_Aguenta aí, velho... – o Fer me pediu, se curvando sobre um
canteiro – ...vou gorfar.
E não demorou dois segundos para que vomitasse,
ruidosamente. Bem em frente ao prédio. Comecei a rir dos seus modos e o
porteiro nos encarou como se o nosso legado ali fosse o pior de todos os
moradores. De todos os tempos. Não sei nem como aconteceu, mas em algum momento
perdemos a noção das horas e da quantidade de garrafas de cerveja. Ao ponto que
nossas vitórias deixaram de sequer ser computadas. Seguimos jogando até ficar
de noite e o bar ser invadido pelo movimento caótico de sábado na Augusta.
E foi aí que a minha carteira se esvaziou desenfreadamente.
Uma garrafa levou à outra e todo o dinheiro se foi. Os nossos
cigarros também – primeiro o meu maço, depois o dele. E então decidimos ir para
outro boteco, mais abaixo na Augusta, largando nossas companhias de mesa para comprar
maços novos. Chegando lá, onde a princípio nem íamos “ficar muito”, decidimos mudar
de cerveja para rum. O que é sempre um mau sinal quando se trata de mim e do
Fernando.
Para piorar, estávamos enchendo a cara desde as duas da tarde.
E o problema de beber por horas espaçadas assim, é que ficamos com aquela
impressão de que estamos distribuindo o álcool com certa moderação. E é claro que a gente não estava. Eu
menos ainda, numa ressaca acumulada da noite anterior. Aí, algumas doses
depois, sem saber bem quantas, voltamos cambaleando para o apê. Escorados um no
outro, numa demonstração bêbada de afeto. Como
eu te amo, moleque – pensei, trançando as pernas Frei Caneca acima. E o Fer
segurou meu braço, enquanto vomitava no jardim de frente do nosso
prédio.
É. Muita classe.
Subimos e ele capotou de qualquer jeito no sofá. Segui até o
meu quarto no maior silêncio que conseguia. E descoordenadamente tirei minhas
calças, me livrando daquele jeans todo. Argh. Entre tropeços, fui até o banheiro com uma camiseta velha e o
celular em mãos. E só quando larguei tudo na pia é que notei mais uma mensagem
da Mia. Não tinha checado o telefone desde que a respondi dizendo que não podia.
“Hum, q pena...”, ela mandou de
volta, inconclusiva, horas antes. Sorri e tirei a blusa, depois a boxer, num
lapso de consciência, sem nem perceber direito o que estava fazendo. Aí me meti
no chuveiro para curar a embriaguez.
Sem sucesso.
Conforme a água descia pela minha nuca, deslizando pelo meu cabelo e as minhas
costas molhadas, a minha cabeça foi tomada pela Mia. Meio bêbada, irracional. A
imaginando naquela noite. Como me esperava, como movia os lábios ao me escrever.
Sentada sobre a sua cama, no quarto. Ou na sala? Não sei. Tinha ambas as
minhas mãos na parede, inclinada sob o chuveiro, sentindo uma saudade imensa dela
no meu corpo. Assim, de repente. Por que diabos não fui?, me arrependi,
já fechando a torneira. Desliguei a água e saí do box, ainda consideravelmente bêbada.
Aí peguei o celular, antes mesmo de me enxugar, e a respondi
– “qpena pq?”.
Então me sequei meio de qualquer jeito com a toalha e vesti a
camiseta velha, chutando minhas roupas sujas para debaixo da pia. Sentia certa
dificuldade em me mover com precisão. Voltei para o quarto tateando no breu. E
me esparramei na cama, ainda fresca, num conforto de deitar sem roupa nenhuma me
apertando. Nisso, o meu celular se acendeu na mesa de cabeceira. Ela tá acordada, pensei na mesma hora. Estiquei a mão e alcancei o telefone, o seu
nome estava lá.
“Ta bebada? Kk ;)”. Podia
senti-la sorrir em todas as ramificações nervosas da minha pele, nos meus
pelos. Como uma brisa. Sentada em seu quarto em Higienópolis, enquanto eu
encarava a tela deitada no meu. No escuro, ali, sentindo sua falta do meu lado.
“Ñ inteerssa”, respondi, numa
dislexia alcóolica. “Ta, sim kkkk” –
o meu celular vibrou novamente. Ri ao ler, breve. E digitei de volta – “oq cv t áa fzendo ai?”. Acomodei as
costas num travesseiro meio atravessado, erguido contra a cabeceira da cama.
Fala que tá pensando
em mim, vai, garota.
Mas a resposta não veio de imediato. O silêncio no
apartamento tornava os arredores ainda mais lentos. E eu observava fixamente o
celular nas minhas mãos. Até que a tela se acendeu – “eu? nada, so imaginando...”, disse. Ah, é? Imaginando o
quê?, li, conforme a minha mente disparava. Eu, ah, eu, sim, pensava nela. Nas formas como a
sua cintura se encaixava nos meus dedos. Sabe? O jeito como sua barriga
se dobrava sobre mim. Imaginando-a de todas as formas mais magníficas, e sujas.
Imaginava. O seu contorcer, o seu gosto. Cacete. Numa vontade desgraçada
de que viesse dormir comigo naquela noite. E me torturava sem conseguir parar
de pensar na sua boca, no seu cheiro. Inebriada pelo álcool e um tanto confusa
nas sensações, misturando a realidade com as memórias dela. Os seus movimentos,
os lençóis bagunçados. O som dela respirando no meu pescoço, subindo no meu ouvido.
E também o som dela quando ia perdendo o fôlego, se descontrolando, puta
merda. Os sons de quando gozava na minha boca. Nos meus dedos, nas minhas
pernas. Quase podia sentir a tensão das suas coxas contra as minhas. Me
arranhando as costas, me mordendo inteira. Os meus pensamentos começaram a se
sobrepor. Os toques, seus beijos na minha mão antes de dormir, num carinho quase
adormecido, a sonolência, o estar juntas, os recomeços lentos, os orgasmos, nossas
manhãs no apartamento, os cigarros divididos e baseados bolados, os seus olhos
vermelhos, pequenininhos, quando ela ria, chapadas a tarde inteira, à toa,
numas conversas gostosas, numas não-conversas também, as nossas línguas uma na outra,
suas pernas sobre a pia da cozinha e o seu olhar quando a Marina veio – “as melhores”, ela repetia na minha mente,
arqueando as sobrancelhas para mim. E aí vinha o piso frio contra nossos corpos,
o seu apartamento e as luzes da Sarajevo, o frio na calçada da Augusta, ao seu
lado; o calor e os meus dedos dentro dela, meus lábios nos seus – a umidade, o
sal que lambia da sua pele, nosso suor se misturando, nuns movimentos lentos. Ou
nem tanto. A minha pulsação começou a aumentar, já me contorcendo naquela
porra daquela cama. Imaginando-a, perdendo a cabeça, me pedindo para que fosse
mais forte. Nos comendo contra o sofá. Contra a parede, contra o seu colchão. À
exaustão, vez atrás de outra. Sem conseguir nos largar, desgraça. E
imaginava a sua mão onde estava a minha, naquele quarto escuro. Entre as minhas
coxas.
E como se eu tivesse levado tempo demais para responder, chegou
mais uma mensagem da Mia. Tirei a mão do meio das minhas pernas e a abri, já
sem fôlego – “...oq vc podia ta fazendo,
se tivesse aqui”, continuou.
Ah, pra puta que pariu. Quis morder o travesseiro com suas reticências,
agora completas. Subindo pelas paredes de vontade dela. A sentia em mim e me
retorcia com o respirar quente dela entre as minhas pernas, afundando em cada
uma das sensações irreais que me sucediam. E demorava-me, solta na cama,
extasiada e bêbada; com a porta do quarto fechada. Em todo o meu corpo, o
sangue parecia correr bruto. Peguei o celular de novo, num impulso, e disquei o
seu número, os meus dedos ininterruptos; pouco me fodendo para o quão baixo era
aquilo. Até que ouvi a Mia atender, do outro lado da linha.
_M-me conta... – me adiantei e disse, um tanto ofegante, prestes
a explodir com o mero som da sua voz – ...me conta, porra... o que eu podia tá fazendo.