“...and
I don’t know why”.
(Patti
Smith)
Saí do banho com certa folga ainda pras dez e meia – o filme só
começava lá pelas onze e tantas da noite. Caminhei de um lado ao outro do
quarto, indecisa quanto ao que usar, só de cueca e com o cabelo ainda molhado. Sem
decidir nada, voltei seminua para o banheiro para secá-lo. Olhei para a porta
fechada do quarto do Fer – ele e a Mia já estavam trancados ali há algum tempo.
Liguei o secador e, no meio do barulho e daquele ar quente todo,
ouvi chegar uma mensagem no meu celular. O telefone estava largado na pia. Entre
os fios bagunçados no meu rosto, abaixei para ler – “oi, ñ sei se seu numero eh o msm. qria ter falado mais com vc hj. foi
estranho te ver, fiquei pensando nisso dps... mas enfim, ñ vou falar por aqui.
Hj vou com um amigo ai perto, na hot hot. tô indo pra lá daqui a pouco. Se ñ
for fazer nd, te devo uma? Bjs, clara”.
Fiquei parada por um instante, sem reação. Precisava de algum
tempo para processar – direito – todos os acontecimentos daquele dia. Li
mais uma vez, em silêncio, e coloquei o telefone de volta na pia, em seguida. Sem
responder.
De algum jeito, as suas palavras me inquietavam. Me sentia cutucada
– só não tinha certeza em que sentido. Não
vou fazer isso, pensei. Não ia revirar aquilo dentro de mim, não ia me
desgastar respondendo. Liguei de novo o secador, tentando não me distrair do
meu objetivo ali, que era só secar o cabelo e voltar para a porra do quarto. Observei
os meus olhos no espelho, meio que por inércia, enquanto o ar passava pelos fios
sobre a minha cabeça. A inquietude, contudo, continuava lá. Em algum lugar. Baguncei
o cabelo para um lado, mexendo-o sob o ar quente. Pouco tempo depois, não o
suficiente para já estar seco, baguncei pro outro lado. E então ao oposto, o
mesmo de antes, mais uma vez. E aí virei de novo – merda.
Senti a ansiedade crescer.
Dane-se. Joguei todo
o cabelo para a frente, abaixando a cabeça e ignorando o sentimento. Comecei
pela nuca, aí desci para a franja e a lateral esquerda, a diagonal da frente. A
de trás. A direita. A outra diagonal. A mesma de antes. Voltei à nuca. O lado
esquerdo. A franja. Não importava quanto bagunçava meu cabelo, não secava. Deixei
o ar correr em cima dos fios por um tempo, depois joguei-os para trás e tornei
a secá-los normalmente, mas não ia direito. Parecia que eu estava ali há horas
– e provavelmente, tinha ficado menos de 5 minutos. Droga.
Peguei o celular e li mais uma vez a mensagem. Apoiei ambos os
antebraços na borda da pia, segurando o telefone em mãos e olhando para a
tempestade em copo d’água que eu, de repente, estava fazendo com o
ressurgimento da Clara. E com o ciúme da Mia na sala. Considerei responder, mas
– o que diabos vou dizer? “Já tenho
planos”? Por algum motivo besta, eu não conseguia dispensá-la. Passei a mão
na nuca, encarando o teto e respirando fundo, me livrando mentalmente daquela
situação ridícula. Engoli todas as minhas idiotices e devolvi o telefone à pia,
pegando novamente o secador e ligando-o na última potência.
Fechei os olhos e dei início à maior barulheira contínua, bagunçando
os fios de um lado para o outro com as mãos, abrutalhada. E sem pensar em porra
nenhuma. 1... 2... 3... 19... 20... Chega. Larguei o secador sobre a pia
do banheiro, dum jeito grosseiro. E apoiei ambas as mãos na superfície fria,
irritada. Respirei fundo. Isso não está
certo, briguei comigo mesma, não com
a Patti. Me forçaria àquilo agora – a ir na porcaria do cinema e foda-se
a merda da Clara.
Retornei ao quarto, determinada. Vesti a primeira regata branca
que vi, uma dessas que ficam soltas ao redor do corpo, tão larga que era quase
indecente. E enfiei as pernas numa calça jeans. Peguei o meu maço e isqueiro,
pronta para sair. É. Sentia como se não pudesse parar um segundo ou
faria, de certo, alguma merda muito grande.
Saí do quarto e fui para a sala atrás da minha carteira. O Fer
estava na cozinha agora, de samba-canção e descalço. Caminhou até a porta do
corredor, apoiando-se de lado na parede e me olhando, enquanto comia um lanche
improvisado. Achei a carteira.
Peguei-a, esmagada no vão do sofá, provavelmente ali desde que voltei do
estúdio de tatuagem. Separei apenas o documento e o dinheiro, colocando-os no
bolso junto ao maço e largando a carteira de volta no sofá.
_Humm... – o Fer disse, então, me olhando de cima a baixo – ...bom
encontro com a namoradinha, hein?!
Revirei os olhos, sem lhe dar ouvidos. Ela não é minha nam..., interrompi o pensamento antes que a frase
saísse pela minha boca, argh. Deixa pra lá. Me movi em direção à
porta, sem intenção alguma de desacelerar, e apanhei a chave na saída. Andei
pelo corredor em linha reta, chamei e o elevador chegou. Já no térreo,
atravessei a entrada do prédio e desci para a rua. O shopping Center 3 era a uns
dez minutos andando, já quase na Paulista. Acendi um cigarro e comecei a caminhar.
No entanto, agora, no escuro e perigosamente sozinha, sentia-me estranha. Com
um sentimento conhecido no estômago.
Merda.
Segui em frente, ignorando. Passei pela banca, pelos outros
prédios. E atravessei a primeira rua, a segunda. Aí passei a Peixoto, o bar da
Aloka. Os jovens bêbados circulavam pela calçada da Frei, escandalosos; podia
ouvi-los conversar aos gritos. Caminhei os últimos quarteirões olhando os meus
tênis contra o cimento, tentando me distrair, e quando já estava quase lá, encarei
o escuro à minha frente por um descuido. E então parei. Inferno. Me virei, a cinco metros de um ponto de táxi, tomada por
uma curiosidade masoquista que não deveria estar ali. A última coisa que eu
queria era provar o Fer certo em toda a sua análise psicológica barata de mim mesma.
Olhei no celular e já eram onze horas, droga.
Hesitei ao encostar na porta, querendo voltar ao mesmo lado que estava indo – porra. O motorista me encarava confuso,
do lado de dentro de um Palio, com a luz acesa. Entrei.
_Sabe onde é a Hot Hot, amigo?
_Lá na Santo Antônio, não?
_É... – afundei contra o encosto do táxi num suspiro desgraçado,
já me odiando.