Abri os olhos lentamente, ainda cansada apesar das horas mal
dormidas, e o meu primeiro pensamento foi ela. Mia. Rolei o meu corpo na
cama, aos poucos, me enroscando confusamente no lençol, na tentativa de chegar
até a beirada e recuperar meu celular em algum lugar. Me estiquei ali, mas
estava exausta. Meu corpo pesava mais do que o normal na cama, talvez por todo
aquele trânsito mental, e eu não conseguia, de jeito nenhum, nem por decreto,
achar a porra do celular no meio daquela bagunça. Foda-se, desisto. Larguei as roupas e tralhas que tirei do chão. Não tá aqui essa merda.
Deitei novamente, com as costas contra o colchão, empurrando os
lençóis de qualquer jeito com as pernas para me desfazer daquele nó no qual eu
havia me enfiado. Só aquilo já foi suficiente para me cansar ainda mais –
estava acabada. Me esparramei na cama e cruzei as mãos atrás da cabeça, por
debaixo do travesseiro. Nisso, olhei para o outro lado e vi o meu celular caído
ali, preso entre a parede e o colchão. Aí
está você, desgraçado.
Resgatei-o do vão da cama e olhei para a tela, na esperança de
encontrar uma mensagem dela, mas não tinha mensagem alguma. Abri a caixa de
entrada e... nada. Havia, porém, uma
na de saída. Merda. Cliquei, sem
realmente querer ver o que estava ali, consciente de que se tratava de um lapso
irrefletido do meu desespero na noite anterior, quando provavelmente me
encontrava entre o sono e o “acordada”. E seja lá o que fosse, o que digitei naquela
droga de telefone, era burrada na certa.
E é, era.
Mal li a pergunta contida no SMS e já larguei o celular fora da
cama, com raiva de mim mesma. É óbvio que
ela estava com ele, sua imbecil. Com quem mais ela poderia estar?, eu
apertei as mãos contra o rosto, indignada com a obviedade da minha pergunta.
Aquilo foi extremamente desnecessário. A Mia não só não respondeu como, pior,
eu declarei com todas as letras o meu descontrole. Argh. Afundei no travesseiro, me odiando. E levei algum tempo para
me recompor, eu sou uma idiota.
Quando me levantei, vasculhei o armário atrás de uma blusa larga e
confortável. Apanhei meu maço no bolso da calça do dia anterior, largada no
chão, mas desencanei de vesti-la. Já está
feito, que se dane, tentei esquecer aquela mensagem vergonhosa e saí para a
cozinha, rodando o isqueiro em mãos. Peguei uma panela e coloquei água para
ferver. Miojo – a solução rápida para os meus problemas. Não comia nada desde o
almoço no trabalho. Estava faminta.
_Ah, você tá aí... – ouvi a voz do Fer, a alguns metros atrás de
mim, enquanto eu me espichava para pegar o pacote na prateleira.
Bosta, apertei
os olhos. Não queria acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo. Respondi com um resmungo qualquer, sem
me virar, e tentei focar na minha pseudo-refeição. Pretendia ignorar a presença
dele o máximo que pudesse e evitar qualquer contato visual. No entanto, ouvi o
Fer arrastando uma das cadeiras e imediatamente desejei que não o fizesse...
Pois fez.
_Pô, parece que faz mó cara que não te vejo... – o Fer fez graça,
sendo simpático – Cê ainda mora nesse apartamento?
_É, né... sei lá, a gente se desencontrou, eu acho – respondi,
encarando com insistência a panela, o fogão ou qualquer coisa que não fosse o
meu colega de anos cuja namorada eu, deixa pra lá.
_E o show lá que cê ia? Foi bom?
_Aham.
_Você foi com quem mesmo? O Gabriel?
_É...
_No Itaim?
_Hmm-hum...
_E ontem, saiu? – ele continuou, como se não tivesse nada melhor
para fazer a não ser sentar ali e me assistir cozinhando.
_Encontrei a Marina depois do trampo.
_Ahhh... a Mariiina... Pô, anda vendo bastante ela, hein? Dormindo
lá, saindo juntas... – ele riu, animado com a primeira informação
não-onomatopéica que eu lhe dava – Tá rolando um flashback aí?
_Não. Sei lá... – murmurei indiferente, sem querer prolongar a
conversa.
E aí, lamentavelmente, percebi o problema da minha escolha de
refeição. Aquela porra ficava pronta em três malditos minutos – o que me levava
diretamente à mesa onde o meu amigo se encontrava. Droga. Escorri a água e levei o máximo de tempo que pude para
espalhar o pó vermelho do pacotinho pelos fios tortos de macarrão. Peguei um
garfo na gaveta à minha frente, apanhei o prato e sentei grosseiramente na
mesa, ainda sem conseguir olhá-lo.
_Cê tá bem, meu? – o Fer estranhou.
Não respondi. Apenas acenei que com a cabeça, enquanto enrolava
uma porção no meu garfo. E o Fer pareceu desistir de conversar, por um momento
me senti aliviada. Mas ele continuava lá. Ele e a sua presença indesejada. E
junto com ambos, aquela porra de silêncio. De repente, todos os questionamentos
da noite anterior começaram a me assombrar, involuntariamente subindo pela
minha espinha, e eu suspirei fundo na tentativa de me livrar daquele ciúme. O que só o piorou, claro. Talvez fosse a
proximidade – física – na qual eu me encontrava do Fer, sem saber por onde ele
esteve ou com quem. Ou talvez fosse
só o silêncio crescente entre nós, não sei. Mas sei que, de repente, eu parei.
Larguei o talher de qualquer jeito no prato e apoiei os braços prontamente na
mesa.
_E você? – o encarei – Saiu ontem?!