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abril 30, 2012

Ineficiência

É. Meio-dia e quarenta, após uma noite mal dormida, decorrente de uma série sucessiva de cigarros e pensamentos menos saudáveis ainda, e lá estava eu – desperdiçando meu precioso horário de almoço para passar raiva em frente ao funcionário mais incompetente de toda assistência técnica de celulares da capital. Por que eu tenho que ser tão imbecil?, revirei os olhos para mim mesma.
 
A conversa com a Mia na noite anterior se prolongou por mais de 50 minutos e o que começara como uma noite de grandes decisões e amadurecimento tomara, aos poucos, a direção contrária. Passando por cada momento nosso, toda a porra da nossa história, numa nostalgia estúpida de se permitir, me destruindo completamente do outro lado da linha.
 
“Queria que você tivesse subido hoje” – essa foi a última coisa que a Mia me disse, antes de desligar.
 
Àquela altura, sentia que o ar custava para entrar nos meus pulmões. E assim que vi o seu nome sumir da tela, encerrando a maldita ligação que me tirara o fôlego, perdi o pouco de sanidade que ainda tinha, me sentindo mais perdida do que quando tudo aquilo começou. Aí joguei a porra do celular para longe. Para longe de mim, é, como se pudesse fugir. Fugir dela. Inferno de garota na minha vida.
 
E agora lá estava eu. O visor tinha quebrado e a porra toda não ligava. O conserto em si custava pouco, eram os dias de espera que me incomodavam. Já podia até ouvir o Fernando me dando sermão sobre como eu devia ter comprado um smartphone meses antes, sob incessantes recomendações dele, ao invés de insistir naquele atraso tecnológico do período Jurássico que sequer chip tinha. Agora me via forçada a esperar dias até chegar a peça dinossáurica substitutiva. Droga.
 
Nem o atendente estava engolindo meu apego a aquele aparelho caindo aos pedaços. Não, amigo, você não tá entendendo, ouvia impaciente aos argumentos dele para que eu desistisse de consertar aquele e arranjasse um novo, se eu perco essa lista de contatos, eu perco a minha vida inteira. Nem a pau. Soltei o ar vagarosamente, tentando não me irritar ainda mais.
 
_Escuta, cara, você quer a grana do serviço ou não?! – me enchi de vez com aquela ladainha toda – Porque eu posso levar em outro lugar para consertar, se for muito trabalho pra você, sabe...
_Não, dona. Se cê quer mesmo, segunda-feira tá na mão!
 
Argh. Isso significava uma semana toda sem celular. E olha, eu bem que merecia – por ser uma porra duma descontrolada. Desci o degrau em frente à loja na Paulista e saí pela calçada, com os meus All Stars surrados, indo em direção à produtora na Brigadeiro. Acendi um cigarro e observei o maço quase vazio, após as infelizes horas acordada naquela madrugada. O que mais vai dar errado hoje?
 
Parei na esquina para esperar o sinal abrir para pedestre. O dia tinha começado mal e só ia piorar – afinal, eu precisava do meu celular para trabalhar e agora tinha que ir lá contar para a minha chefe que ia ficar incomunicável pelo resto da semana. Porcaria. Já podia antecipar a quantidade grotesca de horas extras que teria que fazer por conta disso. E como se precisasse de mais alguma preocupação na minha vida, ainda tinha ela – a Mia. Me fodendo a cabeça, a cada segundo que passava.
 
Minha respiração oscilou pesada, insegura, sem conseguir tirar ela dos pensamentos. O problema – soltei a fumaça para o lado, nervosa, atravessando na faixa – é que o meu melhor amigo também estava lá. Pois é. Entre nós duas. Onde sempre esteve. “É possível gostar de duas pessoas ao mesmo tempo?”, ela me perguntou ao telefone, na noite anterior. Traguei mais uma vez e tirei o cigarro da boca, mordiscando os lábios e os judiando, num nervosismo meio distraído.
 
E a verdade é que eu a entendia. Contra toda a minha vontade – mas a entendia. Parte de mim sequer sabia se queria mesmo que a Mia se decidisse por mim, sem querer pôr a perder o que eu tinha com a Clara. O que me fodia era como ela podia ainda estar tão em dúvida. Depois de tudo, tudo o que te ouvi dizer, cacete, me revoltei, sentindo o meu coração entalar na garganta.
 
Talvez minhas ex-namoradas tivessem razão. Talvez eu gostasse mesmo de endorfina, de adrenalina. Metida naquela porra daquela confusão de novo, argh. Não é possível que tenha alguém no mundo com maior tendência à imbecilidade deliberada do que eu. Puta que pariu, viu. Traguei o cigarro já quase terminado, fumando como se a solução estivesse no fim daquele filtro. Inferno.
 
Por mais que o meu coração acelerasse com cada sinceridade dita pela Mia ao telefone, sobre nós e como se sentia, ainda tinha todo o restante da nossa história pesando contra ela. Após tanto tempo atrás daquela garota, o meu fôlego tinha se esgotado. Passei a mão na nuca, sentindo a minha cabeça doer, exausta de tudo aquilo. Até quando eu vou ficar nessa merda?, me irritei.
 
É. Talvez um tempo sem celular me fizesse bem no fim das contas. Assim me forçava a ficar longe das mensagens emocionalmente inconvenientes da Mia. O problema é que isso também me impedia de me comunicar decentemente com a Clara – isto é, não que ela esteja retornando as minhas mensagens nos últimos dias. Argh.
 
O único telefone que eu sabia de memória era o da Marina, para quem eu não tinha intenção nenhuma de contar sobre o rolo todo – depois de garantir meu não-envolvimento com a Mia uns dias antes. É melhor ficar na minha, concluí enquanto caminhava, já virando a esquina. Conforme me aproximei da produtora, com a cabeça cheia, vi o Fernando sentado na calçada da frente. Ali, fumando.
 
_O que cê tá fazendo aqui? – perguntei, confusa, já a alguns passos dele.
_E-eu... – ele resmungou, com uma expressão péssima – ...eu não conseguia te achar, meu!
_Meu celular quebrou, acabei de vir da assistência – expliquei – Tá tudo bem? O que foi??
_Fui demitido, meu.

abril 23, 2012

...except maybe you.

(Ani DiFranco)

Estava no pior humor do mundo. Mal fechei a porta da entrada, dando de cara com o Fer fumando um baseado no sofá – inadvertidamente vitorioso naquela merda toda –, e o meu telefone começou a tocar no bolso detrás da minha calça. Conforme passava pela sala, angustiada, o ergui frente a mim e logo vi o nome da Mia chamando. Droga. Continuei até o meu quarto, apática, sem dizer nada. Atendi apenas ao encostar a porta, tentando falar baixo para que minha voz não vazasse ao corredor.

_Já chegou em casa? – perguntou, do outro lado da linha.
_Acabei de entrar... – respondi, sentindo minha cabeça doer – ...precisei dar uma volta, não sei.
_Hum.
_Mas tá... – me preocupei – ...tudo bem por aí?
_Sim, é só que... – a Mia suspirou – ...você não, n-não subiu.

É. E ainda tô me matando por isso.

_Não, e-eu... – argumentei, sem conseguir disfarçar a frustração na minha voz – ...desculpa, eu achei melhor não. Mas aí o cara já tinha ido lá avisar...
_É. Eu imaginei...
_Bom, cê conhece o meu autocontrole... – forcei uma brincadeirinha, numa tentativa de quebrar o clima tenso, e ela achou graça – ...não sei se ia ser uma boa. E eu gostei da conversa, Mia. Sabe, gostei mesmo... – descalcei os All Stars, deitando-me na cama com o telefone apoiado no ouvido – ...não queria que terminasse de outro jeito, não sei, de repente eu ia e subia e fodia com tudo sem pensar, sabe?
_Nossa, hein... – ela riu – ...que “maduro” da sua parte.
_Não é? – comecei a rir junto.

Ainda te surpreendo, garota, quem diria?

_E você ligou por isso? – desabotoei as calças, que me incomodavam.
_Não, eu... – ela hesitou – ...t-também fiquei pensando, sabe, depois que você saiu.
_Sobre o quê?
_Ah, tudo o que você disse. Foi... "diferente" te ouvir assim, não sei. Fiquei pensando só. E a-achei que cê devia saber algumas coisas também... do, do que eu venho passando.
_Humm... – senti como se quisesse confessar algo – ...mas algumas coisas, tipo o quê?
_Bom, tipo a, a garota que eu...

Não. Não fala.

_...peguei... – meu estômago embrulhou, argh – ...aquele dia lá com o Fê, na festa.
 
Não consegui falar nada. Nenhuma amenidade. Cacete. Porque não importava o que eu decidisse, em conversas conscientes com a Mia, sentada na sua cama, na porra do seu quarto, no auge do meu bom senso, escutá-la sequer mencionar a maldita garota me fazia sentir, de novo, tão mal me senti quando vi as duas juntas naquela droga de sofá, se agarrando. E então me segurei, caralho, sem abrir a boca, a ouvindo falar do outro lado da linha.
 
_Quando voc... – ela fez uma pausa, como se tomasse coragem para continuar – ...quando você voltou com a Clara, eu... e-eu pensei muito em você. Quer dizer, eu voltei a pensar. Não sei, eu já... e-eu já tava incomodada, acho, por como as coisas estavam entre a gente... e te ver com outras minas era, não sei, e-era... – aí veio outra pausa; e eu podia imaginá-la cerrar os olhos do outro lado da linha, receosa, como se estivesse prestes a saltar – ...estranho. Mas n-nunca co... como foi com ela. Não sei, eu, e-eu não sei o que vocês têm, q-que... que é diferente. Eu, e-eu já te vi tão mal por ela, eu sei o que você sente e quando ela reapareceu, não sei...

Sem entender bem o porquê, sem nem pensar direito a respeito, senti o meu coração acelerar. Me afogando em cada palavra que ela dizia. Puta merda, o que tá acontecendo? Não estava preparada para ouvi-la falar assim, deitada ali na cama, apreensiva, com as calças descidas só até a metade das pernas.

_...e-eu senti como, como se tivesse te perdendo. De uma vez por todas. E eu n-não tinha me dado conta do, do quanto não q-queria... perder você... assim. De repente, eu não tava mais só incomodada, eu tava... pensando, sabe... em... em você e como era quando era quando a, a gente tava... juntas...

Chutei o jeans pelos pés, sentando em seguida, num movimento brusco. E tentei respirar. Apoiada contra a parede, ainda sobre a cama, inquieta. Caralho.

_...no quanto eu realmente gostava de estar com, com você. Do quanto eu, eu g-gosto de você. M-muito mais do que eu tava preparada para admitir. E eu, e-eu ia dormir e... – sua voz tremeu e eu podia sentir a sua insegurança escapar, em cada uma das sílabas – ...e tudo o que eu conseguia fazer era... inferno, e-era chorar... e pensar na... na última vez que a gen... que você veio, aqui, e que a gente foi... lá... atrás...

No banheiro da área de serviço, os meus olhos se fecharam na mesma hora e me lembrei, momentaneamente – das horas contra os ladrilhos, abraçada nela; da luz que passava pela janela no box.

_...e senti a sua falta de... de um... – os meus olhos reabriram-se, então, e ela pareceu deixar-se marejar, como se engasgasse – ...de um jeito físico e, e... estúpido.

Ah, garota, não faz isso, me contorci involuntariamente na cama, puta merda.

_E aí quando e-eu te vi na festa, eu... quis tanto, tanto te beijar... só... voltar atrás, e-eu queria tá com você, porra... – pressionei a cabeça contra as mãos, em agonia, a ouvindo – ...e aquela, aquela menina, ela... ela me olhava como, como você me olha, não sei, e-eu... eu tava confusa e eu nem sei direito o que aconteceu... eu... e-eu tava muito bêbada e a verdade é que eu n-nunca quis... ficar com... com outra mina q-que não fosse voc... – respirou fundo e a escutei enxugar as lágrimas – ...e-eu só queria que... que... fosse você naquela hora, inferno, e-eu... eu fiz merda. E s-só de... – ela começou a chorar de novo, angustiada – ...de pensar que tal, talvez eu tenha fodido q-qualquer chance de, de ficar... com você, de novo... e-eu...
 
Puta que pariu, Mia.

abril 21, 2012

Don't want nobody to follow me...

O silêncio entre nós agora já não era mais constrangedor. Era uma quietude sincera, tranquila. Todas as nossas palavras – ou as minhas, pelo menos – foram gastas e não havia muito mais o que dizer. Restou uma compreensão mútua no ar, um respeito carinhoso. Ou talvez fosse apenas a exaustão depois de toda aquela tensão entre nós duas, não sei.

O relógio da cozinha ressoava na parede, conforme eu terminava um copo d’água – que a Mia me ofereceu antes de eu ir. Minhas pernas estavam apoiadas na beirada, sentada sobre o balcão, com os pés suspensos no ar. A uns 20 centímetros de onde nos beijamos, meses antes, e os dedos da Mia se enfiaram às escondidas no meu jeans enquanto sua mãe a chamava da sala. Para, afastei aquelas memórias bobas, distantes, pra quê entrar nessas, meu? E respirei fundo. De que me adiantavam nostalgias àquela altura? Era tudo, de repente, tão diferente.
 
Tirei as mãos da superfície do balcão, ignorando a saudade sensação repentina, e tomei outro gole do meu copo.

_Me diz... – a Mia perguntou, deixando escapar um riso breve – Cê tem algum problema com cadeiras?
_Olha... – eu ri – Podia até mentir, dizer que é rebeldia, mas eu só gosto de balcões.
_Balcões, mesas... – foi listando, fazendo graça, apoiada contra a geladeira, desatenta – ...pias.

É, isso, pensei e abaixei a cabeça, evitando olhá-la ali. Um sentimento estranho me cutucou. Desconfortável com aquela observação tonta dela, deixando escapar o quanto sabíamos uma sobre o jeito da outra. Suspirei. E a Mia ficou em silêncio também, logo em seguida, desviando o olhar de mim. Merda, preciso falar alguma coisa, minhas mãos dedilharam ansiosamente o vidro do copo, ou isso vai tomar proporções maiores do que teria sentido agora. Deixei o copo sobre o balcão e apoiei as minhas mãos, inquietas, contra a superfície fria – sem conseguir formular frase alguma. O silêncio cresceu e a Mia se moveu, colocando o próprio copo na pia.

_Você quer mais? – perguntou, agora por mera educação.
_Não, eu... – hesitei – ...já v-vou indo, mas valeu.

Preciso sair daqui, logo. Eu e ela nos olhamos mais uma vez, ainda quietas, e eu desci da pia num salto, sem muita força de vontade. A tranquilidade conquistada nos minutos antes já havia desaparecido. Só vai embora, cacete, repeti para mim mesma. Não queria prolongar aquele desconforto. Por mais filha-da-putice que fosse, todavia, de repente, era difícil deixar aquele apartamento. Deixar tudo o que fora nosso – perto do fim, não sei, os pensamentos se tornam mais apocalípticos. Como se não fosse mais vê-la; como se, no segundo em que passasse pela porta, já não seríamos mais as mesmas.
 
Ainda assim, caminhamos até lá. E a Mia a abriu, apoiando-se na madeira. Encostei contra o batente oposto e a observei na minha frente, por um instante. Então abaixei a cabeça, mais uma vez – enrolava, nitidamente, mas sem premeditar. Droga. A Mia tinha meias grossas no pé e as pernas descobertas, como sempre, naquele moletom que ia até o meio das suas coxas.

_V-você... – murmurei, subitamente confusa, e aí ergui o queixo novamente na sua direção – ...você acabou não me dizendo o, o que queria dizer. Sabe, como v-você vem se sentindo...
_Ah, sei lá, achei que já não fazia mais sentido... – sorriu meio à toa e respondeu, baixinho, cruzando os braços em frente ao corpo – ...você sabe, d-depois de tudo o que você disse lá no quarto e o que a gente... – nossos olhares se cruzaram, mais uma vez – ...combinou.

Diabo. Vê-la sorrir, ali, me quebrava as pernas de tal forma – que elas realmente pareciam se recusar a sair. É a Mia, porra. A Mia! Toda a minha segurança naquilo, no que fora até a sua casa só para fazer, do nada, perdeu a força. Ali, já tão na linha da porta. E o que foi mesmo, hein, que combinamos? A sua boca respirava, entreaberta, a meio metro de mim. O seu corpo, a sua pele. E por um segundo, longo demais, os meus olhos se fixaram nela, hesitantes. Tão óbvios, inferno, que ela percebeu.
 
Respirei fundo, a encarando.

E ela me observou de volta, apoiada contra a porta. Tinha as mãos escondidas atrás do corpo, sutilmente, como se esperasse – um movimento, um gesto meu. Qualquer um bastaria. E eu quis – toda a nossa história até aquele momento, todas as dificuldades, as falhas minhas, tudo o que conversamos na meia hora anterior sumiram da minha mente. Por um milésimo de segundo. Ah, como o quis. Estava deixando tudo para trás e de forma tão consciente – me odiava por isso, em partes. E ela me olhava, à espera.

_É... é-é melhor eu... – hesitei, virando o corpo na direção do corredor – ...eu ir.
_É... – suspirou – ...é melhor.
_É. Certo.

Fui. Mas não antes de ouvir a Mia dizer um “se cuida” ao fechar a porta. Por que diabos dizer para eu me "cuidar" ao invés de se despedir de vez? Como quem se preocupa, como quem continua ali. Não como quem realmente diz adeus – e isso me tirava do sério. Argh. Andei até o elevador, sentindo o meu coração ser atropelado pelas minhas emoções. Quando foi que decidi por isso?! Um a um, comecei a descer os andares dentro do elevador. 

Desgraça

Um desespero fora de controle tomava conta de mim, a maldita da imprevisibilidade do nosso futuro. De quando a veria de novo, de como tudo seria dali em diante. Devia ter beijado ela mais uma vez. Passei a mão no rosto, agoniada. Só uma vez. Me irritava, descontando em gestos impulsivos. E a minha respiração me sufocava progressivamente, inferno. Aquela era a Mia. A minha Mia, caralho! A garota que eu amei por tanto tempo, a única que importava na porra da minha vida, na droga do meu coração. Mas que... que merda!

Deixei o elevador me sentindo uma idiota. O que eu tô fazendo?! Não queria voltar atrás –  com todas as minhas forças, não queria. Inferno. O sentimento, o mesmo sentimento de quando a Mia era minha, a sua boca, o jeito como me segurava, me enchiam a cabeça violentamente. Contra a minha vontade. E assim que passei pelo portão de entrada, pisando na rua e alcançando um cigarro no maço, me bateu um arrependimento quase estabanado, uma vontade de retirar cada uma das minhas palavras. Não posso fazer isso, eu não consigo. Tirei o cigarro da boca, voltando cinco passos apressada até a guarita e pedi que interfonasse de novo, eu precisava subir. 

O guarda entrou e... não. Merda!

Não. Eu não podia fazer aquilo. Não era justo com a Mia, comigo, com a porra da Clara. Puta que pariu, mas que droga. O meu corpo parecia brigar com a minha racionalidade, fixado na ideia de tê-la de novo. Por um breve momento que fosse. Só um beijo. Caralho, não. Não! Um beijo e eu mudava a porra do rumo da minha vida de novo. De volta para as bordas do namoro dela, sua vida com o Fer no quarto ao lado. Não. Não dá mais. Dei um passo para trás. Eles ainda estão juntos e eu... não, chega.

_Ela disse que a senhora pode subir... – o porteiro ressurgiu, me avisando.
_Não... – relutei – ...deixa.

abril 19, 2012

Entre quatro paredes

Paradas ali, em intermitente contemplação de nós duas, aquelas paredes. Os livros, as estantes, os papéis com pequenos desenhos rabiscados sobre a escrivaninha – como se eu nunca tivesse deixado aquele cômodo. O quarto da Mia continuava o mesmo, o mesmo que meses antes, quando nos tatuamos aos risos de madrugada; ou quando inventei histórias até que a Mia adormecesse, abraçada em mim; o mesmo de quando cambaleamos porta adentro, mais bêbadas do que qualquer outra pessoa que deixou o bar no Itaim aquela noite, e transamos pela primeira vez. É – o quarto era o mesmo, mas nós não.
 
Assim que passei pela porta, decidida a fazer aquilo direito, me voltaram a contragosto – os beijos, as horas passadas juntas, em segredo. Sua mão entrelaçada à minha no escuro, enquanto todas as suas amigas dormiam nos colchões ao lado e a nossa respiração acelerava, nos denunciando. O que aconteceu no meio do caminho, garota? Eu a olhava, agora, ali, tão diferente. Os cabelos presos para trás, morenos e opacos; os seus olhos tristes. E um sentimento de culpa brotou em mim, incômodo. O seu corpo não me queria ali, eu podia notar. Havia algo de desconfortável na minha presença naquele quarto. Deixara de ser natural – e talvez a culpa fosse minha. Ou dela, já não sabia dizer. Importa?

_E então? – me encarou brevemente, num moletom azul escuro, cansada.
 
A nossa discussão parecia continuar na sua cabeça. Afundou-se contra a parede, sentada no colchão. Evitando me olhar nos olhos, como quem não queria ouvir o que eu tinha para falar. Como se esperasse o pior. Suas pernas estavam cruzadas sobre o edredom, a quase um metro de mim. Nós merecíamos mais, eu e você, pensei, vendo-a assim, tão distante.

_E-eu... – respirei fundo – ...queria me desculpar, Mia.
_E por o quê... – murmurou, como se eu lhe devesse mais de uma – ...exatamente?
_Pelas coisas que eu te disse, por como eu disse. Não era pra ter sido daquele jeito.
_Eu acho que nós duas nos arrependemos... – ela cedeu um pouco, mantendo os braços ainda cruzados.
_Olha, eu... e-eu nunca quis te magoar, nem agir desse jeito... e-eu, eu tava magoada, tava irritada... com ciúmes, não sei, e-eu... – lamentei – ...a verdade é que eu fui apaixonada por você, por muito tempo. Nossa, e-eu, eu te amei tanto. E isso sempre foi muito confuso. Talvez você não acredite, mas eu nunca tive no controle do que acontecia entre nós duas, eu nunca consegui... evitar, sabe? – suspirei, me forçando a dizer de uma vez todas as palavras que eu ensaiei na minha cabeça, no caminho até a sua casa – E você pode achar que foi sacanagem, achar que foi culpa minha, como você disse no telefone. Mas eu tava sofrendo, meu, eu... e-eu não queria gostar assim de você, não queria te pôr nessa situação. Não queria foder minha amizade com você, com o Fer. Não queria! Mas eu... te amava, porra, e... e quando tudo terminou, eu...
_Por que você não... – se chateou, me interrompendo – ...n-não me disse nada, enquanto a gente tava...
 
Suspirou, pausando antes de dizer. Vai, diz, a encarei, “juntas”. Diz. Admite o que tivemos, cacete. Mas as suas pálpebras se abaixaram, olhando para suas mãos apoiadas sobre o colchão. Qual é, Mia?
 
_Então, você não sabia? – questionei – Você realmente não sabia, Mia?
_...
 
Vamos lá. Não posso ter essa conversa sozinha, garota.
 
_Escuta... Cê tem que entender que, q-que eu também estava lutando contra aquilo na época e você, v-você tinha o Fer, porra... E-eu... – engoli seco, me sentindo machucada – ...eu podia perder vocês dois, entende? E mano, você não sabe, não faz ideia de como eu me odiei depois... – abaixei a cabeça – ...por, p-por não ter te dito antes. Por ter te levado a, talvez, achar que cê era só mais uma qualquer para mim. Porque você não era. Você... – a olhei, de novo, sincera – ...nunca foi. Eu te amei antes de fazer qualquer a respeito, cara, por muito, muito tempo; eu tinha medo do que podia acontecer se você soubesse. Se qualquer pessoa soubesse.
 
Os seus olhos se encheram de lágrimas, marejando, enquanto me escutava, sentada ali.  

_E agora você não ama mais. É isso? – me encarou, como se eu a magoasse – É isso que você veio me dizer?
_E-eu... – minha voz entalou no fundo da garganta, sem conseguir dizer aquilo – ...eu vim dizer q-que... – me atrapalhei – ...que, e-eu, não sei, q-que a gente não pode continuar assim. Sabe? Se machucando, metendo os pés pelas mãos. Olha, a, a real é que não importa como eu me sinto, como você se sente, de todo jeito não acho que o que a gente tava fazendo era bom. Pra ninguém! – argumentei, sentindo meu coração sair pela boca – Não sei, e-eu... eu sofri tanto, Mia, porra, tanto... para lidar com os meus sentimentos por você, com as nossas idas e vindas, com a minha desonestidade com o Fer, caralho, e quando terminou... mano, acabou comigo. Eu sofri demais. E eu sei que não foi fácil para você também, agora eu sei, e... e porra, cê num sabe como me mata te ouvir falar, sabe, como você falou no telefone no outro dia... e-eu... eu nunca quis te magoar assim, inferno, e-eu... – o meu coração doeu, em silêncio – ...eu não quero mais te ver passar por isso. Eu não quero mais passar por isso. V-você, você tá com o Fer, você ainda tá com ele, sabe, e eu, e-eu quero tá com a Clara. Eu quero fazer dar certo, meu.  
_Hum, cê tem um jeito muito estranho de demonstrar isso...  – retrucou, contrariada, provavelmente se referindo a quando transamos no banheiro três dias antes.
 
Mais alguma coisa, porra?!
 
_Não faz isso, meu... não fala assim, v-voc... – abaixei a cabeça, frustrada, e então a olhei – ...você sabe como é difícil pra mim? Te dizer essas coisas, olhar para você aí? Mas eu... e-eu tô tentando ser sincera, caralho. Eu acho que a gente precisa conversar direito. E eu sei que eu faço as coisas sem pensar, que eu posso ser uma completa idiota, às vezes. Mas eu quero fazer as coisas certo dessa vez! Mano, eu tô tentando aqui, sabe, tô mesmo. Eu quero ficar bem com você! Não quero ficar brigando, porra... – o meu peito se esmagava de dor, a encarando – ...você, você é importante pra caralho pra mim.
 
A Mia deu um meio sorriso, ainda melancólica, quase como se só quisesse me agradar. Seus olhos, todavia, fugiram dos meus como se eu estivesse falando a coisa errada. Como se não quisesse me perdoar por aquilo, pelo sexo de madrugada, pelo que tivemos meses antes e que tanto nos machucou – mas, sim, pelo o que veio em seguida, pelas decisões que eu tentava tomar agora. Como se a conversa fugisse do rumo que achou que teria.
 
_V-você é importante pra mim também... – respondeu, ainda assim, forçando um meio sorriso conformado – ...e e-eu, eu entendo. Entendo mesmo... – respirou fundo, olhando para o lado por um instante, e só depois voltou o olhar a mim – ...cê tem razão.

abril 13, 2012

Armistice

_Com a Mia?! – a Thaís arqueou as sobrancelhas, irônica – Não. 
_Por quê? – o Gui logo tentou se inteirar – Que rolou com a Mia?
_E-ela... quer dizer, a, a gente meio que se pegou depois da sua estreia, quinta, não sei, eu fiz merda, meu... – expliquei – ...e, e ela ficou chateada, tentou conversar co...
_Não! – a Thaís me interrompeu – Ela não “tentou conversar”, a amiga dela que ligou pra te dar esporro. Foi isso que aconteceu! Como se cês tivessem na quinta série!
_Eita. Sério?
_É. Mas... não sei, ela... – respirei fundo – ...ela tava mal mesmo no telefone, Tha. E e-eu, sei lá, eu tava puta da cara, não escutei direito... não sei, e-eu... eu gosto dela, apesar de tudo. Porra, fui apaixonada por ela mó tempo, mano! E é foda ouvir a Mia fal... – pausei – ...enfim, não sei.
_Velho, para. Para! – me deu bronca – Nem entra nessas, cara. A Mia precisa assumir a responsa pelas decisões dela, não dá pra querer tudo. Fica falando que tá mal? A mina NAMORA seu amigo! Vai se foder! Se ela tá tão na merda assim por você, por que ela continua com ele?! – se revoltou – Porra. É muito fácil assim, né, caralho!
_Tá, mas... – hesitei – ...não sei.
_Cara, larga mão. Essa mina só te faz mal! Cê tem que ficar com quem te faz bem, mano. Com a Clara. Foda-se a Mia!
_É, amiga... – o Gui comentou – ...eu concordo. Mas se cê tá preocupada com como foi a conversa de vocês, por que cê não liga pra Mia? Tenta falar com ela, sabe, sem barraco. Só para pôr um ponto final. E aí cê pode seguir sua vida com a Clara... – aconselhou, com carinho – Acho que vocês duas precisam disso, meu.
 
Respirei fundo. E aí desliguei a água do chuveiro – ainda sem saber como me sentia com tudo aquilo. Então fui até a caixa de força e religuei a energia para testarmos o chuveiro. Talvez fosse bom falar com a Mia mesmo, pensei, não sei. Não tinha muita certeza se não acabaria piorando ainda mais a situação, mas não via outra solução para parar com aquelas brigas. Argh. Assim que a água aqueceu, o Guilherme nos agradeceu e expulsou do seu apartamento, indo tomar banho para ver o boy dele.
 
O relógio no meu celular já se aproximava da uma da tarde.
 
Levei a Thaís até um restaurante de lamen, meio escondido, que eu conhecia ali perto. Pedimos e o meu estômago roncou – a gente não tinha sequer tomado café naquela manhã. A Thaís ficou tagarelando qualquer coisa sobre o aquário que tinha em frente à nossa mesa, mas a minha cabeça continuava tão cheia que eu mal a ouvia. Aquela era a primeira vez que eu estava em um relacionamento que me fazia tão feliz assim. Numa estranha sincronia. Só agora me dava conta do quanto, de fato, gostava da Clara. E do seu jeito descomplicado. De como me acalmava e inquietava ao mesmo tempo, de como a gente funcionava bem juntas.
 
E eu sabia – sabia que se fosse ficar de vez com ela, eu precisava fazer aquilo direito. Então fiz o que nem eu, nem a Mia conseguimos fazer em todo aquele tempo. Peguei o celular e saí para a rua, acendendo um cigarro, enquanto discava para ela. Os toques se estenderam, consecutivos, ressoando no meu ouvido – atenta a cada um deles. Atende, vai. E por um instante, achei mesmo que não o fosse fazer. Mas, apesar da maneira como a nossa discussão terminou dois dias antes, ouvi a sua voz surgir do outro lado da linha.
 
_Por que você tá me ligando, meu? – suspirou e pude senti-la amargurada comigo.
_A gente precisa conversar... – respondi e ela se manteve quieta, do outro lado, ainda rancorosa – ...direito. Posso passar aí hoje, depois do almoço? Eu não quero mais brigar, Mia.

abril 11, 2012

Os placebos

Graças a deus, eu nunca tive cara de heterossexual nessa vida. Cresci com os moleques da rua cantando “Maria-sapatão” para mim antes mesmo de eu saber o que era uma lésbica. E desde os meus onze ou doze, quando minha mãe deixou de controlar o que eu vestia, sempre fui a caminhão do bairro. As únicas pessoas que me olhavam, em absoluta negação, e achavam que algum dia eu ia me casar com um “bom moço” eram as vovós crentes que cruzavam comigo na padaria, quando eu tinha dezesseis, vestida numa bermuda grunge e de boné pra trás.
 
Sempre colecionei olhares por todo lugar que eu ia, já estava acostumada – aprendi a ter orgulho e a amar quem eu era. Mas, olha, não tava preparada para a experiência social de pegar o ônibus com a Thaís naquela manhã de domingo, segurando uma porra duma caixa de ferramentas. Eu e ela juntas atingíamos outros níveis de caminhoneirice em público. Era o dobro de olhares.
 
Uma mulher duns 40 anos ficou encarando tanto, sentada nuns assentos mais adiante, que comecei a provocar a Thaís – “ela tá te querendo”. “Cala a boca”. “Velho, ela não para de olhar pra cá”, eu ria e murmurava, “ou me quer, ou quer você”. A gente se divertiu, a olhando de volta. E ela não desviou o rosto. Então começamos a fazer de propósito – enrolando as mangas da camiseta para mostrar as tatuagens; erguendo os braços para nos espreguiçar, exibindo os nossos pelos. E quando chegou o nosso ponto, entre a Sé e a Liberdade, passamos ao lado dela e eu ainda dei uma piscadinha na sua direção, fazendo graça.
 
E aí descemos, aos risos. Subimos a rua até o prédio do Guilherme, que ficava numa travessa ali da Conselheiro Furtado. E assim que chegamos no apartamento, nos deparamos com um chuveiro velho, todo empoeirado.
 
_Ah, mano. Puta merda, Gui! – reclamei – Cê não podia ter dado uma limpadinha, pelo menos?
_Eu não, vai que tomo choque! Nunca nem mexi nesse treco!
_Nota-se... – a Thaís riu.
 
Abrimos o chuveiro e eu desci para comprar a resistência numa loja multicoisas, a três quarteirões dali, enquanto a Thaís instalava a prateleira na sala. Chequei meu celular de novo, quando já estava voltando, e nem sinal da Clara – merda. Entrei no apartamento. A Thaís estava tagarelando no banheiro, sentada sobre o tampo da privada na sua bermuda de moletom, argumentando para o Gui que a revolução tinha que ser autossuficiente. 
 
_A gente, as sapatão e os viado, temos que saber fazer tudo sozinhos, cara... – defendeu, acendendo um cigarro – ...não dá para depender dos outros.
 
Eu sorri e roubei o cigarro dela, subindo na escada para colocar a nova resistência.
 
_Falando nisso... – murmurei, com o filtro na boca – ...como tá a mecânica lá?
_Velho, fiquei até quatro da manhã trocando ideia com ela ontem... – a Thaís passou a mão no rosto – ...se essa mina num tiver afim, mano, na boa. Não sei nem o que pensar!
_Ela tá afim, sim, meu! Vai rolar!
_Espera – o Gui se meteu – Cê tá na dúvida se uma mina que ficou falando com você DE MADRUGADA quer te pegar ou não?!
_Ah, mano, eu acho que ela quer... – hesitou – ...mas é que a gente só fica falando de tatuagem, porra!
_Velho, a mina trabalha quase dez quarteirões dali e entra TODO DIA no estúdio pra trocar ideia com você, Thaís! – argumentei, já fechando o chuveiro – Ela quer te pegar, sim!
_E se ela já deu o telefone dela... – o Gui riu – ...é porque ela quer dar uns beijos, gata!
_Num foi exatamente ela que deu, fui eu que pedi, né?
_Eu não sei por que cê tá tão insegura, velho... – desci da escada e devolvi o cigarro – ...a mina obviamente quer alguma coisa!
_Ah, sei lá. É que... – deu um trago – ...eu tô realmente afim, mano. Não sei por quê! Fazia tempo que num me interessava assim por alguém, meu. E aí, sei lá, eu fico meio trouxa...
_Thaís, meu, vai dar certo!
 
Sorri para ela e abri o chuveiro, deixando a água correr. O Gui insistiu, interessado na fofoca, perguntando como foi que a tal garota tinha começado a ir ao estúdio para ver a Thaís – naquele chove-num-molha delas que já durava quase um mês. E a minha cabeça se distraiu, vagando sem rumo. Meus pensamentos voltaram para a Clara, para a lembrança da porta do seu apartamento, numa vontade de vê-la e de saber se a gente estava bem. Me diz que não te assustei, garota.
 
E então, num erro recorrente demais, pensei também na Mia. Nas coisas que tentara me dizer, em como a briga saíra de controle na sexta, nas suas lágrimas – e em como eu não queria que fosse assim, cacete. Por uns segundos fiquei ali, segurando a chave de fenda no ar, enquanto encarava a água caindo, pensativa.
 
_Ei! – a Thaís estalou os dedos, quase me despertando – Tudo certo aí?!
 
Balancei a cabeça, confusa, como se realmente acordasse, e ela riu.
 
_Tá... – murmurei, mas aí olhei para meus amigos, parados ali, me sentindo estranha – ...v-vocês, meu, cês acham que eu fui babaca com a Mia?

abril 10, 2012

S.O.S. Sapatão

Dois dias depois, comecei a me perguntar se tinha feito merda. A Clara não me respondia desde a minha ida-surpresa ao seu apartamento, o que me fez cogitar se a minha declaração desajeitada a tinha assustado. Inferno, olhei para a tela do celular pela terceira vez naquela manhã de domingo, sem qualquer resposta. Por que diabos eu fui até lá?, me frustrei, largando o celular ao meu lado.
 
Estava deitada no sofá da Thaís, onde tinha passado a noite depois de alguns baseados e um filme terrível que assistimos na TV. Talvez ela só precise de um pouco de espaço, pensei, enquanto minha cara era lambida pelo Bruce. Nosso relacionamento era diferente de todos os que eu já tinha tido – eu sabia que a Clara gostava de certas liberdades tanto quanto eu. E eu amava aquele seu jeito desencanado, de quem sequer gosta de dar nome aos bois, zombando dos apaixonamentos alheios, enquanto a gente mesma não conseguia se largar. Nuns afetos que eram, ao mesmo tempo, livres e absolutamente compulsivos.
 
A gente se entendia, se gostava. Não sei explicar. E isso tornava ainda mais difícil não receber qualquer notícia sua depois que eu fui até a casa dela só para dizer que “gostava mesmo” dela – isso e o peso na consciência que eu estava sentindo pela discussão com a Mia. É. De muitas maneiras. Argh. Para a minha decepção, quando meu celular finalmente tocou, era só o Gui. “C ta em casa?? preciso duma caminhao, urgente!”, dizia o SMS dele. Eu li e achei graça, digitando de volta – “to umas quadras pra cima, fala ai”. E logo veio a explicação: “queimou meu chuveiro kkkk”.
 
Ah, fala sério.
 
“Ta me zoando?? vc ñ sabe trocar resistencia, guilherme??”, comecei a rir. “q?? ñ me julgaaa! pfvrzin, vou ver o bofe.. preciso tomar banho!!”. “e ele ñ pode fazer pra vc? ja testa o chuveiro com ele dps... ;)”. “ñ confio em macho fazendo isso, qro minha sapatao!!”. “rs daqui a pouco to ai!”. “c tem furadeira? Podia ja me ajudar a por a estante tb, neh?”. “ñ, mas to na casa da thais...”, digitei, enquanto levantava do sofá, “vou ver se ela tem”. Caminhei até o quarto da minha amiga, que dormia só de cueca preta e regata num colchão de viúva, com todas as tatuagens de fora, e bati na porta aberta.
 
_Bora levantar... – falei alto, a acordando – ...temos que resgatar um viado lá no Centro!