No dia seguinte, o meu pai me ligou. No exato momento em que eu me
desdobrava, descoordenadamente, entre enviar um SMS para a Clara e a
desajeitada tarefa de segurar a mochila para frente ao sair pela catraca do
metrô. Coloquei o celular entre o ombro e o ouvido, apoiando-o enquanto usava
as mãos para desvirar mochila e vestir as alças novamente nas costas.
_Como tá indo a mudanç... – ele interrompeu a fala, me ouvindo em meio
ao caos – ...onde você tá?
_Saindo do metrô. Só um segundo.
Subi as escadas num impulso e acendi um cigarro já do lado de
fora, na frente da estação Sumaré. Com o filtro na boca, tornei a colocar o
telefone no ouvido e o incentivei a continuar – “fala”. A saída do metrô estava
movimentada e a noite agradável.
_Olha, a sua mãe tá preocupada com quem você vai enfiar nesse apartamento
para morar com você. Ela disse qu...
_Claro que ela tá, meu. Ela odeia a Augusta!
_É, mas talvez seja uma oportunidade para você repensar isso,
minha filha. Achar alguma coisa mais bem localizada, fora da muvuca, alugar uma
kitnet.
_Não quero, já falei para vocês. Eu gosto de morar lá – argumentei,
conforme olhava para o lado antes de atravessar a rua – E outra, o Fernando vai
voltar. Eu só preciso de um tempo, vai ser suave... é só por uns meses até ele
conseguir um emprego. Depois do Ano Novo, capaz de aparecer mais coisa...
_Ainda assim, não sei se é boa ideia você deixar qualquer um ir
morar assim com você. Depois a pessoa é estranha, mexe nas suas coisas, pode
levar gente perigosa pro apartamento. Você sabe como essas coisas são... – ele
resmungou, contrariado, e eu ouvi a minha mãe gritar algo ao fundo – ...a sua
mãe quer falar, peraí.
Lá vem, suspirei e revirei os olhos, já me aproximando do prédio da Clara. Um baixinho
de poucos andares e com varandas minúsculas, a dois quarteirões dali. Quanto
antes chegasse, antes me livraria dos palpites da minha mãe.
_Você ligou para a sua prima, como eu te pedi?
_Não.
_E por que não?!
_Mãe, pela milésima vez, eu não vou morar com a Nádia. Ela fica na
porra do Morumbi! Que merda eu vou fazer lá, me diz?! – me estressei com a
insistência; fazia dias que ela me enchia com aquilo – Fora que, né, a gente
não tem nada a ver uma com a outra.
_Como não? Vocês duas eram tão grudadas...
_Quando eu tinha 8 anos, né... – revirei os olhos, tentando
entender o que a minha mãe enxergava em comum entre a filha caminhão e a sobrinha
hétera-top que fazia aula de Zumba – Não, não dá, mãe. Imagina agora eu
aparecendo lá no flat da menina com meus amigos viados, levando a Clara para
dormir lá, que maravilha ia ser.
_Você também não precisa agir desse jeito.
_Hum, fala... – me incomodei com o comentário – ...de que jeito?!
_Não foi o que eu quis dizer e você sabe.
_Tá, tá. Olha, mãe, preciso desligar... – a cortei – ...tô
chegando no prédio da Clá já, depois a gente se fala!
Desliguei às pressas, antes mesmo de terminar o primeiro
quarteirão. Aí desci os metros que faltavam e toquei a campainha ao chegar, terminando
o cigarro o mais rápido que deu e subindo depois pelas escadas. Tão logo a
Clara abriu a porta, arranquei a camiseta que eu estava usando e a larguei no
chão. Ela sorriu, me beijando, enquanto desabotoava a minha calça e descia o
meu zíper – o seu SMS, uns quarenta minutos antes, tinha sido bastante
específico quanto ao que ela queria fazer naquela noite. É. E ia acontecer ali mesmo, no meio da sala.
Sorri, imprestável, com uma saudade desgraçada dela. E em menos de
dois minutos, o meu rosto já estava metido entre as suas pernas, deitadas no chão,
com a sua calcinha amassada na minha mão direita e o vestido erguido até a cintura
pela esquerda. Mas aí o meu telefone começou a tocar de novo. Inferno. Depois parou. E então começou mais
uma vez. “Você quer atender?”. “Não”, murmurei, tirando a boca dela por um
segundo, “são meus pais, deixa quieto”. Voltei ao que estava fazendo. E senti o
seu corpo inclinar, logo em seguida, droga.
_Hum. Aqui tá dizendo ‘Gui’... – a Clara riu, com o celular já em
mãos.
Por que
não deixou no chão, porra?
Me sentei no vão entre as suas pernas, inconformada, a olhando de
volta. E ela me esticou o telefone, o qual atendi emburrada. “Temos tempo”, a
Clara gesticulou com a boca em silêncio, e eu a beijei com vontade – conforme o
Gui tagarelava, afetado, do outro lado.
_Amiga! Revolvi seu problema!
Duvido, pensei,
irritada.
_Eu tô aqui na Fradique, numa mesa de bar... – quase gritava no
meu ouvido, rindo – ...com três bichas maravilhosas e um boy que nunca comeu uma
bunda e só por isso não sab... – céus, isso
vai levar uma eternidade – ...ai, não me belisca! Para! – ele se distraiu,
por um instante, e eu podia ouvir o restante da mesa rindo, entre comentários e
xingamentos trocados longe do telefone – ...e enfim, um deles tem um amigo...
que sempre vai na Society com a gente, o Du, e ele tá super precisando de lugar
para ficar... – o Gui pausou para chamar
o garçom, aos berros – ...mas então, ele é ator também... e ele quer fugir de
uma pensão uó que ele fica, na casa de uma família lá no Santa Cecília, péssima...
mas é só até arranjar outra coisa melhor, sabe? Seria temporário mesmo... e aí
eu vi seu recado e já mandei mensagem para ele, ele disse que pode passar aí
amanhã! – anunciou, convicto da boa ideia que tivera – Fala sério... me diz,
você me ama ou não?
Não. Argh,
não sei. Passei a mão no rosto, suspirando, confusa. A verdade é que eu não
sabia se era mesmo aquilo que eu queria. Nem se estava pronta para, de fato, achar
alguém para colocar no lugar do Fer. Todavia, o Gui aguardava, empolgado, do
outro lado da linha.
_Amo, amo – respondi, me dando por vencida, e ri – Escuta, passa o
telefone dele pra mim por mensagem e eu vejo, depois a gente se fala. Tô no
meio de uma parada aqui e é importante... tá?