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setembro 21, 2010

Percepção

O televisor gritava silenciosamente um azul brilhante – a luz invadia o quarto escuro de um jeito grosseiro, indicando o término do DVD e demandando alguma atitude nossa. E nós ignorávamos, é claro. De olhos fechados, para lá e para cá, nuns beijos sem fim, dançando pelo chão e rindo, fingindo não nos dar conta.
 
Tudo com a Mia era meio adolescente, mas de um jeito bom.
 
"Bom" porque eu gostava... dos beijos escondidos, do que era só nosso, do que ninguém podia ver – na casa dos pais dela ou na minha. As segundas intenções subentendidas, a antecipação e aquela demora constante para cruzar a linha. A verdade é que eu já estava desacostumada. A cena lésbica paulistana era uma baixaria. E não me entendam mal – eu sempre gostei de baixaria. A maioria dos meus encontros terminava na cama não por pressa, mas por facilidade. Afinal, os vinte e poucos anos vinham com nosso próprio cafofo e certas liberdades das quais muitas de nós não pudemos desfrutar morando com pais que desaprovavam nossa lesbiandade. Ter meu próprio canto foi uma emancipação dos amassos em boteco e banheiros de balada. E àquela altura na minha vida, eu já mal lembrava qual era o sentido de esperar para tirar as calças.
 
Mas com a Mia eu gostava.
 
Podia ficar horas ali, rolando com ela naquele tapete. Notando como, com o tempo, seu jeito ia se moldando em mim. E o meu no dela. A percebia cada vez mais confortável comigo – com a ideia de estar nos meus braços. Os seus quadris começavam a se soltar mais sob a minha mão, a se desprender de qualquer hesitação – seja por sobriedade ou pelos nossos contextos. Cada beijo nos desligava mais do resto do mundo, nossas peles iam se encaixando. E aos poucos, a Mia vinha. Vinha mais, sabe, mais perto. Mais do que nas outras vezes. E vinha mais certo, também, mais como deveria ir. Eu também ia, aprendendo mais sobre ela a cada segundo juntas. A cada milímetro que meus dedos percorriam, a minha boca. A descobrindo.
 
De um jeito ou de outro, a facilidade das noites paulistanas me roubava isso. Essa percepção mútua da outra pessoa, essa sintonia construída aos poucos – em que seu corpo começa a antecipar o próximo movimento, os sons, as vontades. Nos conhecendo tão bem. O ritmo me forçava a me envolver, a estar presente. Em longas, deliciosas horas desse chove-não-molha que me tiravam do sério. Caralho. E quando quase choveu naquele tapete – claro – a Mia foi lá e cortou a água. Isso é vingança? Secou a fonte. Filha-da-mãe. Quase não acreditei quando ela parou tudo e se levantou.
 
_O que cê tá fazendo? – me contorci no tapete, já com saudade – Volta aquiiii...
_Vou desligar essa luz, meu, tá muito forte – a Mia caminhou até a televisão e a apagou – Fica gastando energia.
 
Ah, você nem imagina a energia que tamo gastando, achei graça. E o pior é que eu gostava. Gostava de sofrer assim. Fiquei deitada no chão, olhando-a de volta. E a Mia veio na minha direção, com ares despreocupados, como se tivéssemos a tarde toda – os seus pais só iam voltar depois das dez da noite e, até lá, tínhamos a casa inteira só para nós.
 
_Ah! –  lembrou de repente – Posso pôr o CD?
_Claro... – eu sorri, me esticando para alcançá-lo a alguns centímetros de mim, jogado no tapete – Deixa eu pegar, pera aí...
_Hum. E o que é, vai me contar?
_Põe e escuta, ué...
_Que misteriosa você... – zombou.
_Não é mistério, besta. Tem um bilhete dentro explicando!
 
A Mia fez uma careta, desaprovando a minha resposta, e pegou a capa das minhas mãos. Tirou então o disco, mas sem abrir o papel que estava dobrado ali dentro. E colocou para tocar no rádio da sala. O som começou a sair, alto, das caixas do estéreo.
 
"You are the girl that I've been dreaming of 
Ever since I was a little girl..."

19 comentários:

tr disse...

Own, que lindo! Posta mais, Mel. Vai ser meu presente de aniversário. ):

cah disse...

black kids!

Anônimo disse...

oooown que delicinha! até coloquei a música pra ouvir enquanto lia =)

elas estão tão in love, so cute sz'

Pathy disse...

Uiiii..
Esses teus post me faz lembrar da epoca em que comecei a namorar!!
Tudo tãoo adolescentee!!
Liindoo! *__*

Salvou a tarde!!

Anônimo disse...

A Mel faz jogo duro com os posts também! Deixa a gente com o gostinho de quero mais.

Lorde Velho disse...

Posts como esse me lembram (ainda que nem fosse preciso) porque comecei a gostar do blog em primeiro lugar...

Ainda mais agora que me sinto bem mais próximo dele, né? ;)

Super beijos, Mel e Noelly!!!

Monica disse...

poutzz fala serioo...q isso gnt! :O

situacoes insolitass `666

Adoro a Kate Nash cantando o I`m gonna teach your boyfriend how to dance with you ;D

tkxxx

Unknown disse...

Um dos melhores que já li! Parabéns Mel *-*

Anônimo disse...

Perfeito, um dos meus favoritos!

Bianca S. disse...

OOOOOOOOWN! Que lindas elas assim. Maaaaaaaaaaaaaaaaais, pf.

Érica disse...

Aii Perfect!!

Estão super se curtindo ne...lindo!


=*****

Anônimo disse...

Nossa, Mel... Você anda tirando o meu fôlego em seus posts .-. O momento entre elas está rolando tão gostoso... Me dói até pensar que isso vai mudar mais cedo ou mais tarde u.ú Mas vai, prolongue um pouquinho mais essa tarde :( está tão booom! .-.

Anônimo disse...

Jesus apaga a luz, amoooooooooooooo...

Cada post fico mais apaixonada pelo conto...


Continue, please.

Ed - João Pessoa-PB.

flavinha_ems@hotmail.com

Twitter: @Edflavia_ems

Clara disse...

Um dos meus favoritos com certeza! Adorei! E essa música fica bem melhor com a Kate Nash cantando..

carollips disse...

Posta looooogo :(


Você consegue me prender de alguma forma.
e isso é meio excessão.. (medo)
AUHSUHAUHSAUHSUHAUSHA

posta? *-*

Dea disse...

cada dia melhor. é tudo o que tenho a dizer.

Mariii disse...

meel parabens pelo blog, serio. eu leio desde 2009 e a cada dia que passa eu fico mais viciada. é mto boom . e posta logooo vai . bju

Marina disse...

Mia com preguiça de ler a carta de explicação, comofaz?! ¬¬

Anônimo disse...

Amo seu texto. Mas quando vc investe na dose de romantismo (embora as sacanagens tb seja ótimas), vc atinge outro patamar. Porque é romântico sem ser clichê. Porque acompanhamos esse tatear no escuro da Devassa sobre seus sentimentos e sobre a Mia.
Tá muito lindo, Mel.
Vc é demais!