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dezembro 28, 2010

Responsabilidade

_Eita – tomei um susto – Que cê tá fazendo acordado?!
 
Parei ali, em pé no final do corredor e enrolada no meu cobertor, dando de cara com o Fer na sala. Não eram nem cinco da manhã – tinha ido dormir tão cedo que acabei caindo da cama horas antes do meu horário normal. E lá estava ele, com uma camiseta qualquer de ficar em casa e um moletom, fumando um no sofá com a TV ligada na MTV, como quem não tinha pregado o olho a madrugada toda.
 
_Não consigo dormir – murmurou, colocando o baseado na boca e abaixando o som da TV com o controle – Te acordei?!
_Não. Capotei antes até de jantar ontem... – ri e sentei ao seu lado no sofá – Cê tá bem?
_Ah... – soltou a fumaça espessa pro lado, cansado – Tô. Não sei.
_Aconteceu alguma coisa?
_Não. É a mesma merda... – esfregou a mão no rosto e tragou mais uma vez – ...não consigo falar com a Mia, meu.
_Como assim?
_Ah, ela não me atende, não fala porra nenhuma, não sei mais o que fazer...
_Mas cê não foi lá domingo?
_Fui! – se frustrou – Ela nem desceu, mano. Disse que não queria me ver, que tava doente. Aí não me respondeu hoje o dia todo. Meu, tá foda... – balançou a cabeça – ...não achei que ia durar tanto assim. A, a gente já brigou outras vezes, mas por um dia ou nem isso. Nunca desse jeito.
_Ela só precisa de um tempo, vai ficar tudo b...
_Vai?! Não sei – me interrompeu e levou o baseado de novo até a boca – Não sei mesmo. Tenho medo dela não me perdoar, meu...
_Às vezes vocês só pr...
_Não... – lamentou – ...eu fodi as coisas, mano. Fodi mesmo.
 
Abaixou a cabeça, respirando fundo. Tinha aquele ar pesado de quem já estava imerso na bad há horas demais para conseguir sequer distinguir a realidade das paranoias que a sua cabeça cria. Merda. E lá estava eu, nem cinco da manhã ainda, sentada em mais um sofá, consolando mais um amigo – só que, ao contrário da briga da Marina com a Bia, agora a culpa era realmente minha. Inferno, tudo parecia estar desmoronando ao meu redor.
 
Conversamos por algum tempo e, conforme o relógio se aproximava das sete da manhã, eu tentava convencê-lo a não ir trabalhar para poder descansar. “Diz que tá doente”, sugeri, enquanto fazia café para nós dois na cozinha. “Não, velho, vou fazer o quê o dia todo aqui?”, resmungou, “se ficar à toa aí é que vou ficar fritando o cérebro nessa merda mesmo, é pior”. “Cê tem que dormir, Fer”. “Num dá, meu. Não é tão simples assim, não posso dar mancada no trabalho”, insistiu.
 
Então o assisti arrastar os pés até o quarto para se trocar. Tudo o que tinha de porralouca nos finais de semana e madrugadas, meu amigo tinha de responsável durante o dia. Mas, agora, me embrulhava o estômago vê-lo sair pela porta sem ter dormido uma porra de segundo – porque não era um pequeno preço a se pagar por toda a diversão inconsequente do dia anterior, desta vez estava mais para castigo duplo. E eu me sentia terrivelmente responsável. 

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