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janeiro 27, 2013

Outras mortes

Acordei na tarde seguinte com o sol atravessando a janela aberta, vindo direto na minha cara e já queimando de tão quente. E a primeira coisa que avistei foi o cinzeiro sobre a mesinha de cabeceira, as incontáveis bitucas apagadas pela metade no surto da noite anterior. Não sei quanto tempo se passou naquele quarto vazio depois que desligamos, um cigarro atrás do outro, até que eu conseguisse fechar os meus olhos.
 
Levantei com certa dificuldade – a minha cabeça e o meu corpo doíam ao menor movimento, como dobradiças enferrujadas. Argh. Meti nas pernas a primeira cueca que achei na gaveta e fui, descabelada, até a cozinha. Com umas olheiras tremendas. O Fer estava sentado frente à mesa, sem camisa, como se nunca tivesse deixado aquele apartamento. E me bateu uma puta nostalgia ao vê-lo ali.

_Bom dia, ressaca! – ele riu, ao me ver passar pela porta, destruída.
_Argh. Bom dia.
_Ô, não sabia se você ou o maluco aí tinham comprado... – comentou, comendo uma tigela de sucrilhos com leite – ...mas peguei, tem problema?
_Não. De boa. O Du mal come aí, velho, só fuma um o dia inteiro.
_Nossa, mas isso... – hesitou – ...não faz sentido.

Estranhou e eu ri da sua lógica, concordando.
 
_É. Não mesmo.
 
Me juntei a ele, puxando uma cadeira. E comemos o café-da-manhã, conversando como se ele ainda morasse ali. O Fer fazia sentido naquela cozinha, senti saudades de passar tempo com ele assim. E por mais contraditório que fosse, a sua presença fazia com que eu não pensasse na Mia. Pelo resto da tarde, nos sentamos no sofá e assistimos qualquer merda na TV juntos, bolando um baseado e fumando até escurecer do lado de fora. Repetiu algumas vezes que não queria ir embora – evitando ao máximo voltar para a casa dos seus pais naquele fim de domingo.
 
Quando, enfim, deixou o apartamento, fiquei sentada na sala, cercada de latas vazias de cerveja, vendo a reprise de algum reality show muito ruim na MTV. O Du chegou cerca de meia hora depois. Só tinha mais dois pedaços da pizza que pedi com o Fer mais cedo e um resto de baseado sobre a mesa de centro. Sentou no sofá, ao meu lado, igualmente de ressaca, e passou o olhar pelas evidências de que mais alguém estivera ali.

_A Clara veio aí?
_Não. Tava com o Fer... – resmunguei, afundada contra o encosto – Cê já comeu? Se quiser, pode pegar aí!
 
O Du se esticou sobre a mesa, alcançando um dos pedaços com a mão.
 
_E você, tava onde?
_Dormi na casa dum boy. Nada sério.
_Hum...
_Escuta, q-qual... – se virou então pra mim, curioso, enquanto mastigava – ...qual o seu lance com a Clara e a Mia?
_Ah, mano... – retruquei, indisposta – ...hoje não é um bom dia pro cê me fazer essa pergunta, meu.
_Desculpa – o Du riu – É que sempre vejo elas aí e fico na dúvida, elas sabem uma da outra?
_Cê tá querendo me foder, né? – o empurrei pro lado, rabugenta, já meio chapada, e ele achou graça – Vindo com essas perguntas cretinas, porra, a essa hora dum domingo.
_Então “não”?
_Só a Mia sabe.   
_Hum. Cê namora a Clara, é isso?
_É. E a... – hesitei – ...a Mia namora o, o Fer.
 
O Du balançou a cabeça, se divertindo com a minha falta de vergonha na cara – "puta merda". E aí afundou no sofá, que parecia nos engolir, num cansaço misturado com marofa e a noite abafada, assistindo reality na TV. Estava com uma bermuda jeans, mais curta do que outros caras normalmente usariam, e tinha uma chave-de-fenda acima do joelho – suas tatuagens aleatórias me faziam sorrir.
 
_Cê acredita que alguém pode realmente... – perguntei, olhando meio distraída para a TV, sem saber ao certo se falava de mim ou da Mia – ...amar duas pessoas ao mesmo tempo?
_Não sei. Depende do que você considera “amar”...
_Acho que é se sentir esmagado o tempo todo, seu coração... – respondi e agora, sim, falava de mim – ...seu corpo. De cima para baixo, sabe, como se o céu te empurrasse pra dentro de você.
_Olha, não acho que dá para amar duas pessoas assim, com essa intensidade – disse e me observou, ao seu lado – Por quê? Cê tá nessas?
_Eu não sei, e-eu... – passei a mão no rosto, respirando fundo – ...só sei q-que tô prometendo uma coisa pra uma, pedindo o contrário pra outra, tá me fodendo a cabeça e eu, não sei, e-eu não tô mais aguentando.

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