Rodávamos aleatoriamente
pelos corredores da locadora, entre as fileiras intermináveis de DVDs, rindo. A
Mia ia na frente, naquele moletom tão grande que sequer parecia ter um shorts
ali embaixo, pegando as piores comédias românticas da prateleira. Ela tirava
sarro dos títulos terrivelmente machistas e eu ria. “Namorada de aluguel”, “Tudo
para ficar com ele”, “Procura-se uma noiva”, “As namoradas do papai” – para
cada um, uma revirada de olho.
Nos
divertíamos meio à toa pela loja. E só quando chegamos na seção de desenhos animados,
foi que a Mia notou a sua camiseta na minha mão. “Essa aí é a minha?”, perguntou
e eu confirmei com a cabeça. Se você
soubesse o problema que esse maldito pedaço de pano me causou ontem, pensei
e ri da minha própria desgraça. Ela sorriu e continuou andando, a alguns passos
na minha frente. Notei que um dos rasgos da sua meia-calça circulava certinho o
pequeno escravelho que ela tinha tatuado atrás do joelho – num acaso charmoso.
_E esse CD aí, o que é?! – a Mia olhou rapidamente para trás, na direção da
minha mão, já indo para o corredor seguinte.
_É seu presente...
_Hum. Então quer dizer que existe mesmo um presente?!
_Tem... – peguei um dos encartes para olhar, logo colocando-o de volta – ...por
quê?
_Ah, sei lá... – ela sorriu, por cima da prateleira que nos separava – ...quando
eu li a mensagem, eu pensei... q-que o presente era, tipo, você.
O meu
rosto se iluminou involuntariamente. Não
faz isso com o meu coração, garota.
_Bom, não precisa falar duas vezes... Eu jogo isso fora e problema resolvido! –
fiz graça, erguendo o CD, como se fosse largá-lo no chão.
_Nããão! Eu quero ele! – ela contestou na mesma hora, se debruçando sobre a prateleira,
tentando pegá-lo da minha mão.
_Não, não, não, não... – me desvencilhei, escondendo-o atrás de mim – ...eu
gostei mais da sua ideia.
_Não foi minha ideia! – a Mia deu a volta até a fileira que eu estava – Achei
que você tivesse pensado isso!
_Eu?! – forcei um tom de indignada, enquanto ela tentava puxar meu braço de
trás das costas pra alcançar o CD – Cê que pensa besteira aí e depois vem jogar
pra cima de mim... Eu não falei nada disso! Eu disse que tinha um presente. Pre-sen-te.
_É, mas eu achei que era só uma... – continuou – ...uma desculpa pra... p-pra...
_...pra ver você? – eu ri mais ainda, resistindo aos esforços dela – Mas tá se
achando, hein?!
_Mano... Você que se acha, pra começo de conversa!
_Não o
suficiente para me oferecer como presente de aniversário... Isso, assim, né, só
na sua cabeça.
_Besta! – ela riu, desistindo, e cruzou os braços – Deixa eu ver, vai?
_Não.
_Por favor!
_Não, meu, cê vê na sua casa... – balancei a cabeça – Vem. Vamos escolher um filme!
A Mia resmungou,
contrariada, e eu coloquei meu braço sobre os seus ombros, dando-lhe um beijo
na bochecha. E então, sem combinar, fomos juntas para a seção de terror. Eu
amava isso nela. O jeito como ela gostava das mesmas coisas que eu, numas coincidências
bobas que me faziam feliz. Por mais de uma vez, no apartamento, juntamos forças
para convencer o Fer a assistir filmes de espíritos, já sabendo que ele
provavelmente ia vazar no meio. Ele podia ver qualquer tipo de terror, mas não
os paranormais, sempre levantava e ia fazer outra coisa. E é – talvez fosse
justamente essa a nossa intenção.
Agora que
estávamos sozinhas ali, escolhendo um só para nós, a tarefa não era tão fácil.
Considerando o quanto nós duas gostávamos do gênero, não sobrava lá muita coisa
que já não tivesse sido vista. Lá pelo oitavo filme que puxamos da prateleira,
sem sucesso, decidimos que a melhor estratégia era rever algum dos clássicos.
_A gente
podia levar um de vampiro, né... – a Mia murmurou, deslizando os dedos pelos DVDs
enquanto lia rapidamente os títulos – Qual seu favorito?
_Ah, depende.
Cê quer a resposta decente ou a sincera?
_A sincera – a Mia riu.
_Tá, mas não pode julgar...
_Não vou, prometo!
_Ok. “Fome de viver”.
_Que raios de filme é esse, meu?! – estranhou.
_Ah, aquele péssimo do Bowie...
_Do Bowie?!
_É... – me surpreendi – Espera, CÊ NUNCA VIU ESSE FILME?!?
_Não... –
ela riu, de novo.
_Puta
merda. A gente TEM que assistir! – comecei a caçar freneticamente o filme nas
prateleiras – É um puta clássico gótico dos anos 80, meu, o visual cafona, o
Bauhaus, o Bowie. Caralho, eu não acredito que cê nunca viu!
_Nossa, não,
nem nunca ouvir falar...
_Como assim?!
– eu ri, indignada – Mano, para, eu passei a adolescência inteira assistindo esse
filme só pra ver a Catherine Deneuve pegando a Susan Sarandon.
_Hum... – achou graça – Entendi agora.
_Olha, você
tá rindo aí porque cê não sabe o que é crescer sapatão vendo só hétero na TV e,
de repente, assistir uma cena daquelas. E fora que né, eu já tinha ali uma
queda razoável pela Susan Sarandon desde “Thelma & Louise”...
_Quem não
tinha, não é?
Ela sorriu
e eu finalmente encontrei o DVD da prateleira, pegando-o na mesma hora, animada.
_Aqui. Achei!