_Mas espera, quantos anos cê tem mesmo?
_23 – respondi.
_Ai, como você é ridícula... aí falando que “na sua época”, mano, se
toca!
_Quê?!
_São três a mais que eu. Três! E daqui uns meses, só dois...
Tá bom,
gata, quando chegar em dois a gente dá uns beijos pra comemorar.
_Que foi? – indagou, como se eu risse dela.
_Nada, deixa pra lá...
A Mia continuou me olhando, insatisfeita com a resposta. Uns
minutos antes, a conversa tinha ido parar nas tranqueiras que comíamos na
infância e eu a provocava deliberadamente, falando dos comerciais que passavam
na TV como se ela não tivesse idade para ter visto nenhum deles. Agora ela me
encarava, contrariada.
_Cê acha que eu nasci nos anos 2000, né? Eu sou de 89!
_Desculpa aê, gente grande, mas semana passada você me perguntou que
música era a...
_EU JÁ DISSE QUE CONHECIA, SÓ NÃO SABIA O NOME!
_Era Blondie. BLONDIE! Quem não conhece Blondie?
_Eu
conheço Blondie. Eu
só não sab...
_É a coisa mais pop dos anos 80! – interrompi, rindo.
_Não é a coisa mais pop dos anos 80...
_É a coisa mais pop que
eu
ouço dos anos 80.
A Mia revirou os olhos, achando graça na minha atitude.
_Você deve me achar uma pirralha...
_Acho – respondi e levantei da mesa, rindo.
_Babaca.
Caminhei até a pia e abri a torneira, jogando água sobre o prato.
Olhei por cima do meu ombro e vi a Mia ainda sentada em cima da mesa, indignada,
me encarando de volta. Achei graça.
_Olha... – pisquei na sua direção, a provocando – Mas até que eu
gosto dumas novinhas assim, que nem você.
“Cala a boca! Novinha o caralho!”, ela protestou, rindo. Terminei
de lavar o prato e sequei a mão na lateral das coxas – meio na minha camiseta,
meio molhando as minhas pernas. Então agachei para pegar o filtro de café sob a
pia e me levantei, em seguida, procurando qualquer coisa limpa no escorredor
onde eu pudesse ferver água. A Mia me observava, em toda a minha caminhoneirice,
a uns metros dali.
_Ô. É bonita essa sua cuequinha aí, hein... – comentou.
Olhei para baixo para lembrar o que estava vestindo e aí balancei
a cabeça, rindo.
_É assim? Um xaveco meu e você já é sapatão?
_Ah, nossa,
aquilo foi
um xaveco?!
_Poderia ser...
E ela revirou os olhos mais uma vez, negando com a cabeça.
_Triste, hein?!
Essa é a
sua melhor cantada?
Não, a respondi em pensamento. E a Mia pulou em
pé no chão, pegando o meu maço sobre a mesa. A observei, conforme ela acendia um
cigarro do outro lado da cozinha. Ao fundo, ainda podia ouvir a TV ligada na
sala. Ela fechou os olhos por um instante, dando a primeira tragada, e depois
os reabriu, me olhando de volta por trás da fumaça. Assim – encostada na parede
de ladrilho, quase me desafiando. E o clima mudou. Apoiada contra a pia,
observei as suas pernas naquele vestido, numa vontade desgraçada de entrar ali.
A Mia me encarava de volta. E o silêncio parecia transformar toda estática do
ar em tensão entre nós.
Por um segundo, senti uma abertura.
Por uma porra de
segundo. Então desencostei da pia e andei na sua direção, apoiando a mão
por cima do seu ombro, até chegar bem perto, quase a prendendo contra a parede.
Os seus olhos se fixaram nos meus. E de repente, já não parecia mais tão
brincadeira assim. Eu estava confortável, a encarava de volta – mas podia
sentir a sua respiração ficando mais intensa.
Que vontade de te dar um
beijo, garota. Puta merda. O meu
corpo estava quase encostando no seu. Podia sentir o ar sair do seu
peito, inquieto, até a sua boca entreaberta. Ali, atenta a cada movimento meu.
_O dia que eu der em cima de você, Mia – falei baixinho para ela –
Você vai saber.
Ela não se moveu, nem um milímetro mais.
Não piscou, sequer respirou.
Céus, tô dando
em cima da namorada do meu melhor amigo. Qual é meu problema?, achei
certa graça. E meio sem jeito, após intermináveis segundos de silêncio, a Mia
forçou um sorriso.
Passei a mão na sua cabeça,
bagunçando propositalmente o seu cabelo, como se indicasse que estava só
brincando. Não estava.
Mas, né – que opção eu tenho?
_Ei, quer ver TV? – mudei rapidamente de assunto e dei uns passos
até a porta da cozinha, como se nada estivesse acontecendo.
_Não, e-eu... – ela murmurou, um tanto confusa – ...acho q-que,
que vou para o quarto esperar o... o Fê chegar.
Não me virei para ouvir a sua resposta, apenas
continuei até a sala e religuei a TV. Instantes depois, a Mia passou pelo
corredor atrás de mim e entrou no banheiro, fechando a porta.
Merda. Deitei no sofá e passei a mão no
rosto, me forçando a cair na real.
Merda.
Merda. Merda. Decidi ignorar minha vontade de desaparecer e afundei o corpo
numa almofada. Olhei para a televisão e ela continuava na droga da TV Jockey.
Inferno.
Me arrependi de ter
feito falado sonhado insinuado
qualquer coisa para a Mia.
Agora ela estava lá, trancada no banheiro, pensando sabe-se-lá o
quê de mim.
Argh. Preciso me
controlar, repeti para mim mesma, me sentindo uma idiota.
Olha o que você tá fazendo, porra.
Isso vai dar ruim. Muito ruim. Olhei
novamente para a TV e as malditas corridas de cavalo continuavam lá. Aquilo me
irritou profundamente e, num impulso, eu desliguei a televisão.
Preciso sair daqui. Subitamente
impaciente. Coloquei a calça que estava largada no chão, peguei dinheiro, o
iPod, o maço e fui para rua. Puta comigo mesma.