Ah, se vou...

“When I was tired of looking around, oh yeah, I found her”, os músicos aceleraram o ritmo em cima do palco. Puxei a Mia na minha direção, pegando-a pela cintura, e grudei o meu rosto no seu – “essa é a nossa música”, disse no auge da minha pretensão, competindo com as caixas de som. Ela sorriu, um tanto confusa. E eu fiz graça, cantando – “she was really one of a kind, I know that so”.
 
A música prosseguiu e eu também, numa serenata alcoolizada. A minha memória tentava acompanhar as palavras, num charme descompassado para a Mia, que ria a cada frase que saía da minha boca. O ar na pista estava denso, daquele jeito característico de bares lotados, numa confusão de luzes, uns empurrões de todos os lados e o som alto, estourando nossos ouvidos. Segurei a Mia ainda mais perto, admitindo, “whenever that old foolish heart of mine was by that little girl, time would stop and kindly give us the way”.
 
_Hum. Tá romântica, hein? – ela me zombou – Tem certeza de que é para mim?
 
Revirei os olhos e fiz um gesto para que ela escutasse, me divertindo. “Well, nothing in my life happens like in the movies”, continuei junto ao vocalista, “she had another guy that loved her just the same”. A Mia começou a rir na mesma hora.
 
_Agora, sim, parece a nossa música! – brincou.
 
E eu lhe dei um beijo na bochecha, enquanto confessava: “no, I don’t really like to spoil nobody’s marriage”, no meio de toda aquela gente, “but I’m caught in the scent that something here is just not right”. A Mia balançava a cabeça, indignada, se divertindo conforme eu discordava abertamente do seu relacionamento. Então pisquei na sua direção: “c’mon, woman, I’m the one who’s gonna do you good!”. E o álcool me convenceu de que aquela ceninha ia mesmo dar certo. “I will have no peace until you’re mine”, concluí e ela chegou mais perto, apoiando os cotovelos nos meus ombros em resposta. Me observando.
 
A pista inteira balançava de um lado para o outro, conforme os músicos repetiam a última frase – “until you’re mine, until you’re mine, until you’re mine”. Mas não a gente. De repente, parecia existir um outro tempo entre nós. O brilho das luzes passava por nossos rostos sem fixar, como se também entendesse que ali havia outra frequência. Enquanto tudo ao redor se movia rápido demais, só respirávamos, nos olhando – num compasso que sussurrava o que ainda não tínhamos coragem de falar.
 
Senti que poderia beijá-la naquele momento. Bem ali. E que, mesmo que todos os olhos se voltassem a nós, a Mia não se incomodaria. Mas segurei a sua mão e a virei, com mais carinho do que queria demonstrar, abraçando-a pelas costas. Aquela era a primeira vez que nós dançávamos juntas assim. Movi seu cabelo para frente do ombro e encostei os lábios na sua nuca, em segredo – num beijo escondido.
 
“I’ll do... I’ll do you”, a música seguia em alguma outra dimensão do universo e os nossos corpos balançavam juntos lentamente, em meio às pessoas desavisadas ao redor. “I’ll do... I’ll do you. I’ll do... I’ll do you. I’ll do... I’ll do you. I’ll do... I’ll do you. I’ll do... I’ll do you. I’ll do... I’ll do you...”, num suspiro, “...good”. E tão logo a música acabou, num movimento impensado, a Mia se virou e apoiou os braços novamente sobre os meus ombros.
 
E me beijou.