_O que cê tá fazendo aqui, meu?! – resmunguei, enfiando a cara no travesseiro,
enquanto ela abria a porra da janela.
_Eu vim ver se consigo te salvar de você mesma...
_Deixa de ser ridícula, mano. Nada a ver.
_Eu?! – ela me observou, irônica, e eu revirei os olhos – Olha, cê me desculpa,
mas a ridícula nesse quarto é outra...
_Eu não preciso ser “salva”, Marina.
_Não?! E quando foi a última vez que você saiu?
_Ontem e já me arrependi – levantei da cama, a contragosto, com o cabelo terrivelmente
amassado – Quem te deixou entrar, afinal? O Fer?!
A Marina não respondeu, com metade do corpo já dentro do meu armário,
vasculhando a pilha bagunçada de roupas que se acumulava sobre as gavetas. Fiquei
parada em pé, amolada, numa camiseta desbotada dos Strokes e com a mesma cueca que
estava usando no meu encontro fracassado da noite anterior, sem vontade alguma
de socializar com a porra da minha ex naquele momento.
Inferno. Eu
odiava as “intervenções” da Marina – na época em que a gente namorava, ela
costumava invadir a minha casa contra a minha vontade, no meio da tarde, e “salvar”
o nosso relacionamento das nossas muitas brigas. Era sempre assim e, uma hora
ou outra, eu cedia. Naquele fim de tarde infeliz, todavia, eu não estava com
saco para aquilo.
_Tem alguma coisa aqui que esteja passada?! – disse, falando sozinha, enquanto
mexia no bolo de tecido.
_Sei lá –
murmurei – Preciso mijar...
Larguei
ela ali e arrastei os pés até o banheiro. Sentei na privada, sem me dar ao
trabalho de fechar a porta, e fechei os olhos enquanto fazia xixi. Exausta. Minha
cabeça doía, meu corpo todo doía depois de me apertar no banco de trás de
um Gol velho com a Isa por meia hora e aí andar quatro quilômetros até em casa,
bêbada. Argh. Dei descarga e encarei os tons arroxeados, cansados, que
se camuflavam sob a minha pele ao redor dos meus olhos. Frente ao espelho do
banheiro, destruída. A Marinha tinha razão – eu tô com uma cara péssima
mesmo, puta merda.
_Marina, nem
pensar.
_Só veste
logo!
_Meu, eu
não... – me joguei na cama, por cima das roupas que ela tinha separado e
deixado ali – ...n-não vou pra lugar nenhum, caralho.
_Ah... você vai, sim! – ela me puxou pela mão – Vem! A gente pode só jantar rapidinho...
_Má, por favor... – choraminguei, passando as mãos no rosto.
_Você não tem escolha – continuou, começando a me irritar.
_Marina, é sério, eu não quero.
_Não tô perguntando.
_Má... – sentei na cama e a encarei nos olhos para resolver aquilo de vez –
...pára. Me deixa em paz!
_E qual é a alternativa, hein?! – ela me enfrentou de volta, levantando a voz –
Me diz! Vai ficar aqui sentindo pena de você mesma?!
_Ninguém tá sentindo pena de ninguém! – cortei ela, indignada, aumentando ainda
mais o tom da discussão – Eu tô pedindo ajuda por um acaso?! Hein?! Te disse
alguma coisa esses dias? Fui chorar no seu ouvido?? Fui?!? – levantei da cama,
irritada – Não, não fui!! Não fui, Marina! Então não enche, porra!!
Desgraça. Eu não
aguentava mais brigar com todo mundo ao meu redor. Puta que pariu.
_E PRECISA?! – a Marina reclamou, insistente – FAZ DUAS SEMANAS QUE A ÚNICA
COISA QUE EU ESCUTO É “AH, NÃO TÔ AFIM...”, “AH, SEI LÁ, FUI NO ESTÚDIO”, “AH, DEIXA
PRA LÁ, JÁ JANTEI”!!
_E CÊ QUER QUE EU FALE O QUÊ, PORRA?!?
_QUALQUER COISA! ME LIGA, CARAMBA! CONVERSA! FALA COMO VOCÊ TÁ! ME DIZ O QUE TÁ
ACONTECENDO! DAQUI A POUCO VAI FAZER UM MÊS E VOCÊ CONTINUA AÍ, NA MERDA!
_PROBLEMA MEU, MANO! O QUE VOCÊ TEM A VER COM ISSO??
_Linda, não faz assim – baixou o tom, tentando mudar o rumo daquela discussão –
Por favor. Eu tô preocupada com você.
_Eu tô
bem, Marina... – balancei a cabeça, respirando fundo – ...eu só preciso de um
tempo.
_Meu amor,
as coisas não vão se resolver se você...
_Já disse
que tô bem, porra – a interrompi.
_Flor,
pelo amor de deus, cê sabe que não é verdade – insistiu, segurando na minha mão
– Você acha que isso é vida?! Ficar assim por causa de uma garota que...
_Eu tô bem! Eu... estou... bem! – a cortei de novo e soltei a minha mão da dela,
irritada – Quer que eu repita? Não tem nada rolando, caralho!! Eu tô bem!
_Mas você
não tá! Você sabe que não tá!!
_E VOCÊ QUER QUE EU DIGA O QUÊ, CACETE?!? – gritei com ela, do nada – HEIN?!? O
QUE VOCÊ FARIA NO MEU LUGAR, PORRA?! SE FALASSE PRA UMA MINA QUE AMA ELA E... E
A GAROTA SIMPLESMENTE SUMISSE DA SUA VIDA?? NÃO TE RESPONDESSE?? SE VOCÊ FICASSE
SE HUMILHANDO, PORRA?! MANDANDO MENSAGEM? LIGANDO?! QUE NEM UMA LOUCA?? SENDO
IGNORADA?! VOCÊ QUERIA QUE EU DISSESSE O QUÊ?!? QUE EU NÃO TÔ BEM, CARALHO?!
QUE EU TÔ MAL? QUE EU TÔ SOFRENDO?! QUE EU NÃO CONSIGO PARAR DE PENSAR NELA?? –
fui aumentando a voz, cada vez mais – É LÓGICO QUE EU NÃO TÔ BEM, CARALHO!!
PRECISA VIR AQUI E ME ENCHER SACO?!? EU NÃO QUERO SAIR! EU NÃO TÔ AFIM! ME
DEIXA, PORRA!!
_É ISSO! É ISSO QUE EU QUERO OUVIR!! SÓ ISSO, MEU, A VERDADE!!
_BOM, A VERDADE NÃO ME FAZ SENTIR MELHOR!!
Dei dois
passos e bati a porta, nos fechando ali antes que o Fer escutasse a discussão, me
sentindo realmente um lixo. Caralho.