O ar passava gelado entre os meus dedos, voando leves ao som do
álbum experimental que tocava no carro da Isa. Cex, “Actual Fucking”. Minha cabeça seguia apoiada na janela aberta,
o antebraço todo para fora e os dedos suspensos no ar. Eu estava bêbada,
realmente bêbada – tinha aberto a janela para não vomitar ali dentro, enjoada
pelas voltas que demos pela Lapa para deixar o amigo dela em casa. Agora o
carro seguia em linha reta pela Heitor Penteado. Só eu e ela.
Mas a minha mente e o meu olhar estavam longe – na Mia, é.
Eu sabia o que a Isa queria. Sabia exatamente o que ela estava
pensando, sentada ali ao meu lado, fumando um cigarro e me observando vez ou
outra, com o canto do olho, murmurando a melodia insinuante que saía do rádio. Sabia
porque aquele era o papel a que eu me acostumara. A ser a garota que liga para
outra às três da manhã. A atravessar a cidade para foder alguém que não ia encostar
um dedo sequer em mim. A não significar. A não ser ninguém. E sabia, antes de
mais nada, porque sabia o que eu tinha feito aquela “carona” parecer ao
telefone.
Mas, àquela altura, eu estava pouco me fodendo.
Brisava nas batidas em downtempo
da música e nos meus dedos no ar, olhando a cidade passar por detrás. Ajeitei o
rosto, apoiando o queixo sobre o braço que pendia para o lado de fora. E ao
notar o mínimo movimento meu, a Isa puxou assunto. Coloquei os ouvidos do lado
de dentro do carro – “quê?”, pedi para ela repetir. E encostei o corpo contra o
assento, colocando os pés no painel e escorregando no banco, com os joelhos na
altura do rosto.
_Eu perguntei... – ela sorriu – ...no que cê tá pensando aí?
_Em nada... – murmurei, largada no banco do passageiro, desanimada – ...sei lá. Em parar pra comer, talvez.
_Pra comer?
_É – sugeri, a poucos quarteirões de casa, sem fome alguma – Tá com fome?
_Olha, até comeria... – sorriu pra mim – Mas só vai ter boteco aberto essa hora!
_Não. Vamos no Prime Dog, meu.
E aí passamos reto pela Augusta, atravessando até o final da
Paulista. É – eu estava enrolando. Descaradamente. Ganhando tempo ali,
sem fome alguma, enfiando um hambúrguer vegano goela abaixo. Enrolando pois sabia
que, assim que descesse na porta do meu modesto edifício, ela ia querer subir
comigo. E eu não queria ser a filha-da-puta que, além de pegar carona a troco
de beijo nenhum, também diz estou-cansada-deixa-para-outro-dia. Mas não estava
afim. Então precisava criar, no mínimo, a ilusão de que aquilo tinha sido um
encontro.
Sentada naquela cadeira gelada do Prime Dog, rodeada de outros bêbados
que começavam a sair das baladas, eu a escutava tagarelar. E entrava numa bad
cada vez maior. A Isa encostava sua mão na minha, debaixo da mesa, e eu apoiava
ambas ao lado do prato. Aí ela pegava discretamente na minha perna e eu a
cruzava, dois segundos depois. Vez atrás de outra. Ia desviando das suas
tentativas de criar qualquer clima para um possível beijo e ela percebia, achando
graça, como se eu estivesse me fazendo de difícil.
Por que diabos eu tô aqui? Caralho.
Assim que levantamos da mesa, a Isa tentou me convencer a tomar
uma saideira do outro lado da avenida. Ficou pulando na minha frente com as
pernas descobertas num vestidinho preto amarrotado e uma jaqueta jeans dez
vezes maior do que seu tamanho. Cacete. Depois de toda aquela comida, eu
já estava levemente mais sóbria – o suficiente para saber que não tinha dinheiro
para mais nada. Me restavam menos
de dois reais em moedas.
_Não, mano – argumentei – Nem tenho grana mais.
_Ah vem, vai... – a Isa insistiu, rindo – ...eu peço uma tequila e a gente divide!
Céus.
_Em nada... – murmurei, largada no banco do passageiro, desanimada – ...sei lá. Em parar pra comer, talvez.
_Pra comer?
_É – sugeri, a poucos quarteirões de casa, sem fome alguma – Tá com fome?
_Olha, até comeria... – sorriu pra mim – Mas só vai ter boteco aberto essa hora!
_Não. Vamos no Prime Dog, meu.
_Ah vem, vai... – a Isa insistiu, rindo – ...eu peço uma tequila e a gente divide!
4 comentários:
AHAHAHA e ela conseguiu mesmo! Genteeee que resistência à loirinha, meu! Que chataaa! HAHAHAHAAH
E me diz QUEM consegue tomar uma dose (ou meia) de tequila apenasss?? HAHAHAHAHA
AI. ouçam Chicago! É desse cd, gent, o Actual Fucking! ;*
#adoro gente que conhece Cex, hahaha eu descobri a banda ontem, meu! Tinha imaginado o post ao som de "Denton"... mas "Chicago" também cabe per-fei-ta-men-te. ;)
Sabe o que eu gosto neste blog? Q a toda hora ele questiona a postura corriqueira das pessoas!
Coloque-se na posição de um terceiro, que não tem acesso aos pensamentos da FM. O que vc vê? Se vc fosse amiga da Mia, certamente iria aconselhá-la a sair dessa (FM). Se vc fosse amigo/a do Fer, ia achar que a Devassa fez o que fez para se divertir!
Então, pq tanta gente insiste em se meter na vida alheia qdo a felicidade parece iminente! Não seria melhor apenas deixar rolar? Ah, ela vai se machucar? Diriam alguns! Well, então quanto ela viveu intensamente, foi feliz? Não valeu à pena?!
De qq forma, me parece que a FM tá ferrada! E vai fazer mais m... ainda! :(
a gente já se acostumou tanto com a FM fazendn
o merda, que chegou um ponto que é isso que queremos mesmo ;)
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