Foi como ficar sóbria, instantaneamente. Às vezes, mergulhos muito
profundos em si são perigosos. Num consumo exagerado de entorpecentes. O
problema é que quando sua brisa te tira tanto de si mesma, sua mente às vezes é
obrigada a te puxar de volta – à força. É como quando você recebe a pior
notícia da sua vida em meio a uma bebedeira: o mundo automaticamente para de
girar e você recupera a razão. Mas aí vem
a dor de cabeça, claro. Porque trancos mentais tão bruscos assim não devem
ser tão simples, imagino, anatomicamente falando. A sua percepção da
realidade entra em colapso de repente, o que não deve ser nada saudável.
Mas a culpa mesmo foi das cores.
E não se deixem enganar pela pressuposta inocência das mesmas. Não
quando se tem drogas demais na cabeça e álcool em excesso no sangue – aí as
cores adquirem malícia, entendem, perdem a sua passividade. Foram elas que
provocaram a tal submersão perigosa. Começou com os pés descalços da Mia. Os seus
pés pálidos de anos sem tomar sol em São Paulo. E tá, eu sei, sei que branco
não constitui exatamente uma cor só, mas que se dane. Foi assim que começou.
Com a pele dela, esvaziada de cor pelo cinza dos céus paulistanos, contra o
azul-marinho do sofá da nossa sala. E continuou, descendo pelas suas pernas. Encostadas
suavemente entre si, até os tons castanhos da madeira no piso, que estava frio pra
caralho, contrastando ironicamente com o calor que emanava do seu corpo. Espalhava
pelas suas coxas. Ia desviando dos desenhos tatuados e descendo. Até a sua
calcinha preta, intensamente preta, e as cerejinhas vermelhas desenhadas em
toda a parte da frente. Observei deslumbrada – chapada demais. Era como
caminhar numa madrugada tranquila, dessas de verão, no interior de São Paulo, quando
pequenos pontos de luz iluminam as ruas e as árvores escuras à noite. Era
bonito de ver, realmente bonito. E aí os meus olhos encantados continuaram
subindo, lentamente, admirando o trechinho descoberto da sua nova tatuagem. As
linhas pretas e o amarelo dos narcisos na lateral do seu corpo. Por debaixo do
plástico, a fita suja de tinta, de sangue. E então vinha o cinza desbotado do
seu moletom velho até que, palmos acima, ressurgia a sua pele, iluminada pela
luz quente e amarela da sala, cada poro diante dos meus olhos, apaixonados
atentos, misturando-se com o castanho dos fios de cabelo que caíam ao longo do
seu pescoço e o castanho envernizado do chão da sala, se esparramando.
De repente, me deu uma vontade incoerente
de mergulhar ali, de correr meus dedos pelos fios, de tocar sua pele. Encostar
nela, sabe?
É que estava assim tão
perto, tão bonito. Que me vinha aquela paz, aquela lentidão, num impulso de
olhá-la por horas e não sair mais dali. Apenas contemplar cada centímetro, cada
fio, acompanhar os menores dos seus gestos, se movendo desatenta ao meu lado,
nuns tons serenos e num respirar lento, chapado, absolutamente magnífica. Levantei
a mão até o meu rosto, em um movimento igualmente lento, denso, completamente chapada,
e corri a ponta dos meus dedos pelos meus lábios. Sem pressa. Eu – também – me
movia pausadamente; pouco a pouco, junto com o mundo, que demorava a passar.
420 horas por minuto, é. Sentir o
calor das minhas mãos na minha boca me acalmava, de certa forma, mas não
resolvia o problema. Não era a sensação que meu corpo buscava ali, às cegas. Era
apenas um reflexo automático. O calor que eu queria, pelo qual eu de fato
ansiava, estava a alguns centímetros de castanho, de piso gelado de mim –
encostada sinuosamente nas linhas da madeira –; a sua boca me tentava por
acidente, sem intenção.
Foi quando, então, o escuro dos meus olhos encontrou o amendoado
dos dela, permeados por raios finíssimos de um preto lindo, tão lindo. E eles estavam ali, me
olhando de volta. Me olhando atentamente. Desde
quando? Eu não sabia. A sua mão se moveu cuidadosamente na direção do meu
rosto, tirando a franja bagunçada de cima dele, e eu senti a sua respiração
pesar dentre a ínfima distância entre nós duas. Aos poucos, meu coração
acelerou. O sangue corria intensamente pelas minhas veias, eu podia sentir,
como se o mundo inteiro formigasse ao meu redor e a vontade não fosse mais mera
emoção – era real. Era quente e vermelha. Tão palpável quanto a garota na minha
frente.
Foi aí que a mistura de tonalidades e sensações, sensações vivas e
deslumbrantes, coloridas, ou o excesso delas, me arrancaram o resto de
consciência que eu pouco possuía, me sacaram de mim, me roubaram a razão. E
impulsionaram, sem qualquer pensamento coerente, a mim na sua direção. A meio
centímetro dela, quase lá. A Mia me olhava de volta, completamente envolta nas
minhas intenções, hipnotizada pelo mesmo sentimento que me dominava. Era
aquilo. E aquilo era quase um beijo, envolto em castanhos ondulados e vermelhos
cintilantes, azuis macios, rosas lentos e pretos amendoados. E por pouco não
foi. O beijo. Realmente pouco – a ponto de eu sentir o movimento oscilante do
seu colo empurrar as partículas de ar contra o meu, conforme ela respirava,
ansiosa. Á mercê de toda aquela iminência. Involuntariamente minha boca se encheu
de gosto, de água, de vontade dela.
De repente, porém, os meus olhos recuperaram a velocidade normal.
O pequeno círculo, ao centro, se estreitou por um instante e toda
a realidade entrou de uma só vez na minha cabeça. Quase brutal de tão súbito.
Eu estava tomada por uma inércia entorpecente, desavisada de qualquer perigo e inconsciente
dos meus próprios atos. A meio centímetro da Mia e a menos de um metro do Fer.
Para, porra. Para.
O que diabos eu estava fazendo?
30 comentários:
maravilhoso!
Sem mais!!!
aaaawn *-* eu amo quando a FM descreve a Mia assim, toda apaixonada! ♥_♥
e o fer nessa história toda? o.o
oooown, ela toda apaixonada pela Mia, a FM muda perto dela, eu gosto G_G SUIDHIASUHD melhoor <3
Ain *-* esse passou a ser um dos meus favoritos T1
Perfeito Mel,mas bom rs vc sabe hauahuah ;*
IPC:#Noellyhot venk?.6.
(*) x3
Fico hiper empolgada pra hora que o fer descobrir tudo, haha. Tão bonito como ela descreve a Mia.
com o azar q a FM tem, ctz q o fer viu kkkk meu o blog ta demais, parece q to lendo um livro de suspense... adorooo!!!! não vejo a hr do proximo :}
passo por isso sempre que o acaso me coloca na contra-mão do que tento abafar todos os dias, é.. difícil!
VG
o fer teve uma overdose ali
EAEAEAEAEAEE
ai ta :(
parei
:~mimimi
meu ela tao apaixonada pela mia é d+ pq ela descreve a mia cmo tanto amor q deixa os leitores sem palavras e os leitores sempre querendo mais
nossa. não consegui ler em ordem. fui pulando linhas e voltando. muita tensão pro meu coraçãozinho fraco.
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA.......
Incrível como uma única letra pode descrever um sentimento tão complexo e confuso como a ansiedade......
Obrigada, Mel, pelas intermináveis horas de ansiedade e delírio com essa entorpecente história de amor!
^^
É lindo como ela descreve a mia ♥
Aiiin, como assim.. Posta mais... >< Atualizo o blog dezenas de vezes ao dia, fico relendo momentos delas.. >< Perfeita, perfeita demais essa cena! *O* Quero mais! ><
MEEEEEU QUE TEXTO É ESSSEEE, que descrição MARAVILHOOOOSAAA, noosssa que inveja, queria ter escrito isso, tenho que adimitir ! PERFEEITO.
parabéeeens !
Pq o Fer não dorme?! XD
Ai fiquei boba pela mia agora *-*
eu to com a impressão que segurei minha respiração por esse capítulo todo! *-*
incrível!
Ahei o post suuuuper poético. Parabéns Mel, arrasou como de costume. Bjo, sua linda ;*
nossa, Mel, encarnou a FM nesse post, hein? putamerda! não é possível que você não estivesse, sei lá, a flor da pele, envolvida pra caralho, ou mesmo bêbada (hahaha!) para escrever esse post. foi lindo, lindo. senti o sangue nas minhas próprias veias... e essa sensação, putz! me lembra a sala da casa da Bu, hiuaHUAihuiaHIUahIUH, porque foi quando eu fiquei com a Isa pela primeira vez (L)
besos =**
putz...eh lindo como ela descreve a Mia ♥
Mas tipo, como fica o Fer? é mt complicado a decisão que ela vai ter que tomar...
WOW!
Meu, sem palavras, que post PERFEITO!!!
Quando o Fer vir o que clima que está rolando entre elas pode ser que role 1, 2, 3??? hahaha
Fodastica!
Você mostra seu talento para a escrita dessa forma Mel, na descrição dos sentimentos em palavras de forma tão delicada, tão real. Parabéns, realmente um dos melhores posts até agora.
foi um post tão envolvente que eu quase beijei a tela do computador hahahahahahaha
muito bom!
Esse eu vou ter que concordar que foi um dos melhores até agora.
Acho que eu li umas três vezes, porque a descrição tá muito delicada, muito bem construída.
Porra, tá do caralho.
geente! que post mais lindo esse!
eu to snetindo que o proximo vai ser muito tenso, pq se o fer nao se tocou agora ele é MUITO lerdo, né?
p.s: estava no banho agora e vi uma formiga caindo!!!!! o.O e ela nao estava de ponta cabeça!
fiquei chocada, e ri muito!
ahhh eu gosto assim..
post assim bem fodão
todo mundo comentando
420 seguido de muito amor..
awww..
gatiita ♥
RrRrrRr!
Mais um post daqueles que a gente lê, pensa e a barriga: Que sesação filha da puta!
meeu, perfeito.
Você é minha ídola, sério.
Speechless! Você é minha ídola, sério. [2]
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