_Não tinha lugar mais longe?! – a Marina reclamou, assim que
entrei no carro.
_Desculpa, linda...
_Desencana. Agora já foi.
Ela se virou para frente, com as mãos no volante, e eu fechei a porta. Do lado
de fora, o silêncio nas ruas denunciava que era mesmo uma tarde de domingo. Uma música da Martina Topley-Bird tocava
baixinho no rádio, quase esquecida ali. Algo como thought I was in love... tell me, was I wrong?, ressoando, seguida de
uma frase que não consegui entender. A expressão na cara da minha ex não era lá
das melhores.
_Obrigada, Má... – murmurei
– ...por vir me buscar.
Ela me olhou
rapidamente e logo voltou a focar no trânsito, sem paciência.
_Quanto você bebeu
ontem?
_Não sei.
_“Não sabe”?
_E-eu... – hesitei, estranhando a atitude dela – ...sei lá,
eu acho que exagerei um pouco.
_Onde cê foi?
_Na Oui Oui.
_Hum... – ajeitou os óculos no nariz e voltou a mão para o
volante – E cê não acha que tá pegando um pouco pesado?
_Marina, na boa... – me irritei – ...eu não preciso de babá.
_Ah, mas precisa... Precisa, sim! – retrucou, levantando o
tom de voz – Se eu tô tendo que sair da minha casa para ir te buscar do outro
lado da cidade é porque precisa, não é?
_Já pedi desculpas, pô, que mais cê quer que eu faça?!
_Meu, cê é inacreditável... – balançou a cabeça.
_O quê?! Me diz. Quê que eu fiz??
_Nada.
“Nada”, revirei os olhos e encarei a janela, observando as ruas passarem.
_Eu só não entendo... – ela não se aguentou e continuou,
instantes depois – ...como você pode beber tanto que não tem nem dinheiro pra
voltar pra casa!
_Sei lá, porra. Só aconteceu!
_“Sei lá”, não! Não! No que diabos você tava pensando?! –
brigou comigo – Pra encher a cara e ir comer uma mina na porcaria da Penha e
aí, o quê? Cê ia voltar a pé até a Augusta?! Me explica, qual era o seu plano?!
_E-eu não... – abaixei a cabeça – ...n-não lembro direito,
porra, eu não... pensei... só meio que fui e acordei já na... – suspirei – na
casa da mina e...
_Olha, mudei de ideia... – ela me cortou – ...eu não quero saber.
Deixamos a Radial
Leste e o carro atravessou o viaduto Júlio de Mesquita, perto da Liberdade. O
balanço me zoava o estômago e aquela discussão idiota não ajudava. Inferno. Acomodei a minha cabeça um pouco para trás, entre o encosto e a
janela. E fiquei ali por alguns minutos, amarga – o clima entre nós me
incomodava.
_Meu, o que deu em você? – virei o rosto para ela, já quase
na Frei Caneca, insistindo numa conversa que eu sequer queria ter.
_Nada.
_Não vai falar?
_...
_Tá bom, Marina – respirei fundo – Faz como cê quiser.
Cruzei os braços e encostei de novo contra o banco, apoiando os pés sobre o
painel.
_Sabe, eu só acho engraçado... – ela não se aguentou e
começou a reclamar, ainda olhando para frente, dirigindo – ...que, né, nem cinco
anos atrás eu tava aí sofrendo por causa desse seu comportamento estúpido e
agora tô aqui, indo te buscar na porra da porta.
Olhei na sua direção, sem dizer nada, e senti um
desconforto, um peso esquisito na consciência. Argh. Às vezes, não
entendia por quê a Marina se submetia ao que claramente não queria fazer. Só me diz não, porra. Aquilo me
incomodava. Toda aquela
disponibilidade dela. Principalmente porque eu não me confiava o suficiente
para não abusar da sua boa vontade – e sempre acabava por fazê-lo. Eu sou
uma idiota mesmo.
_Cara, cê não precisa fazer isso... – me senti mal, merda, e suspirei, a olhando com carinho
– Por que cê veio, meu?
_Porque, bom... – ela estacionou em frente ao meu prédio e se dobrou na minha
frente, já abrindo a porta do meu lado, praticamente me expulsando do carro –
...porque você é tipo uma criança, sabe... – prosseguiu, com certa ironia –
...que a gente precisa pegar na mão e mostrar o que está fazendo de certo e de
errado, que não sabe o que quer da vida, não sabe se relacionar com ninguém, não
entendeu pra que serve um celular e definitivamente não aprendeu a beber ainda.
_Má, não... Espera! – fechei a porta de novo – Vamos
conversar direito, vai.
_Não tem o que conversar... – ela se incomodou – ...você ficou
bêbada demais ontem e é isso. É só isso! Não precisamos ficar aqui, discutindo
e prolongando esse momento lamentável da nossa amizade. Não sei nem porque
aceitei ir até lá te buscar na casa da merda da garota, mas agora já foi...
_Linda, desculpa, e-eu... – a observei e abaixei a voz,
sendo sincera – ...eu devia ter me virado, foi mal. Eu não sabia o que, que
fazer e... e-eu... não sei, se soubesse que ia te incomodar tanto, eu nem teria
nem ligado, meu... – me enrolei um pouco – ...desculpa, não queria causar.
_Tá tudo bem. Não é isso.
Ela apertou os olhos, de leve, por debaixo dos óculos – sem
me dizer o que realmente a estava incomodando. Tinha o cabelo preso numa trança
lateral, meio amassada, como se a tivesse feito antes de dormir na noite
anterior. E estava com um jeans-claro-com-blusa-branca que discretamente
denunciava os seus planos de não sair de casa – isto é, antes de eu ir lá
perturbar o seu domingo. Estúpida.
_Olha... – a Marina respirou fundo, do nada – ...às vezes, eu
não sei se isso é uma boa ideia.
_Isso o quê?
_A gente.