“I wanna be forgotten and I don't wanna be reminded
You say, "please, don't make this
harder"
No, I won’t yet"
(The Strokes)
_CLARA?! – meu coração disparou – CLARA, NÃO DESLIGA! POR FAVOR, NÃO
DESLIGA!!
_Por quê, meu? – a sua respiração parecia pesada – Por que cê acha
que eu devia falar com você?
_Porque cê já tá falando, vai, por favor. Só me escuta! – implorei,
com o telefone num dos ouvidos e a mão no outro, tentando abafar o som externo –
Essa semana foi um lixo, Bi, um inferno! Eu não consigo parar de pensar em
você!! LINDA, POR FAVOR! A gente tem que conversar! – choraminguei – S-só, sabe,
só sentar em algum lugar e conversar, me dá outra chance! Me deixa explicar,
eu... e-eu fiz merda, porra! Eu tô desesperada!! Só a ideia de te perder,
meu... – minha boca atropelava as palavras, embriagada, e as lágrimas começaram
a se formar nos meus olhos, me fazendo perder todo o controle das minhas
emoções – ...e-eu não posso te perder, não posso. Eu te amo. Eu te amo tanto!!
_Você não superou aquela garota. Você sabe que não... – murmurou,
magoada – Então por que você me liga? Hein?! Por que cê tem que me fazer passar
por isso?!
_Me dá uma chance, só me deixa t...
_Meu... – ela me cortou – ...cê não entende. NÃO FAZ DIFERENÇA!
Você, v-você perdeu o respeito por mim. Você nunca se importou...
_NÃO! NÃO!! NÃO É VERDADE!!!
_...você não deu a mínima para como eu ia me sentir, você só, s-só
faz o que faz. E eu não sou saco de pancada para esse seu jeito errado, essa
sua forma torta de fazer as coisas. Você não leva NINGUÉM em consideração, nada,
porra, só as suas vontades... – ela parecia chorar do outro lado e as lágrimas
desataram, incontidas, pelo meu rosto – ...você precisa crescer. Eu não posso tá
com alguém como você. V-você sabia, inferno, sabia que as coisas tinham mudado
para nós. Que eu tinha mudado, que eu te queria. E você, v-você vai e atropela
tudo. Tudo! Você magoa todo mundo, porra, magoa a si mesma. VOCÊ ME MAGOOU! VOCÊ
ENTENDE ISSO? VOCÊ ME MAGOOU DO PIOR JEITO POSSÍVEL, CARALHO!
_Clara, nã... – solucei, destruída, sem conseguir reagir.
_Olha, eu posso ter te amado... – concluiu, com rancor – ...mas você
vai ver o quão rápido eu te esqueço.
_Por favor, não faz isso, nã...
Escutei-a chorar, enquanto eu implorava, segundos antes de ouvir o
telefone desligar.
Não. Entrei
em desespero. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não.
Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não.
Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Me senti impotente. Sem saída. Não.
Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Todas as minhas ligações seguintes
caíram na sua caixa postal. E eu perdi o controle. Esmurrei a cabine, gritando,
com raiva. As lágrimas me rasgavam. As
dela, mais do que as minhas. Quis destruir tudo, completamente fora
de mim. Se algum resquício de sanidade ainda me restava, àquela altura já não sabia.
Desatei. Sem qualquer noção.
Uma das funcionárias do banheiro começou a me chamar do outro lado
da porta, alarmada, me mandando sair imediatamente. “FODA-SE! FODA-SE!”, eu
chutava a porta de volta, aos berros. Aí ela ameaçou chamar a segurança. E eu sequer
enxuguei o rosto. Saí. Furiosa. Deixando a porta escancarada para trás. Aí entrei
na pista, absolutamente descontrolada.
_O que tá acontecendo? – o Fer tentou me segurar, ao trombar
comigo no galpão – Você tá chorando??? O QUE ACONTECEU?!?!?!
_CADÊ A MERDA DA GAROTA??
_Que garota? – ele perguntou, confuso, e eu tentei me soltar dele,
irritada, ainda chorando; a Mia me olhava assustada, ao seu lado, com todos os
meus amigos em volta – QUE GAROTA?!? O QUE ACONTECEU??! FALA COMIGO, PORRA!!
_A MERDA DA MINA! A MINA QUE VOCÊS QUERIAM QUE EU PEGASSE, CADÊ A
DROGA DA... DA MINA?!
_SEI LÁ ONDE TÁ A MINA, CARALHO! FALA COMIGO!! – ele me segurou forte,
tentando me forçar, aos trancos, para fora do surto – QUE PORRA ACONTECEU?!?! CÊ
FALOU COM A CLARA?? VOCÊ LIGOU PARA ELA?!?! O QUE ACONTECEU?!??
_ME SOLTA!! – eu chorava, embriagada, gritando – EU QU... Q-QUERO...
Eu queria achar a garota. Qualquer garota. Queria consumir cada
milímetro de uma porra duma estranha. Comer alguém em plena pista. Expor a
minha falta absoluta de escrúpulos para o mundo. Na frente dos meus amigos, da
Mia. Queria magoar os outros, me destruir. Arrebentar a pior parte de mim, acabar
com todos os caminhos até o meu coração. Queria aniquilar tudo, meus
sentimentos, o que passasse pela minha frente. A garota, a Mia, aquela festa,
tudo. Todas aquelas pessoas idiotas, alheias à dor no meu coração. Estourar cada
veia no meu corpo até estar vazia. Completamente alcoolizada.
E comecei então a descontar em mim, no meu fígado. Fui gastando até
o que não tinha em doses imprudentes, tão logo me soltei dos braços do Fernando.
A Thaís tentou me segurar, aí a Lê, o Gui, eu não me importava. Fodia com tudo.
E de certa forma, funcionava. A bebida me acalmou – mas perdi todos os outros
sentidos. Anestesiada e delirante. Duas ou três horas depois e eu dançava em
meio à multidão da outra pista, a de trás, absolutamente alucinada. Sem noção
das horas ou de onde estava.
A minha consciência parecia apagar por intervalos inteiros de
tempo. Por mais de meia hora, às vezes, para então ressurgir enquanto eu vomitava
em pé ao lado das caixas de som. Aí voltava para a pista. Caía no banheiro. Não
lembrava de rostos, nem de conversas. Discuti algo com o Fer, em algum momento.
E a Mia apareceu – ou já tava lá? –,
pouco depois dele sair de perto, irritado. Eu cambaleava e trombava nas
pessoas, ela ficou ao meu lado. E tentou me segurar, colocando o braço ao redor
do meu corpo, pedindo para que eu fosse junto com eles.
Eu fechava os olhos e me mexia desenfreada, fora de mim, dançando
– e quase a derrubando junto. A Mia riu e disse, com carinho, que eu devia ir. “Vem
tomar um ar comigo, com todo mundo”, repetiu algumas vezes, “vamos lá pra fora,
vem”. Mas eu não ia. Você..., eu a
observei, sem conseguir perceber direito os arredores, ...tá...tão bonita. Eu gosto tanto..., pensei, ...de
você. E não disse nada. Não sei o que aconteceu então. Em algum momento,
acho que virei as costas e simplesmente me enfiei na multidão, sumindo da sua
vista e me afastando. Era tudo um borrão. Só retomei a consciência algumas
horas depois.
Já amanhecia quando me dei por mim ao lado do Gui, fumando perto da
piscina – como vim parar aqui? O Du
estava junto a ele. Comecei a falar e os dois então me convenceram a pagar e ir
embora. O Fer, a Mia e o Benatti já estavam do lado de fora. Havia outros
amigos meus também, mas a maioria parecia ter ido para casa. Nenhum sinal da Lê
ou da Thaís. Quando me viu sair na calçada, descabelada e bêbada, o Fer
caminhou até onde estávamos e me falou algo, me deu uma bronca. Não me lembro
bem. Não discuti de volta, só ouvi, meio fora de órbita.
Ele e o Du trocaram algumas palavras também – deve ter mandado que
me levasse direto pro apartamento e que cuidasse de mim. Tive a impressão de
que era isso. Me deu o seu casaco, antes de voltar para perto dos outros. E a Mia
estava lá. Ao lado deles, me olhava à distância e sorriu, eu a observei. E aí, e
aí eu, e-eu não sei. Tive
um sentimento estranho, como se tivesse que ter dito alguma coisa naquela hora
– mas não disse nada. Tinha sido uma idiota com ela mais cedo. Estava a metros da
Mia, esperando junto ao Du e ao Gui até uma outra garota chegar. Aquela
estranheza ficou entalada, o sentimento que tive.
O nosso carro iria duas vezes mais cheio do que na vinda. A Mia e
o Fer foram noutro, junto com o Benatti.
O amigo do Du tinha um Gol branco, entrei cambaleando. Me sentia tonta.
Completamente fora de mim. Me espremeram contra a porta ao final do banco,
diretamente atrás do motorista. Me dava certa noção de segurança por estar
voltando para casa, mas a luminosidade do sábado de manhã ardia nos meus olhos.
Peguei então o celular e digitei torto para a Mia – “me necotra noapto??1”. E então desmaiei. Até acordar, lá pela
metade do caminho, com um dos amigos do Gui vomitando pela janela. A garota ao
meu lado falava sem parar, uma ruiva que parecia hétero, com uma voz
estridente. Ou talvez fosse toda a bebida dentro de mim. O meu estômago estava
embrulhado, minha cabeça começava a doer.
Argh.