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junho 26, 2010

Friday is casual (sex) day

O café-da-manhã foi constrangedor – e um tanto engraçado.
 
Talvez fosse o pé da Mia no armário ou quem sabe era só coisa da minha cabeça, mas sentar numa mesa com os pais dela enquanto eu fingia ser sua “amiga”, depois daquela noite, me fez sentir como uma adolescente de novo. A começar que eu não tomava café-da-manhã numa mesa de família há anos. Mal sabia o que fazer comigo mesma. Na manhã seguinte à do UFC, os pais dela não se sentaram conosco. Mas desta vez, sim.
 
Não tivemos escolha – quando saímos do quarto, ambos já estavam à mesa e insistiram, eu quis ser educada. Devia ter sido grossa, me arrependi, me vendo emboscada pela família tradicional brasileira. E como se não bastasse a minha inabilidade absoluta em socializar com as gerações mais velhas, principalmente essas assim, cheias da grana e sem um puto em comum, ainda tinha o fato de que meia hora antes a filha deles estava sentada na minha cara.
 
É – aquele sorriso não saía do meu rosto por nada.
 
E na tentativa de disfarçar, para não dar muita bandeira, fiquei tomando gole atrás de gole de suco. Acho que nunca bebi tanta laranja. Me escondendo naquele copo ao mesmo tempo que curava a ressaca, o que resultou numa proporção insalubre de aproximadamente 10g de comida no garfo para cada 5 litros de laranja espremida.
 
A Mia me olhava de volta e sorríamos, às escondidas. O pai dela sequer se dava conta, engravatado e enfiado em um jornal, enquanto a mãe tentava puxar assunto comigo. Surpresa de me ver de novo ali. “Não sabia que o Fernando morava com uma garota”, ela dizia, com um tom de julgamento e analisando a minha caminhoneirice da cabeça aos pés, “e você, faz faculdade?”. “Eu trabalho”, respondi entre um gole e outro, tentando soar minimamente responsável, com a roupa ainda cheirando a cigarro do bar e o cabelo bagunçado de tanto comer a filha dela a madrugada toda.
 
Foi mal, sogrinha.
 
A Mia ria da minha péssima performance. Estava usando uma regata branca por cima duma calça rasgada, que eu escolhi enquanto ela tirava todas as roupas do armário e me pedia para ajudá-la, ambas sem nenhuma intenção de realmente nos vestirmos, enroladas nuns beijos que não pareciam ter fim. Só quando sua mãe nos chamou para tomar café pela terceira vez é que nos trocamos de fato, às pressas. Agora a Mia prendia o cabelo num rabo, meio de qualquer jeito, sentada do outro lado da mesa. E eu a observava, secretamente apaixonada, vendo os fios que se soltavam – curtos demais para prender – e caíam sobre o seu rosto suavemente. Eu podia assistir isso o dia inteiro, puta merda. Merecia uma palma de ouro em Cannes.
 
Assim que terminamos o café-da-manhã, nos livrando daquele momento obrigatório constrangedor, pulamos da cadeira e nos apressamos para sair o quanto antes do apartamento. Roubei um croissant para comer no caminho e me despedi dos meus “sogros”, certa de que não havia causado nenhuma boa impressão. Ainda assim, o pai da Mia nos ofereceu carona. Menti sobre a existência de um carro "estacionado logo ali na esquina" – e duma carta de motorista, aliás – e recusamos educadamente.
 
Até que enfim, livres.
 
Descemos de elevador, aliviadas. O dia estava gostoso, saímos andando pela rua – puxando conversa fiada e cigarros do bolso. A Mia não conseguia parar de rir, zombando da minha cara desconfortável em frente aos pais dela, e eu sorria, envergonhada. Comi meu croissant no ponto e entramos no primeiro ônibus que passou em direção à Consolação, nos apertando com aquela multidão-das-8-e-meia típica de São Paulo. Entre mochilas e corpos em excesso, coloquei minha mão ao redor da Mia, segurando-a para que não se desequilibrasse com os trancos do busão, enquanto eu me apoiava num dos canos de metal. Conversamos e rimos o caminho todo, num estado bobo, descompromissadas, sem ceder ao cansaço de uma das noites mais longas – e incríveis – do ano.
 
Descemos nas redondezas do Mackenzie. Mas ali requeria mais cuidado. Aquele, aquele não era meu lugar – estava abarrotado de amigos dela e de gente que conhecia o Fer, possíveis dedos-duro. Não podia me meter à besta. Então, calculei os meus passos. Observando cada esquina e porta e comércio fechado ao longo do caminho, movimentado freneticamente pela massa paulistana. Até encontrar um esconderijo: um bar fechado, cuja porta entrava cerca de dois metros parede adentro. Sem pensar duas vezes, meti a Mia ali dentro para roubar um último beijo.
 
Meu deus. Como eu precisava disso.
 
A Mia sorriu. E voltamos para a rua com na mesma rapidez com que sumimos dela. Acompanhei-a até a entrada do Mackenzie na Itambé, aproveitando o máximo de tempo possível ao seu lado, e não me despedi. Apenas voltei os passos, andando de costas na calçada, sorrindo para ela. A Mia sorriu de volta. Aí se virou e entrou, atrasada para a aula. Caralho. Eu era a mina mais feliz de toda a porra do mundo. Caminhei até a Consolação repassando na minha cabeça cada segundo daquela noite, cada centímetro daquela mulher. Nunca estive tão feliz na minha vida.
 
Entrei e saí do busão, sem nem perceber o tempo passar, completamente imersa nos meus próprios botões. Não sei como cheguei no estúdio, mas cheguei. E passei por todo mundo sem abrir a boca, apenas sorrindo de ponta a ponta do rosto. Sentei na minha cadeira e olhei para a frente, dando de cara com um dos meus colegas engraçadinhos de trabalho, que me observava pacientemente. Ele riu.
 
_Você não dormiu hoje, né?

junho 22, 2010

Muridae nata

_Hum... – sorri, acariciando o seu rosto – ...cê ainda tá com a tatuagem que eu fiz.
 
O raiozinho desenhado de caneta já quase desaparecia debaixo do seu olho, desbotado pelas horas e o suor. A Mia sorriu com a memória. Eu estava apoiada nos cotovelos, de barriga para cima no colchão, e ela sentada ao meu lado. As suas mãos percorriam a minha pele, num carinho desatento. E gostoso. Foi quando ela desviou a cabeça e olhou para o relógio na parede, por um instante, respirando fundo.
 
_Meu, não acredito que vou pra faculdade assim...
_Assim como?
_Assim... – ela riu – ...sem dormir nada!
_Ué. Mas cê não precisa ir...
_Ah, não preciso? – ela riu, de novo.
_Não... – eu sorri, como se o simples fato de eu negar tal necessidade fosse o bastante para desfazer a sua existência – ...não precisa, não.
_E você também não precisa ir trabalhar, então?
_Pra tudo dá-se um jeito...
_Hum. E cê não acha que já causou estrago o suficiente, não?
_Estrago?
_É. Em mim... – ela fez graça, inclinando o corpo para me fazer cócegas – Na minha vida, na minha cama! Hein?
_Não.
_Não?!
_Dá para estragar mais um pouquinho...
 
Pisquei na sua direção, sorrindo.
 
_Ahhh, então cê acha que não foi o bastante?!
_Isso não foi um estrago, Mia... Foi meia noite de caos controlado.
_Aham, sei – ela se indignou – E o que mais cê quer de mim?
_Tudo, oras. Todo o resto.
_Olha, não sei se tem muito mais para eu te dar... – ela mordeu a pontinha da língua, numa indecência quase acidental – ...mas cê pode pegar o que quiser.
 
Eu ri, puxando-a na minha direção para beijá-la.
 
_Que perigo, garota...
 
Murmurei, com a boca já na sua e os dedos afundados na lateral do seu corpo. A Mia segurou o meu rosto com as duas mãos e eu a puxei para cima de mim – você é minha, pensei, apaixonada. Enquanto a abraçava e a apertava contra o meu corpo, a beijando, nuns amassos despreocupados. Desses que prolongam a manhã seguinte de um encontro perfeito. Mas não era tão simples assim. E a contragosto, num instante, a realidade me bateu violentamente. Não, não na consciência – que é exatamente onde deveria ter batido –, me bateu foi no peito. Como uma pancada que veio de repente. Inferno. A Mia não era minha.
 
E uma hora ou outra, aquilo ia acabar.
 
Teria sido tudo aquilo? Foi real mesmo? Ou logo ela estaria de volta nos braços do Fer e eu no quarto ao lado? Merda. Senti a angústia me subir até a garganta, enquanto a abraçava ali. O tipo de dor que sufoca, que te faz sentir encurralada. Como um rato contra a parede. Estava metida até a porra do pescoço em um problema sem solução – perdidamente apaixonada pela namorada do meu melhor amigo. Agora mais do que nunca. Porque depois de ter ela assim, depois de cada maldito segundo ao seu lado naquela madrugada, eu não ia conseguir voltar ao normal. Aos olhares escondidos e à convivência no meu apartamento, aos beijos dados quando ninguém está olhando.
 
Pois é. Quem se acha esperto demais para a ratoeira, acaba se ferrando mil vezes mais. O orgulho te leva direto até a boca do gato, faz você continuar e continuar e continuar, errada e cheia de si. E quando você se dá conta, já não tem mais volta. Eu tinha ido longe demais. Era incapaz de sequer lembrar por onde entrei. Tudo o que me restava agora era ser mastigada e engolida de vez por aquela merda toda. Era só questão de tempo.
 
Então cumpri meu papel. Afinal, quem se mete pelos buracos e esgotos da vida, sabe ser sujo como ninguém. Deslizei sem dificuldade por debaixo do corpo da Mia, instintivamente, me afundando no colchão até o meio das suas pernas. Puxei-a contra a minha boca, num só movimento, fazendo com que sentasse na minha cara. E fui beijando-a. Podia sentir o seu calor escorrer na minha garganta. Hum. A Mia suspirou como quem fecha os olhos, sentindo cada movimento da minha língua. Então moveu o quadril para frente, rebolando na minha boca bem devagar. E quando aquela indecência começou a me fazer esquecer de tudo, esquecer da angústia no meu peito... Ouvimos um barulho na porta.
 
_Droga. É a minha mãe!
 
A Mia saiu de cima de mim, num só pulo.
 
_Tá trancada... – a tranquilizei, rindo, enxugando o queixo, a boca com as costas da mão.
_Não, não, é sério.
_É só fingir que estamos dormindo... – cochichei, achando graça – ...vem.
_Não dá, eu preciso ir lá... – a Mia insistiu, rindo – ...senão ela vai estranhar.
_Deixa ela bater, meu... – minhas mãos deslizaram inconscientemente pelas suas pernas – ...vem aqui.
_Para! – ela me beijou, se enroscando em mim enquanto dizia o oposto – Não podemos, a... a gente vai ser pega!
_Tá trancada a porta, Mia...
_Mas a gente ainda precisa colocar um colchão no chão, qualquer coisa... – murmurou – ...antes de abrir... – entre um beijo e outro, sem muita determinação em sair dali – ...senão ela vai desconfiar...
_Não vai. A gente fala que chegou tarde ontem e capotou...
_Não. Vem... – ela riu e se desvencilhou, enfim, das minhas mãos – Vamos se trocar!
_Ah! Eu preciso por roupa também?
_Assim, né, o ideal seria minha mãe não te encontrar pelada na cama com a filha dela...
_Hum. Quer que eu me esconda no armário também?
_Junto comigo? – brincou.
 
E eu comecei a rir. Um encontro sapatão e já tá fazendo piadinha.

junho 17, 2010

Intimidade

_Você trancou a porta?
_Eita. Não lembro...
 
E não lembrava mesmo. Álcool demais, maconha, endorfina. Segundos antes, os passos de alguém despertaram o corredor que até então estava em silêncio. A Mia se levantou e se apressou até a porta, virando a fechadura antes que seja-lá-quem-fosse resolvesse entrar. Depois de quase sermos pegas pela mãe dela na outra vez, era melhor evitar constrangimentos – afinal, ninguém ali queria ter que explicar para os pais dela que, sim, a filha passou a noite transando no quarto ao lado e, para piorar, não, não foi com o Fernando. Seria, no mínimo, desagradável.
 
A madrugada naquele quarto tinha se passado eterna, e maravilhosa. Intensa pra caralho. Se desdobrando por quatro, cinco horas, perdendo a conta dos orgasmos entre sacanagens e conversas e beijos e risos e mais orgasmos. Perdemos totalmente a noção do tempo e agora a luz da sexta-feira entrava pela janela, invadindo o cômodo contra a nossa vontade. Ou a minha. É – não queria que aquela noite acabasse. E quanto mais o sol coloria as paredes em tons amarelados, mais eu tentava me apegar a cada segundo, deitada entre os lençóis bagunçados.
 
A cama já começava a esfriar, sem a Mia ali, mas a preguiça me impedia de me mover no colchão. De barriga para cima e com as mãos embaixo da cabeça, sentindo minha pele descoberta arrepiar de saudades. Volta aqui, vai, pensei. E a olhei de longe, em pé do outro lado do quarto. A Mia deslizava as pernas uma na outra, se esquentando, subindo e descendo os pés descalços no piso gelado. Não tinha um só vestígio de vergonha ou inibição. Os meus olhos acompanhavam cada curva descoberta do seu corpo, conforme ela se apoiava contra a porta para escutar o movimento no corredor. Eu estava esgotada de pensamentos sujos. E ainda que a observasse ali, nua, só me restavam os sentimentos difíceis de admitir. Aqueles, sabe.
 
Era só ela. E eu. E era tudo o que eu sempre quis.
 
Por mais que estivesse cansada, exausta de tantas horas acordada, minha vontade era de não dormir nunca mais. Sentia uma tranquilidade estranha – queria só ficar ali, olhando a Mia esquentar as pernas uma na outra. Não era a memória daquela madrugada que me mantinha desperta, nem mesmo a expectativa do que estava por vir. Era só... sei lá. O jeito descomplicado como a gente existia, juntas, naquele momento. Eu não sentia isso há muito tempo.
 
Por fim, a Mia caminhou de volta para cama e sentou-se ao lado do meu corpo, com as pernas cruzadas em cima do colchão. Ela tinha a pele arrepiada pelo frio da manhã. E pequenas marcas que minha boca e os meus dedos e os tacos do chão deixaram em suas costas. Olhei para ela como quem olha para uma parte da sua própria vida – como se fosse natural que ela estivesse sentada ao meu lado, deixando escapar um sorriso bobo de quem ficou acordada a noite toda comigo. Como se ela sempre tivesse estado ali.
 
E por um momento, eu esqueci que não.

junho 14, 2010

Marco polo

Caralho. A Mia mal encostou em mim e eu já sabia que não ia aguentar. Não ia aguentar porra nenhuma. Podia sentir intenção em cada movimento seu. E talvez ela não soubesse tudo o que estava fazendo – mas que se dane, às vezes, importa mais o tamanho da fome do que como se come. E cada vez que a sua língua deslizava pela minha pele encharcada, agarrando as minhas coxas na sua direção, eu perdia a cabeça. Ela também se contorcia, quase como se aproveitasse tanto quanto eu, metida entre as minhas pernas – e eu imaginava todo aquele tesão escorrendo pelas suas.
 
Puta que pariu.
 
Eu era capaz de gozar sem que aquela garota tocasse um só dedo em mim. E ela encostou bem mais. Perdi o ar muito antes de ir para o chão com ela. O meu coração também nunca foi lá de bater direito perto daquela mulher, pulava umas batidas – parava, então voltava; e acelerava. Agora então, no breu do seu quarto, disparava mais do que nunca. E eu me forçava a ficar presente, queria lembrar de cada segundo daquele momento. Mas a sua boca em mim ia me tirando do sério dum jeito que os segundos se esticavam e o meu corpo tensionava e arrepiava e ia perdendo a sanidade o coração o ar até sentir cada extremidade do meu corpo formigar, num orgasmo intenso, esquecendo completamente onde sequer estava. Só me importava com quem.
 
Quando terminou, senti a Mia beijar a minha coxa. Eu ainda tinha os meus olhos fechados. Então ela subiu, deitando-se ao meu lado. E eu me forcei a recuperar rapidamente o fôlego. A sair daquele estado inebriado. Precisava de um segundo e não mais do que isso – não com aquela mulher ali. Numa vontade de foder até o sol nascer e se pôr e nascer de novo. Depois começar mais uma vez, puta que pariu. Abri os olhos e eles se perderam por um instante na boca da Mia, entreaberta, deitada ao meu lado.
 
_ISSO FOI TÃO... – ela passou as mãos no rosto, ofegante, como se não acreditasse.
 
O suor fazia com que alguns fios do seu cabelo grudassem na sua testa. Eu ri, a observando encantada, seu olhar fascinado em mim. Estava extasiada. Achei graça na forma como ela sorria, vitoriosa, depois de um orgasmo meu. Ainda podia sentir as minhas bochechas quentes e a minha pele arrepiada. E a Mia me olhava de volta, como se não conseguisse achar as palavras para descrever o que sentia. Eu meio ria, meio sorria.
 
_Eu nunca... – ela continuou, desarticuladamente – ...e-eu... juro, eu...
_Eu sei – ri.
_N-não, não, foi tipo... – ela tentava explicar com as mãos e eu ria – ...f-foi tão...
_Hmm – sorri – Foi como?
_N-não sei... Eu, e-eu tava... – suspirou – ...digo, e-era em você... mas eu senti quase como se... c-como se fosse...
_Em você?
_MEU, SIM!
 
Ela passou a mão no rosto mais uma vez e me encarou de volta, num misto de curiosidade e tesão, empolgada. Eu ri.
 
_CARALHO, COMO É POSSÍVEL? E-eu... – ela apoiou o braço embaixo da cabeça e se virou na minha direção, impressionada pela sincronicidade biológica entre nossos corpo – ...nunca senti nada assim! É... genial!
_Hum. Cuidado, hein... – a adverti, brincando – ...esse sentimento, essa coisa aí que cê sentiu, isso vicia.
_N-nossa, eu imagino, porque eu... e-eu nunca... – ela prosseguiu, ainda tropeçando na própria ansiedade de falar, empolgada – ...é que... não sei, caras são tão diferentes. Sei lá! Em tudo, não dá pra... sabe? Saber. M-mas você... – me olhou, como se me descobrisse algo inédito – ...eu, e-eu sabia exatamente o que tava acontecendo, o... o q-que o seu corpo tava sentindo, não sei explicar. É como se reverberasse pra dentro de mim, sobe por dentro, dum jeito visceral e, e tão gostoso... – suspirou – ...caralho, que intenso.
 
Eu a observava, achando mais graça ainda. Era como assistir alguém contar sobre a primeira vez que, sei lá, andou de bicicleta. Eu ri. E a Mia me deu um tapa no braço – como se soubesse que ria dela. Nossos olhos se cruzaram por um instante e então coloquei a mão em seu rosto, num impulso de estar perto dela de novo. Senti o meu coração pular outra batida. “É. É intenso”, murmurei. E a Mia sorriu, se aproximando do meu corpo com intimidade. A sua boca encostou na minha e nos abraçamos no chão do seu quarto, num beijo perigosamente lento. Desses que fodem a sua cabeça, que mudam o rumo das coisas.
 
Caralho.  
 
Desci as mãos até a sua cintura e a puxei para perto de mim. Mas a Mia se desvencilhou, de repente, inclinando a cabeça e subindo os olhos como se procurasse algo atrás de nós. Que cê tá fazendo? Olhei para a mesma direção, sem entender, e então vi o maço dela largado sobre a sua cama. Ah, isso. Ainda consideravelmente bêbada, a Mia escorregou para fora dos meus braços e se virou, engatinhando no chão do seu quarto. É. Engatinhando, sem uma porra duma roupa no corpo. Essa mulher quer me matar do coração.
 
Continuou até chegar na cama, onde apoiou os antebraços desajeitadamente, ainda de joelhos no chão, tirando um baseado que estava guardado no maço e acendendo-o ali. Os meus olhos acompanhavam cada movimento. Completamente obcecada por aquela garota. Me virei no chão e me apoiei nas mãos para ir até lá, dando-me imediatamente conta de que ainda estava consideravelmente sob o efeito do tanto que bebemos no bar. A Mia deu um trago, apoiada contra a cama. Despida, com os joelhos metidos no piso de taco e aquela raba que – só por Deus. Os fios castanhos de cabelo desciam pelas suas costas em meio às flores de cerejeira, na lateral do seu corpo. Me aproximei, a abraçando por trás, e beijei o seu pescoço. A Mia colocou o baseado na boca e se ajeitou contra o meu corpo ajoelhado atrás dela. Senti sua pele me aquecer.
 
_E aí... – ela fez graça – ...qual foi a nota?
_A nota?! – ri, sem entender.
_É. Fui boa aluna?
 
Roubei o baseado dos seus dedos e dei dois tragos, segurando a fumaça antes de soltá-la para cima. “Foi” – respondi, rindo. Mas você não precisa que eu te diga, garota, revirei os olhos. Você já sabe. A minha outra mão a segurava pela cintura. Hum. Inconscientemente, desci os dedos pelo contorno do seu corpo, acompanhando a curva da sua bunda. Abaixei os olhos por um instante e a observei entre meus dedos. Ali. Gostosa do caralho, suspirei, numas quedas de pressão. A Mia então se inclinou na cama, pressionando o quadril contra o meu corpo. Bem na sacanagem. Desgraçada. Senti a sua pele esbarrar nos meus pelos e um calor subir dentro de mim. A puxei, pressionando-a ainda mais contra meu corpo, e então encostei a boca em seu ouvido:
 
_Agora que cê já sabe que gosto eu tenho... – eu disse, devolvendo o baseado na sua mão – ...deixa eu te mostrar o que fazer com o resto do corpo.
 
A Mia tragou mais uma vez e fechou os olhos, inebriada, sentindo cada toque sujo da minha boca. Beijei seu pescoço, mordendo a sua pele, e fui descendo pelas suas costas, enquanto as minhas mãos subiam entre as suas coxas. A Mia continuava molhada, inchada, cacete. Escorreguei os dedos para dentro dela e então girei a mão. Encaixando a posição. Ela estremeceu e enfiou o rosto no lençol da cama, com o baseado ainda aceso entre os dedos. Ouvi ela gemer. E deslizei a boca pela sua bunda, depois a língua – chupando ela por trás, enquanto a fodia.

junho 11, 2010

[ CONTEÚDO EXCLUSIVO ]

AVISO: Os próximos 2 posts foram escrito exclusivamente para o livro do Fucking Mia e não estão disponíveis aqui. Os títulos são "Amor, amor" e "Olha...".  

O livro do Fucking Mia está sendo preparado com muito carinho, em comemoração aos 10 anos de blog. O novo conteúdo está sendo escrito desde meados da pandemia e a ideia é lançar em breve! ♥

Se você quer ser avisada(o) sobre o lançamento do livro, deixe seu e-mail aqui:


junho 08, 2010

A calma antes de chover

O elevador subia eternamente. Em silêncio. Os olhos dela em mim e os meus nela, invariavelmente, cada uma num canto oposto daquele espaço restrito. Os andares passavam, um a um, e a nossa respiração se intensificava. Sem tirar os olhos uma da outra nem por um segundo. A tensão crescia.
 
Nisso, a Mia se apoiou no espelho e encostou a cabeça levemente para trás, cruzando as pernas naquele vestido desgraçado. Tão curto que eu podia ver uma das flores de cerejeira tatuadas na sua coxa – só o comecinho duma pétala. Das que desciam pelas suas costas até o seu quadril. Cacete. Ela estava maravilhosa ali. Com ares de fim de rolê, sabe, como se tivesse cambaleado para fora do boteco mais decadente da Augusta às seis da manhã, bêbada e tatuada, os braços descobertos e o cabelo levemente bagunçado, jogado meio de qualquer jeito sobre o ombro.
 
O tipo de garota que eu gostava.
 
O meu corpo inteiro pendia na sua direção, com sede, numa vontade de estar logo com ela. E a Mia provocava de volta, numa sacanagem de leve, sem dizer nada. Nós duas sabíamos o que ia acontecer e puta merda, garota, por mim a gente se comia aqui mesmo. Mas aquele jogo silencioso entre nós me empurrava de volta para a parede do elevador. E talvez eu devesse estar mais nervosa, depois de tanto tempo a querendo, mas não estava. Me sentia totalmente presente. Ali. Com ela. Só essa porra de andar que não chega nunca, caralho. Respirei fundo e...
 
De repente, a porta se abriu. Nos despertando daquele estado embriagado de tesão expectativa. Andamos em direção ao seu apartamento e a Mia se agachou em frente à porta, desamarrando o cadarço do coturno para pegar a chave que ela tinha “guardado” presa ali. Achei graça na estratégia e entrei atrás dela na sala. Todas as luzes estavam apagadas. Ela se dirigiu até a cozinha, acendendo apenas uma lâmpada sobre a mesa.
 
_Olha, eu sei q-que... – falou arrastado – ...e-eu não preciso beber mais n-nada... p-por um mês... – fez graça, enquanto abria a geladeira e debruçava-se rapidamente dentro dela – ...mas é q-que tem... cerveja... em a-algum... lugar... p-por aqui.
 
Eu ri, me sentando em cima duma bancada. Logo atrás dela. A Mia fechou a porta da geladeira com o pé, meio desequilibrada, e se virou na minha direção com duas latinhas nas mãos:
 
_Você bebe também, né?
_Manda.
 
Sorri.
 
Ela me entregou uma das latinhas e eu a abri, apoiando os cotovelos nas pernas, ainda sentada na bancada. Ganhávamos tempo. A Mia encostou na pia, me observando. E o clima entre nós voltou. Cacete, como cê é gata. Podia ver ela se mover milimetricamente, com os olhos em mim, intrigada. Colocou as mãos perto de onde eu estava, esbarrando na lateral dos meus joelhos, enquanto eu dava o primeiro gole. Como se o seu corpo confiasse em mim – e nossas peles não pudessem esperar para se encostar de novo. Bebemos a cerveja inteira assim, quietas, nos olhando e sorrindo, entre um gole e outro. Nós duas sabíamos onde aquela tensão toda ia dar – com sorte, é, na cama.
 
Matei o último gole, uns minutos depois, e fiquei em pé no chão. E olha, a minha vontade era de colocar aquela garota contra a primeira parede que visse pela frente. Mas, então, a Mia perguntou se eu não queria “deixar minhas coisas” lá no seu quarto e foi indo em direção ao corredor. Que coisas, Mia?, achei graça, com a carteira e o maço enfiados no bolso de trás da calça e ambas as mãos livres, mas tá. Observei ela caminhar no escuro, descalça e com os coturnos na mão.
 
E a segui.
 
A Mia entrou primeiro no quarto, abrindo a porta e acendendo a luz, caminhando até o armário para guardar as botas. E eu entrei segundos depois, fechando a porta e apagando a luz, de novo, caminhando até onde ela estava. Encostei a mão na sua cintura, deslizando os dedos sobre seu vestido. E pude sentir a sua respiração acelerar no breu. Foi o suficiente para nos prender naquele instante. Aproximei o meu corpo das suas costas e beijei o seu ombro, deliberadamente devagar. Sua pele estremeceu. Senti em cada poro, como se a minha pele arrepiasse junto. E fui subindo a boca. Pelo seu ombro, pela curva do seu pescoço. E pela sua nuca, levantando o seu vestido – despindo-a continuamente até tirá-lo por inteiro.
 
Arranquei a minha regata, em seguida, e encostei nela de novo. A Mia suspirou assim que os meus peitos tocaram as suas costas. Virou instintivamente o rosto e apoiou a cabeça para trás, me beijando. Seus dedos se entrelaçaram no meu cabelo, me segurando. Com uma vontade intencionada. Escorreguei as mãos pela sua cintura e pelas dobras na sua barriga, tocando cada centímetro da sua pele descoberta. Sentindo o seu corpo pesar contra o meu, sua cabeça apoiada no meu ombro. Nossa respiração oscilava. E nuns beijos cada vez mais fortes, num só movimento, desci meus dedos para dentro da sua calcinha, acompanhando suas curvas até o meio molhado das suas pernas. Grosseria, é.

junho 04, 2010

D2

E o que aconteceu
Foi mais ou menos assim:

“Quer subir?”
Ela disse pra mim
“Quer ficar?”
Ela disse pra mim
“Vai com calma, vai”
Ela disse pra mim

Por amor ou besteira
Foi o que ela disse pra mim

Aí já era, né...

(Marcelo D2)

Amassando o resto

Matematicamente falando, não faz o menor sentido. Já não tinha lá muita lógica antes e aí só piorou. Ainda assim, quando sentamos no banco de trás daquele carro ao sair do bar, no mesmo lugar onde mal couberam quatro pessoas na ida fomos capazes de encaixar a mesma quantidade de pernas e...
 
...mais duas mãos dadas.
 
Espremidas entre as nossas pernas, a minha e a da Mia. Consequentemente, espremendo ainda mais o resto dos passageiros naquele pequeno carro. E o mais impressionante é que ninguém reclamou dos centímetros a mais de espaço ocupado. Pelo contrário, nós quatro voltamos mais felizes e animados do que antes no banco de trás. Embriaguez é uma benção. Bastou um pouquinho de ar fresco, assim que pisamos para fora do bar, e todo mundo despertou magicamente. Aí, claro, voltamos o caminho inteiro atazanando o pobre do nosso motorista, o Gabriel.
 
Anestesiados de qualquer tipo de dor ou incômodo, devido a toda tequila, éramos pura encheção de saco. Em alto e bom som. Até a Mia deu uma acordada e, sob o efeito da saideira, também tomou a liberdade de aborrecer o meu querido amigo junto a mim e os seus colegas publicitários. Não me lembro bem qual era a piada – aliás, mal lembro do caminho de volta –, mas envolvia gritos súbitos e a probabilidade séria de um acidente automobilístico caso tivéssemos sucesso em assustar nossa infeliz vítima ao volante.
 
Quando chegamos em frente ao prédio da Mia, estávamos todos rindo mais do que o normal. Menos o Gabriel – que revirava os olhos para nós pelo retrovisor e apressou a descida da Mia do carro. Rabugento, depois de tanta asneira gritada em seu ouvido, sugeriu que nós três também saíssemos junto e aproveitássemos para ir à merda. Aparentemente a nossa má companhia já não era bem-vinda. Mas todo mundo ignorou o seu mau-humor e ficou. Inclusive eu.
 
Não – espera.
 
Não sei se as coisas aconteceram rápido demais ou se foi culpa da bebida, mas quando dei por mim, a Mia já havia me dito “tchau” e o meu amigo impaciente estava prestes a sair de novo com o carro. Merda. As rodas chegaram a soar no asfalto, antes que eu caísse na real e ordenasse desnorteada para ele parar, freando nem um metro depois. O Gabriel soltou o volante e se virou para o banco de trás, com raiva, me fuzilando com os olhos.
 
“Deixa eu sair”, pedi, às pressas. A sua namorada desceu do carro e abaixou o banco, me deixando passar. Desci correndo, com o motor ainda ligado, e fui atrás da Mia na calçada. Ela estava a alguns metros mais para frente.
 
_Ei – enfiei as mãos nos bolsos e a chamei – Não ganho um beijo de despedida, meu?

junho 02, 2010

Bochechas amassadas

_O que cê tá pensando aí?
_Hum... – a Mia respondeu, sonolenta, com o rosto apoiado na mesa – ...n-nada.
_Acho que... – ri – ...eles vão chutar a gente daqui logo menos.
 
A Mia sorriu. Parecia imersa em seus próprios pensamentos, sem realmente prestar atenção na conversa. Seus olhos castanhos me observavam de perto, com aquela lassidão bêbada, como se levassem minutos inteiros para percorrer cada milímetro do meu rosto. E se perdiam por alguns instantes, até reencontrarem por fim os meus olhos.
 
_O que é “desde sempre”?
 
Ela perguntou, de repente.
 
_Desde sempre?!
_É. Você disse... lá fora... que me queria o tempo todo, “desde sempre”.
_Disse?!
 
Indaguei, com o rosto ainda na mesa e embriagada, tentando me lembrar quando tinha dito aquilo. A Mia achou graça.
 
_Disse, sim... – ela riu e a moleza dela começou a me contagiar – O q-que... cê quis dizer?
_Não sei... a-acho que isso mesmo, o que eu disse.
_Mas n... n-não pode ser desde sempre.
_Por que não? – achei graça, sussurrando.
_Porque não faz tanto tempo que...
_Mia, eu... e-eu quis te beijar quando te vi naquele Starbucks – a interrompi, numa sinceridade bêbada, explicando – Quando o Fer te apresentou pra mim pela primeira vez.
_Nossa, nem lembrava do dia que te conheci...
_Obrigada pela parte que me toca, hein?
_Boba... não foi isso que eu quis dizer – ela sorriu – Acho que só... n-não lembro de como foi direito...
_Eu cheguei e cê tava sentada numa poltrona. E eu pensei “puta merda, que mina gata” – ri, numa confissão apaixonada – Eu te achei maravilhosa. E não sei, assim que cê abriu a boca, que começamos a conversar, a gente se deu bem. Cê disse que a Tina Bell era a sua obsessão adolescente...
_Nossa, era!
_E a gente ficou falando disso, dela, da Kathleen Hanna, da Brody Dalle, da Elisa Gargiulo... Essas muié tudo. E eu pensei, “mano, como essa mina não é sapatão?”.
_Gente – a Mia riu – Eu não lembro de nada disso!
_Não?!
_Ah, sei lá, eu lembro do dia, mas não do que a gente falou ou o que eu pensei sobre você. Cê era só a mina que morava com o Fê. E essa história de lésbica não colava muito para mim...
_Como assim? – ri – “Essa história”?!
_Ah, eu achava que era desculpa dele para eu não ficar com ciúmes...
_Mano... – tirei com a cara dela – Como cê é paranoica!
 
A Mia deu um sorriso envergonhado e eu ri, os seus olhos estavam afogados em álcool. Haja tequila. A verdade é que eu lembrava de cada segundo do dia em que a conheci. Podia descrever exatamente o que ela estava usando, a skinny por baixo do coturno surrado, a forma como o cabelo dela cedia sob os óculos escuros na cabeça, os anéis nos dedos, cada vez que olhou na minha direção. Sabia de cor cada palavra do que conversamos – como uma fita que o meu cérebro tocou um milhão de vezes desde então. E, meu deus, como invejei o Fernando naquele dia. Saí do Starbucks com uma sensação estranha, que eu ainda não entendia. E que demorei meses para realmente entender – é.
 
_E qual a primeira lembrança que cê tem de mim, então? – sussurrei.  
_Hum... – a Mia pareceu pensar – ...não sei. A-acho que foi um dia que você me chamou no seu quarto. Que fumamos ouvindo Zappa, cê lembra disso?
_Meu... – eu ri – Foi meses depois da gente se conhecer!
_Tá... Não é a primeeeira coisa que eu me lembro, mas é a primeira memória inteira. Sabe? Acho que foi a primeira vez que a gente passou tanto tempo junta... Antes, sei lá, cê era só a mina descoladinha que morava com o Fê e eu achava esquisito – ela explicou e eu ri, indignada – Mas naquele dia a gente se divertiu muito. E foi do nada, achei que ia ficar lá plantada na sala até o Fê voltar e cê foi tão legal comigo...
_Eu não tava sendo legal, eu queria te beijar... – brinquei.
_Né? – ela riu e bocejou, com os olhos já quase se fechando, como se o sono tivesse batido de repente – É tão fácil ficar perto de você... e-eu, eu gosto quando... a gente fica a-assim... pertinho.
 
Os olhos da Mia se fecharam momentaneamente. Como se cochilasse na mesa, só um tiquinho, depois de uma noite com descansos de menos e tequilas de mais. Eu, por outro lado, sequer piscava – embriagada e apaixonada –, observando-a com o meu rosto ainda deitado na mesa. Podia ficar ali para sempre. É você que eu quero, garota. A Mia tinha um piercing no nariz, uma argola fininha, que agora se amassava contra a sua bochecha. Mais acima, a dobra cobria parcialmente um raiozinho desenhado abaixo do canto do olho, que fiz com uma caneta roubada do bar – em meio a uma conversa sobre tatuagens no rosto, quase uma hora antes.
 
Não queria que aquela noite acabasse.
 
_Hmm... – a Mia abriu os olhos então, por um instante, ainda sonolenta – ...e antes que eu me esqueça: a She-Ra e o He-Man são irmãos, sim.
_O quê?! Claro que não! 
_Não discuta.
_Mas eles... – eu ri, achando graça no retorno inesperado do assunto – ...argh. Tá, que seja. Só não conta pro Gabriel – cochichei – Senão ele vai ficar insuportável.

A resistência

A tiazinha da limpeza já começava a varrer o chão do bar e os atendentes empilhavam os copos molhados no balcão. Mas nós continuávamos lá, resistindo. A Mia tinha a cabeça encostada na mesa, ouvindo a discussão fervorosa – sem sentido – que eu estava tendo com o Gabriel. Os outros nos ignoravam em conversas paralelas, igualmente embriagados. Fim de festa, aquela decadência. As luzes acesas destruindo completamente o clima. E a gente ali, insistindo, abusando da paciência do segurança, que nos olhava feio a cada dez segundos.
 
Virei para trás, puxando um cigarro do maço e implorei para o tal segurança – com os olhos e um gesto torto, mais ou menos compreensível – para que me deixasse acender lá dentro. Ele negou, claro. E eu acendi mesmo assim. Traguei três ou quatro vezes rapidamente, antes que ele atingisse a mesa e ordenasse grosseiramente que eu o apagasse. Droga. Esses seguranças de bar parecem aqueles assassinos em filmes de terror, que andam numa lentidão constante e macabra, mas ainda assim conseguem te pegar. Não importa quanto você corra – eles sempre te alcançam. 
 
Inferno.
 
Afundei a brasa na sola do meu All Star, numa cara de merda, e enfiei o cigarro inacabado de volta no maço. Recomecei então a minha briga com o Gabriel, ignorando o pedido do cara para que pagássemos logo e nos retirássemos do bar. Se eu não posso fumar, vou ficar mais quarenta minutos nessa porra, dei de ombros. Que se foda. A nossa permanência, afinal, era favorável para o estabelecimento. Dada a quantidade absurda de álcool que nós seis consumimos nas horas anteriores, se o bar nos expulsasse antes de pagarmos certamente perderiam metade da arrecadação da noite.
 
_Primos, talvez – continuei, tirando com a cara do Gabriel.
_Que seja. Mas você tem que admitir o parentesco!
_Óbvio que não, mano!
_Tem sim, porra. São irmãos!
_A She-Ra e o He-Man?! – eu o olhei, desconfiada.
_Gêmeos, caralho! Pode ver... O cabelo é igual. Eles lutam igual. O jeito é igual. Até os traços são parecidos!
_O que isso tem a ver, mano?! É o mesmo artista! Só por isso eles são irmãos?! Nessa sua lógica aí, o Mickey é irmão da Minnie...
_Não – revirou os olhos, se irritando – Eu li isso em algum lugar, são mesmo...
_Onde?
_Não sei, meu, não lembro! Na internet!
_Ah, nossa, que fonte confiável... – retruquei, irônica.
_Eles são irmãos, mano... É real. Tô falando!
_Se eles são irmãos, qual é o sobrenome deles?
_Sobrenome?
_É!
_Não tem sobrenome, isso n...
_AÍ, Ó! – interrompi, bêbada, como se aquilo nitidamente demonstrasse que ele estava errado e eu, certa – TÁ VENDO?!
_Cê tá viajando! Nenhum personagem assim tem sobrenome. É desenho de criança!
_Novamente, Mickey... “Mouse” – argumentei.
_Tá. Mas, tipo, o pai deles era um rei e eles foram separados quando eram pequenos, então não tem sobrenome...
_Mano, eu assisti esse desenho minha infância inteira. Cê acha que eu não ia saber duma coisa dessas?!?!
_São, sim! Eles são, tipo, um príncipe e uma princesa... Mas ela foi roubada bebezinha para ser uma discípula do Mal!
_Aham, “Cláudia”, senta lá.
_Ah, mano... – ficou nervoso – Não dá pra discutir com você!
 
Cruzei os braços, achando graça, enquanto um Gabriel trêbado ia reclamar de mim para a namorada. Cambaleando até a mesa ao lado. Olhei então para a Mia, ainda deitada ao meu lado, e encostei a cabeça na mesa – ficando no mesmo nível que ela. Horizontais. Observei, por uns segundos, os seus olhos quase fechando sobre a madeira.
 
_Oi – ela sorriu para mim.
_Oi – eu sorri de volta.