procurava na Mia e certamente não buscava a Mia nela. Sabia diferenciar as coisas e elas duas, elas eram mundos à parte. Não sei explicar. Não sei como a Mia ainda conseguia encontrar caminhos até mim. Mas as queria de maneiras diferentes, se é que isso é possível. Empurrando a ressaca moral sempre para o dia seguinte.
 
O que não antecipei desta vez, naquela noite, entretanto, foram todas aquelas horas. Na madrugada que se seguiu. Os minutos se passaram, contínuos, sem que precisássemos nos separar – num desenrolar assim, com tempo e para o qual eu não estava preparada. Desde que aquela confusão começou, estávamos sempre nos escondendo, na sua casa, na minha, atrás de portas e em banheiros, pistas escuras.
 
Agora não. A beijava com a intimidade que o apartamento vazio e aquele tempo todo, de repente, nos permitiam. Com calma. Sem me afobar. Ainda que já estivesse exausta, horas depois, caída no meu colchão, mas sem conseguir realmente parar, nos enrolando, com a boca invariavelmente uma na outra. E a porta destrancada.
 
Aquela foi a primeira vez que a Mia deitou comigo para passar a noite, assim, na minha cama. E não no quarto ao lado.
 
Meus dedos denunciavam conhecer os seus contornos. E o sol começou a nascer pela janela do quarto. As nossas pálpebras já pesavam, sonolentas, quando ela encostou o seu corpo despido contra o meu. Quase adormecendo. E eu soube, naquele instante, que estava com um problema. Pude sentir cada centímetro da sua pele, abraçada comigo, enquanto encarava o facho de luz que começava iluminar o teto e o meu coração disparava dentro do meu peito. Eu sabia que aquilo não mudava nada, a Mia ainda estava com o Fer, eu sabia, mas ainda assim a segurei perto de mim. Como se por um instante pudesse ser sempre assim.
 
Algo me parecia diferente, não sei. Tê-la ali na minha cama, nos meus braços. No meu quarto. Numa liberdade que nunca tivemos. E isso me fazia querer ficar. Com medo das voltas erradas que o meu coração dava, meio à beira do precipício, é, mas ainda assim não a queria soltar. Apegada, de repente, à possibilidade do que seria uma vida juntas.
 
Não sei. Não sei, porra. A, a gente sempre estava bêbada demais ou com, com tempo de menos para aproveitar momentos como aquele. E desta vez, não – estava tudo calmo. Sabe? Àquela altura, o suor já secava sobre nossa pele e o cômodo era tomado pela brisa das seis da manhã, que entrava sorrateiramente pela janela. A Mia ajeitou o rosto no meu ombro, também cansada, e apertou as mãos ao redor do meu corpo.
 
_Hum. Isso é gostoso... – murmurou.
_É... – sorri.
_Por que a gente...
_Hum?!
_Por que não fizemos... isso... d-da outra vez?
_Porque... – hesitei por um instante, sentindo meu peito apertar, porque você foi dormir com o Fernando aquela noite e eu acordei sozinha, Mia, pensei; mas sabia que o questionamento pouco tinha a ver com a verdade, não tinha todas as ramificações racionais que normalmente teria, era mais uma vontade inconsciente de estar junta do que de realmente saber, de ouvir o que já sabia da minha boca, e então me segurei; por algum motivo, agora que a tinha nos meus braços, a real é que pouco me importava com quem dormíamos quando não estávamos juntas, porque eu a queria ali, nós nos escolhíamos, de novo e de novo, e não quis lhe responder por impulso, uma vez na vida, notando os seus olhos já quase fechados sobre o meu ombro; olhei por cima do travesseiro e vi o relógio, que marcava 6:07, sabendo que eu tinha que acordar dali a menos de duas horas, aí puxei a Mia mais para perto e a abracei, com um carinho impensado – ...nada, vem. Vamos dormir, linda.

novembro 25, 2012

Vem então, caralho

Puta merda, respirei fundo e esfreguei a mão no rosto, desconcertada.
 
Não fala assim, desgraça, olhei de volta para a Mia. Observando-a colocar aquela sua boca ao redor do cigarro. E caralho, não queria me deixar levar de novo – mas quase conseguia sentir o seu calor ao redor dos meus dedos, numa lembrança nada silenciosa de dias antes. Da sua respiração ofegante contra a mesma porra de sofá onde estávamos sentadas agora, enquanto a música se misturava aos nossos gemidos, ao som do meu coração batendo forte no meu peito. Engoli seco. Senti a temperatura do meu corpo subir – “foi, é?”.
 
E a Mia sorriu. Aí tirou o filtro da boca, me encarando de volta:
 
_Tinha esquecido como era com você...
 
Maldição. Senti meu coração negociar com a minha cabeça e a situação começou a sair do meu controle. Numa curiosidade cretina. E olha, até que eu estava indo bem até então, não tinha intenção de realmente trair a Clara quando abri a porta para aquela desgraça de mulher, não de novo, mas... porra.
 
_Hum – apoiei a cabeça no encosto, virada para ela – E como que é comigo?
 
Perguntei, curiosa. Aí a Mia deixou um sorriso escapar no canto da sua boca. Eu já não conseguia tirar os olhos dela. Coloquei a mão sob minha própria camiseta, a deslizando lentamente pela minha barriga – numa vontade inconsciente de tocar a pele dela. Então a Mia se moveu na minha direção, devagar, deslizando os joelhos pelo sofá. E eu sabia o que ia acontecer a partir daí, inferno, assim como sabia dias antes. Ela subiu no meu colo, com o cigarro aceso entre os dedos. E eu deixei, cacete. Deixei.
 
Se curvou sobre meu rosto, como quem ia me beijar, mas sem realmente o fazer – com os antebraços apoiados no encosto atrás da minha cabeça. E seus lábios se entreabriram, me instigando. Filha da puta. Com a boca a centímetros da minha, naquele ir e vir delicioso, sabe como? Criando tensão. Nuns segundos que pareciam só aumentar a expectativa de um beijo entre nós. Naquele jogo de hesitação. E então respondeu, a meio centímetro de mim, sussurrando no meu ouvido – “você sabe como”.
 
E sem tirar os olhos dela por um segundo, já com um tesão desgraçado, comecei a abrir o meu cinto.

novembro 24, 2012

Ensemble rime avec désordre

_Ah, não quero?
 
Ri e a encarei de volta. Então, a Mia deixou as suas mãos escorregarem de leve pelo sofá, se aproximando casualmente de mim. Fica aí, desgraça.
 
_Não – me provocou.
_Sei.
_Liga lá, vai... – sugeriu baixinho, sorrindo – ...cancela.
_Não posso, Mia.
_Claro que pode.
_Não vou fazer isso, meu.
_Eu faço pra você... – brincou.
 
E eu achei certa graça na audácia dela. “Se aquieta, vai”, resmunguei, ainda determinada em terminar meu jantar e dar o fora dali. Continuei comendo e a Mia se reajeitou no sofá, um tantinho mais perto de mim. Depois mais um tanto. Foi se aproximando e arrancou um sorriso inconformado de mim. Mano, a encarei de volta, essa situação já tá absurda. Ela riu. E eu passei a mão no rosto, tentando manter a sanidade, me virando para continuar comendo. Mas aí a Mia chegou mais perto ainda, claro. E os meus olhos penetraram os seus, involuntariamente apaixonados. Cacete.
 
Comecei a ficar tensa. Então suas mãos ardilosas tiraram o prato do meu colo, sem pedir autorização, e o largaram na mesinha de centro, colocando as pernas em seguida sobre as minhas. Cada vez mais descobertas naquela camiseta preta, puta merda. Comecei a rir de novo e fiz um movimento, então, para pegar de volta o prato, me curvando na direção da mesa – mas suspirei na metade do caminho, bloqueada pelas suas pernas. Não posso nem comer agora? É assim?
 
A Mia arqueou a sobrancelha, me provocando. A minha lasanha esfriava à distância. Maldição. Sem pensar, pousei as mãos em seus tornozelos conforme encostava de novo no sofá. E ela me olhou, ali, com os dedos acidentalmente sobre a sua pele tatuada. Sorriu com o cantinho da boca, quase vitoriosa. E aí se reacomodou mais uma vez, ficando mais próxima ainda de mim. Então se espichou e alcançou o meu celular, que estava largado do outro lado do meu quadril no sofá.
 
_Que cê tá fazendo? – ri dela, sorrateiramente mexendo nas teclas, com a tela virada para si para que eu não visse.
_Avisando que cê não vai...
_Ah, tá! – ri mais ainda, esticando a mão para que me desse o telefone imediatamente – Vai, Mia, pode parar de graça...
_Não se preocupa... – ela sorriu, digitando – ...tá tudo sob controle.
_Mia...
_Relaxa, ninguém vai perceber. Tô escrevendo igual a você, ó!
 
Ah! Essa eu quero ver, me diverti, apoiando a nuca no encosto do sofá. E estiquei mais enfaticamente a mão para que me entregasse a droga do celular. Ela mandou que eu esperasse, disse que já estava terminando. “Cê não vai mandar isso”, a adverti, com uma das mãos ainda sobre suas pernas, rindo, “me dá o telefone, Mia”. E ela me entregou, sem valer um centavo, com a pontinha da língua entre os dentes.
 
_Que absurdo! – olhei para a Mia assim que li, com todo o meu desprezo, e ela riu – Eu não falo assim!
_Claro que fala! Como não? Olha aí... – apontou para a mensagem, ainda aberta nas minhas mãos, se divertindo com os meus modismos – ...“foi mal”, “mano”, “uma parada aí”.
 
Balancei a cabeça, indignada, me divertindo. Besta. E ela deitou levemente o corpo para trás, se apoiando sobre os seus cotovelos no sofá. Encarei as minhas mãos na sua perna e logo, ao lado, a pantera old school que ela tinha tatuada na canela. Uns centímetros de pele acima, vinha uma flor e então um escorpião. Estava com as pernas esticadas sobre o meu colo e a cabeça caída para trás, à toa. Os seus joelhos tinham uns hematomas roxos feios, já meio esverdeados, que só então eu reparei.
 
_E esse machucado todo aí, meu, o que aconteceu?
 
Passei os dedos sobre sua pele, carinhosamente. E ela sorriu.
 
_Hum. Foi a gente, aquele dia lá.
_A gente?!
_É...
 
Tirou as pernas de cima das minhas, achando graça e se curvando para pegar o meu maço sobre a mesa. Aí acendeu um cigarro e soprou a fumaça para o lado, concluindo com a maior naturalidade:
 
_...quando cê me comeu de quatro contra o sofá.

novembro 23, 2012

[ ENCONTRO 2012 ]



3 ANOS DE BLOG!
...e a gente, claro, vai comemorar no BOTECO!

Encontro oficial de leitoras, escritora e sapatonas que quiserem vir. Em homenagem ao primeiro encontro, vai ser de novo no Ibotirama, bar de esquina conhecidíssimo da Augusta. No dia 8 de dezembro (sábado), teoricamente às 17h – mas está rolando uma enquete lá no Facebook, vão lá votar, rs.

Confirmem participação no evento no Facebook.

Meninas que não são de SP: tá rolando oferta de sofás lá no grupo do F.M., vejam se descolam uma vaga comigo ou com as outras paulistanas. Tragam os fígados preparados e os All Stars nº 44, deixem a decência em casa. Vai ser lindo.

Veeeeeeeenham!

novembro 15, 2012

“You met Mia yet?”

(Pulp Fiction)

Girei a maçaneta. E com suas mãos apoiadas no batente de madeira, lá estavam eles – os meus incontáveis meses de erro consciente, agora batendo à minha porta. Literalmente. A Mia sorriu para mim, num camisetão preto do Misfits que ela cortou as mangas para transformar em regata. Meio vestido. Sem perceber a inconveniência da sua presença ali, naquele instante – com as pernas de fora naquela desgraça e com seu coturno surrado nos pés, os cabelos castanhos soltos –, enquanto minha lasanha queimava no forno e eu metia a carteira no bolso de trás da calça, já pronta para sair.
 
_Mia? – ri, surpresa – O que... cê tá fazendo aqui?
_Tô atrapalhando?
_Não. É que, ahm...
_Bom, cê disse que eu podia vir te visitar... – ela arqueou as sobrancelhas, com um sorriso imprestável, e os meus olhos se perderam por um segundo ali, indefesos – ...quando eu quisesse, não?
 
Droga.
 
Eu tinha mesmo dito. Dias antes, alcoolizada como um gambá e sem um pingo de autopreservação, no chão da sala, tagarelando sobre o quanto “claro” que ela podia “aparecer” quando bem entendesse. Mas que inferno. Eu tinha causado aquilo na minha própria vida. Comecei a pensar em como ia me livrar daquela cilada. Tinha passado a semana inteira com a Clara e queria fazer as coisas direito – mas também sabia o que meu coração tinha sentido naquela madrugada na sala com a Mia e não confiava inteiramente em mim mesma para ficar sozinha, assim, com ela. Cacete.
 
_Na real, e-eu... – passei a mão na nuca e a olhei, parada espontaneamente na porta do meu apartamento numa sexta à noite – ...tava pra sair, ia... só jantar ant...
_Ah, tudo bem... – ela piscou para mim, como quem não vale um centavo, e foi entrando – Te faço companhia!
 
Merda. Empurrei a porta de volta e fechei a maçaneta, enquanto a Mia caminhava sala adentro. Isso não tá acontecendo, argh. Ela largou a mochila sobre o sofá, como se tivesse vindo direto de algum outro lugar, e foi em direção ao corredor. Assim que pisei na cozinha, logo atrás dela, o meu celular apitou em cima da mesa. Peguei-o rapidamente e chequei a mensagem no visor – “é o Gui”, murmurei, “preciso me apressar”. Larguei o telefone de novo e fui até o fogão, abrindo a porta do forno.
 
_Hum, então cê tava mesmo de saída... – a Mia fez graça, sondando.
_Ainda tô – me agachei na frente para checar a lasanha.
 
Ela me olhou, abaixada a alguns metros dela, e riu. Podia senti-la no cômodo, movendo-se milimetricamente atrás do meu ombro. Caía a minha ficha agora de que, sem o Fernando no apartamento, as minhas desculpas para fugir da Mia se tornavam escassas. Fechei a porta do forno e coloquei a travessa quente sobre uma das bocas do fogão, erguendo-me do chão. A Mia me observava, apoiada contra a mesa da cozinha. Perguntei se tinha fome e ela disse que já tinha comido, que estava vindo da casa da Michelle.
 
_Hum – ri e alcancei um prato no armário sobre minha cabeça – Aquela sua amiga que me adora?
_Essa.
_E você contou... – a olhei de relance, colocando um pedaço no prato – ...que tava vindo aqui?
 
A Mia sorriu, sem responder, arqueando as sobrancelhas com os braços cruzados em frente ao corpo. Isso é um sim ou um não?, achei graça. Caminhei até a geladeira para pegar uma garrafa de Coca. E quando virei de novo, notei que a Mia tinha desviado o olhar para os próprios pés, ainda sem me responder, então comecei a rir. “Está certo”, disse para ela, balançando a cabeça, antes de sairmos para sala.
 
Nos sentamos no sofá, numa cumplicidade de quem nunca realmente se afastou. Em todos aqueles anos. E eu comecei a comer – mas por trás de toda aquela conversa jogada fora, uma garfada atrás da outra, a sua presença me inquietava. Era estranho. É. Tê-la sentada ao meu lado, ali, tão abertamente, em plena sexta-feira à noite. No meu apartamento vazio. E como alguém que ainda sente coçar uma mão ou perna que perdeu, sentia que a qualquer momento o Fer entraria naquela sala. E nos veria. Ainda que o seu quarto estivesse vazio e todas as suas coisas tivessem sido levadas, era difícil me sentir totalmente confortável.
 
E não é nem como se estivesse fazendo qualquer coisa errada – estava só comendo meu jantar. Já a Mia, sentada a certa distância de mim, comentava revoltada sobre uns colegas de classe que tinham virado discípulos dum professor babaca no Mackenzie e eu ria da sua indignação. Nada acontecia ali. Mas a questão, com nós duas, é que sempre estava lá. Algo. Nas entrelinhas. Eu simplesmente não podia baixar a guarda.
 
O problema foi que, aí, ela levantou as pernas. Abraçou os joelhos em frente ao corpo e pisou com os coturnos sobre o sofá. E o meu olhar escapou para o lado, num reflexo, a vendo ali, naquele pouco pano todo – é. O tecido da camiseta escorregou pelas suas coxas e juro, não tinha porra de shorts nenhum embaixo. Me arrependi imediatamente de tê-la deixado entrar.
 
Céus.
 
Foi um descuido que durou só um segundo. Nem isso. Mas os olhos da Mia cruzaram com os meus, conforme eu desviava da porra das suas pernas, como se nada tivesse acontecido. E ela sorriu, meio em silêncio, interrompendo o que estava dizendo. Se dando conta. Merda.
 
_Hum... – se divertiu – ...tô achando que você não quer sair, não.

novembro 13, 2012

Sumiço

“E ai, sapatao?? ta viva??”, o Gui me mandou na sexta, depois de eu não desgrudar da Clara por dias – apaixonadas e obsessivas, como se precisássemos compensar todo tempo longe. Tinha acabado de responder um SMS do Du, confirmando a sua mudança no dia seguinte, quando recebi o do meu amigo, lá pelas seis da tarde. Estava a caminho do metrô e digitei, achando graça – “bora fazer qqr coisa hj? me avisa qdo sair do trampo, rs”.
 
Não me respondeu de imediato. Mas duas estações e algumas quadras depois, cheguei em casa já sem intenção de ficar muito. Tomei um banho rápido e coloquei um pedaço de lasanha no forno para tapar o estômago. Depois voltei para o quarto para me trocar. Seja qual for a ocasião, melhor ficar pronta. Já estava terminando de fechar o cinto, por cima dum jeans e debaixo duma camiseta branca, quando a campainha tocou.
 
Mas que...?

novembro 11, 2012

[ CONTEÚDO EXCLUSIVO ]

AVISO: Os próximos dois posts foram escritos exclusivamente para o livro do Fucking Mia e não estão disponíveis aqui. Os títulos são “Vermelhas” e “11 motivos”.   
 
O livro do Fucking Mia está sendo preparado com muito carinho, em comemoração aos 10 anos de blog. O novo conteúdo está sendo escrito desde meados da pandemia e a ideia é lançar em breve! ♥ 
 
Se você quer ser avisada(o) sobre o lançamento do livro, deixe seu e-mail aqui:
 
 

novembro 10, 2012

Círculos

A quase uma hora e meia do fim do meu expediente, no dia seguinte, eu já tinha lido a mensagem da Mia aproximadamente 354 vezes. Mas, num instante, a coisa toda mudou – “chegamos em sp!”, a Clara me mandou às 16:20. Não ouvia dela desde sábado. E por algum motivo, saber que ela estava de volta na cidade me fazia sentir como se tudo fosse ficar bem.
 
Me levantei da cadeira e sorri, já digitando – “onde vc ta? qro te ver :)”. E indo inventar qualquer desculpa para a minha chefe para sair mais cedo. Que se dane. Minutos depois, com a devida permissão, vazei da produtora. E antes das cinco, já estava chegando em casa. Acendi um cigarro em frente ao meu prédio, sentada no meio fio, a esperando chegar. Vem logo, meus olhos acompanhavam o trânsito, ansiosa para dar o primeiro beijo do ano na Clara.
 
E assim que vi ela descer do táxi, do outro lado da rua, com uma mochilona nas costas e o cabelo preso num coque improvisado sobre a cabeça, com uns ares de quem tinha passado os últimos dez dias na estrada, sorrindo ao me ver ali, eu já tinha esquecido quem sequer era a porra da Mia. Que saudade desgraçada que eu tava de você. Fiquei em pé, na mesma hora. E ela pulou no meu colo, me abraçando empolgada, e meu pé cedeu, meio tropeçando no meio fio. Caímos as duas juntas para trás – ela em cima de mim, rindo – e nos beijamos ali mesmo, esparramadas na calçada, conforme as pessoas passavam olhando feio.
 
De lá para o apartamento, foi um minuto. Nuns beijos saudosos no elevador. Cacete. E a Clara atravessou a sala vazia, indo direto para a geladeira para tomar algo. Volta aqui, garota. Entrei atrás dela na cozinha e a vi tomando uma garrafa de suco direto no gargalo. Me aproximei, achando graça daquela sua sede toda. E peguei a garrafa para tomar um gole também – “vai, me conta como foi sua viagem”.
 
_Nossa! É tão lindo lá, Bo! – ela sorriu, limpando a boca com as costas da mão – A gente tem que ir um dia...   
_Vamos.
 
Aí a Clara deu dois passos para trás e pulou sentada em cima da pia, me puxando para perto dela. Encaixada entre as suas pernas. E eu a beijei mais uma vez. A minha linha de pensamento se perdeu, aos poucos, na sua língua. No jeito como nos movíamos juntas. Obcecada com a maneira como as minhas mãos se moldavam às suas coxas, à sua pele. “Puta merda”, sussurrei para ela, entre um beijo e outro, “como eu senti sua falta”.
 
Os seus dedos foram logo abrindo a minha calça. Mas assim que tentei o mesmo, ela tirou a mão de mim e segurou as minhas.
 
_Meu... – ela riu – ...acabei de ficar menstruada.

novembro 04, 2012

A porta aberta dos perigos

“Na verdade continuo
Sob a mesma condição
Distraindo a verdade
Enganando o coração”

(Pato Fu)

novembro 01, 2012

¡Oh my corazon!

Acabamos capotando. A Marina ficou com o lado da parede, descalça e ainda em seu vestido -apesar de eu ter oferecido uma camiseta minha. Já eu apaguei com um dos braços caindo para fora do colchão, numa camiseta velha e boxer, virada para mesa de cabeceira. A noite estava abafada, um puta calor dos infernos.
 
Fazia talvez uns cinco, seis anos que eu não dividia uma cama com a Marina. Nem se me esforçasse conseguia lembrar da última vez que dormimos juntas, antes do fim do namoro. Nas poucas vezes em que fiquei na sua casa, desde então, deitei no sofá. Mas o sentimento era bom, ali, com o seu braço agora ao redor do meu corpo. Seus dedos leves tocando minha barriga. E os seus pés descobertos esquentando-se nos meus, ainda de meia. Era uma nostalgia – não amorosa ou sexual, só carinhosa –, me sentia confortável com ela. A Marina era a minha âncora no mundo, não sei explicar.

Apaguei por algumas horas, ao seu lado. E então, o meu celular tocou. Estava a poucos centímetros da minha cabeça, na mesinha de cabeceira, e acabou me despertando. Abri os olhos, relutante, e senti a Marina se reacomodar ao meu lado. Suas mãos envolveram ainda mais a minha cintura, num reflexo inconsciente. Ergui a tela diante do meu rosto e tentei ler, ainda sonolenta – era um SMS desfocado da Mia.
 
“Pqp”.
 
Pois é, só essas três letras. Então digitei de volta, sem entender – “pqp oq? rs”. E ainda que contrariasse minhas próprias palavras, apenas horas depois de saírem da minha boca, o meu coração acelerou no peito quando a tela se acendeu de novo e ela me respondeu um “vc <3”.