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março 27, 2010

Old routine

Antes que eu pudesse me dar conta, já era sexta de novo.
 
A iminência do fim de semana me revirava o estômago. O trabalho ocupou a minha mente durante os dias da semana, da forma mais medíocre possível, e eu passei o restante do meu tempo entediada até a morte – largada no sofá, deitada no meu quarto, debaixo do chuveiro, parada em frente à geladeira ou fumando na calçada do prédio. O meu consumo de cerveja quase triplicou. E agora já era sexta-feira de novo, droga.
 
O Fer havia iniciado um processo lento de reaproximação com a Mia, tentando limpar sua consciência pesada com gestos românticos e atenciosos ao longo da semana. Eu ignorei cada segundo daquilo, rancorosa com a Mia por ter ferido o meu orgulho e me rejeitado tão determinadamente no último sábado. Mais do que ela, eu estava me odiando. Por cada minuto que fiquei plantada do lado de fora do seu prédio, esperando no frio.
 
O lado positivo disso tudo é que eu não ia precisar vê-la tão cedo. Segundo o que ela mesma disse para o Fer – durante uma briga por telefone na terça –, o nosso apartamento "prejudicava o relacionamento deles". E eu estava certa de que a culpa não era dos móveis e eletrodomésticos contidos dentre as quatro paredes. Era inteiramente minha. Óbvio. Mas quando o Fer me contou, sem entender a indisposição repentina, eu não disse nada. Apenas olhei para o outro lado e balancei a cabeça, como se também não conseguisse compreender.
 
Enfrentava agora a minha indecisão com sexta à noite, fumando sentada na calçada às seis da tarde. Preciso de um porre, concluí. Infelizmente eu andava mais falida do que vendedor de guarda-chuva em dia de sol – sem um tostão para gastar em escolhas ruins. Pegar um táxi do fundo de Higienópolis até a Frei Caneca, às cinco da manhã, só porque fui cabeça-dura e mandei a Marina embora, também não tinha contribuído com a minha situação financeira.
 
Puxei o celular do bolso para olhar as horas e fiquei tentada a fuçar na minha lista de contatos. Não. Sem arranjar problema hoje, me controlei e rapidamente enfiei o telefone de volta na jaqueta, como se quisesse evitar uma catástrofe em potencial. Assim que voltei para a companhia pouco saudável do meu cigarro, no entanto, o meu celular tocou. Tirei ele de novo do bolso e espiei a tela para ver quem estava me ligando. DDD 19, número desconhecido. Estranho.
 
Cogitei deixar tocar, sem dar muita importância, mas curiosidade é uma praga mesmo.
 
_Alô?!
_E aê, doida... – ouvi uma garota dizer.
_Quem tá falando?!
_Sou eu – ela riu – a Dani.
 
Merda.

março 25, 2010

Domingo Legal

_Que porcaria é essa que cê tá assistindo?
 
O Fer perguntou de trás do sofá.
 
_Não sei e nem quero saber – argumentei, fumando um baseado – A meta aqui é alienação completa.
_Acho que vou me juntar a você – ele riu.
_Noite difícil?
_Nossa, mano – reclamou, de saco cheio – Não sei o que rola com a Mia, porra. Tá foda. Me largou aqui sozinho ontem, meu, foi embora sem falar nada! Cê... – me olhou, desconfiado – ...cê não contou mesmo, né?
_Hein?
_Da Júlia, porra.
_Não, Fernando, não contei – resmunguei.
_É que, sei lá... Ela anda estranha. Fui tentar falar com ela hoje e ainda me deu patada!
_Vai entender...
_É... – ele bufou – Mas e você, tava onde ontem? Não vi cê chegar.
_Tava lá na Marina.
_Caralho, na Marina? Mas cês não... – ele começou a rir – ...deixa quieto, vai.
_Nem faz essa cara aí pra mim! Fui lá só pra conversar.
_Sei... – ele riu – Ah! Aliás... A Roberta passou aí ontem.
_Jesus! Cê tá de brincadeira?
_Não, passou mesmo. Até tomamos umas juntos, eu disse que cê não tava e ela ficou aí um tempo pra ver se você aparecia. Deve ter ido embora lá pra meia noite ou uma... – contou e eu sacudi a cabeça, desacreditada – Eu fui dormir logo em seguida.
_Meu deus – revirei os olhos, dando mais um trago – Qual é o problema das pessoas?
 
Disse a fracassada que ficou até 5 da manhã na calçada da Mia.
 
_Na moral, cê devia dar mais bola pra ela... Puta mina gente boa, meu.
_Não, obrigada. Tô dando um tempo de mulher.
_Ah, claro. Você?! – ele riu – Até parece.
_É sério, Fer. Pra mim chega, só me meto em furada. E além do que, meu, a Rô pode ser ótima e tudo mais, mas é meio intensona, né? Não dá... Já não era nem para ela ter vindo aqui na quinta, puta cilada que eu fui inventar. Mano, toda vez a gente treta. Toda vez! E toda vez ela fica vindo atrás. A gente já passou por isso mil vezes. Preciso parar com essas ideias idiotas...
_Como cê é sensível, hein... Parece até que não tem culpa.
_Ah! Falou o morador mais íntegro desse apartamento – o empurrei – Hein, ô adúltero de meia-tigela?
_Vai se foder.
 
Nós rimos e terminamos o baseado juntos. No fim das contas, não era tão ruim estar no apartamento com o Fer. Ainda era o Fer – o mesmo de sempre. Ruim era passar por uma noite horrível daquelas e não poder contar nada pra ele. Sempre dividimos tudo. Mas agora tinha que ficar sentada ali, do seu lado, sem me entregar. E assim ficamos, os dois, enfurnados na sala em pleno domingo à tarde. De bode pela mesma mulher.

março 24, 2010

No táxi de volta

Ok. Eu me sinto muito, muito idiota.

março 23, 2010

Insistência

Pior do que tomar um “não” na cara é ficar assim, à deriva, sem saber. E lá estava eu, plantada na frente do prédio da Mia, sem saber de porra nenhuma. Que inferno. Internamente, eu estava me odiando por ter me enfiado naquela situação ridícula – isto é, me arrastando de joelhos por uma garota às 4 da manhã em pleno sábado à noite, enquanto eu poderia muito bem estar com alguém menos...
 
...
 
Tentei achar a palavra, mas tudo o que me vinha à mente eram as que eu não queria. Menos perfeita, suspirei. Argh. Eu sou patética, pensei em seguida, me humilhando naquela calçada. Ainda assim, já estava decidida a invadir aquela estrutura residencial superfaturada, caso o porteiro não desse as caras nos próximos dez segundos... nove... oito... sete... seis... cinco... quatro...
 
_Olha, moça, não tem ninguém atendendo lá, não – ele disse, saindo da guarita.
 
Havia certo sorriso de satisfação desgraçado no rosto do filha-da-puta. Senti vontade de mandá-lo à merda. E por pouco não o fiz, me esforçando para não demonstrar a minha própria frustração, enquanto ele me encarava daquele jeito eu-não-te-disse. Inferno. Ignorei e voltei para o carro, me apoiando na janela do passageiro. Olhei para a Marina, emburrada:
 
_Ela não tá atendendo.
_Bom... São 4 da manhã, não é? – ela me respondeu com desaforo, como se já esperasse por aquilo, o que me irritou mais ainda.
 
Levantei novamente e dei um passo para trás, respirando fundo. Olhei para cima e apertei as mãos contra o rosto, irritada. Merda, mil vezes merda. Traguei mais uma vez, sem saber o que fazer, enquanto soltava a fumaça. Então puxei o celular do bolso e procurei o nome da Mia nos meus contatos. Liguei, duas ou três vezes, e nada.
 
Filha-da-mãe.
 
Sentei na calçada com os pés na rua, meio metro à frente do carro, e apoiei os cotovelos nos joelhos. Com uma mão, eu segurava o cigarro e com a outra, eu digitava no celular: “Atende mia. ja to aqui embaixo porra, me deixa subir ou desce aqui pfvr. vou ficar esperando”. Isso era o cúmulo da humilhação. Lamentei mentalmente a situação, enquanto enviava a mensagem e tragava de novo o cigarro, já quase no fim.
 
De repente, ouvi a porta do carro bater. E logo a Marina apareceu em pé na minha frente. Olhei para cima e ela fez um gesto com as mãos, como se perguntasse o que eu estava fazendo ali. Respondi a verdade e ela imediatamente começou a discursar, por minutos a fio, sobre como aquilo era o fim do poço e como eu estava indo longe demais e como ela não ia, em hipótese alguma, ficar plantada lá esperando comigo até a Mia descer.
 
_Você sequer sabe se era verdade, flor – argumentou – E se ela não estivesse na casa dela? E se ficou irritada porque você não foi e disse aquilo só para te fazer sentir mal?
_Tô nem aí, que se dane. Eu vou esperar.
_Linda...
_Vai pra casa, Má. Eu pego um táxi, sei lá...
_Não faz isso – implorou – Já tá tarde, tá frio. Cê não sabe se ela vai descer.
_Pode ir, eu vou ficar.

março 22, 2010

O surto

_Pega suas coisas, Má. Me leva lá na Mia.
_Agora?!
_Agora.
 
A Marina se levantou do sofá, com uma das últimas cervejas restantes na mão e me olhou, rindo confusa. Lenta e atrapalhadamente, colocou seu vestidinho de volta, depois cambaleou para pegar as chaves do carro na mesinha de centro. Eu a observava impaciente, com vontade de puxá-la pela mão logo.
 
“To indo ai. Pfvr me espera acordada”, escrevi para a Mia, já no carro e quase esmagando as teclas do celular de tão ansiosa que estava. A cidade estava deserta por conta do horário – o que facilitava o nosso desrespeito completo pelas leis de trânsito, especialmente os faróis e limites de velocidade em vias urbanas. Chega logo, porra. Ignorei todas as tentativas bem-intencionadas da Marina de puxar algum assunto comigo. De certa forma, sentia que precisava me concentrar mentalmente na rapidez do percurso, torcendo inutilmente para que eu chegasse a tempo de encontrar a Mia acordada. A Marina não entendeu o recado, é claro, e foi tagarelando sozinha. Da Lapa até Higienópolis.
 
Assim que encostamos na frente do prédio, desci do carro correndo e larguei a porta aberta, o que resultou em uma reclamação mal-educada da minha doce ex-namorada. Toquei a campainha do prédio insistentemente, interrompendo um possível cochilo do porteiro, sem conseguir controlar os meus pés ansiosos no chão. Um velhinho bigodudo e quase careca saiu da guarita interna, me olhando feio, como se quisesse saber o que diabos eu fazia ali.
 
_Oi. Eu preciso falar com a Mia.
_Ihh... A essa hora não vai ter ninguém acordado, não...
_Ela tá, sim.
_Não, não. Eu conheço a família dela... O pessoal lá já vai tá tudo dormindo.
_Você não pode só interfonar e ver se ela tá acordada?
_Mas aí eu é que vou acordar todo mundo e perturbar. Você não pode voltar de manhã?
_Não! Não posso! – eu me irritei – Meu, eu acabei de falar com ela no telefone! Eu preciso falar com ela agora. O senhor pode, por favor, só interfonar logo?!
_Ah, mas aí, depois... se ela estiver dormindo... a bronca cai em cima de mim.
_Olha, a bronca vai cair em cima do senhor se ela ficar sabendo que eu vim da puta que pariu até aqui a essa hora e você não quis fazer esse esforcinho pequeno, mínimo, que é o seu trabalho, de dar dois passos, digitar três númerozinhos e interfonar pra porra do apartamento! Cê não acha?!
 
Ele me olhou com mais desgosto ainda e, sem que tivesse alternativa, retornou para a cabine e começou a discar. Olhei-o segurar o interfone contra o ouvido, calado, e os segundos se prolongaram cruelmente sem que ninguém atendesse. Eu estava em pé na calçada e o vento começou a ficar cada vez mais forte.
 
Acendi um cigarro e continuei encarando a porta da cabine, impaciente. Atende, por favor.

I'm so...

...fuckin' stupid.

março 19, 2010

Mau-sinal

_Mia...
 
Murmurei, um tanto envergonhada.
 
_O que cê quer?
_E-eu... me desculpa.
_Não posso falar agora.
_Não faz isso, meu. Me perdoa, por favor. E-eu queria ter ido hoje! Queria muito.
_Sei. E por que não foi?
_...
_Hein?
_É complicado.
_Complicado?
_Cê sabe que é.
_Mais complicado pra você do que é pra mim? Cê acha mesmo?!
_Não, não disse isso. Eu...
_Fala – se irritou – Fala logo!
_Não fica brava, por favor. Eu gosto de você, e-eu... Eu não só sei o que fazer. Eu quero sair com você, mas aí eu vou pra casa e dou de cara com o Fer e com você lá... e é horrível. Eu não queria ter me enfiado nisso, mas eu não consigo evitar. Eu e você, quer dizer, n-nós temos uma... coisa, não sei o que é. É tão...
_Olha, deixa pra lá – ela me interrompeu.
_Não, me escuta, eu quero falar com você!
_V-você... Espera, você tá bêbada?
_Ligeiramente – confessei.
_Mano, vai dormir! Outro dia a gente conversa.
_N-não, por favor. Mia... Onde cê tá?
_Que diferença faz?
_Cê tá no apê? Eu vou até aí.
_Não, não tô.
_Não?
 
Me surpreendi.
 
_Eu vim pra casa.
 
Quis perguntar o porquê, mas sabia que a resposta me envolvia. De alguma forma, a culpa era minha. E sinceramente isso me alegrava – saber que ela não tinha passado a noite com o Fer, que ela se importava com o que eu dizia ou fazia. Ao mesmo tempo, me bateu um arrependimento violento. É. Por tão deliberadamente ter decidido não ir.
 
_Tá tarde, vou dormir – ela disse, então.
 
E antes que eu pudesse responder, desligou o telefone. Pressionei a cabeça contra a parede do quarto da Marina, frustrada. Droga.

março 18, 2010

Sem maldade

_...com o dedo do meio, aí cê junta os dois lados com o dedão e o indicador.
_O indicador no meio?
_Não, Marina, o dedo do meio! O indicador abre pra direita e o dedão empurra da esquerda. O dedo do meio fica por baixo, no meio dos dois.
_Isso é muito complicado...
_Não é, não. Você que não tá fazendo direito, assim não vai rolar nunca! Tenta de novo.
_Ai, não vai! Como cê consegue?
_Me dá sua mão, eu te ajudo – eu ri – É tipo estalar os dedos... Pronto! Viu?
_Meu deus. Isso é fantástico!
_Agora é só treinar... 
_Deixa eu fazer de novo em você?
 
E lá se iam, horas e horas madrugada afora na sala da Marina. Algum tempo antes, por insistência minha, saímos para comprar cerveja num supermercado próximo e agora estávamos levemente bêbadas. E quase despidas. Antes que me acusem: não aconteceu nada. Eu só a estava ensinando a técnica milenar – ou bom, sei lá – de tirar rapidamente um sutiã com uma mão. E por motivos meramente didáticos, a minha camiseta teve que ir pro chão junto com o vestido dela.
 
Levou alguns minutos de prática, mas, por fim, a Marina finalmente pegou o jeito. Fechei o meu sutiã pela trigésima vez e acendi um cigarro, me encostando no sofá com a cabeça pra cima. Mia. Imediatamente a desgraçada voltou aos meus pensamentos. Fechei os olhos, na tentativa de esquecê-la. Mia. Mia. Mia. Mia. Mia. Mia. Respirei fundo. Droga. Por mais que eu tentasse tirá-la da cabeça, ela continuava ali. Toda vez. Toda maldita vez. Olhei para o lado e me deparei com a Marina, me observando preocupada.
 
_Ei. Vai ficar tudo bem... – sorriu, como se adivinhasse meus pensamentos.
 
Olhei de volta para ela, sem acreditar muito.
 
_Eu não devia ter respondido – me movi para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos e tragando mais uma vez – Eu não devia ter dito nada, só aparecido lá amanhã e inventado qualquer desculpa.
_Ia ser pior, flor. Pelo menos você avisou que não ia poder ir...
_Mas eu podia.
_Ok, podia. Mas queria mesmo? Ir lá e piorar esse rolo todo?
_Queria! Lógico que eu queria!
_Linda, cê tava se sentindo um lixo no apartamento com ela, com o Fer. Você ia se arrepender se fosse.
_Pode ser, mas pelo menos eu ia estar com ela mais uma vez... Eu sinto que vou enlouquecer.
_Ah, meu deus... – a Marina suspirou – Olha, você quer que eu te leve?
_Agora? Do que adianta? São 3 e meia da manhã, porra! – balancei a cabeça, conformada – Não, deixa... Vamos ficar por aqui.
_Eu te levo, não tem problema. Ela deve estar acordada ainda.
_Dando pro Fer, né.
_Você não sabe disso...
_Sei, sim.
 
Eu estava me comportando como uma criança emburrada – ou pior. Minha birra se engrandecia com o excesso de álcool e o sentimento desesperador de que eu tinha tomado a pior decisão da minha vida, apesar da Marina e do meu bom senso continuarem me reafirmando que eu tinha feito a coisa certa. Eu odiava saber que aquele nosso beijo à tarde poderia ter sido o último.
 
_Eu vou ligar pra ela – me decidi, levantando do sofá.

março 16, 2010

O step

_Nunca vi uma garota te deixar assim – a Marina zombou, colocando os pratos sujos debaixo d’água.
 
Eu estava sentada na pia, com os pés apoiados na mesa da cozinha e o telefone em mãos, sofrendo de uma indecisão desgraçada. O apartamento dela era minúsculo. A Marina enxaguava os pratos, aí olhava para o meu celular, me observava em seguida e ria. Achando graça da minha indecisão. Pelo menos uma de nós está se divertindo, pensei, amarga. Sábado à noite e lá estava eu, refugiada na casa de uma ex, tentando escapar da confusão inacreditável na qual eu havia me enfiado.
 
_Só diz que não vai. Ela vai entender, meu amor – a Marina sugeriu e eu arregalei os olhos.
_Não posso dizer isso!
_Por que não? Fala que vocês precisam conversar, que é melhor cês se encontrarem outro dia.
_Não, meu... Vai parecer sério demais... – argumentei, acendendo mais um cigarro.
_Mas cês precisam conversar! Ou cê acha que cês podem ir se metendo uma com a outra, assim? Sem falar a respeito, nem pensar um pouquinho no que tão fazendo?! O Fer é seu melhor amigo, linda. Não é qualquer cara...
 
Eu sei. Estou bem ciente, olhei para a Marina, incomodada. E não a respondi. Traguei demoradamente, soltando a fumaça em seguida. Eu odiava ter que “pensar um pouquinho” antes de fazer o que quer que fosse – principalmente quando se tratava de fazer o que eu queria com uma garota. Era maduro demais. Responsável, careta, tedioso. O típico conselho que eu esperava ouvir da Marina. Não, obrigada. Mas segurava o telefone na mão sem conseguir digitar uma só palavra. Sentindo o meu coração apertar.
 
Merda.
 
_E-ela... – murmurei, de repente – ...não me escolheria.
_O quê?! – a Marina desligou a água na pia para conseguir me escutar – O que cê disse?
_Que se, s-se a gente conversar... – falei, com o cigarro na mão, olhando para o chão – Se a gente parar para pensar a respeito, se eu for discutir isso com a Mia... Ela não vai mais querer ficar comigo, e-ela... – suspirei – ...vai perceber que se ficar... e-ela pode perder o Fer e... – tentei apagar a possibilidade da minha cabeça, mas não consegui, sentindo meus olhos marejar – ...e ela nunca me escolheria ao invés dele. Nunca. Eu sou só uma porra d-duma mina qualquer.
_Você não sabe disso, flor...
_Má, eu não teria a mínima chance.
 
Passei a mão nos olhos, chateada, e traguei mais uma vez. Tentando sufocar a dor no meu peito. Maldição. A Marina soltou um “ô meu deus” piedoso, quase como se achasse fofo o meu abalo emocional por outra garota, me abraçando carinhosamente. Continuei fumando, com os olhos molhados enquanto fingia não dar bola, tentando ao máximo ignorar o abraço da Marina e as probabilidades nulas de eu realmente acabar ficando com a Mia. Caralho, viu. Sentia que a única chance que eu tinha era de arrastar aquela confusão por tempo suficiente para que ela começasse a gostar de mim – quem sabe em meio a beijos impulsivos, roubados de madrugada no corredor, ela acabasse realmente me amando de volta. Inferno. Não tinha nada que eu odiasse mais do que estar apaixonada.
 
Era uma porcaria.

março 15, 2010

Oh no, not you

“Onde vc foi? Ñ vamos sair? =(”, a Mia me escreveu às 22:46. A quilômetros de distância dela, li a mensagem no meu celular e fiquei encarando a tela por um tempo, parada, me sentindo sem saída. Não sabia o que responder.
 
Droga, suspirei, o que eu faço agora?

março 14, 2010

Direto ao assunto

O interfone tocou e fui deixada sozinha no apartamento por alguns instantes. Tinha insistido mil vezes que não queria pizza, estava completamente sem grana depois do mercado, mas a Marina me ignorou. E pediu mesmo assim. Antes do entregador chegar, detalhei toda a minha situação com a Mia e o Fer, sendo interrompida pelo interfone quando já estava na discussão do quarto. A Marina voltou com uma pizza quentinha em mãos e eu levei dois pratos para a sala, sentando ao seu lado no sofá para comer.
 
_Cê precisa terminar com ela – a Marina anunciou, do nada.
 
Quase engasguei.
 
_O quê? Não! – discordei – Por que diabos eu faria isso??
_Não sei, linda, sinto que cê vai acabar se enfiando cada vez mais numa confusão de mentiras e traições e constrangimentos na sua própria casa e, e não é fácil, flor. Eu sei o que falei da outra vez, mas cê não pode continuar nisso assim, cê já tá muito envolvida.
_Tá louca, Marina?
_Não quero que você se machuque...
_Mas ficar longe dela também vai me machucar! – ri de nervoso, sem graça – E e-eu, eu não consigo, Má! Eu tentei. Juro! Tentei de tudo pra ficar longe da Mia, por meses, mas não dá! Ela tá lá o tempo todo, porra, eu vejo ela quase todos os dias, a mina não sai daquela droga de apartamento!!
_Tá, mas...
_Não, me escuta – argumentei – E-eu... eu nunca me senti assim antes, meu. A Mia... Ela não é só uma garota que eu quero comer e nunca mais ver, e-ela... ela me fode a cabeça! Cê não tá entendendo! Eu passo a porra do dia sonhando acordada, eu nunca fiquei assim! E e-eu, eu sei que a gente ia dar certo juntas. Eu sei! Eu sinto em cada célula do meu corpo. E eu realmente acho que ela também sente o mesmo, ela só tem medo, e-ela não sabe como... e-eu, eu tô completamente apaixonada, Má.
_Bom, então você precisa falar com o Fer, flor.
_Não, isso não é uma opção.
_Ou um, ou outro.
_Não, não... – passei as mãos no rosto, angustiada – ...tem que ter outro jeito.
_Gata, escuta o que eu tô te falando – a Marina me alertou – Você vai se dar muito mal nessa história. O Fer não vai te perdoar. A bomba vai explodir inteira em cima de você.
_Mano, m-mas... e-ele, ELE TAVA TRAINDO ELA!
_E daí, ELA TAMBÉM TAVA!
_É, s-só que...
_Só que o quê?! – me interrompeu – Flor, você não sabe como são as coisas entre eles. E uma coisa é o Fer trair com uma mina nada a ver, outra é ele descobrir que você tá pegando a namorada dele. Não tô dizendo que ele tá certo, mas cê entende que vai dar muito mais errado pro seu lado? Vocês tão se envolvendo muito rápido, meu amor. E eu sei que cê gosta dela e que pode parecer impossível, mas você tem que se afastar enquanto ainda consegue.
_Tá. E-eu, eu sei, mas... Ela quer, Má, cê não tá entendendo, ela me quer. Ela quer ficar comigo. Eu vi na cara dela hoje, mano, no quarto! Porra. Não é como se eu tivesse alimentando uma paixão platônica por uma pessoa que não tá nem aí para mim! E se, s-se você visse ela ontem, mano, o jeito como a gente se encaixou, como ela me beijava, cê não tem noção. Eu, e-eu não vou conseguir mais tirar ela da cabeça, velho. Foi pra valer, Má.
_Pra você, meu amor, porque você vê as coisas assim...
_O que diabos isso quer dizer?
_Quer dizer que cê já se apaixonou por minas antes, já namorou, levou pra casa dos pais. Cê sabe o que é ser sapatão... – argumentou – A Mia, não. Ela nunca ficou com outra garota, linda. Ela não sabe o que é gostar de mulher. E eu n-não, não sei se ela tem noção do que realmente significa, de tudo que vem junto. Do que ela vai ter que abrir mão. Você acha que ela sabe, porque quer que ela fique com você, mas as coisas te afetam de outro jeito... – suspirou – Não é a mesma coisa, flor. Como cê pode ter certeza de que ela sente o mesmo que você? Como cê sabe que não é só porque, sei lá, p-porque é diferente? Proibido? – comecei a balançar a cabeça, a ouvindo, negando tudo o que ela dizia – Olha... escuta. Pra mim, pra você, o que uma mulher faz do nosso lado tem um significado muito mais forte. Nós damos sentido a cada gesto. Eu só não quero que você quebre a car...
_Marina, eu não tô tendo um delírio – rebati, a cortando – Ela gosta de mim!
_Eu não tô dizendo que não, só... só q-que talvez... – hesitou – ...talvez não seja tudo isso na cabeça dela. Não como é pra você, entende? Não sei se a Mia tem plena consciência do que faz com você, flor. Nem se ela tá pronta para encarar isso. Ela namora!
 
Respirei fundo e apaguei o cigarro no cinzeiro, a escutando falar a contragosto, enquanto encarava o chão. Eu odiava aquilo. Odiava seus argumentos, a sua preocupação. Não queria ouvir – porque mesmo com toda a razão e os sinais evidentes e todo o maldito bom senso indicando que a Marina, provavelmente, estava certa... algo dentro de mim ainda discordava.

março 13, 2010

Enrolando

Uma vez que o sofá ficou livre de todas as intermináveis peças de roupa, me acomodei e coloquei um dos pés em cima da mesa nova. A Marina me reprovou com o olhar – tava com saudade? Ri. E ela balançou a cabeça. Perguntou então se eu não queria alguma coisa para beber. Pedi cerveja e ela disse que só tinha chá verde. Eca. Resolvi me contentar com um baseado e a boa companhia. A Marina foi até a cozinha buscar um copo do líquido-gelado-zen-intomável e sentou ao meu lado na volta, dobrando os joelhos perto do corpo, com os pés descalços em cima do sofá.
 
_Não me lembro de você assim quando a gente saía.
_Assim como?
_Assim de vestido, toda bonitinha aí... – fiz graça.
_Cê tá querendo dizer que eu era um horror antes, é isso? – riu.
_Cala a boca. Cê sempre foi gata, Marina, não quis dizer isso!
_Olha, eu não tenho tanta certeza do que cê quis dizer... – ela brincou, tomando um gole do chá.
_Não é, Má, só tô falando q-que... sei lá, meu, cê tá diferente – expliquei – E cê parece feliz. Acho que essa tal de Bia aí tá te fazendo bem...
_É, acho que sim...
_Hummmm, então a Bia é mesmo a sua nova namorada – concluí – E não só “uma menina” aí?
_Para. A gente não tá namorando ainda...
_Ainda?
_Ai, como você é chata... Meu deeeus.
_Desculpa. Parei.
_Besta.
_Hum... – hesitei, tomada pela estranheza de estar naquela sala de novo – Mas e e-eu...?
_Você...?
_Eu te fiz feliz? Por um tempo, pelo menos?
_A gente não precisa falar disso.
_Não do fim, Má. Tô falando... do resto.
_Fez – ela respondeu – Mas é diferente, cê foi minha primeira.
_Que tem?
_Tem que é difícil separar o nosso relacionamento d-desse, sei lá, desse momento na minha vida. Acaba meio tudo junto, aquela época, você, o processo de me entender, não sei, como terminou.
_...e-eu fui uma idiota, né?
_É, foi – ela riu.
 
Abaixei a cabeça, constrangida.
 
_Eu era uma trouxa, cê sabe, né? – a olhei carinhosamente, com a ponta acesa na outra mão – Eu me arrependo pra caralho, Má.
_É. Eu sei – ela sorriu, segurando a minha mão – Talvez a gente devesse ter sido amigas desde o começo.
_Acho que ia dar mais certo mesmo... – concordei e aí arqueei as sobrancelhas – ...quer dizer, amigas com uns “benefícios”.
_Não. Sem benefícios para você.

março 12, 2010

Nostalgia

_É a Mia, não é? – a Marina me perguntou, assim que entrei no seu carro.
_É.
 
Ela revirou os olhos, respirando fundo. E saiu com o carro, dando seta para entrar na avenida. Logo caímos em um leve congestionamento na saída para a Rebouças. A Marina colocou um CD da Tulipa Ruiz para tocar baixinho e eu agradeci pelo resgate. Ela morava nos labirintos íngremes da Lapa, relativamente perto de onde eu trabalhava na Vila Madalena, num apartamento arrumadinho que dividia com a sua irmã e duas tartarugas d’água resgatadas – a Bette e a Tina.
 
Eu não ia lá há séculos, literalmente desde que terminamos. E isso já fazia anos. Normalmente nos víamos em algum restaurante perto do meu trabalho ou do dela. Começou quando ainda era recente, na época em que era melhor nos encontrarmos em lugares públicos e longe de possíveis camas nas quais pudéssemos esbarrar e acabar caindo acidentalmente. Mas com o tempo, virou o nosso lance. Chegamos no apê em pouco menos de meia hora. Continuava o mesmo, exceto por uns quadros e uma mesinha nova no centro da sala. A Marina acendeu as luzes e deixou as chaves em cima da tal mesa.
 
Só então pude vê-la direito – estava diferente.
 
A Má era uma dessas nerds que quando era criança aprendeu a tocar todo tipo de instrumento, de flauta a violão a piano, gostava de jogo de tabuleiro e fazia ioga, essas paradas namastê. Eu culpava a proximidade com a Vila Madalena. Ultimamente a via sempre de legging ou com suas roupas de jornalista esquerdista – era a única repórter negra na redação onde trabalhava, entre paredes impregnadas de testosterona em excesso. Observei-a enquanto liberava o sofá, tirando algumas roupas jogadas ali em cima, denunciando sua indecisão antes de sair. Usava agora um vestido soltinho e lentes ao invés dos óculos, notei, certeza que tava num encontro.
 
_Cê tá bonita, Má.
_Olha, nem começa... – ela riu, tirando a última blusa de cima de uma almofada.
_Ihh, que foi? Eu, hein. Não fiz nada!
_Sei... sei bem como você é quando tá com problema com alguma mina.
_Nossa! Não posso fazer um comentáriozinho inofensivo?
_Nenhum comentário seu é inofensivo.
 
Ela riu e me olhou, bancando a engraçadinha.

março 11, 2010

911

_Onde cê tá?
_“Oi” pra você também, sua mal-educada...
_Desculpa, oi! – consertei rapidamente – Onde cê tá?
_O que tá acontecendo?
_Eu fiz merda, Má. Fiz merda mesmo, das grandes.
_Xiiii...
_Onde cê tá, meu?
_Na casa da Bia.
_Quem é Bia?
_Uma menina.
_Que menina?! – me incomodei.
_Não muda de assunto, intrometida. Me conta, o que cê fez dessa vez?
_Não posso falar pelo telefone, vem me encontrar. Que horas cê sai daí?
_Não, hoje não dá...
_Marina, por favor.
_Ah, nem vem! – ela riu – Eu quase nunca tenho tempo livre e eu já tinha combinado...
_Meu, é sério. Eu preciso muito falar com você!
_Ei! Escuta... – me deu bronca – Você não é a única pessoa na minha vida, sabia?
_Mas você é a única que presta na minha. Por favor, por favor... Por favor...
_Meu deus, isso é absurdo. Não.
_Por favoooooooooooor!
_Isso só pode ter mina no meio. Só pode! – eu podia quase vê-la revirar os olhos do outro lado da linha – Qual a chance? Não sei nem se eu quero saber o que aconteceu. Cê se mete em cada uma e depois ainda sobra pra mim!
_Eu não sei o que fazer, Má. De verdade. Vem me encontrar? Por favor. Eu tô precisando muito de você, meu...
_De mim? Cê tá uns anos atrasada, gracinha.
_Para! – ri – Pô, Má. Sem brincadeira, meu, preciso mesmo de você...
_Sei.
_E da sua infinita sabedoria, vai... – implorei – Por favor!
_Você é inacreditável...
_Onde cê está? Fala que eu vou aí te encontrar.
_Não, não – ela suspirou – Deixa que eu vou aí.

março 10, 2010

Fervendo

_Comeu?
 
Me perguntou e colocou as duas mãos no batente da porta, agindo estranho. Não entendi a hostilidade. Me certifiquei rapidamente com os olhos de que a Mia não estava ali e só então respondi:
 
_Não.
_E por que não? – ele retrucou, soando bem mais irritado do que a situação justificava – Não tava aí fazendo um puta drama de que tava com fome?! De que não tinha porra nenhuma pra comer? Hein?! Que a gente precisava ir lá comprar as merdas pra casa?!?
_Perdi a fome, Fernando – fechei a cara.
 
E ele me olhou, desconfiado, como se não acreditasse no que eu estava falando. Fechou a porta atrás de si, entrando no quarto com certa agressividade. Dei alguns passos para trás, o encarando de volta. Qual é o seu problema agora?
 
_O que cê falou pra ela? – ele se aproximou, tentando evitar que sua voz atravessasse a parede.
_Nada!
_Então por que cê está assim?
_Assim como?!
_Não se faz de idiota! Tem alguma coisa rolando! – ele disse, puto, tentando não subir o tom de voz – A Mia tá toda constrangida lá na cozinha, cês duas tão agindo estranho, porra. Qual é?!
_Eu não falei nada!
_Do que cês tavam falando quando eu cheguei?
_Não interessa – retruquei, sem me intimidar.
_O CACETE QUE NÃO!
_Fernando, eu não contei porra nenhuma. Não tinha nada a ver com você!
_Então é só uma coincidência do caralho, né?
_Ah, velho. Não me enche! – revirei os olhos, antes de sussurrar irritada – O que cê acha que eu ganho contando? Antes de qualquer coisa cê é meu amigo, caralho. Cê acha que eu vou te dedurar? Pra Mia?? Cê tá paranoico, porra! Vai sair me acusando??
 
Ele me olhou, sem resposta – pelo menos nisso eu estava sendo sincera. O que me dava bastante confiança. Passado um tempo em silêncio, ele pediu desculpa pela acusação e se acalmou. Rolo dos infernos, aquilo estava indo longe demais. O Fer saiu do quarto e eu continuei parada ali, ainda pior do que estava antes. Preciso sair daqui. Terminei a minha cerveja em dois goles enormes e vesti uma jaqueta para dar o fora.
 
Passei na cozinha para pegar um pacote de bolachas já que, ao contrário do que aleguei, sim, eu estava morrendo de fome. O Fer estava começando a cozinhar algo no fogão. E a Mia esperava sentada, em cima da pia. Ela me olhou durante o tempo todo em que estive no cômodo. Sem cuidado algum para que o Fer não percebesse – cê perdeu a cabeça? –, mas ele seguiu virado para o fogão e felizmente não viu. Os olhos dela me seguiam. Cada segundo dentro daquele apartamento aumentava o meu constrangimento.
 
Bati a porta, sem me despedir de nenhum dos dois, e desci até a rua. Já estava escuro, mas ainda não era tarde o suficiente. O agito habitual das viados e baladeiros da Augusta ainda não tinha ganhado peso para uma noite de sábado. Subi a Frei Caneca sem saber direito para onde ir. A cada passo tentava me livrar do peso na consciência pelo que eu fiz com a Mia e pelo que vi o Fer fazer. Pelos segredos que eu não queria guardar. Queria fugir da minha própria vida. Precisava respirar um pouco, descansar de tudo aquilo. Desgraça. Estava quase chegando na Avenida Paulista quando o meu celular tocou. Era a Roberta.
 
Não, isso não. Ignorei e continuei subindo a rua, guardando o telefone de novo no bolso da calça. Eu precisava de alguém neutro. Alguém que não fosse piorar o caos que eu sentia por dentro. A minha cabeça estava a mil e eu só queria escapar daquela confusão por uma hora, duas. Mas não tinha ideia de como, estava completamente perdida. 
 
A Marina, concluí na última quadra. Eu preciso da Marina.

março 09, 2010

"Pode vir quente, que eu estou..."

Assim que entrou em casa, o Fer cruzou o corredor e nos viu ali, dando bandeira. Paradas em frente à porta do meu quarto. Ele nos encarou. A Mia foi cumprimentá-lo – com um beijo, argh – e eu fiquei observando-os de longe, me limitando à minha insignificância. Por trás da Mia, a Fer ainda me observava. Triângulozinho de merda, eu revirei os olhos e encostei na parede, olhando para o chão, na tentativa de ignorar a cena toda.
 
O casalzinho feliz começou a conversar, num tom introspectivo. Me excluindo. E eu resolvi dar início ao consumo das cervejas, antes que aquela situação me sufocasse ainda mais. Passei pelos dois, me virando contra a parede do corredor. A Mia me olhava com um nítido pesar na consciência. Essa noite vai ser longa, pensei, já me conformando com o lento decorrer das próximas horas. Entrei na cozinha e peguei a primeira de muitas cervejas que pretendia enfiar goela abaixo.
 
Voltei para o meu quarto. E o casal “ternura” ficou lá, no sofá da sala, se amando. Inferno. De alguma forma, meu quarto agora parecia pequeno demais para os meus pensamentos. Era como se as paredes não fossem capazes de suportar todo tráfego mental e emocional, num surto autodepreciativo. Dá para enrolar cem baseados com todo esse papel de trouxa que tô fazendo, puta merda. A situação me causava claustrofobia. Mas eu não conseguia sair – indisposta a cruzar com a Mia pelo apartamento. Sem outra opção, acendi um cigarro e me sentei na frente do computador.
 
Liguei o MSN entre um gole resignado e outro – e fui surpreendida com várias mensagens antigas da Roberta. Àquela altura do campeonato, já havia esquecido da noite de quinta. Merda. Por um momento, me ocupar com outra pessoa me pareceu uma boa ideia. Não, chega. Preciso aprender a não fazer mais isso, me contive. Não queria realmente submeter a Roberta ou qualquer outra garota que fosse à minha confusão – não de novo. Não era justo. Já basta eu aqui, me fodendo. Nisso, em meio à disputa entre a minha falta de caráter e de opção, alguém bateu na porta. Eu não sabia o que era pior: o Fer ou a Mia. Respirei fundo, indisposta. E fui descobrir, sem curiosidade alguma de ver quem estava do outro lado e por quê.
 
Que inferno, pensei, virando a maçaneta.
 
Era o Fer – com cara de poucos amigos.

março 08, 2010

Portas destrancadas

_O que cê quer?
 
Perguntei ao abrir a porta.
 
_Por que você tá assim? – a Mia me olhava de volta, chateada.
_Por que diabos cê tá aqui?!
_Porque eu quero falar com você.
_Não no quarto. No apartamento, Mia!
 
Ela me encarou por algum tempo, segurando a resposta no fundo da boca.
 
_O Fê... – suspirou – ...é m-meu namorado.
 
Ouvi-a justificar, quase cochichando, sem confiança alguma. Seus olhos me observavam, respirou fundo. Mas você não é mais namorada dele, pensei. E fui tomada por um sentimento violento, de repente. Uma vontade de estar com ela me subiu pela espinha e eu simplesmente a puxei na minha direção. Entrelacei os meus dedos no seu cabelo, a beijando. Ou é?
 
A Mia me encostou contra o batente de madeira e me beijou de volta, num impulso.
 
Merda. Não.
 
Não posso – a afastei, confusa.
 
_Olha, eu não tô pedindo nada de você – retruquei – Mas é foda. Então também não espere nada de mim.
_O que cê quer que eu faça?
_Eu não tenho a resposta, Mia.
_Eu não posso simplesmente t-terminar com ele... – ela sussurrou – Não posso, n-não... dá pra pôr um fim em tudo, do nada, só porque...
_“Só porque” o quê? – rebati, engolindo o orgulho.
_Você não entende, e-eu... eu precisava vir. Não dava pra eu dizer não! Não dava. Ele ia... i-ia perceber que alguma coisa não tava certa.
_Porque não tá mesmo, Mia! – argumentei, com raiva.
 
E me arrependi logo em seguida por levantar a voz. Cruzei os braços e encostei na porta, olhando para o chão. Ficamos caladas. Ela me olhava, inquieta, ansiando por qualquer movimento meu. Mas não fiz nada. Eu tô entrando na porra da boca do lobo, receei, sem conseguir voltar atrás. Então, num gesto inesperado, a Mia segurou na minha mão. Subi o olhar até o dela e ela sorriu. Ah, garota. Meu coração se inquietou. Encarei-a de volta e, por um instante, parecemos ser só nós de novo.
 
_Acho que isso quer dizer que não vamos sair hoje, né? – ela riu.
_Vamos fazer o que você quiser – respondi, como se não pudesse evitar.
_Eu quero ficar com você – ela disse.
_Então é isso que vamos fazer.

Sobrecarga

Voltamos do supermercado 80 reais mais pobres cada. Com comida suficiente para quase um mês, considerando que nos alimentávamos terrivelmente mal. Bastava uns pacotes de macarrão e pizza congelada. Os engradados de cerveja davam para o fim de semana – ou talvez só para aquela noite, dependendo da nossa disposição. O Fer deixou todas as compras comigo e enquanto eu chutava, digo, carregava cuidadosamente todas as sacolas elevador adentro, ele deu um pulo na boca da Paim para arranjar o estoque da semana.
 
Cheguei no nosso andar, atolada de sacolas, empurrando um dos engradados com o pé. Completamente sobrecarregada. Por que fui insistir pra irmos no mercado?, resmunguei mentalmente, atribuindo a culpa a mim mesma. Virei o corredor com certo esforço, destruindo as compras pelo chão, e dei de cara com a Mia. Parada ali, em frente à porta do nosso apartamento. É claro, respirei fundo, com quem mais essas merdas iam acontecer?
 
_Oi – ela disse, enquanto eu equilibrava as compras e tentava virar a chave na porta.
_Oi, Mia...
 
Respondi, indiferente.
 
_O porteiro me deixou subir, mas cheguei aqui e cês não tavam. O Fê... – me olhou, desconfortável, como se o nome dele fosse proibido de repente – ...n-não foi com você?
_Como cê pode ver... – falei, ainda tentando virar a chave – ...a gente foi no mercado. Mas o Fer quis passar lá na Paim, já, já ele deve chegar...
_Cê quer ajuda aí? – me perguntou, como se eu estivesse prestes a derrubar todas as sacolas.
_Não.
 
Respondi e, enfim, consegui virar a porra chave.
 
_Só traz o engradado, por favor – pedi, entrando no apartamento.
 
Fui direto para a cozinha e deixei todas as sacolas sobre a mesa. A presença da Mia ali me irritava. Alojamos todas as compras em seu devido lugar, a começar pelas de geladeira. Ela tentou iniciar a conversa várias vezes, mas eu cortava todas as suas iniciativas. Não tô afim dessa merda. A verdade é que eu não queria falar com ela. Não depois de passarmos uma noite daquela juntas e ela ter a cara de pau de aparecer na casa do namorado, no instante seguinte, como se nada tivesse acontecido. Vai se foder, na moral. Terminei tudo numa velocidade impressionante, disposta a sair logo dali.
 
E aí me fechei no quarto.
 
A Mia ficou sozinha na cozinha, por um tempo – mas não demorou muito, claro, até vir bater na minha porta. Por favor, só vai embora. Eu não queria atender, não queria abrir a droga da porta. Segurei a maçaneta com uma das mãos, relutante, mas sabia que não tinha escolha – eu já tinha a deixado entrar, antes mesmo dela sequer bater.

março 05, 2010

Les Misérables

Atravessei a cozinha cantarolando. Com Lou Reed nos fones de ouvido e meias no pé, indo atrás de alguma coisa para comer. O meu humor estava fantástico – já o meu estômago nem tanto. Reclamando ruidosamente a cada maldita prateleira vazia. Não tem comida nessa casa, cacete?! Sem desistir, fui até a geladeira e fiquei alguns minutos encarando a escassez total de alimentos daquele apartamento. “You’re a slick little girl... Oh, you’re such a slick little girl”, eu dançava, com as minhas pernas já parcialmente congeladas em frente à geladeira inútil.
 
_FEEEEEER! – berrei, ainda de fone, o que deve ter me feito soar ainda mais escandalosa – Não tem porra nenhuma para comer, vamos no mercado??
 
Nenhuma resposta. Continuei com a música nos ouvidos e pus-me a beber um copo de água da torneira da pia, dane-se, já que não tínhamos um líquido sequer naquela casa. “Now, we’re coming out!”, eu cantava, distraída, “out of our closets, out on the streets, yeah, we’re coming out!”. Alguns instantes depois, eu pude escutar o som distante do Fer gritando o meu nome. Repetidamente. Olhei para a porta e ele estava apoiado no batente, esperando eu me virar na sua direção para possibilitar uma conversa.
 
_D-desculpa. Não te ouvi... – disse, tirando os fones do ouvido, com um sorriso amarelo.
_Ah, jura? – ele riu – Mas, e aí, fala... O que cê quer?
_Não tem comida.
_Claro que tem! Comi hoje cedo aí com a Júlia. Tinha um resto de sucrilhos e... err, bom, o leite acabou.
_Não tem mais nada, meu! Precisamos ir lá comprar.
_Agora não dá, meu... – retrucou – ...a Mia tá vindo aí.
 
Oi?
 
_A Mia tá vindo pra cá? No apê?! – perguntei, tentando não soar totalmente surpresa e decepcionada – Agora??
_Tá, eu liguei para ela... – estranhou – Por quê?
_Não, por nada... É só q-que... Ela tinha comentado... Digo, o-ontem... – me enrolei – Q-que talvez ela fosse... f-fosse sair hoje, m-mais tarde... À noite, não sei, não lembro.
_É, ela disse que ia sair mesmo. Mas falei para ela passar aqui pra comer...
_E comer o quê, meu? – argumentei, como se pudesse impedir sua vinda – Não tem comida!
_Ah, sei lá, a gente pode pedir alguma coisa...
_Com que grana, Fer?! A gente só come delivery a porra da semana inteira! – resmunguei – Vamos comigo no supermercado, vai, antes que feche o shopping da Frei.
_Ah, velho... Puta preguiça de sair agora!
_Por favor! Vai, pelo menos para comprar umas cervejas e um pouco de macarrão, meu. Senão fica difícil...
_Tá... – se deu por vencido – Mas vamos logo, que daqui a pouco a Mia chega aí.

março 03, 2010

Não é por mal...

Até que, finalmente, a Mia deu sinal de vida: mandou uma mensagem.
 
Mas não para o Fernando, cujo celular – assim como o seu dono, esquecido pela namorada – ficou ao meu lado o tempo todo na sala. O seu telefone não vibrou uma só vez. Nenhuma. O recado era para mim. E só para mim. Nele, a Mia me perguntava simples e direta quais eram os meus planos para aquela noite. Sem beijo e nem sorrisinho – só a pergunta e uma possível segunda intenção.
 
Vou sair com vc”, respondi.
 
Com certa arrogância. E esperei a sua resposta. Olhei para o Fer naquele meio tempo, sentado ali ao meu lado, me fazendo arrepender brevemente. O que eu estou fazendo? Passei o dia me sentindo mal, pensei. Segundos depois, porém, a tela do meu celular piscou com uma confirmação e um sorriso dela – e eu simplesmente esqueci de me sentir culpada.
 
Passo ai as 23h ;)”, digitei e mandei.

março 02, 2010

Os pilantras

_Não sei o que me deu – o Fer reclamou, arrependido – Burrice, só pode!
_Relaxa, meu... O que cê vai fazer? Agora já foi, né?!
_Eu sabia, sabia que tava fazendo merda. Devia ter ignorado, velho. Ela me mandou mensagem ontem e e-eu... Caguei tudo! Burro do caralho. Agora a Jú vai ficar aí cheia de nhé-nhé-nhé para cima de mim, me enchendo o saco e a Mia... Puta merda, vai ser um inferno! – passou a mão no rosto, nervoso – Eu sou um idiota, mano.
_Calma, Fer, também não é o fim do mundo. Foi uma vez. Logo passa... Só não vai dar uma de honesto agora e ir lá contar, meu, a Mia ia ficar arrasada – me estiquei até a ponta do sofá e alcancei o meu maço, tirando um cigarro e o isqueiro lá de dentro – Juro. Eu te arrebento.
_Cê tá doida?! Óbvio que eu não vou contar!
_Acho bom mesmo...
_Mas, porra... Se esse negócio vazar...
_Não vai vazar.
_É, mas se...
_Não vai, cacete!
 
O interrompi, garantindo.
 
_Argh, sei lá. É foda. Vou ter que prestar atenção no que eu falo daqui para frente – ele roubou o cigarro da minha mão e deu um trago – Acho que a Jú não vai fazer nada, né?
_Olha... Daquela ali eu não duvido bosta nenhuma.
 
O Fer arqueou a sobrancelha, rindo. Nós dois sabíamos como tinha sido o relacionamento deles na adolescência – e não foi coisa boa. Ficamos em silêncio por um tempo. Ainda me sentia sonolenta, afundada no sofá fumando.
 
_As suas minas não ficam sabendo, não? – o Fer me observou, curioso.
_Quem? – estranhei, sem entender – Sabendo do quê?
_Como “do quê”?! – riu – Nunca vi ninguém ir e vir de uma para outra que nem você e suas amigas, mano... Sapatão num sossega, velho. Elas não ficam sabendo, não? A Rô? A Aninha? Porque, porra, não é possível!
_Ah, sei lá... Às vezes dá ruim – dei de ombros e fiz graça, piscando – Mas todas acabam voltando para mim.
_Ah! Tá bom! Vai nessa...
 
Ele começou a rir. Era a maior besteira que eu já tinha falado e ele sabia.
 
_Ah, me poupa, Fernando... Você só tá bravinho aí porque quer fazer merda e não aguenta! – provoquei – Agora tá todo preocupado se a namorada vai descobrir...
_Desculpa aê, Rainha do Vacilo... – me zombou.
_Cala a boca, babaca! – dei um soco no seu braço, rindo – Mas, vai, agora falando sério: por que diabos cê foi comer essa mina? A Júlia já tava até com poeira de tanto tempo que cês terminaram. Que raios deu na sua cabeça pra ir mexer nesse rolo, meu?
_Ah, meu... sei lá, é que... faz, o quê? Um ano que eu tô aí com a Mia e... tipo, é só a Mia, tá ligado? O tempo inteiro – nossa, eu te odeio – Daí eu vi a Júlia lá no Marcos e ela tava toda, sei lá, mano, ficou dando mole. E, porra... Não sei, eu não pensei muito na hora! Só queria fazer uma graça. Dar corda para ver onde chegava – ele esfregou o rosto, angustiado – Mas, quando eu fui ver, já tinha feito a merda, meu.
_Sei. E valeu a pena, pelo menos?
_Não – ele riu, dando um trago – Foi um lixo.
_Mano, como você é idiota.
_É – apertou os olhos e me devolveu o cigarro – Mas, e aí? Foi legal lá ontem? O que vocês fizeram?
_Ah, nada. A gente viu as lutas e bebeu, ficou conversando...
_Nossa, a Mia sumiu, porra... Deve ter sido bom o negócio, não?
 
Ah, você não faz ideia.

Enfim

Assistir televisão de fim de semana é suicídio intelectual. Sábado à tarde e nada passando. Não importava quantas vezes eu mudasse de canal. O tédio tava me irritando profundamente, quase mais do que a presença daquela imbecil no meu apartamento – a tal da Júlia estava na cozinha, terminando de tomar café com o Fernando. Coloquei na MTV e abandonei o controle ao meu lado, enquanto tentava dormir ao som de qualquer lixo musical. 
 
Minutos ou horas depois, não sei bem, ouvi a porta abrir e acordei. Olhei para cima e o Fer estava em pé, com uma expressão desconfortável, despedindo-se da idiota no batente. Ela me encarou por um instante, a metros de mim, ainda raiva pela minha grosseria mais cedo. Já vai tarde, pensei e deitei a cabeça de novo no sofá. Eles se beijaram, pelo que pude ouvir, mas não consegui distinguir de olhos fechados se foi significativo ou não. A porta se fechou.
 
Só nós dois novamente. Constrangedor.
 
O Fer sentou do meu lado, a alguns centímetros dos meus pés, e suspirou. Abri os olhos e o encarei por um tempo. Senti dó, por algum motivo totalmente incompreensível e desconhecido a mim, mas senti. Acho que eu o entendia, de certa forma. Esse tipo de inconsequência era algo que eu podia entender. E afinal, nós éramos amigos – há mais tempo do que eu podia me lembrar. Parte de mim queria protegê-lo do problema que ele criou.
 
_Eu fiz merda, não fiz? – me olhou então, ciente da besteira que tinha cometido.
_É, fez.

março 01, 2010

O pau oco

_Eu quero falar com você.
 
Passei entre o Fernando e a idiota da sua ex, trombando nos dois da forma mais grosseira possível. Entrei no meu quarto e esperei que ele viesse atrás. Alguns segundos depois, o meu amigo apareceu, já estressado pela minha ceninha. Bateu a porta atrás de si, pronto para a discussão barulhenta que eu estava prestes a começar. Mas aí eu olhei para ele e... e não consegui. Travei. Estava possessa, como poucas vezes fiquei, mas não conseguia emitir um ruído sequer. Inferno.
 
_O que foi, PORRA? – o Fer me encarou, impaciente – NÃO VAI FALAR?!
 
Cruzei os braços e olhei para o chão, mordendo a boca de raiva. Não. Era incapaz de articular uma porra de uma palavra. Aquilo me destruiu por dentro, numa culpa desgraçada. Eu sou uma puta de uma hipócrita, a realidade me doeu. O silêncio foi crescendo e a cada segundo que se passava eu sentia o descontentamento do Fernando piorar. O ar ficou pesado, insuportável. E eu não conseguia dizer porcaria nenhuma.
 
_AH! VAI SE FODER, MANO! Na boa, se você tem algum problema, não fica fazendo teatrinho na frente dos outros pra depois não me dizer nada – se irritou e eu o encarei, muda – O QUÊ, PORRA? Hein?! Perdeu a coragem?! FALA LOGO! FALA O QUE VOCÊ QUER FALAR! FALA QUE NÃO GOSTOU, QUE NÃO QUER ELA AQUI. VAI, FALA! – o Fer berrava na minha direção e eu seguia covardemente quieta – Sabe qual é o problema? Não é falta de coragem, não, é FALTA DE MORAL pra falar qualquer merda de mim – podia sentir a vontade de gritar subindo a minha garganta – Porque de todas as pessoas do mundo, TODAS, cê é a que menos tem direito de vir me dar esporro. Pode fazer cara feia aí, pode não gostar, pode reclamar à vontade, que no fundo cê não tem argumento NENHUM e você sabe! Cê faz merda com todas as meninas que cê pega, mano!! – me atacou, como se isso o livrasse da culpa – QUEM CÊ ACHA QUE É PARA ENTRAR AQUI E DAR ESSE CHILIQUE AGORA?! NÃO VEM BANCAR A CHEIA DE MORAL E VIR QUERER "FALAR COMIGO" QUE SOMOS DOIS NESSA PORRA DE VIDA HEDONISTA DO CARALHO!
 
É. Você está certo, Fernando. E aliás, eu peguei a sua mina.
 
Não havia momento melhor para admitir tudo e tirar aquela traição de merda da minha consciência. Mas não, n-não consigo. E-eu não posso fazer isso. Ele ia me odiar como nunca odiou ninguém antes – ele não ia entender. E eu não podia perder o Fernando. A maioria das pessoas que eu conhecia lidava com as suas dores até não aguentar mais e explodir, mas o Fer, não. Ele partia pra cima na primeira pedra atirada contra ele. Eu sabia disso – sabia, porque eu era igual. Nunca processamos porra nenhuma, reagindo sem pensar e piorando tudo, num esforço fenomenal de foder com a porra toda.
 
E era isso que ia acontecer – e era isso que eu queria evitar.
 
_CÊ NÃO VAI FALAR NADA, PORRA? – gritou comigo, após mais algum tempo.
 
E eu olhei nos seus olhos, mantendo a calma:
 
_Eu não preciso falar nada – disse, firme – Você sabe que está errado. E talvez eu não seja a melhor pessoa pra te dar lição de moral mesmo. Aliás, eu sou a pior pessoa e eu sei disso, sei melhor do que você. Mas isso não muda o fato de que você tá errado. Você cagou tudo. Foi burro. A Mia é uma mina maravilhosa e você é um babaca se perder ela para aquela idiota na sala.
 
Podia ver nos seus olhos a ficha caindo.
 
_A, a gente não... – deu para trás, abaixando a voz – ...nós s-só... ficamos conversando e ela a-acabou dormindo aí, não f-foi como se... – tinha os gestos nervosos – Escuta, não comi a mina, tá legal?
_Ah! Fernando... Porra, mano! – reclamei – Qual é? Vai mentir na minha cara?!
_Tá bom! Tá bom! Comi, sim! – admitiu – MAS QUE INFERNO! Eu n-não... Eu não queria que... Não foi planejado, e-eu... MERDA! – sentou na minha cama e passou a mão na cabeça, se arrependendo – Eu tô fodido. Fodido. A Mia vai me matar se ficar sabendo!
_Velho, por que cê foi fazer isso?!
_Sei lá, caralho! Você... v-você não pode falar nada pra ela. Tá me ouvindo? Nada!
 
Mais uma vez, as palavras fugiram da minha boca. Como se eu precisasse de mais um segredo para guardar. Argh. A impotência acabava comigo. Incapaz de sair do caos que eu tinha começado. Virei de costas para o Fer e me apoiei na janela, respirando fundo. Então peguei o maço no bolso, acendendo um cigarro e soprando a fumaça para fora da janela. Mas que droga. Não conseguia acreditar no rolo em que eu tinha me metido.