- »

julho 29, 2011

Mau presságio

Passei pelos dois no corredor, meio sem saco, e fui até o quarto do Fer. Vasculhei seu armário, procurando a caixa em que ele guardava sua reserva de dinheiro do mês. Normalmente a colocava ali em cima, mas desta vez eu não estava encontrando. E olha, antes que me acusem de estar fazendo uma ceninha – não, não era como se eu estivesse brava com a Mia. Dane-se a Mia. Eu estava pouco me fodendo para ela agora. O que me incomodava era ainda me ver em situações daquele tipo, sentia uma indisposição desgraçada de ficar por perto.
 
Não acho a droga da caixa. Fechei a porta do armário e o Fer apareceu na porta.

_Meu, cadê sua grana?
_Na gaveta... – ele murmurou, apoiado no batente – ...tá aí do lado. Pra quê cê quer?
_Vou fazer um corre... – disse, me curvando sobre a cômoda – ...eu paguei tudo na última.
_Tá. Mas pega lá embaixo, viu, não vai aqui em cima que o cara tá vendendo tudo zoado essas últimas... – reclamou, coçando um dos braços – ...e cê não quer comer aí com a gente antes?
_Não, tô de boa.
 
Balancei a cabeça, enquanto vasculhava suas gavetas com toda aquela minha delicadeza – fazendo um pouco de barulho. O Fer ficou me olhando revirar ainda mais o caos do seu quarto. Assim que encontrei a porra da caixa, me perguntou se o dinheiro dava, se certificando de que estava tudo certo antes de ir tomar um banho rápido. “Tá, sim, vai lá”. Contei as notas e as coloquei no bolso, atravessando o corredor de volta para a sala. A Mia continuava no mesmo lugar que 5 minutos antes, me olhando passar.
 
Que seja.
 
Ela podia me olhar o quanto quisesse. Eu não estava nem aí. A real é que eu sequer pensei na Mia nos últimos dois ou três meses. E mesmo quando me via forçada a encará-la, deslizando atrás do Fer pelos cantos do apartamento, como naquela tarde, ainda era diferente. O sentimento tinha mudado. Se tornou um grande nada, o nosso relacionamento inexistia. E a gente sequer se falava.
 
Isto é... até então.

julho 28, 2011

Ah, uns 4 meses...

Debruçou-se sobre o sofá da sala. As mechas azuis do seu cabelo se esparramaram nas páginas do livro, atrapalhando a minha leitura. Senti os seus braços me envolverem, ao redor do meu pescoço, me inclinando de leve para trás. Sorri e ela me deu um beijo. Bem demorado. Eu já estava acordada há pelo menos uma hora. Voltei os olhos mais uma vez para o texto – uma antologia sapatona da Vange Leonel. E a garota saiu de cima do encosto, se abaixando para pegar a bolsa que tinha largado atrás do sofá de madrugada.
 
O Fer vinha andando pelo corredor e parou por um segundo ali, sem camiseta e com cara de sono, a observando sair.
 
_Quem era essa?! – perguntou, assim que a porta fechou.
_Amiga da Lê... – respondi, virando a página – ...conheci na Alôca ontem.
 
Me ajeitei no sofá e apoiei os pés descalços sobre a mesinha de centro, me esparramando. De bermuda e regata, com o cabelo bagunçado. O relógio marcava algo próximo das três. Naqueles meses que se seguiram à minha discussão com a Marina, eu tinha cumprido a minha promessa. É. Parei de beber. Isto é, sem contar as cervejas que eu e o Fer matamos no Ano Novo, assistindo os fogos da janela da nossa sala. Ainda assim, 2011 tinha começado com bem menos dor de cabeça.
 
Em todos os sentidos.
 
E eu não sentia falta nenhuma. Passava os meus dias à toa, sem mais nada para fazer da vida, xavecando as amigas das minhas amigas ou fumando maconha umas quadras para cima, na casa da Thaís. Era descomplicado e eu gostava. Tornei-me o cúmulo do que sempre fui. Skip a life completely, stuff it in a cup – escutei o Lou Reed cantar na sala, num vinil do Velvet Underground que pus para tocar minutos antes na vitrola do Fer.
 
_Amor? – a Mia chamou, de repente.
 
Ah, é. Quase esqueci. Eles tinham voltado. Depois da nossa bebedeira na Trackers e da minha boca grande, o Fer mandou mensagem para a Mia. E aos poucos, pelas rupturas e pequenas frestas na resistência dele, ela foi voltando. Voltando para a vida dele. Entre ligações e uns amassos, sentada na mesa da cozinha com ele metido entre as suas pernas, em visitas de madrugada ao apartamento. É. Ela foi conseguindo e eu, bom, eu também. Porque quanto mais a Mia encontrava caminhos de volta para o Fernando, mais o meu coração se distanciava dela. Até estar tão longe que já não sentia mais saudade. Não sentia nada. Tudo o que eu via agora – a uns bons quilômetros de distância – era a lembrança do quanto tinha sofrido por aquela garota.
 
“Amor”, revirei os olhos. Ela chamou o Fer de dentro da cozinha, aí pôs-se na porta com as mãos apoiadas no batente e uma espátula na mão. Numa camisetona larga do Run DMC com as mangas enroladas sobre os ombros e por cima duns shorts rasgados que, uns meses antes, teriam me fodido a cabeça. Agora eu mal olhava na sua direção.
 
Passei as costas da mão sobre o rosto, abafada pelo calor daquele começo de tarde. E tentei voltar a focar na página que estava lendo, mas o Fer ficou parado ali falando com ela – sobre o almoço que ela provavelmente tinha estragado com suas péssimas habilidades culinárias ou sabe-se-lá o quê – e o ruído deles me irritou. "Amor", a palavra persistiu no meu pensamento. Que preguiça. Os dois estavam insuportáveis desde que voltaram oficialmente, em meados de janeiro. A Mia ria, encostada contra o batente da cozinha, olhando para ele cheia de luas, e eu tinha vontade de me jogar pela janela.
 
Fechei o livro e o joguei de qualquer jeito mais adiante no sofá, automaticamente irritada. Os dois pausaram os cochichos por um instante. Levantei e peguei minha carteira, contando o dinheiro rapidamente. E a Mia ficou me observando, inquieta. A encarei de volta, enquanto guardava o troco no bolso da bermuda, olhando bem nos seus olhos – não tinha medo de encará-la.
 
Você ainda se acha importante demais para mim, não é?

julho 11, 2011

OST 3 ♥

Saiu a terceira trilha sonora do blog!  Clique nas músicas abaixo para ver onde elas aparecem na história ou clique aqui para ouvir a trilha completa no Spotify.
 


*Obrigada especial para Marcella de Oliveira pela arte maravilhosa da capa!

julho 09, 2011

E umas certezas

Espera lá.
 
_A gente?!
_É. Eu e você. Eu não... – a Marina me olhou, chateada – ...n-não sei se a gente dá certo como amigas, flor.
_Do que cê tá falando, Marina? Calma lá... – me ajeitei no banco, preocupada – ...o que essa discussão toda tem a ver com a gente?!
_Não sei. Não sei se você sabe lidar com isso, se eu sei lidar bem com isso. É só... complicado, entende? – lamentou – A gente, meu, a gente já passou por tanta coisa... e eu não quero ficar brigando com você. Sabe, depois de tanto tempo, ficar nessa situação... ir te buscar na casa de uma mina qualquer aí, sabe, ficar discutindo, não sei se é saudável.
_Cê não pode tá falando sério... – balancei a cabeça, frustrada – Isso é coisa da Bia.
_Dá pra não enfiar ela no meio? – se irritou – Isso é assunto nosso, não tem nada a ver com ela!
_Não vou enfiar como?! Porra! – discordei, me exaltando – A mina fica enchendo sua cabeça, por ciúme da gente, caralho. Nunca foi problema antes! E agora, de repente, não é uma relação saudável e o caralho a quatro... Cacete, Má! – bati a mão no painel do carro  – Eu fiz merda! Saí e fiz merda! Foi só isso! Não tem nada a ver com a gente, porra!
_BOM, EU NÃO ME SENTI BEM INDO ATÉ LÁ!
 
Ela gritou, de repente, magoada.
 
_E-eu... – me desconcertei, a ouvindo estourar comigo – ...des... desculpa, linda... – hesitei, caralho – ...eu não queria te chatear, eu... – passei a mão no rosto – ...e-eu só faço merda, desculpa.
_Tá tudo bem, já foi.
 
A Marina abaixou a cabeça, angustiada. E eu me senti a pior ex amiga pessoa que poderia ser para ela, que sempre estava lá para mim. Puta merda. Observei os seus olhos se desviarem e fui tomada por uma culpa desgraçada. Fechada com ela ali naquele carro, enquanto os pedestres passavam na calçada em frente ao meu prédio. Argh. Mas que merda eu tô fazendo?
 
_Não. Não tá, Má... – lamentei – ...a, a verdade é... q-que nem eu me senti bem hoje, acordando lá... sem roupa, sem saber o que diabos tinha acontecido, sabe, foi estranho. E e-eu, não sei, não tô bem. Não tô pensando as coisas direito e... e eu não devia ter te arrastado pra isso. A última coisa que eu quero é foder a nossa relação, meu. Cê não tem noção de quanto cê é importante pra mim, do quanto eu gosto de você... – balancei a cabeça – ...caralho, viu. Não devia ter te chamado hoje.
_Flor, não é questão de “não me chamar”. É tudo. Você precisa parar com essas coisas, meu.
_E-eu, eu sei...
_Não, linda, eu tô falando sério – segurou a minha mão – Você não pode continuar assim, nesse ritmo... Não é bom pra você, nem pra ninguém por perto. Eu sei que as coisas tão difíceis, mas esse não é o jeito de lidar! Eu não quero ter que ir buscar você na porra do hospital, meu. Cê precisa maneirar um pouco...
_Eu sei. Cê tem razão, Má.
_E desculpa ter surtado antes, é só que... – murmurou – ...cê sabe, me traz umas memórias ruins. E é difícil, eu me preocupo pra caralho. Mas eu amo você...
_Eu amo você também.
 
Ergui sua mão, ainda dada na minha, e a beijei brevemente. A Marina sorriu pra mim.
 
_Então, quer dizer que cê vai dar uma trégua na bebida?
_Vou, vou... – eu ri.
_E o cigarro?
_Não abusa, Marina.
_Quê? – fez graça, amenizando o clima entre nós – Podia aproveitar já, de uma vez.
_E o que eu ganho com isso?
_Mais anos de vida, pra começo de conversa.
_Agora você só tá sendo cretina, Marina...
_Não, eu só não tô com paciência para lidar com você hoje... – riu, abrindo de novo minha porta –  Vai, tchau... Sai, sai!

Incertos arrependimentos

_Não tinha lugar mais longe?! – a Marina reclamou, assim que entrei no carro.
_Desculpa, linda...
_Desencana. Agora já foi.

Ela se virou para frente, com as mãos no volante, e eu fechei a porta. Do lado de fora, o silêncio nas ruas denunciava que era mesmo uma tarde de domingo. Uma música da Martina Topley-Bird tocava baixinho no rádio, quase esquecida ali. Algo como thought I was in love... tell me, was I wrong?, ressoando, seguida de uma frase que não consegui entender. A expressão na cara da minha ex não era lá das melhores.
 
_Obrigada, Má... – murmurei – ...por vir me buscar.
 
Ela me olhou rapidamente e logo voltou a focar no trânsito, sem paciência.
 
_Quanto você bebeu ontem?
_Não sei.
_“Não sabe”?
_E-eu... – hesitei, estranhando a atitude dela – ...sei lá, eu acho que exagerei um pouco.
_Onde cê foi?
_Na Oui Oui.
_Hum... – ajeitou os óculos no nariz e voltou a mão para o volante – E cê não acha que tá pegando um pouco pesado?
_Marina, na boa... – me irritei – ...eu não preciso de babá.
_Ah, mas precisa... Precisa, sim! – retrucou, levantando o tom de voz – Se eu tô tendo que sair da minha casa para ir te buscar do outro lado da cidade é porque precisa, não é?
_Já pedi desculpas, pô, que mais cê quer que eu faça?!
_Meu, cê é inacreditável... – balançou a cabeça.
_O quê?! Me diz. Quê que eu fiz??
_Nada.

“Nada”, revirei os olhos e encarei a janela, observando as ruas passarem.
 
_Eu só não entendo... – ela não se aguentou e continuou, instantes depois – ...como você pode beber tanto que não tem nem dinheiro pra voltar pra casa!
_Sei lá, porra. Só aconteceu!
_“Sei lá”, não! Não! No que diabos você tava pensando?! – brigou comigo – Pra encher a cara e ir comer uma mina na porcaria da Penha e aí, o quê? Cê ia voltar a pé até a Augusta?! Me explica, qual era o seu plano?!
_E-eu não... – abaixei a cabeça – ...n-não lembro direito, porra, eu não... pensei... só meio que fui e acordei já na... – suspirei – na casa da mina e...
_Olha, mudei de ideia... – ela me cortou – ...eu não quero saber.

Deixamos a Radial Leste e o carro atravessou o viaduto Júlio de Mesquita, perto da Liberdade. O balanço me zoava o estômago e aquela discussão idiota não ajudava. Inferno. Acomodei a minha cabeça um pouco para trás, entre o encosto e a janela. E fiquei ali por alguns minutos, amarga – o clima entre nós me incomodava.
 
_Meu, o que deu em você? – virei o rosto para ela, já quase na Frei Caneca, insistindo numa conversa que eu sequer queria ter.
_Nada.
_Não vai falar?
_...
_Tá bom, Marina – respirei fundo – Faz como cê quiser.

Cruzei os braços e encostei de novo contra o banco, apoiando os pés sobre o painel.
 
_Sabe, eu só acho engraçado... – ela não se aguentou e começou a reclamar, ainda olhando para frente, dirigindo – ...que, né, nem cinco anos atrás eu tava aí sofrendo por causa desse seu comportamento estúpido e agora tô aqui, indo te buscar na porra da porta.

Olhei na sua direção, sem dizer nada, e senti um desconforto, um peso esquisito na consciência. Argh. Às vezes, não entendia por quê a Marina se submetia ao que claramente não queria fazer. Só me diz não, porra. Aquilo me incomodava. Toda aquela disponibilidade dela. Principalmente porque eu não me confiava o suficiente para não abusar da sua boa vontade – e sempre acabava por fazê-lo. Eu sou uma idiota mesmo.
 
_Cara, cê não precisa fazer isso... – me senti mal, merda, e suspirei, a olhando com carinho – Por que cê veio, meu?
_Porque, bom... – ela estacionou em frente ao meu prédio e se dobrou na minha frente, já abrindo a porta do meu lado, praticamente me expulsando do carro – ...porque você é tipo uma criança, sabe... – prosseguiu, com certa ironia – ...que a gente precisa pegar na mão e mostrar o que está fazendo de certo e de errado, que não sabe o que quer da vida, não sabe se relacionar com ninguém, não entendeu pra que serve um celular e definitivamente não aprendeu a beber ainda.
_Má, não... Espera! – fechei a porta de novo – Vamos conversar direito, vai.
_Não tem o que conversar... – ela se incomodou – ...você ficou bêbada demais ontem e é isso. É só isso! Não precisamos ficar aqui, discutindo e prolongando esse momento lamentável da nossa amizade. Não sei nem porque aceitei ir até lá te buscar na casa da merda da garota, mas agora já foi...
_Linda, desculpa, e-eu... – a observei e abaixei a voz, sendo sincera – ...eu devia ter me virado, foi mal. Eu não sabia o que, que fazer e... e-eu... não sei, se soubesse que ia te incomodar tanto, eu nem teria nem ligado, meu... – me enrolei um pouco – ...desculpa, não queria causar.
_Tá tudo bem. Não é isso.
 
Ela apertou os olhos, de leve, por debaixo dos óculos – sem me dizer o que realmente a estava incomodando. Tinha o cabelo preso numa trança lateral, meio amassada, como se a tivesse feito antes de dormir na noite anterior. E estava com um jeans-claro-com-blusa-branca que discretamente denunciava os seus planos de não sair de casa – isto é, antes de eu ir lá perturbar o seu domingo. Estúpida. 
 
_Olha... – a Marina respirou fundo, do nada – ...às vezes, eu não sei se isso é uma boa ideia.
_Isso o quê?
_A gente.