Primeiro toque. Nada. Eu subia novamente a Augusta, agora tomada
por uma agitação interna violenta, num susto que me fez parar os pés e o
coração segundos antes. Droga, droga.
O incômodo se misturou com o vazio das ruas e invadiu o meu corpo, me fazendo
sentir mal, realmente mal, indo na direção contrária da que eu deveria, me
afastando o quanto antes do meu apartamento. Me senti sem saída. Segundo toque.
Caralho, atende. Atende, por favor, atende.
O desespero começou a tomar conta de mim. Sentia se espalhar pelas minhas veias,
arrebentando cada célula arrependida dentro de mim, até apertar a minha
garganta. E nada – nenhuma voz do outro lado da linha.
Uma letra. Inferno. Uma
porra de uma letra. Não conseguia me
conformar, como eu sou idiota. Uma puta
duma idiota, caralho. Terceiro toque. Quanto mais ele demorava para
atender, mais eu me desesperava, por favor. Quarto toque e nada. Parei
em frente a um muro abandonado e deixei minha cabeça apoiar-se contra o cimento,
assombrada pelo nome do melhor amigo do meu melhor amigo na tela. Não tinha
motivo para os meus pés continuarem. Completamente desacreditada, a batalha perdida
antes de eu sequer ter chance de me explicar.
Quinto toque. E a única opção que me restava agora era torcer, em
vão, com os olhos apertados, sentindo o concreto contra a minha testa e a droga
daquele celular contra o meu ouvido. Torcer para eu ter tempo. Ele não pode ligar para o Fer, ele não pode,
não pode..., eu implorava no frio, sozinha, no meio daquela calçada escura em
São Paulo. Não pode, cacete. E por mais que eu quisesse me encher de
qualquer mínimo fio de esperança, a demora para atender o telefone e sua escolha
nada educada de palavras na mensagem que me mandou me forçavam a aceitar o fato
de que agora eu havia fodido tudo de vez. Não tinha justificativa. Eu não tinha
desculpa, não tinha argumento algum – o meu SMS expôs tudo, com todas as letras.
Não tinha mais o que dizer. A minha mente foi tomada por uma ansiedade dilacerante
e lágrimas precipitadas começaram a se formar dolorosamente ao redor dos meus
olhos. Merda.
Sexto toque – e de repente, o Marcos atendeu.
_Fala.
Meu coração parou pela segunda vez. Ao escutar sua voz grossa,
pesada, sem vontade alguma em me ouvir. Mil
vezes merda. Não vai ser fácil, pensei, abrindo a boca para consertar a
besteira que eu havia feito, sem saber direito como, sentindo todo o nervosismo
entrar no meu caminho.
_M-Marcos... e-eu... – tropecei nas primeiras palavras – ...eu, e-eu...
v-você não entendeu, a... a mensagem não foi...
_O QUE eu não entendi?! – me interrompeu, puto.
_A mensagem n-não era para você, era...
_Percebi.
Me cortou.
_Era... e-era para a Marina, mas... – senti minha respiração tremer,
perdendo a coragem, falando cada vez mais baixo – ...n-não... não é o que cê tá
pensando!
_Não? NÃO?! – ele levantou o tom de voz, me diminuindo mais ainda
– Me explica, então, que caralho que é aquela merda!
_Não! N-não tem nada a ver, eu... e-eu sei o que cê deve tá
achando, mas... m-mas eu... eu não... – respirei fundo – ...é, é-é uma amiga da
Marina... e eu... e-eu tava só contando, não tem nada a ver com... – me
enrolava, segurando o choro na garganta – É que essa menina... ela... e-ela...
_Ela o quê?! Chama "Mia", caralho?! – retrucou, nem por
um segundo se convencendo daquela mentira deslavada, e as lágrimas começaram a
correr involuntariamente pelo meu rosto – CÊ ACHA QUE EU SOU IDIOTA, PORRA?!
_NÃO! E-eu...
_Cê é muito cara de pau, mano...
_Marcos... – eu implorei, com a testa ainda pressionada contra o
muro, me sentindo derrotada – ...Má, por favor. Me escuta!
_CÊ ACHA QUE VAI ME FAZER DE TROUXA TAMBÉM?! QUE EU VOU CAIR NESSA
SUA CONVERSA, CARALHO?!
_Não, NÃO, p-por favor... – eu chorava, sentindo aquela confusão
toda me engolir, sem saber o que fazer – ...Má, ele, e-ele não pode saber, não
pode, meu, não assim. Por favor!
_E O QUE CÊ QUER QUE EU FAÇA, PORRA?! CÊ TÁ MUITO LOUCA SE ACHA
QUE EU VOU MENTIR PRO FERNANDO, O CARA MERECE SABER A VERDADE!! É A MINA DELE!!
_Por favor, POR FAVOR! EU TÔ TE IMPLORANDO!
_COMO... MANO, COMO VOCÊ FAZ ISSO?? – gritou e eu fechei os olhos,
novamente – COMO CÊ VAI E FAZ UMA MERDA DESSAS, CARALHO??
_Eu... e-eu não...
_PELAS COSTAS DO CARA, PUTA MERDA... MEU... PORRA, MANO! CÊS SÃO
MELHORES AMIGOS! – continuou, tomando as dores dele – CÊ TEM NOÇÃO?!
_Má, eu... e-eu...
_QUÊ?! – se irritou comigo – FALA, PORRA!
_Eu... m-me apaixonei por ela, eu... – tomei ar mais uma vez – ...e-eu
sei que eu não tenho desculpa, que é imperdoável. Eu sei disso, Má, mas eu,
caralho, cê tem que acreditar em mim, e-eu realmente gosto dela.
_E NÃO DAVA PRA SER OUTRA, INFERNO? ELA É NAMORADA DO CARA QUE
MORA COM VOCÊ, PORRA!! ISSO NÃO SIGNIFICA NADA?? QUAL É O SEU PROBLEMA??
_NÃO! NÃO É ASSIM! Eu... – me desesperei – ...Má, e-eu amo ela.
Não foi na sacanagem, eu, eu n-não planejei... por favor... me dá um tempo pra
resolver – disse, sem pensar – ...e e-eu vou falar com o Fer, eu vou dar um
jeito. Mas não assim, não agora, por favor. Ele não pode descobrir por você, Má,
ele não vai me perdoar nunca.
_LÓGICO QUE NÃO!! MANO, OLHA O QUE CÊ FOI FAZER!!
_EU NÃO QUERIA, EU... MÁ, PELO AMOR DE DEUS, CÊ TEM QUE ENTENDER. O
RELACIONAMENTO DELES... NÃO É COMO SE...
Me segurei por um instante, sem querer trair ainda mais o Fer –
mas não via outra saída.
_O F-Fer... – acusei – ...o FER TAMBÉM TRAIU ELA! NÃO É COMO SE...
_Ele O QUÊ?!
Merda. Fiquei muda.
_O QUE CÊ FALOU? REPETE! – insistiu – ELE FEZ O QUÊ?!
_Ele... e-ele traiu ela, Má. V-você... – as palavras saíam
involuntariamente da minha boca – ...você tava lá quando começou, na sua festa,
ele e a Julia, meu, eles dormiram juntos depois.
_Mano, cê...
Hesitou.
_Má, por favor... – pedi – ...eu tô te implorando. É mais complexo
do que você imagina, para todos os lados.
_Vocês dois se merecem também, hein, puta que pariu...
_Por favor, Má. Me deixa resolver isso sozinha, meu – limpei
minhas lágrimas, virando contra a parede e apoiando as costas – Por favor.
Deixa eu contar pra ele, deixa a gente se resolver entre a gente. Por favor!
_Não sei, e-eu... – ele suspirou – ...não sei... – e aí levantou
novamente o tom de voz, com raiva – ...POR QUE DIABOS CÊ FOI ME METER NISSO,
PORRA?!
Ficamos em silêncio por um instante. E eu podia sentir o peso dos
pensamentos que conflitavam na sua cabeça do outro lado da linha, segurando a
minha respiração, angustiada.
_Má, por favor?!