Aconteceu nem duas horas depois, me pegando de surpresa. Estava
distraída, molhando o dedo na ponta da língua. Um lado tá indo mais rápido que
o outro, notei. Mas aí algum amigo imbecil passou e tropeçou nos meus pés,
largados adiante, atrapalhando todo procedimento.
_OLHA ONDE PISA, PORRA! – resmunguei e tornei a me concentrar.
Estava completamente bêbada, deitada no chão da sala, com a cabeça
no colo da Thaís. Com o indicador ainda úmido, percorri meio perímetro do meu
baseado, logo abaixo da linha que queimava, tragando e tentando corrigir a
trajetória da brasa. Estava todo mundo meio frito. Outras pessoas estavam sentadas
ou caídas à nossa volta, a maioria envolvida num jogo idiota.
Alguma coisa, de repente, vibrou na parte de trás da minha cabeça.
_Cara... – minha amiga, cuja perna me servia de apoio para a nuca,
me cutucou – ...olha isso, mano.
Olhei para cima e vi a tela do seu celular com a mensagem da Ju, a tal da mecânica, com quem ela estava flertando há dias. O SMS perguntava se
a Thaís estava acordada. É, às 3 da manhã, mano. Mas nenhuma das duas
tomava a iniciativa. Não é possível, revirei os olhos, já irritada com aquele
lenga-lenga. Dei mais um trago, acertando por fim a linha da brasa, e segurei a
fumaça por bem mais tempo do que o recomendável com aquele tanto de álcool no sangue.
A combinação não me fazia bem. Só então me levantei, sentando ao lado da Thaís e
em frente à roda que se formava aos poucos no chão da sala, e estiquei a mão
para que ela me passasse o telefone.
_Deixa eu responder, dá aí! – pedi, com o baseado ainda na boca.
_Nossa, nem a pau! – ela riu, enquanto eu tentava tirar o celular das
suas mãos; as duas bêbadas – Para,
mano, cê vai foder com tudo!
_Cala a boca! Não vou, não! – argumentei, ofendida, e ela continuou
se esquivando – Me dá!
_Não! Sai pra lá!
_Velho, CHAMA ELA PRA VIR AQUI!
_Assim?? No meio da madrugada?!?
_ELA QUE TE MANDOU MENSAGEM, THAÍS, PORRA! – consegui pegar o
telefone, finalmente – Vai. Confia em mim, meu, deixa eu fazer!
A Thaís esfregou as mãos no rosto, nervosa, enquanto me deixava
digitar. “Me passa isso aí”, pegou o baseado de mim, como se estivesse prestes
a se arrepender. Troquei quatro ou cinco mensagens com a mina e, em menos de três
minutos, já estava passando a porra do meu endereço para ela vir. “Frouxa”, zombei
a Thaís, devolvendo o celular, depois de fazer todo o serviço por ela.
Apoiei as costas de novo na parede e olhei rapidamente para a Mia,
num impulso inconsciente. Ela estava sentada do outro lado da sala, perto de
duas amigas suas do Mackenzie. Já tinha descalçado os coturnos e estava com o
cabelo bagunçado, dum jeito inesperadamente atraente. Dei mais um trago lento
no baseado, a observando ali. E bem nesse instante, o olhar da Mia cruzou com o
meu. Ela sorriu, com os olhos vermelhos, chapada, e balançou a cabeça – como
se ainda não acreditasse no que tinha rolado na área de serviço.
Com raiva?, me
diverti, arqueando as sobrancelhas para ela.
Uma movimentação no meio da roda, no entanto, nos distraiu. O Benatti
desafiou o primo a virar quase um quarto duma garrafa de vodka. Esse jogo é uma imbecilidade, puta merda.
Meus amigos estavam se provocando aleatoriamente – inventando um desafio mais
estúpido que o outro – e o da vez era beber aquela vodka barata, que circulava
de mão em mão ali, até atingir a marca do logo impresso na garrafa. Ah, pronto, me alarmei, vamos mandar o povo pra casa de ambulância hoje.
_MANO, NÃO. DEIXA DE SER IDIOTA! – me intrometi na roda, enquanto todo
mundo opinava ao mesmo tempo – CARA, CÊ VAI PASSAR MAL ASSIM!
Mas “o cara” levantou, se metendo a macho, e todo mundo começou a
encorajá-lo a virar logo. Aos gritos. Homens. O infeliz meteu o gargalo
na boca, virando verticalmente a garrafa e bebendo de uma só vez. A vodka descia
como água em galões de bebedouro, dava para ver as bolhas de ar subindo.
Balancei a cabeça, desistindo dos meus amigos. Essas brincadeiras sempre
começavam com besteiras – eu mesma fui obrigada a dar em cima de um cara, desavisado
da minha sapatonice, uns minutos antes.
O álcool ia progressivamente piorando o nível das apostas. O Fernando,
por exemplo, sempre acabava abaixando as calças em algum momento. E agora lá
estava ele, uns metros mais para lá na roda, enchendo a cara, lata atrás de
lata, e incentivando o primo do Benatti a dobrar a porra da meta. Sem chance.
O cara mal conseguiu chegar na marca do logo sem cuspir metade da vodka para fora.
Na boa, qual é o propósito da nossa
geração?
Todo mundo entrou em surto, berrando que não tinha valido,
enquanto o cara brigava com o Benatti, dizendo que tinha chegado até a marca,
sim. Um empurrava o outro, num desaforo amigável. E eles riam. Eu assistia
aquele caos, na minha, tragando o meu baseado ali, enquanto todo mundo estava
fora de si. E foi quando uma das garotas que estavam perto da Mia me chamou, na
frente de todo mundo, fazendo com um gesto com a cabeça:
_Ei, você! – a loira do Mackenzie falou, alto, do outro lado da
sala – Duvido você beijar a namorada do teu amigo. Beija aí a Mia!