O interfone tocou e fui deixada sozinha no apartamento por alguns
instantes. Tinha insistido mil vezes que não queria pizza, estava completamente
sem grana depois do mercado, mas a Marina me ignorou. E pediu mesmo assim.
Antes do entregador chegar, detalhei toda a minha situação com a Mia e o Fer,
sendo interrompida pelo interfone quando já estava na discussão do quarto. A
Marina voltou com uma pizza quentinha em mãos e eu levei dois pratos para a
sala, sentando ao seu lado no sofá para comer.
_Cê precisa terminar com ela – a Marina anunciou, do nada.
Quase engasguei.
_O quê? Não! – discordei – Por que diabos eu faria isso??
_Não sei, linda, sinto que cê vai acabar se enfiando cada vez mais
numa confusão de mentiras e traições e constrangimentos na sua própria casa e,
e não é fácil, flor. Eu sei o que falei da outra vez, mas cê não pode continuar
nisso assim, cê já tá muito envolvida.
_Tá louca, Marina?
_Não quero que você se machuque...
_Mas ficar longe dela também vai me machucar! – ri de nervoso, sem
graça – E e-eu, eu não consigo, Má! Eu tentei. Juro! Tentei de tudo pra ficar
longe da Mia, por meses, mas não dá! Ela tá lá o tempo todo, porra, eu vejo ela
quase todos os dias, a mina não sai daquela droga de apartamento!!
_Tá, mas...
_Não, me escuta – argumentei – E-eu... eu nunca me senti assim
antes, meu. A Mia... Ela não é só uma garota que eu quero comer e nunca mais
ver, e-ela... ela me fode a cabeça! Cê não tá entendendo! Eu passo a porra do
dia sonhando acordada, eu nunca fiquei assim! E e-eu, eu sei que a gente
ia dar certo juntas. Eu sei! Eu sinto em cada célula do meu corpo. E eu realmente
acho que ela também sente o mesmo, ela só tem medo, e-ela não sabe como... e-eu,
eu tô completamente apaixonada, Má.
_Bom, então você precisa falar com o Fer, flor.
_Não, isso não é uma opção.
_Ou um, ou outro.
_Não, não... – passei as mãos no rosto, angustiada – ...tem que
ter outro jeito.
_Gata, escuta o que eu tô te falando – a Marina me alertou – Você
vai se dar muito mal nessa história. O Fer não vai te perdoar. A bomba vai
explodir inteira em cima de você.
_Mano, m-mas... e-ele, ELE TAVA TRAINDO ELA!
_E daí, ELA TAMBÉM TAVA!
_É, s-só que...
_Só que o quê?! – me interrompeu – Flor, você não sabe como são as
coisas entre eles. E uma coisa é o Fer trair com uma mina nada a ver, outra é
ele descobrir que você tá pegando a namorada dele. Não tô dizendo que
ele tá certo, mas cê entende que vai dar muito mais errado pro seu lado? Vocês
tão se envolvendo muito rápido, meu amor. E eu sei que cê gosta dela e que pode
parecer impossível, mas você tem que se afastar enquanto ainda consegue.
_Tá. E-eu, eu sei, mas... Ela quer, Má, cê não tá entendendo, ela me
quer. Ela quer ficar comigo. Eu vi na cara dela hoje, mano, no quarto!
Porra. Não é como se eu tivesse alimentando uma paixão platônica por uma pessoa
que não tá nem aí para mim! E se, s-se você visse ela ontem, mano, o jeito como
a gente se encaixou, como ela me beijava, cê não tem noção. Eu, e-eu não vou conseguir
mais tirar ela da cabeça, velho. Foi pra valer, Má.
_Pra você, meu amor, porque você vê as coisas assim...
_O que diabos isso quer dizer?
_Quer dizer que cê já se apaixonou por minas antes, já namorou,
levou pra casa dos pais. Cê sabe o que é ser sapatão... – argumentou – A Mia,
não. Ela nunca ficou com outra garota, linda. Ela não sabe o que é gostar de
mulher. E eu n-não, não sei se ela tem noção do que realmente significa, de
tudo que vem junto. Do que ela vai ter que abrir mão. Você acha que ela sabe,
porque quer que ela fique com você, mas as coisas te afetam de outro jeito... –
suspirou – Não é a mesma coisa, flor. Como cê pode ter certeza de que ela sente
o mesmo que você? Como cê sabe que não é só porque, sei lá, p-porque é diferente?
Proibido? – comecei a balançar a cabeça, a ouvindo, negando tudo o que ela dizia
– Olha... escuta. Pra mim, pra você, o que uma mulher faz do nosso lado tem um
significado muito mais forte. Nós damos sentido a cada gesto. Eu só não quero
que você quebre a car...
_Marina, eu não tô tendo um delírio – rebati, a cortando – Ela gosta
de mim!
_Eu não tô dizendo que não, só... só q-que talvez... – hesitou –
...talvez não seja tudo isso na cabeça dela. Não como é pra você, entende? Não
sei se a Mia tem plena consciência do que faz com você, flor. Nem se ela tá
pronta para encarar isso. Ela namora!
Respirei fundo e apaguei o cigarro no cinzeiro, a escutando falar a contragosto,
enquanto encarava o chão. Eu odiava aquilo. Odiava seus argumentos, a sua
preocupação. Não queria ouvir – porque mesmo com toda a razão e os sinais
evidentes e todo o maldito bom senso indicando que a Marina, provavelmente,
estava certa... algo dentro de mim ainda discordava.