_E aí, meu... tá bonita!
_Mas, m-mas você disse que não vinha! – a Marina sorriu, surpresa
– O que aconteceu?!
Dei-lhe um beijo no rosto, afastando-me em seguida e ela logo
voltou os seus olhos para a Clara, na sua camiseta do Billy Idol e jaqueta larga,
em pé ao meu lado. “Mudei de ideia e resolvemos vir...”, respondi, a encarando.
Ela agia normalmente, ainda que a reconhecesse – eu podia perceber. Sorri então
e as apresentei, como se não soubesse de nada:
_Essa é a Clara, aliás!
_Oi...
_A... a gente se conhece – a Marina tentou disfarçar, virando-se com
certo constrangimento para ela – E aí, tudo bem?
_Tudo. E você?
_Claro.
_Mas... – interrompi-as, com um grande sorriso involuntário no
rosto – ...vocês se conhecem de onde?
A Clara imediatamente me lançou um olhar indignado, me repreendendo,
como se fosse me matar por aquilo. Quê? Atrás
de nós, as garotas seguiam cozinhando o que eu agora confirmara ser mesmo um
molho de tomate bastante cheiroso. Uma travessa de lasanha descansava, crua e
com muitas camadas diferentes, sobre um balcão próximo de nós. Cumprimentei a Jéssica com um gesto
por cima do ombro da minha ex, gesticulando um "parabéns" silencioso
com a boca e sorri.
A Marina fechou os olhos, confusa.
_A, a gen... – ela hesitou, atrapalhada na própria explicação, e
eu me diverti – ...quer dizer...
_Hum?
_É que... a, a ge...
_Ela é amiga da minha melhor amiga – a Clara se adiantou e
respondeu por ela, grossa.
Ah, jura, a olhei
de volta, com um sorriso no canto da boca, não
acaba com a graça.
_É. A, a gente saiu, uns anos atrás.
_Quê?! – me fiz de surpresa, ao ouvir a minha sempre honesta
ex-namorada falar sobre o que eu já tinha descoberto dez minutos antes – Mas vocês
duas, mano?!
_Foi u-uma vez.
_Nossa... Sério?!
_A, a gente... – a Marina se enrolou, de novo – ...só se v-viu...
_Ela já sabe.
Silêncio,
Clara.
_Eu contei assim que te vi – continuou, cortando meu barato – Agora
há pouco, na porta.
_Ah! Claro que você sabe... – a Marina então revirou os olhos para
mim, suspirando aliviada.
_Enfim, bom te ver... – a Clara disse e se virou para mim – ...olha, eu vou
buscar mais vinho, tá?
_Não. Bi, espera...
Droga. Ambas me
deram simultaneamente as costas, cada uma indo para um lado, me ignorando. Por que estragar o momento? A Marina
deixou de lado um pano com o qual limpava as mãos durante a conversa, o
apoiando sobre a pia e indo em direção à geladeira; e a Clara retirou-se novamente
para a sala, fugindo para bem longe da minha inconveniência. Ah. Qual é, gente?! Mantive o meu
espírito esportivo, de bom humor, ainda rindo conforme retomava o assunto.
Corri uns três passos para alcançar a
Marina no outro canto da cozinha, encostando o antebraço no alto da Cônsul antiga da Lê e a encarando.
_Quer dizer, então... – sorri – ...que vocês duas, hum... hein?
_Você tá adorando isto, né. Eu já devia saber... – desviou o olhar
de mim, abrindo a porta da geladeira, revoltada com a forma como as minhas
pupilas brilhavam incontidas – ...é a sua cara mesmo, se divertir com uma coisa
dessas.
_Ah, vai...
_Quieta!
_O quê?! Eu não posso achar nada? Nem um pouco... – ri – ...interessante?!
_Não. Você tá imaginando nós duas na cama, que eu sei. E isso é
ridículo!
_Olha, não tava... – achei graça – ...mas agora que você disse.
_É. “Agora”, né.
Fechou a porta da geladeira com uma peça pequena de parmesão nas mãos,
se voltando para a mesa bagunçada ali ao lado. A Paula tinha uma faca em mãos, ao
nosso lado, picando framboesas para o que parecia ser uma possível calda,
cortando-as na mesa e enchendo uma panela. Hum,
vai ter sobremesa então. A Marina se acomodou logo ao seu lado, colocando o
queijo entre os ingredientes do molho. Eu ainda me divertia com a situação.
_Mas, e aí? – insisti, a perseguindo pela cozinha – O que
aconteceu entre vocês?!
_Nada. Você já sabe o que aconteceu...
_Tá, mas...
_”Mas” nada, chega!
_Mas eu quero saber o quê, como, a sua opinião. Sei lá!
_Eu não vou dizer a minha opinião, foi anos atrás. E meu, que
diferença faz agora? Você gosta dela, cara, eu não vou ficar aqui falando da
menina.
_Gosto. Gosto mesmo.
_Então, pronto!
A Marina virou o rosto, como se encerrasse o assunto com aquela frase.
Tá, tá. Não tá mais aqui quem falou,
ergui as mãos e me abstive de qualquer outro comentário, ainda rindo. Achava
graça em como a Marina apertava os olhos toda vez que estava irritada, o fazia
com frequência na minha direção. Que
drama, viu. Tentou se concentrar então em ralar o parmesão dentro de um
pote. As raspas caíam finas e delicadas, com leves curvas nas pontas, umas
sobre as outras.
Bati os meus dedos sutilmente na superfície de madeira. E foi
quando, do nada, dois segundos da minha conversa com a Clara voltaram, frescos,
à minha memória. Mas o quê...?, apoiei
a palma da mão sobre a mesa, confusa.
_Na verdade, e... – o meu cérebro só então processou a lembrança e
eu murmurei, atordoada – ...eu acho que, q-que eu... d-disse alguma... coisa.
Merda. Já volto!