Primeiro
toque. Nada. Eu subia novamente a Augusta, agora tomada por uma agitação
interna violenta, num susto que me fez parar os pés e o coração segundos antes.
Droga, droga. O incômodo se misturou
com o vazio das ruas e invadiu o meu corpo, me fazendo sentir mal, realmente
mal, indo na direção contrária da que eu deveria ir, me afastando o quanto
antes do meu apartamento, sem saída. Segundo toque. Caralho, atende. Atende, por favor, atende! O desespero começou a
tomar conta de mim. Sentia o sentimento espalhar pelas minhas veias e arrebentar
cada célula arrependida dentro de mim até engasgar na minha garganta. E nada – nenhuma
voz do outro lado da linha.
Por que cê não atende, porra?!
Uma letra.
Inferno. Uma porra de uma letra. Eu não conseguia me conformar – como eu sou idiota. Como eu sou idiota, caralho.
Terceiro toque. Quanto mais ele demorava para atender, mais eu me desesperava, ainda
transtornada por ler o nome do melhor amigo do meu melhor amigo na tela do meu
celular. Quarto toque e nada. Parei em frente a um muro abandonado e deixei
minha cabeça apoiar-se contra o cimento. Não tinha motivo algum para continuar.
Completamente desacreditada, como se já houvesse perdido a batalha e sem sequer
ter tido a chance de me explicar.
Quinto
toque. A única opção que me restava era torcer, em vão, com os olhos apertados,
sentindo o concreto contra a minha testa e a droga daquele celular contra o meu
ouvido. Ele não pode ligar para o Fer,
ele não pode, não pode..., eu implorava no frio, sozinha, no meio daquela noite
escura em São Paulo. Não pode, cacete. E por mais que eu quisesse me
encher de qualquer mínimo fio de esperança, a demora para atender o telefone e
a maldita escolha nada educada de palavras dele na mensagem me forçavam a
aceitar o fato de que agora eu havia fodido tudo de vez. E eu sequer tinha uma
desculpa, não tinha argumento algum – o meu SMS já tinha deixado a situação clara,
com todas as letras, não tinha mais o que dizer. A minha mente foi tomada por
uma ansiedade dilacerante e lágrimas precipitadas começavam a se formar
dolorosamente ao redor dos meus olhos. Merda.
Sexto
toque – e de repente, o Marcos atendeu.
_Fala.
Meu
coração parou pela segunda vez. Suspirei ao escutar aquela voz grossa, pesada,
sem vontade alguma em me ouvir de volta. Mil
vezes merda. Não vai ser fácil, pensei, abrindo a boca para consertar a
besteira que eu havia feito, sem saber direito como, sentindo todo o nervosismo
entrar no meu caminho.
_Má... e-eu...
– tropecei nas primeiras palavras – ...eu, e-eu... v-você não entendeu, a... a
mensagem não foi...
_O que
eu não entendi?! – me interrompeu, puto.
_A
mensagem n-não era para você, era...
_Percebi –
me cortou, de novo.
_Era... e-era
para a Marina – senti minha respiração tremendo, perdendo a coragem, falando
cada vez mais baixo – Eu... n-não... não é o que cê tá pensando!
_Não?! – ele
levantou o tom de voz, me diminuindo mais ainda – Me explica, então, que
caralho que é aquela merda!
_Não! N-não
tem nada a ver, eu... e-eu sei o que cê deve tá achando, mas... m-mas eu... eu
não... – respirei fundo – ...foi uma amiga da Marina... e eu... e-eu tava só contando.
Não tem nada a ver com... – me enrolava, segurando o choro na garganta – É que
essa menina... ela... e-ela...
_Ela o quê?!
Chama "Mia", caralho?! – retrucou, nem por um segundo convencido
daquela mentira deslavada, e as lágrimas começaram a correr involuntariamente
pelo meu rosto – CÊ ACHA QUE EU SOU IDIOTA, PORRA?!
_NÃO! E-eu...
_Cê é
muito cara de pau, mano...
_Má... – eu
implorei, com a testa ainda pressionada contra o muro, me sentindo derrotada – ...Má,
por favor. Me escuta!
_CÊ ACHA
QUE VAI ME FAZER DE TROUXA TAMBÉM?! QUE EU VOU CAIR NESSA SUA CONVERSA, CARALHO?!
_Não, NÃO,
p-por favor... – eu chorava, sentindo aquela confusão toda me engolir, sem
saber o que fazer – ...Má, ele, e-ele não pode saber, não pode, meu, não assim.
Por favor!
_E O QUE CÊ
QUER QUE EU FAÇA, PORRA?!
_POR
FAVOR! TÔ TE IMPLORANDO!
_É A MINA
DELE!! COMO... MANO, COMO VOCÊ PODE DIZER QUE TÁ APAIXONADA?? – gritou comigo e
eu fechei os olhos, novamente – COMO CÊ VAI LÁ E FAZ UMA MERDA DESSAS,
CARALHO??
_Eu... e-eu
não...
_PELAS
COSTAS DO CARA, PUTA MERDA... MEU... PORRA, MANO. CÊS SÃO MELHORES AMIGOS! – continuou,
tomando as dores dele – CÊ TEM NOÇÃO DO QUE CÊ FEZ?!
_Má, eu...
e-eu...
_QUÊ?! –
se irritou comigo – FALA, PORRA!
_Eu... m-me
apaixonei por ela, eu... – tomei ar mais uma vez – ...e-eu sei que eu não tenho
desculpa, que é imperdoável. Eu sei disso, Má, mas eu, caralho, cê tem que acreditar
em mim, e-eu realmente gosto dela.
_E NÃO
DAVA PRA SER OUTRA, INFERNO? ELA É NAMORADA DO SEU MELHOR AMIGO, PORRA!! QUAL É
O SEU PROBLEMA??
_NÃO! NÃO
É ASSIM! Eu... – me desesperei – ...Má, e-eu amo ela. Não foi sacanagem, eu, eu
n-não planejei... por favor... me dá um tempo pra resolver – disse, sem pensar
– ...e e-eu vou falar com o Fer, eu vou dar um jeito. Mas não assim, não agora,
por favor. Ele não pode descobrir por você, Má, ele não vai me perdoar nunca.
_LÓGICO,
MANO, OLHA O QUE CÊ FOI FAZER COM O CARA!! CÊ TEM MERDA NA CABEÇA??
_EU NÃO
QUERIA, EU... MÁ, PELO AMOR DE DEUS, CÊ TEM QUE ENTENDER. O RELACIONAMENTO
DELES... NÃO É COMO SE...
Me segurei
por um instante, sem querer trair ainda mais o Fer – mas não via outra saída.
_O FER... –
o acusei – ...O FER TAMBÉM JÁ... JÁ TRAIU ELA! NÃO É COMO SE...
_ELE O
QUÊ?!
Merda. Fiquei
muda, de repente.
_O QUE CÊ
FALOU? – insistiu, indignado – ELE FEZ O QUÊ?!
_Ele... e-ele
traiu ela, Má. Você viu, você... – as palavras saíam involuntariamente da minha
boca – ...você tava lá quando começou, na sua festa, ele e a Julia, meu, eles dormiram
juntos depois.
_Mano, cê...
Hesitou.
_Má, por
favor... – pedi – ...eu tô te implorando.
_Vocês dois
se merecem também, hein, puta que pariu...
_Por
favor, Má. Me deixa resolver isso sozinha, meu – limpei minhas lágrimas,
virando contra a parede e apoiando as costas – Por favor. Deixa eu contar pra ele,
deixa a gente se resolver entre a gente. Por favor!
_Não sei,
eu... – ele suspirou – ...não sei... – e aí levantou novamente o tom de voz, com
raiva – ...POR QUE DIABOS CÊ FOI ME METER NISSO, PORRA?!
Ficamos em
silêncio por um instante. E eu podia sentir o peso dos pensamentos que
conflitavam na sua cabeça do outro lado da linha, segurando a minha respiração,
angustiada.
_Má, por
favor?!