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outubro 25, 2010

"She wants revenge!"

_Me vê um cigarro aí... – pedi para a Mia, no fundo da escadinha – O meu acabou.

Estávamos a menos de um metro uma da outra, apoiadas em paredes opostas daquele corredor estreito. Frente a frente. A Mia pegou um cigarro extra no maço, já com um aceso na sua outra mão. E me olhou:
 
_Me diz... – ela brincou com o filtro entre os dedos, sem me entregar a porra do cigarro – ...quem é “Marina”?
_Eu disse – arqueei as sobrancelhas, achando graça – Minha ex-namorada.
_“Ex”? – perguntou, como se não acreditasse.
_É. Ex.
_Que tipo de ex? – continuou.
_Do tipo que não é mais minha – olhei para o cigarro, inquieta, querendo fumar logo.
_Hum. Não sei como funciona... – a Mia disse, com um leve sorriso no canto da boca – ...com vocês, lésbicas, né... – o filtro girava entre seus dois dedos e ela prosseguia, maliciosa, sem intenção de me entregá-lo tão cedo – ...mas pro resto do mundo, sabe, não se dorme em casa de ex.

Ahh, Fernando, seu desgraçado filho de uma égua.
 
_Olha, eu só falo tanto da Marina pro seu namorado... – tirei o cigarro das suas mãos bruscamente, já sem paciência – ...para não falar de você, Mia.

Os seus olhos encontraram os meus. E a minha sinceridade provocou uma mudança repentina na sua atitude – a Mia não conseguiu esconder um sorriso, desta vez sincero. Era isso que você queria ouvir, né, encarei-a de volta, levemente revoltada com o joguinho. Desgraçada. Acendi o meu cigarro e ela me observou dar a primeira tragada e depois soltar a fumaça para o lado. Eu não queria dar muita trela para a situação, preocupada com a quantidade de álcool que já circulava dentro de mim e a minha consequente falta de autocontrole. Mas logo não aguentei:

_Tava vendo você dançar lá em cima... – eu disse, olhando para a Mia.

E traguei mais uma vez, conforme meus olhos percorriam a sua silhueta, parada a poucos centímetros de mim, fumando também. Puta que pariu, mulher, pensei e senti toda a minha imprestabilidade subir à minha cabeça.

_E? – ela perguntou, com o cigarro aceso nas mãos.
_E nada. Só achei bonito.
_“Bonito”? – ela riu.
_Você e as suas amigas... – continuei, encarando-a com toda a minha vontade contida no olhar, nitidamente querendo me referir a qualquer outra coisa que não aquilo.
_A gente, o quê?
_Dançando juntas lá.
_Hum. Prefiro dançar com você...
_Você tá bêbada... – eu ri.
_Não – ela se aproximou do meu lado da parede, perdendo um pouco a noção do perigo – Eu tô tentando te dizer, pela terceira vez hoje, o quanto gostei que você veio.
_É? E de quê adianta?! – respondi, a encarando – Não é comigo que cê vai ficar hoje, garota...
 
Traguei mais uma vez o cigarro, agora amarga. Sentia o álcool começar a afetar o nosso diálogo. A Mia encostou de novo na parede oposta, ainda me olhando, e deixou escapar um sorriso:

_Mas mesmo assim... você veio.
_Pois é. Vim.

Eu vou para qualquer lugar que você me chamar, garota.
 
Respirei fundo. Seus olhos continuavam fixos sobre mim. Então dei um passo para frente, chegando realmente perto dela – o suficiente para causar um problema sério caso alguém conhecido resolvesse passar pelo alto da escada e dar uma olhada ali para baixo.
 
A Mia permaneceu encostada na parede, como se quisesse que eu, em algum momento, tomasse uma atitude. Seus lábios se entreabriram, se insinuando, dum jeito desgraçado. A iminência de um beijo era implícita – me aproximei, olhando-a de perto. Bem de perto. E quis sentir o gosto da sua boca, desesperadamente, mas me contive. Sabia do risco.

Dei um passo de volta. E a encarei por mais alguns segundos, em silêncio. O frio, vindo da porta ao nosso lado, já começava a incomodar. A Mia ainda me olhava, filha-da-mãe, e eu tentava não me deixar convencer pelo meu corpo inteiro, que a desejava como nunca. Merda de festa, traguei mais uma vez, que porra eu vim fazer aqui. Soltei a fumaça lentamente, inquieta com a minha dificuldade de ficar perto daquela mina. E de repente, a voz da Brody Dalle invadiu o som da balada:

“This is not a love song”.
 
Os olhos da Mia brilharam automaticamente, numa felicidade de bêbado, conforme os alto-falantes nos ensurdeciam com o começo de “Beat your heart out” dos Distillers. Nossa primeira reação foi correr para a pista – jogamos os cigarros no chão, pisando na brasa o mais rápido possível e subimos apressadas pelos degraus.
 
Ao chegar lá em cima, todavia, a segurei pela mão e a puxei para o lado oposto, na direção da outra escada. Ouvi-a reclamar qualquer coisa, e ignorei, arrastando-a à força junto comigo, enquanto subíamos até a pista escura do segundo andar, onde uma massa não-identificável de pessoas dançava ao som de um hip hop qualquer.
 
Encostei-a na primeira parede que minhas mãos encontraram, em meio àquele escuro absoluto, perdidas entre as batidas graves que saíam dos amplificadores.

_O QUE DIABOS CÊ TÁ FAZENDO?! – ela brigou comigo, revoltada, sem sequer conseguir me enxergar.

Busquei-a no escuro, com as mãos, e segurei o seu rosto perto do meu, encostando o meu corpo no seu. Então aproximei a minha boca do seu ouvido:

_Estou roubando sua música favorita.

Heterofobia alcoólica

Entre um gole e outro de whisky, observava os selinhos – as pernas, as coxas, os dedos e os corpos entrelaçados; os cochichos no ouvido e os sorrisos despreocupados; os antebraços de uma apoiados nos ombros de outra; os quadris e braços leves, imersos na música; as mãos em qualquer lugar, em todo lugar, na cintura de quem quer que estivesse à frente, ao lado, atrás; o suor e o calor fazendo com que prendessem o cabelo, improvisando coques mal presos; e as flores da Mia correndo pelas suas costas descobertas, numa frente única preta desgraçada, mais linda do que jamais a vi, o movimento do tecido acompanhando o seu corpo enquanto ela dançava e sorria. Puta merda.
 
E eu lá, a poucos metros dela, babando.
 
_Isso não é justo – reclamei para a Lê, que estava ao meu lado, prestes a fazer uma análise antropológica das dinâmicas na balada paulistana.
_O que não é? – ela perguntou, virando mais um gole da sua segunda cerveja.
_Olha aquilo, meu... Não, sério, olha aquilo!
_Que tem? – a Lê riu, acompanhando meus olhos até o meio da pista, onde a Mia e as suas amigas dançavam, alheias à nossa atenção.
_Como o “que tem”? Tem que não é justo, porra! Por que eu não posso ir lá dançar com ela?
_Mas você po...
 
A Lê pôs-se a responder o óbvio, mas eu a cortei logo em seguida e continuei com o meu raciocínio, completamente embriagada – meio indignada de verdade, meio fazendo graça.
 
_Eu tenho certeza, certeza, que se fosse eu lá com elas, o Fer ia me olhar torto dali... – fiz um sinal com os olhos, indicando o meu melhor amigo, que conversava numa rodinha a poucos metros das garotas – Quer dizer... Eu não, né? Eu não posso. Porque se você é sapatão, cê vira uma porra de uma ameaça ambulante. Sabe, isso é discriminação!
_Do que cê tá falando?!
_Dessas minas aí... “héteros”... – fingi aspas com os dedos, sendo irônica, e a Lê riu de novo, antes de dar mais um gole na cerveja – ...que ficam aí, sabe, se pegando na frente de todo mundo e ninguém fala merda nenhuma. É mão para cá, mão para lá, gracinha gratuita, selinho numa, selinho na outra... Vai se foder!
_Acho que cê já bebeu demais, cara...
_Não. Eu acho assim... – fiz uma breve pausa, construindo o pensamento com o meu terceiro whisky em mãos – Ou você é sapatão ou não é. Entendeu? Não tem essa de ficar se esfregando na balada, agarrando a coleguinha, se insinuando para Deus e o mundo, e depois ir lá curtir homem.
_Deixa as minas, meu. Foda-se!
_Não. Não! – discordei, séria, e dei outro gole – Se vai ser “das amigas” na balada, tem que ser “das amigas” na cama. Isso é ridículo!
_Que é? Cê tá interessada, quer dormir com alguma delas?
_Quê?! Não! – me indignei – Eu só não acho que é coerente...
_Tá bom, Nietzsche.
_Vai me dizer que cê não fica puta?!
_O mundo é injusto mesmo, amiga... – a Lê concordou, com os olhos nas meninas e a boca novamente na garrafa.
_Muito! E enquanto isso, a gente, as minas que curtem mesmo a parada, nós somos obrigadas a ficar aqui, encostadas na parede, dando uma de cabeça fria e fingindo que não estamos nem aí. Olhando pro outro lado, sabe, enquanto meia ala feminina “se pega” de mentirinha só porque é hétero. Aí pode!
_Bom, a gente não tá exatamente olhando pro outro lado, né...
_Que seja – virei o restante do meu copo, já perigosamente imune à bebida.
_Hum, e por falar em hétero... Olha aquela ali...
_Quem?
_Aquela ali, de branco.
_Não tô vendo – disse, bêbada, meio confusa – Quem, aquela?
_Não. Mais para lá, a ruiva. Do lado do cara de jaqueta.
_Ahn... sei.
_Que cê acha? Sapatão?
_Ah, sei lá, cara... tenta, ué.
 
E simples assim, perdi minha companhia. Para uma paulistana metida à hippie, vestida com uma blusinha básica e calça de algodão, com aqueles ares lésbicos de quem cursa Ciências Sociais em universidade pública. Não deu nem cinco minutos e a minha amiga – tentando bater o recorde de bocas por noite, evidentemente – já se encontrava atracada com ela num canto qualquer.
 
O calor da Sarajevo tinha fervido todo o álcool em excesso no meu sangue. Eu estava bêbada demais, começando a tropeçar nas minhas próprias palavras e provavelmente sendo uma companhia bem menos agradável do que a tal garota, pela qual fui trocada pela minha amiga recém-solteira. Argh, povinho alternativo de merda, resmunguei mentalmente, encostando-me na parede com certa amargura. A verdade é que eu mesma integrava o rolê alternativo-de-merda – mas andava azeda e de saco cheio de todo mundo. Olhei novamente para a pista, voltando à realidade, e me deparei com a Mia vindo na minha direção.
 
Opa.
 
Ajeitei o cabelo, bagunçado pela falta de sobriedade e pelo vento lá fora. E ela sorriu para mim, a poucos metros de onde eu estava, fazendo um sinal com a cabeça para a esquerda. Como se quisesse que eu a seguisse. Apoiei o copo vazio no chão e a alcancei a caminho da saída de fumantes, que ficava ao pé de uma escadinha estreita. Ela foi na frente e eu dei uma olhada sem querer para a sua bunda, naquele jeans preto justo, imediatamente sofrendo com a minha impotência naquela droga de lugar. Eu preciso parar de beber, porra.
 
A rua ficava um nível abaixo da pista de dança, após uma “cortina” grossa feita de tiras largas dum plástico transparente, que deixava o frio entrar pelos primeiros dois ou três metros do corredor. Paramos a alguns passos da saída, ainda do lado de dentro. E enfim, a sós.

outubro 21, 2010

Quadras pra cima

Meus dedos dedilharam, leves e entorpecidos, passeando pelo contorno dos pôsteres e graffittis que compunham as paredes daquele submundo cool que era a Sarajevo. Entrar ali era como se desligar do resto do planeta – não que eu realmente precisasse de uma forcinha a mais além da minha conta majoritariamente alcoólica de R$ 38 do Vitrine, claro.

O contraste repentino do frio vindo da rua com o calor abafado daquela cultura alternativa viva e corpos amontoados sobre cervejas e papos intelectuais, misturados em samba e punk rock, me enfiou ainda mais numa ultrapercepção de tudo ao meu redor. Vontade de fumar um, pensei, logo que entrei. E a Lê quis parar no bar da entrada, me puxando pela mão.

_Vamos no de baixo... – disse no seu ouvido, competindo com o som ambiente e segurando sua cabeça perto da minha boca – Vou pegar um whisky.

Era sexta-feira e, assim como qualquer outro beco apertado da Augusta, o lugar estava lotado. Muito além da sua capacidade. Nos esprememos pelo meio dos que dançavam qualquer batucada underground na pista em frente ao palco e alcançamos o corredor, onde trombei com um conhecido meu e possivelmente do Fer também. Veio pro aniversário? Talvez, olhei bem para ele. Sei lá. Preciso de whisky, concluí e caí fora poucos segundos depois. E gelo – eu precisava era de gelo. Aquela balada era a própria definição de aquecimento global e eu estava derretendo, tão logo pisei lá dentro.

Apoiei o corpo sobre meus antebraços cruzados, debruçando-me no balcão do bar escada abaixo. Estava tocando alguma coisa do Planet Hemp nas caixas de som. Dezenas de pessoas circulavam atrás de mim e ao meu lado, indo e vindo até o bar, num vai-e-vem caótico e agradável, parando para conversar em pequenas rodinhas que se misturavam entre si. A Lê – mais prudente – pediu uma long neck e eu, já com meu copo de whisky em mãos, ria da cara dela sendo cantada pelo barman.
 
Se recusando a lhe entregar a garrafa, fazendo graça, ele disse qualquer coisa no seu ouvido e os olhos dela arregalaram-se indignados na minha direção. Como o cara olha pra uma caminhão dessas e acha que tem chance, meu? Comecei a rir de novo e balancei a cabeça, tomando mais um gole, depois me apoiei novamente no balcão.

_Você veio! – escutei, de repente, e senti braços carinhosos me abraçando pelas costas, por cima dos meus ombros.
 
Virei então, me recuperando do breve susto, e vi a Mia. Nitidamente feliz com a minha presença mais do que discreta no meio daquele monte de gente. Olhei bem para ela – puta que pariu, cê tá maravilhosa – e o meu pulmão procurou desesperadamente por um pouco de ar, sem fôlego. Tentei sorrir, para disfarçar a minha cara de apaixonada, desajeitadamente.
 
Assim que ficamos frente a frente uma para a outra, no pouco espaço que a superlotação nos permitia, ela me abraçou mais uma vez e eu comecei a rir do excesso de cumprimentos, mas mantive minhas mãos bem longe do seu corpo – olhando para o Fer, que estava parado logo atrás dela, achando graça na embriaguez boba-alegre da sua namorada.

_Vem, eu quero te apresentar pro pessoal que tá aí... – a Mia me puxou pela mão, ainda animada.
_Não, espera... – eu ri, segurando-a momentaneamente para trás – Deixa eu te apresentar primeiro. Essa é a Lê e, Lê, essa é a aniversariante. Evidentemente.
 
A Mia sorriu para ela, sendo simpática e sem dar-se conta da analisada de cima a baixo que tomou da minha amiga que sabia demais sobre nós duas. Ao fim das cerimônias, a Mia me puxou de novo pela mão e eu mal tive tempo de alcançar o meu copo no balcão. Furamos o amontoado de gente, ainda de mãos dadas e com um olho no movimento do whisky dentro do copo – pedindo para ser derrubado ali no tromba-tromba. O Fer ficou para trás, puxando qualquer assunto com a Letícia, em frente ao bar.

_Ai, eu tô tão feliz que cê veio – a Mia segurou minha mão com ambas as suas, com carinho.
_Cê tá realmente bêbada, não tá?!
_Nossa. Tô! – ela arqueou uma das sobrancelhas, fazendo graça, e eu ri – Mas tô feliz, meu, de verdade. Não é só porque voc...
 
Nisso, ela soltou minhas mãos subitamente. E o Fer chegou, atrás de mim, trazendo dois copos diferentes na mão. Um baixinho de whisky, como o meu, e um outro mais alto que parecia ser de algum drink escuro com destilado. Cuba Libre talvez, tentei adivinhar, mas poderia muito bem ser um Long Island Ice Tea.

_Amor, olha... – ele entregou o copo maior para a Mia, como se ela tivesse lhe pedido momentos antes.
_A Lê ficou no bar? – perguntei, curiosa.
_Ela foi no banheiro, eu acho. E você, hein? Só nos flashbacks aí... – o Fer brincou comigo – É Marina numa semana, Letícia na outra.
_Nada a ver, mano... Eu nunca peguei a Lê! – contestei, já meio bêbada também.
_Quem é Marina? – a Mia se intrometeu na conversa.
_Minha ex-namorada...
_"Ex"... – o Fer continuou rindo, alheio ao que estava implicando, e eu dei um soco no seu braço, de leve, para que fechasse a matraca; a Mia nos olhou como se não entendesse e ele se meteu a explicar – ...nas últimas semanas é um tal de ligar pra Marina, ir ver a Marina, dormir na Marina. Tá boa a coisa, viu...

Isso, babaca, o olhei, indignada. Me empata nos primeiros cinco minutos. 

outubro 18, 2010

Na calçada

Frio do caralho, tomar no cu. Minha mente divagava, passando por todos os palavrões e insultos que eu poderia esbravejar na direção do clima de São Paulo, enquanto eu acendia um Marlboro todo amassado – o único que encontrei na bagunça do meu quarto. A Lê apareceu toda empática, de repente, do meu lado, e eu lhe ofereci um cigarro em agradecimento – tão detonado quanto –, que ela acabou por aceitar.
 
_A amiga da Cris quer te pegar...
 
Cris?
 
Comecei a buscar na memória. Logo, no entanto, presumi tratar-se da dona da blusa pólo e a sua amiga, consequentemente, a loira ao meu lado. Aquela. De quem nem a Letícia, com duas tequilas a menos na conta do que eu, lembrava-se do nome.
 
_...bonitinha ela até, cara.
_Tô de boa.
 
Encarei o chão, tragando mais uma vez, metida nos meus pensamentos. A Lê começou a rir e me abraçou por cima do ombro, tirando e colocando o cigarro brevemente da boca. Soltou a fumaça para o lado e me encarou nos olhos, enquanto eu a olhava de volta sem entender toda aquela demonstração pública de afeto pela minha pessoa.
 
_Essa menina te pegou de vez, hein?! – ela me observou, próxima do meu rosto, sorrindo.
_Ela... – olhei-a de volta, sendo sincera – ...e-ela é demais, Lê.
_Cê quer ir lá ver ela?
_...
_Quer?
_Não.
 
Mentira.
 
_É complicado – retomei, sentindo a necessidade de me justificar.
_Mas, gata, isso sempre é... – ela me olhou, de novo, com empatia.
_Não, é mais complicado. Muito mais.
 
Soltei a fumaça, agora segurando o cigarro apreensivamente entre os meus dedos, que estavam prestes a congelar. Não queria ter tocado no assunto. Porra. De uma forma ou de outra, aquilo estava dentro de mim, a noite toda, me incomodando. Até o momento, no entanto, fiz a minha parte e ignorei a droga do sentimento. Falar a respeito já era uma coisa totalmente diferente. Que inferno. A Lê se colocou na minha frente, segurando os meus braços cruzados com as suas mãos e me olhou com aquela cara de quem havia bebido demais.
 
_Fala a verdade – insistiu – Cê quer ir?
_Não... – hesitei, mais bêbada ainda, mas com uma leve consciência – ...sim. Eu... n-não posso.
_Meu, a Sarajevo é na quadra de cima! – ela pareceu me consolar – Eu vou com você, se você quiser.
_Não, Lê. Não. Não quero aparecer lá – traguei mais uma vez.
 
E não queria mesmo. Os últimos dias tinham concretizado ainda mais o que eu sentia pela Mia e só a ideia de estar no meio de todos os amigos dela, enquanto ela comemorava o aniversário ao lado do Fer, me dava pânico. Pior ainda era o medo de que mais alguém, além do Marcos, se desse conta do que estava rolando entre a gente. Preciso tomar mais cuidado. Mas, por algum motivo, a Marina me veio à cabeça – e a ideia de vê-la contrariada, discursando horas ao telefone sobre como eu era uma cabeça-dura previsível e ela sempre estava certa, sei lá, me divertiu. Eu devia ter ficado em casa, pensei e ri de mim mesma.
 
_O que foi?! – a Lê riu também.
_Nada...
 
E antes que eu percebesse, o controle começou a escapar de forma gostosa pelos meus dedos, conforme eu soltava o último trago, lentamente.
 
...

Dez pras doze

_Cê vai beber ou vai só olhar a noite inteira?
_Ahn? – virei para a garota ao meu lado, uma loira de quem eu mal lembrava o nome, sem ter escutado direito o que ela falou.
_A tequila – ela riu, parecendo mais interessada em mim do que na resposta – Cê vai beber ou vai só olhar?!
 
Ah... isso, me lembrei. Tirei o copo da mesa na mesma hora e virei rapidamente, meio rabugenta, enquanto a garota me olhava, flertando descaradamente. Tô velha pra pegar essas minas nada a ver em boteco, refleti, conforme descia o copo de volta à mesa. E não era nem idade a questão, mas o mais puro saco cheio. De toda aquela merda. Sempre a mesma merda. Por aí pegando qualquer mina dessas, essas, com quem eu não tinha uma porra duma coisa em comum. É, você mesma, olhei para a garota ao meu lado e ela sorriu, aí tentando puxar assunto com a única pessoa da mesa que não tá te dando bola. A mina era irritantemente desinibida – fosse para ficar encostando na minha perna toda vez que começava uma porra duma frase ou para ser arrogante com o garçom, que nem uma babaca. E eu não estava com paciência para aquilo.
 
_Cê veio sozinha? – ela insistiu, aproveitando o embalo, agora que eu não estava mais hipnotizada pelo meu copo.
_Tô com a Lê aí... – resmunguei, incomodada com o barulho de fundo do Vitrine, e senti o álcool correr pesado pelo meu cérebro.
 
Que se foda. Virei para o lado para chamar a minha amiga, que se ocupava do outro lado da mesa com a boca, a língua e a camiseta pólo de outra garota da qual eu também não sabia o nome. De todas ali, só me eram conhecidas a Lê e mais duas, que estavam sentadas bem mais para lá, numa mesa de talvez quinze meninas – a maioria sapatão. Uma delas eu já tinha pegado, anos antes, e tinha certeza que não queria papo algum com a minha cara de pau. A outra era uma conhecida dos tempos áureos do Setentinha e que não estava perto o suficiente para engatar uma conversa saudosista.
 
Restava, portanto, eu e a porra da mina do meu lado – que não calava a boca agora, depois dos nossos três segundos e meio de contato visual.
 
Inferno.
 
_Vamos?! – perguntei sem paciência, assim que ganhei a atenção da Lê, entre um beijo e outro de puro consolo pós-pé-na-bunda.
_Vamos pra onde, meu?! – a Lê riu, desligada.
 
Vi as mãos da garota puxando-a pela camiseta, numa ânsia de aproveitar a noite, e senti que não teria chance alguma de competir com aquilo.
 
_Sei lá, mano... Qualquer lugar, tô de porre de ficar aqui!
 
“Não”, óbvio. Sequer estava com esperanças de realmente dar o fora dali, conforme deixei escapar a minha última frase, por mero capricho ou birra. O garçom chegou com mais uma cerveja para a mesa – e fiz questão de ser exageradamente simpática para compensar a desagradável ao meu lado. Deixou uma Original na minha frente. Ah, enfim. Enchi o copo e o meti na boca, me afundando na cadeira, de saco cheio de ficar no Vitrine. Na porcaria do Vitrine. Ou em qualquer lugar, mas que merda.
 
O fato é que todos os rolês andavam me entediando – a não ser os com a Mia. E eu assistia o resto do mundo perder a graça, progressivamente, e ia resistindo estupidamente, sentada ali, na minha teimosia alcoólatra. Terminei o copo o quanto antes, ainda ignorando a garota ao meu lado, e apanhei o maço para ir fumar do lado de fora.
 
Qualquer coisa que me tire daqui.

OVINHOS ♥



Gente, antes de lerem os dois posts novíssimos (acabei de publicar!), dêem uma paradinha para ver esse vídeo. É um stop motion que eu e uma amiga fizemos para o projeto "It Gets Better", uma iniciativa muito legal de apoio a adolescentes gays que sofrem discriminação no colégio. Achei válido dividir aqui com vocês e espero que gostem! :)

Tenho outras novidades, que alguns já estão me perguntando, sobre o lançamento do meu livro. Não é nada relacionado ao blog, trata-se de um livro-reportagem jornalístico que escrevi sobre como o tédio e o imediatismo impactaram a juventude atual - esse é um resumo bem cruel e injusto do livro, perdão. Quer quiser ler, está à venda nas principais livrarias do país e aqui.

E por fim, me desculpem pela escassez de posts. Estou num período meio turbulento, mas juro que estou me esforçando para atualizar ao menos dia-sim-dia-não. Tenham um pouquinho de paciência com a escritora, hehehe. Mas posso dizer que tem coisa boa vindo por aí... ;)

Obrigada, do fundo do coração, pelos acessos e comentários. Mesmo. ♥

Mel M.

outubro 16, 2010

Dispensando rolê

De alguma forma, quando o ponteiro menor chegou à nona casa do relógio, eu me encontrava a caminho do apartamento no banco da frente de um carro. Um corsa preto e detonado, que há meses eu não via. Fumando com o vidro aberto e congelando a motorista, conforme atravessávamos a Av. Pompéia em direção a Jardins. Ouvíamos Stooges no último volume e xingávamos uma à outra por conta da porra da janela.
 
Eu gostava quando as minhas amigas decidiam parar de namorar e voltavam repentinamente à vida social, dispostas a sair todos os dias e todas as noites da semana, sabe como é. E a Lê tinha acabado de terminar com a namorada mais pé-no-saco de todos os tempos, a mesma lesma morta com quem ela havia se encasulado por longos oito meses – para o meu desgosto. Ou seja, a Lê era a companhia perfeita para aquela noite.
 
Chegamos na Frei Caneca tão logo o trânsito nos permitiu – argh, São Paulo – e estacionamos muito mal estacionado em uma vaga estreitíssima a duas quadras do meu apartamento. As quatro Itaipavas divididas no barzinho perto da casa dela, enquanto eu me atualizava prolongadamente sobre o seu término com a garota, já haviam batido no meu estômago vazio e subido consideravelmente à minha cabeça. Contudo, o vento gelado rua acima tratou logo de me deixar sóbria de novo.
 
Entramos no apê, com as luzes já acesas, e ela fez qualquer comentário maldoso sobre a sala – que, de fato, estava uma zona. Larguei ela lá para tomar um banho rápido e trocar a roupa sem graça do trabalho. Passei pela porta aberta da cozinha e vi o Fer só de bermuda, fritando qualquer coisa no fogão, de costas viradas para o corredor. Puta frio e o outro aí, quase sem roupa, não dá para entender. Pedi não muito educadamente para que ele arrumasse a bagunça que havia deixado em cima do sofá para minha visita ter onde se sentar.
 
Quarenta minutos de água-toalha-armário-secador-jaqueta-e-tênis depois e eu estava pronta para acompanhar a Letícia até o Inferno se fosse preciso. Mas, digo, figurativamente falando, e não a balada a poucas quadras dali. Minha mais recente obsessão era um novo par de Nikes vermelhos, que eu usava para cima e para baixo, combinando com uma camiseta velha do Misfits, uma flanela vermelha amarrada na cintura e um skinny jeans rasgado. Saí para a sala me achando a mais sapatão das galáxias.
 
A Lê não ficava muito atrás – com aquele cabelo K.D. Lang partido ao meio, butch, filha de japoneses e coberta de tatuagens. Era baixinha e tinha o rosto bem redondo, os pulsos e as panturrilhas largas. Estava me esperando em pé, lendo uma Rolling Stones que larguei jogada em cima da mesa. E só então, já sem o seu respectivo casaco, que reparei numa manga fechada ao redor do seu braço.
 
_Que foda, cara... – disse, impressionada, pegando na tatuagem para olhar direito – ...quando cê fez?!
_Faz uns quatro meses... não, espera. Cinco.
_Numa sessão só?
_Não, foram duas.
_Nossa... Ficou demais, meu!
_Fiz com a Thaís, mano, ela manda muito.
_Puta, aliás, preciso te contar uma parada aí que rolou... – eu ri – Cê num vai acreditar.
_Ih. Lá vem... Cês se pegaram, foi?
_Como cê sabe?! – tomei um susto – Ela contou?
_Nem precisa, né? – a Lê gargalhou – Velho, eu sabia que cês duas iam se pegar desde o dia que apresentei. Tava só esperando...
_Ah, meu... Num é assim também!
_Não? E essa sua tatuagem aí... – apontou para a mordida da Mia no meu braço, que já começava a virar um hematoma, me zombando – ...a Thaís que fez também?
 
Antes que eu pudesse responder, de repente, o Fer entrou na sala – agora devidamente vestido –, com cara de quem estava atrasado, e se meteu entre nós para vasculhar a mesa, onde estava a revista e uma tonelada de papéis.
 
_Ou, cê viu minha chave?!
_Não... – murmurei – Não tá na cozinha, talvez?
_Não – resmungou de volta, sem me olhar, e passou a procurar pelo sofá – Caralho, viu. Já era pra eu tá passando na Mia... Cê vai hoje, né?
_Meu, nem vou – respondi – A gente vai comer no Vitrine com umas amigas agora e depois... sei lá...
_Tá me tirando?! – ele olhou pra minha cara, interrompendo a busca.
_Não, por quê?
_Por que cê não vai lá, meu? – se irritou.
_Ah, cara, sei lá... Não tô afim de ir na Sarajevo. Já disse parabéns pra ela na terça, já tá bom.
_Pô, mano... Que sacanagem. A Mia me perguntou mil vezes se eu tinha falado com você essa semana e cê fazendo cu doce aí, porra. Ela queria que você fosse. Cola lá, meu, nem que seja só pra dar um oi. O Vitrine é ali do lado, a gente vai chegar lá pela meia-noite...
_Ah, Fer... não sei – respondi, relutante, e ele me olhou sem paciência – Vou ver...
_Mancada, hein?!
_Não é, meu. Só não tô afim.
_Tá. Cê que sabe – se apressou – Preciso sair.
 
Continuou procurando e, assim que achou a maldita chave, saiu batendo a porta. A Lê me olhou imediatamente, sem entender o porquê de eu ter mentido três ou quatro horas antes quando liguei desesperada para ela e reclamei por estar absolutamente carente de um programa para sexta à noite – o que não fazia o menor sentido agora, ainda mais tendo em vista que a Sarajevo era declaradamente uma das minhas baladas favoritas em São Paulo. A Lê me encarou, confusa.
 
_E-eu... – hesitei em explicar, sem realmente querer tocar no assunto – ...meio que peguei essa mina dele.
_Cara... – ela arregalou os olhos e começou a rir – ...cê tá sempre na merda, hein?!

outubro 13, 2010

Hangin’ on the telephone ♫

A sexta-feira chegou excepcionalmente rápido, acelerada pelo tanto de trabalho acumulado que me aguardava no estúdio quando eu finalmente decidi dar as caras por lá. Três horas extras forçadas na quinta-feira, argh, e sossego algum na manhã seguinte. Pura exploração laboral. É assim que vocês tratam uma funcionária recém-recuperada de uma enfermidade seríssima, seus porcos insensíveis?! Aquilo era uma violência contra a minha pessoa, um absurdo. Mas, tá, que se dane, dei de ombros, lá pela terceira xícara de café do dia – sentada na pia da cozinha do trampo, em uma pausa longa-demais para quem estava reclamando da sobrecarga horária.
 
O fim de semana tá logo aí, eu pensava, me autoconsolando.
 
Estava, na verdade, a uma hora e meia dali. E trabalhando daquele jeito, como uma coitada duma mula de carga, ele chegaria antes ainda. Argh. O lado bom era que o estresse me impedia de mandar mensagens para a Mia o tempo todo. E considerando a minha mais nova consciência – também conhecida como Marcos –, certa ponderação até que funcionava ao meu favor. O que significava cinco ou seis SMS por hora ao invés de vinte. Já o lado ruim era que, , era chegada a sexta-feira. E isso, por si só, não podia ser bom sinal na minha vida.
 
“Vc vai hj neh? ;)”. Olhei de relance para a mensagem da Mia, com o celular apoiado na pia, e não soube como responder. Eu precisava de um plano – qualquer plano. Mas minha mente, agora, divagava sobre as bolinhas de ar que se formavam no meu café, numa análise cromática sobre a tonalidade amarronzada que saía do líquido preto. Que coisa esquisita. Uma vez que se esgotaram as bolhas e todas as minhas possíveis desculpas para continuar procrastinando ali, desci as escadas mais uma vez para buscar as provas de uma sessão que deixei imprimindo na máquina do estúdio. Voltei com uma pasta cheia à minha mesa e sentei-me sem vontade alguma de começar, já grudada mais uma vez no celular.
 
Há duas horas, entre uma mensagem e outra da Mia, o Gui me ligava, empenhado em uma campanha telefônica para que eu o acompanhasse na Bubu naquela noite – o que obviamente estava fora de cogitação. Eu não estava tão desesperada assim.
 
_Só vai ter homem lá, mano! – eu repetia, brava, já na terceira ou quarta chamada que ele me fazia naquela tarde.
_Meu... você me dá bolo atrás de bolo, porra, cê não tem poder de decisão. Foda-se que só vai ter homem! Só vamoooos... – ele cantava ao celular e eu podia imaginá-lo dando pulinhos de insatisfação do outro lado da linha.
_Não, meu! Não quero!
_Cê não tá toda namorandinha aí com a outra, caralho?! Que diferença faz se só vai macho?
_Simplesmente porque não vou pegar ninguém, não quer dizer que quero ficar olhando um bando de macho sem camiseta... – argumentei, segurando o aparelho contra o meu ombro, enquanto minhas mãos se ocupavam com as fotos – ...homem é um negócio muito feio, mano. Tudo amontoado e suado, naquele forninho, se pegando. Credo, não! Não! Não dá.
_Aaai, que exagero, como se fosse tão ruim assim...
_Gui, já fui na Bubu de sexta... Não dá. Sério! – eu enfatizei, indignada com a insistência dele – Vamos em outro lugar, porra.
_Ah, meu, eu já vou tá em Pinheiros, vai... É do lado. Que custa, sua piranha?!
_Não. Não, não, não. Não!
_E cê tá sendo injusta, pô, sempre cola umas meninas lá...
_Gui, NÃO!
_Ahh... você vai. Você vai e ponto final.
 
Então, ele desligou. Antes que pudesse ouvir o trigésimo “não”. Aí eu, por minha vez, redisquei para a Marina, com quem eu havia falado há menos de uma hora, e ela já atendeu com aquela voz desagradável de quem não quer nada comigo.
 
_Mas o que cês vão fazer? – eu insisti.
_Ficar em casa, meu... – ela respondeu, impaciente – Por que você inventa de sair comigo nos piores dias?! Já falei que não dá, hoje não dá.
_Não sou eu que “invento”, meu! Não é minha culpa! Ela que meteu o aniversário dela na sexta, porra! Eu sei lá porque não fez na terça logo de uma vez! Qual é a vantagem de morar em São Paulo se cê não aproveita que tem balada todo dia? – revirei os olhos – Vai, por favor... Eu preciso de gente confiável do meu lado hoje, Marina, eu não posso aparecer naquela droga e fazer mais merda ainda. Por favor, meu... Qualquer coisa!
_Mas precisa ser comigo?! Que saco, chama outra pessoa!
_Não, cê sabe que eu só confio em você – disse, como se fosse óbvio.
_Eu vou estar ocupada, sinto muito, gata. Procura outra babá pra você.
_Nããão... – eu choramingava – O Gui quer me arrastar pra Bubu, meu... Eu não quero ir, só vai ter marmanjo lá. No-jen-to. Não dá, não dá.
_Mas você também, hein?! Quer sair de qualquer jeito, “oh! pelo-amor-de-deus!”, mas quer ficar escolhendo, né?
_Não! Não quero! Com você, eu saio. Pra qualquer lugar. Qualquer lugar. É só escolher. Juro. Pode até levar a outra mina aí junto, mas vamos... Por favooor, vamos! Por favor!
_“Pode até levar”... – ela riu, me ironizando – Não, a gente não vai sair... Desencana.
_Ah, mano, é sexta-feira! Porra, Má, sério que cê vai ficar de mimimi?! Vamos fazer alguma coisa!
_A Bia não gosta de dar rolê, meu.
_Quem não gosta de dar rolê?
_Ela prefere ficar em casa, ver filme, fazer um lance de boa, cozinhar. Sabe? Aí a gente fica juntinha, meu.
_...
_Alô?!
_Desculpa, eu dormi por um segundo.
_Vai à merda.
_“Vai à merda”?! Cê se ouviu falando? Quantos anos vocês têm? Cinquenta?!?! Ah, pelo amor de deus, Marina... ficar “juntinhas”, ver filme, cozinhar, fazer um “lance de boa” em plena sexta à noite... cê parece a minha mãe se fosse lésbica, porra! Que deprimente, mano... Puta que pariu.
_Olha, você não tá conseguindo nada desse jeito...
_Tá, tá. “Perdão”. Mas vamos sair?! Por favor, meu... um boteco, happy hour, qualquer coisa! Vejo até filme com vocês!
_Tá louca?! Eu não vou te chamar para ver filme com a gente! – ela riu, de novo – E outra, a Bia também não gosta quando chama gente, e-ela...
_Mano, essa mina tá te escondendo ou o quê?! – a interrompi – Ela não gosta de nada, porra!
_Não começa. Viu... preciso trabalhar agora, depois a gente se fala.
 
Fim de ligação. Simples assim, como se fosse algo irrelevante e que eu pudesse discutir com ela em algum outro momento. Que ódio. Menos de vinte segundos depois, o Gui me liga:
 
_Olha, eu dei uma olhada no site e vai tocar o...
_Gui, eu não vou na Bubu. Não vou e acabou. Escolhe outro lugar.
 
Desliguei o telefone, já impaciente, de saco cheio daquela insistência toda. Respirei fundo e aí redisquei mais uma vez para a Marina:
 
_Você é uma chata, sabia?! – comecei a despejar no ouvido dela, indignada, assim que ela atendeu – Quando eu mais preciso de você, cê vai e faz isso comigo, meu?! Vira as costas e vai lá ver filminho e cozinhar com essa “Bia” aí! Mano, não dá para vocês fazerem isso amanhã?? Ou melhor, faz no domingo! Domingo é que é dia de se entediar até a morte, não sexta!
_Essa conversa já acabou. Quer parar?
_É só hoje, Má... Só hoje. Eu juro. Eu só preciso que passe essa droga desse aniversário. É do lado de casa, mano, eu preciso ir pra bem... bem... bem longe!
_Vai pra Bubu, oras.
_Ah, tá! É só subir a Rebouças, Marina.
_Você não vai subir a Rebouças nesse frio do cacete! Eu duvido.
_Mesmo?! – perguntei com todo meu sarcasmo, ciente da minha capacidade de fazer merda como ninguém.
_Ok, talvez você suba... – ela admitiu – Mas não dá. Hoje não dá, flor, já combinei. Sinto muito.
_Marina, por favoooooooooooor... Por favor! Por favor! – comecei a repetir a fim de vencê-la pelo cansaço.
_Olha, até entendo... – ela seguiu falando, por cima da minha voz, me ignorando – ...porque eu sei que não adianta eu falar para você simplesmente não ir, que você vai acabar aparecendo por lá, já que você é uma imbecil mesmo... – ela teorizou, enquanto eu a detestava do outro lado da linha – ...e claro que eventualmente isso vai sobrar para mim, de um jeito ou de outro. Mas, ainda assim, vou te dizer “não” e aceitar o risco.
_Eu te odeio, você sabe que eu te odeio – apertei os olhos, fazendo birra.
_Ahh... Eu te odeio também, meu amor – ela riu.
 
Desgraçada.
 
Quando desliguei o celular, eu continuava sem um plano decente do que fazer comigo mesma naquela noite, a Mia seguia sem resposta e o relógio da parede já se aproximava perigosamente das seis... Ô diabo.

outubro 09, 2010

Adequação

É possível normal saudável aconselhável sentir que tudo finalmente começa a dar certo... justo quando as coisas estão dando tão errado?

outubro 08, 2010

(Des)ânimo

Fechei a porta atrás de mim, sob o risco de encontrar o Fer a qualquer momento, entrando no nosso apartamento com a cara e a coragem – a coragem metida covardemente entre as pernas e a cara amassada de tanto chorar ao telefone.
 
Ou seja, entrei lá sem nada.
 
Para a minha sorte, a sala estava em perfeito silêncio. Desabitada. O Fer não estava – ou mais provavelmente, estava dormindo. Já passava da meia-noite e ele tinha ficado acordado toda a madrugada anterior, fumando com a Mia na sala, até muito depois de eu ir para o quarto. É. Deve estar capotado. Para piorar, ele costumava acordar mais cedo que eu – o Fer era funcionário de uma empresa nas redondezas da Av. Paulista. Era o programador mais tatuado que eu conhecia e um dos melhores também.
 
Não queria trombar com ele, não com aquela cara de quem estava com um problema bem maior do que deveria ter numa quarta-feira à noite. Mas, não, o Marcos não vai contar. Tentava me convencer, sentindo meu estômago ainda revirar, enquanto trancava a porta da frente do nosso apartamento. Quer dizer, eu espero que não. Aquela insegurança me tirava do sério. De repente, uma situação que nunca esteve lá muito sob controle, saía completamente das minhas mãos e ia parar nas da pior pessoa possível.
 
Ou segunda pior.

O que mais me incomodava era toda a rede de mentiras que aquela minha falta completa de vergonha na cara estava criando. Eu odiava ter que mentir para os meus amigos. E ainda assim, havia garantido para o Marcos que resolveria a situação eu mesma, seja tendo uma conversa sincera com o Sr. Namorado – até parece! – ou deixando a Mia de vez, o que também me parecia pouco provável àquela altura. Sou uma imbecil mesmo, puta que pariu, eu me xingava, indignada, enquanto deixava as chaves em cima do móvel da sala, sabendo que não ia conseguir cumprir com a minha palavra.
 
Temia a consequência disso também. As chances daquele rolo se emaranhar ainda mais pelas semanas meses anos seguintes e o Marcos, enfim, se encher e acabar me delatando por conta própria eram bastante grandes. Eu não ia ter mais um segundo de paz. E que diferença faz agora?, a minha mente protestou contra si mesma, desacreditada. O embrulhar de estômago me acompanhou por cada um dos muitos quarteirões que desci pelas calçadas sujas da Augusta até em casa, num desgaste emocional tão intenso que se fazia notar nos meus olhos. E nos meus movimentos.
 
Arrastei os meus All Stars surrados – que em algum momento, alguma vez, dois ou três anos antes, haviam sido brancos – pelo chão da sala e atravessei para a cozinha. Totalmente apática. Sentia o peso daquela confusão, que acabara de piorar mil vezes mais, se chocando contra o meu corpo. Puxei uma cadeira, tomada por uma impotência devastadora, e me sentei por alguns segundos no escuro. Que inferno.

Tirei o celular do bolso e coloquei-o indelicadamente na mesa, como se me livrasse da própria arma do crime. Maldito, encarei o telefone, toda infantil, com ódio. Apoiei um dos braços sobre a mesa e reparei na marca que a Mia tinha deixado mais cedo no meu antebraço. Vai ficar roxo. Deslizei os dedos sobre a mordida. E de repente, senti uma necessidade estranha de falar com a Mia. Só avisar, sei lá, que estava tudo bem – quando, na verdade, não estava. Não queria que ela soubesse de todo rolo que se seguiu à minha saída do seu apartamento. Não ainda.
 
E então, checando dez vezes a porra do destinatário, enviei-lhe uma mensagem descontraída.

Depois escorreguei pela mesa, afundando o rosto cansado nos meus braços, cruzados sobre a tábua e ainda ligeiramente gelados do frio que fazia lá fora. Eu tô fodida, suspirei com pesar. E inspirei. Inspirei fundo e expirei mais uma vez, lentamente, tentando me livrar dos meus fantasmas. Que grande merda. Então, senti o celular vibrar na superfície da mesa. Levantei os olhos por trás do meu braço, esticando-o para pegar o telefone. E abri a mensagem diante do meu corpo, que continuava debruçado sobre a mesa da cozinha.

“Hahaha eu disse q vc ia congelar! Da prox vez te empresto meu moletom se vc ñ for tão cabeça-dura ;) e qro ir dormir tbm mas to aqui no chão da sala ainda... ñ consigo parar de ouvir o cd e pensar em vc, pqp”.

Abri um sorriso na mesma hora.

outubro 05, 2010

A porra do alfabeto

Primeiro toque. Nada. Eu subia novamente a Augusta, agora tomada por uma agitação interna violenta, num susto que me fez parar os pés e o coração segundos antes. Droga, droga. O incômodo se misturou com o vazio das ruas e invadiu o meu corpo, me fazendo sentir mal, realmente mal, indo na direção contrária da que eu deveria ir, me afastando o quanto antes do meu apartamento, sem saída. Segundo toque. Caralho, atende. Atende, por favor, atende! O desespero começou a tomar conta de mim. Sentia o sentimento espalhar pelas minhas veias e arrebentar cada célula arrependida dentro de mim até engasgar na minha garganta. E nada – nenhuma voz do outro lado da linha.
 
Por que cê não atende, porra?!
 
Uma letra. Inferno. Uma porra de uma letra. Eu não conseguia me conformar – como eu sou idiota. Como eu sou idiota, caralho. Terceiro toque. Quanto mais ele demorava para atender, mais eu me desesperava, ainda transtornada por ler o nome do melhor amigo do meu melhor amigo na tela do meu celular. Quarto toque e nada. Parei em frente a um muro abandonado e deixei minha cabeça apoiar-se contra o cimento. Não tinha motivo algum para continuar. Completamente desacreditada, como se já houvesse perdido a batalha e sem sequer ter tido a chance de me explicar.
 
Quinto toque. A única opção que me restava era torcer, em vão, com os olhos apertados, sentindo o concreto contra a minha testa e a droga daquele celular contra o meu ouvido. Ele não pode ligar para o Fer, ele não pode, não pode..., eu implorava no frio, sozinha, no meio daquela noite escura em São Paulo. Não pode, cacete. E por mais que eu quisesse me encher de qualquer mínimo fio de esperança, a demora para atender o telefone e a maldita escolha nada educada de palavras dele na mensagem me forçavam a aceitar o fato de que agora eu havia fodido tudo de vez. E eu sequer tinha uma desculpa, não tinha argumento algum – o meu SMS já tinha deixado a situação clara, com todas as letras, não tinha mais o que dizer. A minha mente foi tomada por uma ansiedade dilacerante e lágrimas precipitadas começavam a se formar dolorosamente ao redor dos meus olhos. Merda.
 
Sexto toque – e de repente, o Marcos atendeu.
 
_Fala.
 
Meu coração parou pela segunda vez. Suspirei ao escutar aquela voz grossa, pesada, sem vontade alguma em me ouvir de volta. Mil vezes merda. Não vai ser fácil, pensei, abrindo a boca para consertar a besteira que eu havia feito, sem saber direito como, sentindo todo o nervosismo entrar no meu caminho.
 
_Má... e-eu... – tropecei nas primeiras palavras – ...eu, e-eu... v-você não entendeu, a... a mensagem não foi...
_O que eu não entendi?! – me interrompeu, puto.
_A mensagem n-não era para você, era...
_Percebi – me cortou, de novo.
_Era... e-era para a Marina – senti minha respiração tremendo, perdendo a coragem, falando cada vez mais baixo – Eu... n-não... não é o que cê tá pensando!
_Não?! – ele levantou o tom de voz, me diminuindo mais ainda – Me explica, então, que caralho que é aquela merda!
_Não! N-não tem nada a ver, eu... e-eu sei o que cê deve tá achando, mas... m-mas eu... eu não... – respirei fundo – ...foi uma amiga da Marina... e eu... e-eu tava só contando. Não tem nada a ver com... – me enrolava, segurando o choro na garganta – É que essa menina... ela... e-ela...
_Ela o quê?! Chama "Mia", caralho?! – retrucou, nem por um segundo convencido daquela mentira deslavada, e as lágrimas começaram a correr involuntariamente pelo meu rosto – CÊ ACHA QUE EU SOU IDIOTA, PORRA?!
_NÃO! E-eu...
_Cê é muito cara de pau, mano...
_Má... – eu implorei, com a testa ainda pressionada contra o muro, me sentindo derrotada – ...Má, por favor. Me escuta!
_CÊ ACHA QUE VAI ME FAZER DE TROUXA TAMBÉM?! QUE EU VOU CAIR NESSA SUA CONVERSA, CARALHO?!
_Não, NÃO, p-por favor... – eu chorava, sentindo aquela confusão toda me engolir, sem saber o que fazer – ...Má, ele, e-ele não pode saber, não pode, meu, não assim. Por favor!
_E O QUE CÊ QUER QUE EU FAÇA, PORRA?!
_POR FAVOR! TÔ TE IMPLORANDO!
_É A MINA DELE!! COMO... MANO, COMO VOCÊ PODE DIZER QUE TÁ APAIXONADA?? – gritou comigo e eu fechei os olhos, novamente – COMO CÊ VAI LÁ E FAZ UMA MERDA DESSAS, CARALHO??
_Eu... e-eu não...
_PELAS COSTAS DO CARA, PUTA MERDA... MEU... PORRA, MANO. CÊS SÃO MELHORES AMIGOS! – continuou, tomando as dores dele – CÊ TEM NOÇÃO DO QUE CÊ FEZ?!
_Má, eu... e-eu...
_QUÊ?! – se irritou comigo – FALA, PORRA!
_Eu... m-me apaixonei por ela, eu... – tomei ar mais uma vez – ...e-eu sei que eu não tenho desculpa, que é imperdoável. Eu sei disso, Má, mas eu, caralho, cê tem que acreditar em mim, e-eu realmente gosto dela.
_E NÃO DAVA PRA SER OUTRA, INFERNO? ELA É NAMORADA DO SEU MELHOR AMIGO, PORRA!! QUAL É O SEU PROBLEMA??
_NÃO! NÃO É ASSIM! Eu... – me desesperei – ...Má, e-eu amo ela. Não foi sacanagem, eu, eu n-não planejei... por favor... me dá um tempo pra resolver – disse, sem pensar – ...e e-eu vou falar com o Fer, eu vou dar um jeito. Mas não assim, não agora, por favor. Ele não pode descobrir por você, Má, ele não vai me perdoar nunca.
_LÓGICO, MANO, OLHA O QUE CÊ FOI FAZER COM O CARA!! CÊ TEM MERDA NA CABEÇA??
_EU NÃO QUERIA, EU... MÁ, PELO AMOR DE DEUS, CÊ TEM QUE ENTENDER. O RELACIONAMENTO DELES... NÃO É COMO SE...
 
Me segurei por um instante, sem querer trair ainda mais o Fer – mas não via outra saída.
 
_O FER... – o acusei – ...O FER TAMBÉM JÁ... JÁ TRAIU ELA! NÃO É COMO SE...
_ELE O QUÊ?!
 
Merda. Fiquei muda, de repente.
 
_O QUE CÊ FALOU? – insistiu, indignado – ELE FEZ O QUÊ?!
_Ele... e-ele traiu ela, Má. Você viu, você... – as palavras saíam involuntariamente da minha boca – ...você tava lá quando começou, na sua festa, ele e a Julia, meu, eles dormiram juntos depois.
_Mano, cê...
 
Hesitou.
 
_Má, por favor... – pedi – ...eu tô te implorando.
_Vocês dois se merecem também, hein, puta que pariu...
_Por favor, Má. Me deixa resolver isso sozinha, meu – limpei minhas lágrimas, virando contra a parede e apoiando as costas – Por favor. Deixa eu contar pra ele, deixa a gente se resolver entre a gente. Por favor!
_Não sei, eu... – ele suspirou – ...não sei... – e aí levantou novamente o tom de voz, com raiva – ...POR QUE DIABOS CÊ FOI ME METER NISSO, PORRA?!
 
Ficamos em silêncio por um instante. E eu podia sentir o peso dos pensamentos que conflitavam na sua cabeça do outro lado da linha, segurando a minha respiração, angustiada.
 
_Má, por favor?!

outubro 01, 2010

Presta atenção

E aí dançamos. Dançamos pelo chão, a tarde toda.
 
"Comi a Mia de novo. To apaixonada, meu... pqp.", digitei para a Marina conforme descia as escadas da entrada do prédio da Mia. É – eu era simplesmente a garota mais feliz de São Paulo. Não conseguia parar de sorrir, toda tonta, andando pelas ruas escuras como se fosse mais leve do que o ar. Que dia, porra, que dia do caralho.
 
Consegui pegar um ônibus em 5 minutos, exatamente no horário que a Mia chutou que ele passaria, me sentindo realmente com sorte. Sentei, toda satisfeita, numa das cadeiras encostadas lá no fundo. Já estava tarde e eu não tinha sono algum, não com aquela empolgação boba que circulava pelo meu corpo inteiro. Estava mais perdidamente apaixonada do que jamais me estive.
 
O ônibus dava uma considerável volta para chegar no meu não-tão-longe-assim destino. Me esparramei sem pressa no banco, apoiada confortavelmente contra o encosto, olhando para o lado de fora e para as luzes da cidade que eu tanto amava. O frio e o horário deixavam as avenidas vazias – e lindas pra caralho. A imagem da Mia naquela tarde voltou à minha cabeça. Tão viva que eu quase podia senti-la ao alcance dos meus dedos – percorrendo o vidro gelado da janela do ônibus, todo riscado e judiado por recados adolescentes e nomes pichados. 
 
Fechava os olhos e a via. A Mia. Observando silenciosamente o cômodo ao redor enquanto fumava um cigarro. Um dos meus. Sentada sem roupa ao meu lado, com os cabelos soltos cobrindo parte das suas costas, completamente confortável comigo ali. Num estar junto, assim, sem encostar e nem fazer grande coisa disso – só estar. Minha mão corria as luzes de São Paulo, como percorria o seu corpo. Enquanto os semáforos e letreiros refletiam coloridos na janela, eu fechava os olhos e lembrava de como era tê-la assim tão perto de mim. E como aquilo me fazia feliz, puta que pariu.
 
É. Era justamente aí que estava o perigo: esse vício que eu desenvolvia por ela. A inevitável abstinência de serotonina que estava por vir, a necessidade de vê-la de novo cada vez que a deixava, o meu amor por ela, prestes a sair de vez do meu controle. E ia sair – disso eu tinha certeza. O ponto de retorno já tinha sido ultrapassado. Sentia que agora apenas ia, ia sem volta – sem ter mais como parar. E sabia que complicaria – é, ainda mais –, mas tudo o que vinha à minha mente era ela. Ah, ela. A Mia. Ela e aquela tarde e a noite que a antecedeu e todas as outras, as outras vezes, as que vieram antes dessa. Tudo. Tudo o que era nosso.
 
E como eu gostava de ter qualquer coisa que fosse só nossa – minha e dela.
 
O problema era quando não éramos só nós. Por minutos a fio, naquela tarde, conversamos sobre a sua festa de aniversário naquela sexta e as pessoas que estariam lá, falando sobre a Sarajevo, nuas, eu e ela, deitadas sobre o tapete da sala. Ela tagarelava, animada, e eu mentia. Descaradamente. Eu não queria ir naquela festa. Gostava dos rolês na Sarajevo e gostava demais da Mia, mas não ia ser fácil – e eu queria me poupar disso. Poupar o mundo inteiro, aliás, que não precisava saber da minha dificuldade em ficar perto da namorada do meu melhor amigo. A última coisa que eu precisava era que meia capital paulista visse a frustração estampada na minha cara quando eu estivesse absurdamente bêbada, perdida pela pista, odiando os braços dele ao redor dela.
 
Deixa. Depois penso nisso, balancei a cabeça, ao sair do ônibus e descer em uma Augusta abandonada. Sem um carro ou uma alma viva sequer na rua. Para qualquer lado que se olhava, para cima ou para baixo daquela ladeira suja, o vazio se fazia notar. Era até incômodo ver a Augusta assim – não fazia sentido e também não me parecia lá muito seguro. Então, apertei o passo.
 
Comecei a descer o tanto de calçada que faltava, sentindo o vento cortar os meus braços descobertos, cruzados em frente ao meu corpo, e me encolhendo. Devia ter trazido a porra da jaqueta, pensei pela milésima vez naquele dia, me torturando sem muito propósito. E foi quando o meu celular tocou. Uma só vibração, avisando a chegada de um SMS – que só pode ser da Marina, pensei. Criei coragem para esticar o braço no frio e alcançar o aparelho no bolso de trás da minha calça, já com um sorriso no rosto de imaginar a mensagem que me aguardava.
 
No entanto, assim que li as poucas e nada amigáveis palavras na tela, fui tomada por uma dúvida arrasadora. Não com o remetente daquela, que estava escrito logo ali embaixo, mas com o destinatário da outra – a que eu enviei enquanto descia pelas escadas do prédio da Mia. E foi aí, inferno, que eu percebi a grande merda que eu fiz.