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julho 09, 2010

Subjetividade

Atravessei o corredor em silêncio – a cabeça a mil.
 
Por favor, não esteja acordado, não esteja acordado, não esteja acordado, por favor, não sai do quarto, não vem falar comigo, por favor, fica aí, não sai, não, não esteja acordado, não esteja acordado, não esteja acordado, por favor, não esteja acordado. Olhei rapidamente no relógio do banheiro e aquela desgraça marcava 21:42. Merda. Ele não vai tá dormindo a essa hora, nem a pau. Inferno. Acelerei o passo pelo corredor e fechei a porta do quarto atrás de mim, o mais rápido que pude.
 
Suspirei. E fiquei um tempo parada ali – com as mãos para trás, ainda segurando na maçaneta, e as costas apoiadas na madeira. A salvo. É. Era covarde, talvez até exagerado, mas eu não conseguia encará-lo ainda. Não o meu melhor amigo. Não depois do que eu fiz. Olhei para frente e notei que todas as minhas coisas continuavam ali, no escuro. Exatamente do jeito que eu as havia deixado, espalhadas pelo quarto, imóveis. Nada fora do lugar, nada diferente. Nem um ruído sequer.
 
Espera. Fácil demais.
 
Senti a minha respiração acelerar aos poucos no peito, como se algo estivesse errado – nada naquele apartamento se movia. Nada além de mim, tropeçando no meu próprio nervosismo. Nada. Ninguém. Claro, é sexta! E no mesmo instante em que a ideia cruzou a minha mente, o meu coração disparou. Sexta à noite. Sexta-feira, puta que pariu. Me virei na mesma hora, abrindo novamente a porta. E enfiei a cabeça para fora – não tinha ninguém no corredor, nem um barulho sequer. Ele não estava lá.
 
Fechei a porta de novo. Droga, droga. E fiquei quieta por mais algum tempo, sem acender a luz, em pé no quarto vazio. O meu coração estava prestes a sair pela boca. Merda. Tornei a virar a maçaneta e saí para o corredor, incomodada. Andei até o final, onde estava a porta do quarto do Fer, fechada. Abri e... nada. Então voltei o corredor inteiro até a cozinha. Acendi a luz e vi, não tinha ninguém. Na sala, a mesma coisa. No banheiro, na lavanderia, cômodo por cômodo... Inferno. Não havia ninguém ali.
 
Sentei na poltrona da sala, inquieta, e acendi uma ponta de baseado que estava largada no cinzeiro. Ele não tá aqui, me pus a pensar, torturando a mim mesma de um jeito realmente estúpido enquanto tragava, lógico que ele não tá. O que diabos ele estaria fazendo em casa numa sexta à noite? Como eu sou idiota, porra. Uma idiota. Ele... e-ele tá com ela. Eu sei que tá.
 
Caralho.
 
Argh. Respirei fundo, encarando a mesa – mas logo sucumbi mais uma vez ao nervosismo das minhas mãos. As meti contra o rosto, deslizando-as na cara, agoniada. E imediatamente a minha imaginação foi tomada por uma avalanche de pressuposições, pensamentos insuportáveis, supondo obsessivamente tudo o que ele poderia estar fazendo naquele exato momento com, c-com a Mia. Com a minha Mia. A garota com quem eu tinha passado a melhor noite da minha vida. A garota que eu amava, porra, mas que inferno.
 
Ergui novamente a cabeça e lá estavam eles – todos os nossos móveis e vinis e tralhas e todas as coisas que eram nossas. O nosso apartamento. Vazio. E aquela dúvida me provocando a cada maldito canto inabitado. Ele é meu amigo. É meu amigo, eu reforçava para mim mesma, e quem está errada sou eu, tentando combater qualquer ressentimento que pudesse surgir ao imaginar o Fernando passando a noite com, c-com as suas mãos na, na minha, na droga da, da Mia. Puta que pariu.
 
Aí, sim, comecei a surtar.
 
De tal forma que só o ato de permanecer sentada requeria um esforço tremendo. A ponta já queimava o meu dedo de tão pequena, mas eu fumava compulsivamente. Preciso fazer alguma coisa. Ele, ele não pode simplesmente... Não. Hoje não, porra. Não depois que eu... Caralho. Caralho, não! Eu tenho que fazer alguma coisa. Qualquer coisa, inferno. Mas por mais que eu me esforçasse, nenhuma ideia saía de mim. Sequer conseguia terminar um pensamento só que fosse, tomada por um ciúme que eu não reconhecia, consumida por um desejo irracional de impedir que os dois passassem a noite juntos.
 
Se é que estão juntos, me contive de repente, num lapso de sanidade. O Fer pode estar em qualquer lugar, eu é que preciso me controlar, porra. Tá. Talvez eu devesse ligar só pra... Não. Mano, não. Para. Para! É possível que ele nem esteja com ela e aí eu vou pagar de louca. Não, nem pensar. Não posso. Mas... m-mas onde mais ele estaria? Ele só pode estar com ela. Só pode. Filho da mãe. Esse, e-esse desgraçado, juro, se ele tiver comendo a Mia agora..., senti o meu ar faltar. Apoiei mais uma vez o rosto nas mãos, sem conseguir respirar direito, agoniada.
 
Não.
 
Não!
 
Não, porra. A, a Mia não faria isso... Não depois que nós duas... Não, ela, e-ela não conseguiria. Não faz nem 24 horas. Ou... Conseguiria? Meu coração acelerava, incapaz de tirar a imagem da minha cabeça. Tirei o celular do bolso e olhei rapidamente para o visor – ainda nenhuma mensagem dela. O fato da Mia não ter me respondido o dia todo só piorava a situação. Onde você se meteu? Suspirei, torturada. É claro que conseguiria. Ela, ela é a porra da namorada dele, sua idiota. O que mais ela vai fazer numa sexta à noite? É isso que eles fazem. O tempo todo, inferno. Enchem a cara e trepam e dormem e acordam e trepam de novo. A essa altura, o Fer já deve tá..., me recusei a sequer pensar nas possibilidades fisiológicas daquela merda, ...não.
 
Chega.
 
Eu precisava me controlar. Eu vou tomar um banho e ir para a cama, pensei. Preciso dormir, já chega. Não vou pensar mais nisso. Vou esquecer esse drama todo e dormir. É. É isso. Esse é o plano. Me levantei, apagando o último milímetro de ponta restante na mesa – decidida a só lidar com aquilo no dia seguinte. Mas, m-mas e se ela passar o fim de semana com ele?, a minha mente disparou antes mesmo de eu chegar no corredor, e se eles...? Argh.

12 comentários:

Mari disse...

mas eu me mordo de ciúúúúúmes ♫

Tatiana disse...

Fiquei agoniada com os pensamentos da Devassa, morrendo de ciúmes...

Liz M. disse...

Trilha sonora perfeita para o momento: "Mas eu me mordo de ciúúúúúúúmes!".

O que é mais engraçado é quando você lê essas coisas e consegue, facilmente, remontar uma história apenas substituindo nomes (ou preenchendo lacunas).

E aí a agonia consegue ficar ainda maior.

Dea disse...

eu ligaria. mas nem pensaria duas vezes. pra ela, claro!

Anônimo disse...

Devo dizer o QUANTO eu me encontrei no texto? kkk =x
Esses pensamentos atrevidos e filhos da puta! Fodem a sua cabeça! kkkk
Se essa "cena" tem trilha, provavelmente é a música citada acima. Certeza!

"tomada por um ciúmes que eu não conhecia em mim mesma...." Pois é FM, mó galera te entende!

Anônimo disse...

a realidade crua e nua. haha

Anônimo disse...

Ai, tá, vou ser a do contra.
Eu entendo BEM a parte da culpa paranóica. Agora, o negócio do ciúme... Não sei, eu sempre fui meio egotrip demais pra ficar desse jeito, I guess.

Nayra O. disse...

isso foi... uma... ePIFFfania? Deu tilt mesmo? iuhaiuahiuahah

Gabi disse...

tenso!

nossa, fiquei muito agoniada.
Adoro qnd vc escreve desse jeito meio fluxo de consciencia...

Hell disse...

A Mia podia aparecer grávida do Fernando, queria ver o que a Devassa ia fazer. XD

Lu disse...

A realidade é dura, mas as peças q a nossa mente prega às vezes, faz ela monstruosamente pior e sem saídas... Nada como uma noite de sono! :)

Lu disse...

Voltei aqui por causa da Hell... Mel, não deixa a Mia ser tão descuidada! :)))