O café-da-manhã foi constrangedor – e um tanto engraçado.
Talvez fosse o pé da Mia no armário ou quem sabe era só coisa da
minha cabeça, mas sentar numa mesa com os pais dela enquanto eu fingia ser sua
“amiga”, depois daquela noite, me fez sentir como uma adolescente de
novo. A começar que eu não tomava café-da-manhã numa mesa de família há anos.
Mal sabia o que fazer comigo mesma. Na manhã seguinte à do UFC, os pais dela não
se sentaram conosco. Mas desta vez, sim.
Não tivemos escolha – quando saímos do quarto, ambos já estavam à
mesa e insistiram, eu quis ser educada. Devia ter sido grossa, me
arrependi, me vendo emboscada pela família tradicional brasileira. E como se
não bastasse a minha inabilidade absoluta em socializar com as gerações mais
velhas, principalmente essas assim, cheias da grana e sem um puto
em comum, ainda tinha o fato de que meia hora antes a filha deles estava
sentada na minha cara.
É – aquele sorriso não saía do meu rosto por nada.
E na tentativa de disfarçar, para não dar muita bandeira, fiquei
tomando gole atrás de gole de suco. Acho que nunca bebi tanta laranja. Me
escondendo naquele copo ao mesmo tempo que curava a ressaca, o que resultou numa
proporção insalubre de aproximadamente 10g de comida no garfo para cada 5
litros de laranja espremida.
A Mia me olhava de volta e sorríamos, às escondidas. O pai dela
sequer se dava conta, engravatado e enfiado em um jornal, enquanto a mãe
tentava puxar assunto comigo. Surpresa de me ver de novo ali. “Não sabia que o
Fernando morava com uma garota”, ela dizia, com um tom de julgamento e analisando
a minha caminhoneirice da cabeça aos pés, “e você, faz faculdade?”. “Eu
trabalho”, respondi entre um gole e outro, tentando soar minimamente responsável,
com a roupa ainda cheirando a cigarro do bar e o cabelo bagunçado de tanto
comer a filha dela a madrugada toda.
Foi mal, sogrinha.
A Mia ria da minha péssima performance. Estava usando uma regata
branca por cima duma calça rasgada, que eu escolhi enquanto ela tirava todas as
roupas do armário e me pedia para ajudá-la, ambas sem nenhuma intenção de
realmente nos vestirmos, enroladas nuns beijos que não pareciam ter fim. Só
quando sua mãe nos chamou para tomar café pela terceira vez é que nos trocamos de
fato, às pressas. Agora a Mia prendia o cabelo num rabo, meio de qualquer
jeito, sentada do outro lado da mesa. E eu a observava, secretamente apaixonada,
vendo os fios que se soltavam – curtos demais para prender – e caíam sobre o seu
rosto suavemente. Eu podia assistir isso o dia inteiro, puta merda.
Merecia uma palma de ouro em Cannes.
Assim que terminamos o café-da-manhã, nos livrando daquele momento
obrigatório constrangedor, pulamos da cadeira e nos apressamos para sair o
quanto antes do apartamento. Roubei um croissant para comer no caminho e me despedi
dos meus “sogros”, certa de que não havia causado nenhuma boa impressão. Ainda
assim, o pai da Mia nos ofereceu carona. Menti sobre a existência de um carro
"estacionado logo ali na esquina" – e duma carta de motorista,
aliás – e recusamos educadamente.
Até que enfim, livres.
Descemos de elevador, aliviadas. O dia estava gostoso, saímos
andando pela rua – puxando conversa fiada e cigarros do bolso. A Mia não
conseguia parar de rir, zombando da minha cara desconfortável em frente aos
pais dela, e eu sorria, envergonhada. Comi meu croissant no ponto e entramos no
primeiro ônibus que passou em direção à Consolação, nos apertando com aquela
multidão-das-8-e-meia típica de São Paulo. Entre mochilas e corpos em excesso,
coloquei minha mão ao redor da Mia, segurando-a para que não se desequilibrasse
com os trancos do busão, enquanto eu me apoiava num dos canos de metal.
Conversamos e rimos o caminho todo, num estado bobo, descompromissadas, sem ceder
ao cansaço de uma das noites mais longas – e incríveis – do ano.
Descemos nas redondezas do Mackenzie. Mas ali requeria mais
cuidado. Aquele, aquele não era meu lugar – estava abarrotado de amigos
dela e de gente que conhecia o Fer, possíveis dedos-duro. Não podia me meter à besta. Então, calculei os meus passos. Observando
cada esquina e porta e comércio fechado ao longo do caminho, movimentado freneticamente
pela massa paulistana. Até encontrar um esconderijo: um bar fechado, cuja porta
entrava cerca de dois metros parede adentro. Sem pensar duas vezes, meti a Mia
ali dentro para roubar um último beijo.
Meu deus. Como eu precisava disso.
A Mia sorriu. E voltamos para a rua com na mesma rapidez com que
sumimos dela. Acompanhei-a até a entrada do Mackenzie na Itambé, aproveitando o
máximo de tempo possível ao seu lado, e não me despedi. Apenas voltei os
passos, andando de costas na calçada, sorrindo para ela. A Mia sorriu de volta. Aí se virou e entrou, atrasada para a aula. Caralho. Eu era a mina mais feliz de
toda a porra do mundo. Caminhei até a Consolação repassando na minha cabeça
cada segundo daquela noite, cada centímetro daquela mulher. Nunca estive tão
feliz na minha vida.
Entrei e saí do busão, sem nem perceber o tempo passar,
completamente imersa nos meus próprios botões. Não sei como cheguei no estúdio,
mas cheguei. E passei por todo mundo sem abrir a boca, apenas sorrindo de ponta
a ponta do rosto. Sentei na minha cadeira e olhei para a frente, dando de cara
com um dos meus colegas engraçadinhos de trabalho, que me observava
pacientemente. Ele riu.
_Você não dormiu hoje, né?
22 comentários:
Eu ia dizer que dormir é para os fracos, mas o último dia em SP me queimaria com essa informação.
Então, só digo que reconheço esse sorriso. De longe. E reconheço de longe quando fingem um sorriso desses.
Tomara que as coisas continuem bem pra Devassa... porque, né?! =x hehe
Legal! Pelo menbos ela curtiu esse momento, nem pensou em ratos, gatos ou esgotos! Não posso dizer q prefiro ela assim, pq a Devassa tem um humor ácido q eu adoro! mas o clima pede essa leveza d´alma! :)
ai gente. me dói ver alguém tão feliz assim e eu aqui, nessa fossa. haha
cara que delicia tudo isso *_*
to ficando tensa quando o fer entra nos post também :B
fer, pq já sou super intima
riri
"Mano, eu sou a mina mais feliz da porra desse mundo."
Eu adoooro seu texto!
=*
Quero ser como a Devassa quando crescer.... hehehe adoro o blog! parabéns ai!
Só sei que eu quero um beijo assim, puxado, escondido... que faz tudo em volta SUMIR! *----*
Esses momentos de ter que se fazer de amiga na frente da família são tããão legais. ¬¬
Ter a pessoa que se desejou por tanto tempo é uma sensação incrível e causa esse transbordamento de felicidade, meesssmo. Mas, agora trazendo o meu lado pessimista a tona, acho que ela vai ser "a mina mais feliz da porra desse mundo" até ver a Mia nos braços do Fer.
que lindinhas ^^
(L)
Eu adoro o blog... Mas duas coisas são impagáveis: as falas da Devassa e a Pri agourando a Devassa! :P
Comentário tipico de domingo de manhã!
Ta gostoso de ler tamanha felicidade (:
A Priscilaaa era uma otimista nos velhos tempos. Garanto! Ahh, essas desilusões amorosas.Rs...Culpa das "Mias" da não-ficção! ;)
Lendo esse post, relembrei de uns momentos da minha vida.
Mel, você é foda. <3
Não estou agourando, Lu. Estou sendo realista... hahaha!
E Carlinha, eu era mesmo, bons tempos aqueles...rs! A "minha Mia" é beeem diferente dessa!
=)
Aii essa demora de novos post ta judiando..rs
F.M. Apaixonaaaaadaaaaaa!!!!!!
Que bunitinho!!!!!!Linda!!!
Tá ótimo!!! Adoro isso aki!!!
Bjaum,
Juliana F.
Carã adorooo esses momentos com os sogros, lembro me dos da infância, dos velhos tempos...
em Pri venk qê te mostro uma "MIA" beeim diferente das que ja conheçeu...
O que está havendo Mel?
Saudades dos posts...
ela não está indo pra alemanha? acho que é por isso que faz tanto tempo que ela não posta
Cansou do blog??? q saudades de entrar aqui e ver coisa nova..
Pra mim ela já estava na Alemanha...mas obrigada!
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