O gosto da Mia me contaminava os sentidos. O que você tem,
garota, que me desgraça a cabeça assim? Não importava se eram meses ou
apenas dias de abstinência dela. Eu ainda sentia a sua falta na minha boca. Nuns
estragos à minha pele, à minha sanidade. Fodendo contra o sofá, de novo; na
parede do corredor e no chão do meu quarto.
E não. Não era nada que faltava à Clara – não sentia que a procurava na Mia e
certamente não buscava a Mia nela. Sabia diferenciar as coisas e elas duas,
elas eram mundos à parte. Não sei explicar. Não sei como
a Mia ainda conseguia encontrar caminhos até mim. Mas as queria de
maneiras diferentes, se é que isso é possível. Empurrando a ressaca
moral sempre para o dia seguinte.
O que não antecipei desta vez, naquela noite, entretanto, foram todas
aquelas horas. Na madrugada que se seguiu. Os minutos se passaram, contínuos,
sem que precisássemos nos separar – num desenrolar assim, com tempo e para o
qual eu não estava preparada. Desde que aquela confusão começou, estávamos
sempre nos escondendo, na sua casa, na minha, atrás de portas e em banheiros, pistas
escuras.
Agora não. A beijava com a intimidade que o apartamento
vazio e aquele tempo todo, de repente, nos permitiam. Com calma. Sem me afobar.
Ainda que já estivesse exausta, horas depois, caída no meu colchão, mas sem
conseguir realmente parar, nos enrolando, com a boca invariavelmente uma na
outra. E a porta destrancada.
Aquela foi a primeira vez que a Mia deitou comigo para passar a
noite, assim, na minha cama. E não no quarto ao lado.
Meus dedos denunciavam conhecer os seus contornos. E o sol começou
a nascer pela janela do quarto. As nossas pálpebras já pesavam, sonolentas,
quando ela encostou o seu corpo despido contra o meu. Quase adormecendo. E eu soube,
naquele instante, que estava com um problema. Pude sentir cada centímetro da
sua pele, abraçada comigo, enquanto encarava o facho de luz que começava
iluminar o teto e o meu coração disparava dentro do meu peito. Eu sabia que
aquilo não mudava nada, a Mia ainda estava com o Fer, eu sabia, mas
ainda assim a segurei perto de mim. Como se por um instante pudesse ser sempre
assim.
Algo me parecia diferente, não sei. Tê-la ali na minha
cama, nos meus braços. No meu quarto. Numa liberdade que nunca tivemos. E isso
me fazia querer ficar. Com medo das voltas erradas que o meu coração dava, meio
à beira do precipício, é, mas ainda assim não a queria soltar. Apegada,
de repente, à possibilidade do que seria uma vida juntas.
Não sei. Não sei, porra. A, a gente sempre estava bêbada demais
ou com, com tempo de menos para aproveitar momentos como aquele. E desta vez,
não – estava tudo calmo. Sabe? Àquela altura, o suor já secava sobre
nossa pele e o cômodo era tomado pela brisa das seis da manhã, que entrava sorrateiramente
pela janela. A Mia ajeitou o rosto no meu ombro, também cansada, e apertou as
mãos ao redor do meu corpo.
_Hum. Isso é gostoso... – murmurou.
_É... – sorri.
_Por que a gente...
_Hum?!
_Por que não fizemos... isso... d-da outra vez?
_Porque... – hesitei por um instante, sentindo meu peito apertar, porque você foi dormir com o Fernando aquela noite e eu acordei sozinha, Mia, pensei; mas sabia que o questionamento pouco tinha a ver com a verdade, não tinha todas as ramificações racionais que normalmente teria, era mais uma vontade inconsciente de estar junta do que de realmente saber, de ouvir o que já sabia da minha boca, e então me segurei; por algum motivo, agora que a tinha nos meus braços, a real é que pouco me importava com quem dormíamos quando não estávamos juntas, porque eu a queria ali, nós nos escolhíamos, de novo e de novo, e não quis lhe responder por impulso, uma vez na vida, notando os seus olhos já quase fechados sobre o meu ombro; olhei por cima do travesseiro e vi o relógio, que marcava 6:07, sabendo que eu tinha que acordar dali a menos de duas horas, aí puxei a Mia mais para perto e a abracei, com um carinho impensado – ...nada, vem. Vamos dormir, linda.
_É... – sorri.
_Por que a gente...
_Hum?!
_Por que não fizemos... isso... d-da outra vez?
_Porque... – hesitei por um instante, sentindo meu peito apertar, porque você foi dormir com o Fernando aquela noite e eu acordei sozinha, Mia, pensei; mas sabia que o questionamento pouco tinha a ver com a verdade, não tinha todas as ramificações racionais que normalmente teria, era mais uma vontade inconsciente de estar junta do que de realmente saber, de ouvir o que já sabia da minha boca, e então me segurei; por algum motivo, agora que a tinha nos meus braços, a real é que pouco me importava com quem dormíamos quando não estávamos juntas, porque eu a queria ali, nós nos escolhíamos, de novo e de novo, e não quis lhe responder por impulso, uma vez na vida, notando os seus olhos já quase fechados sobre o meu ombro; olhei por cima do travesseiro e vi o relógio, que marcava 6:07, sabendo que eu tinha que acordar dali a menos de duas horas, aí puxei a Mia mais para perto e a abracei, com um carinho impensado – ...nada, vem. Vamos dormir, linda.