O televisor gritava silenciosamente um azul brilhante – a luz
invadia o quarto escuro de um jeito grosseiro, indicando o término do DVD e
demandando alguma atitude nossa. E nós ignorávamos, é claro. De olhos
fechados, para lá e para cá, nuns beijos sem fim, dançando pelo chão e rindo,
fingindo não nos dar conta.
Tudo com a Mia era meio verde, mas de um jeito bom.
"Bom" porque eu gostava... dos beijos escondidos, do que
era só nosso, do que ninguém podia ver – na casa dos pais dela ou na minha. As
segundas intenções subentendidas, a antecipação e aquela demora constante para
cruzar a linha. A verdade é que eu já estava desacostumada. A cena lésbica
paulistana podia ser uma baixaria. E não me entendam mal – eu sempre gostei de baixaria.
A maioria dos meus encontros terminava na cama não por pressa, mas por
facilidade. Afinal, os vinte e poucos anos vinham com certas liberdades das
quais muitas de nós não pudemos desfrutar morando com pais que desaprovavam nossa
sexualidade. Ter meu próprio canto foi uma emancipação dos amassos em boteco e
banheiros de balada. E àquela altura na minha vida, eu já mal lembrava qual era
o sentido de esperar para tirar as calças.
Mas com a Mia eu gostava.
Podia ficar horas ali, rolando com ela naquele tapete. E com o
tempo, seu jeito ia se moldando em mim. O meu no dela, também. A percebia cada
vez mais confortável comigo – com a ideia de estar nos meus braços. Os seus
quadris começavam a se soltar mais sob a minha mão, a se desprender de qualquer
hesitação – seja por sobriedade ou pelos nossos contextos. Cada beijo nos
desligava mais do resto do mundo, nossas peles iam se encaixando. E aos poucos,
a Mia vinha. Vinha mais, sabe, mais
perto. Mais do que nas outras vezes. E vinha mais certo, também, mais como
deveria ir. Eu também ia, aprendendo mais sobre ela a cada segundo. A cada
milímetro que meus dedos percorriam, minha boca a descobrindo.
De um jeito ou de outro, a facilidade das noites paulistanas me roubava
isso. Essa percepção mútua da outra pessoa, essa sintonia construída aos poucos
– em que seu corpo começa a antecipar o próximo movimento, os sons, as vontades.
Nos conhecendo tão bem. O ritmo me forçava a me envolver, a estar presente. Em longas,
deliciosas horas desse chove-não-molha que me tiravam do sério. Caralho. E quando quase choveu naquele
tapete – claro – a Mia foi lá e cortou a água. Secou a fonte. Filha-da-mãe. Quase não acreditei quando
ela parou tudo e se levantou.
_O que cê tá fazendo? – me contorci no tapete, já com saudade –
Volta aquiiii...
_Vou desligar essa luz, meu, tá muito forte – a Mia caminhou até a televisão e a apagou – Fica gastando energia.
Ah, nem
imagina a energia que tamo gastando, achei
graça. E o pior é que eu gostava. Gostava de
sofrer assim. De gastar tudo o que tinha para dar e um pouco mais. Fiquei deitada
no chão, olhando-a de volta. A Mia veio na minha direção, com ares despreocupados,
como se tivéssemos a tarde toda – os seus pais só iam voltar depois das dez da
noite e, até lá, tínhamos a casa inteira só para nós.
_Ah! Posso pôr o CD? – se lembrou
de repente.
_Claro... – eu sorri, me esticando para alcançá-lo a alguns centímetros de mim, jogado no tapete – Deixa eu pegar, pera aí...
_Hum. E você vai me contar o que é?
_Põe e escuta, ué...
_Que misteriosa você... – zombou.
_Não é mistério, besta. Tem um bilhete dentro explicando!
A Mia fez uma careta, desaprovando a minha resposta, e pegou a
capa das minhas mãos. Tirou então o disco, mas sem abrir o papel que estava
dobrado ali dentro. E colocou para tocar no rádio da sala. O som começou a
sair, alto, das caixas do estéreo.
"You are the girl that I've been dreaming of
Ever since I was a little girl..." ♫
_Vou desligar essa luz, meu, tá muito forte – a Mia caminhou até a televisão e a apagou – Fica gastando energia.
_Claro... – eu sorri, me esticando para alcançá-lo a alguns centímetros de mim, jogado no tapete – Deixa eu pegar, pera aí...
_Hum. E você vai me contar o que é?
_Põe e escuta, ué...
_Que misteriosa você... – zombou.
_Não é mistério, besta. Tem um bilhete dentro explicando!
"You are the girl that I've been dreaming of
Ever since I was a little girl..." ♫
19 comentários:
Own, que lindo! Posta mais, Mel. Vai ser meu presente de aniversário. ):
black kids!
oooown que delicinha! até coloquei a música pra ouvir enquanto lia =)
elas estão tão in love, so cute sz'
Uiiii..
Esses teus post me faz lembrar da epoca em que comecei a namorar!!
Tudo tãoo adolescentee!!
Liindoo! *__*
Salvou a tarde!!
A Mel faz jogo duro com os posts também! Deixa a gente com o gostinho de quero mais.
Posts como esse me lembram (ainda que nem fosse preciso) porque comecei a gostar do blog em primeiro lugar...
Ainda mais agora que me sinto bem mais próximo dele, né? ;)
Super beijos, Mel e Noelly!!!
poutzz fala serioo...q isso gnt! :O
situacoes insolitass `666
Adoro a Kate Nash cantando o I`m gonna teach your boyfriend how to dance with you ;D
tkxxx
Um dos melhores que já li! Parabéns Mel *-*
Perfeito, um dos meus favoritos!
OOOOOOOOWN! Que lindas elas assim. Maaaaaaaaaaaaaaaaais, pf.
Aii Perfect!!
Estão super se curtindo ne...lindo!
=*****
Nossa, Mel... Você anda tirando o meu fôlego em seus posts .-. O momento entre elas está rolando tão gostoso... Me dói até pensar que isso vai mudar mais cedo ou mais tarde u.ú Mas vai, prolongue um pouquinho mais essa tarde :( está tão booom! .-.
Jesus apaga a luz, amoooooooooooooo...
Cada post fico mais apaixonada pelo conto...
Continue, please.
Ed - João Pessoa-PB.
flavinha_ems@hotmail.com
Twitter: @Edflavia_ems
Um dos meus favoritos com certeza! Adorei! E essa música fica bem melhor com a Kate Nash cantando..
Posta looooogo :(
Você consegue me prender de alguma forma.
e isso é meio excessão.. (medo)
AUHSUHAUHSAUHSUHAUSHA
posta? *-*
cada dia melhor. é tudo o que tenho a dizer.
meel parabens pelo blog, serio. eu leio desde 2009 e a cada dia que passa eu fico mais viciada. é mto boom . e posta logooo vai . bju
Mia com preguiça de ler a carta de explicação, comofaz?! ¬¬
Amo seu texto. Mas quando vc investe na dose de romantismo (embora as sacanagens tb seja ótimas), vc atinge outro patamar. Porque é romântico sem ser clichê. Porque acompanhamos esse tatear no escuro da Devassa sobre seus sentimentos e sobre a Mia.
Tá muito lindo, Mel.
Vc é demais!
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