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dezembro 30, 2011

"Here I go...

“...and I don’t know why”.
(Patti Smith)
 
Saí do banho com certa folga ainda pras dez e meia – o filme só começava lá pelas onze e tantas da noite. Caminhei de um lado ao outro do quarto, indecisa quanto ao que usar, só de cueca e com o cabelo ainda molhado. Sem decidir nada, voltei seminua para o banheiro para secá-lo. Olhei para a porta fechada do quarto do Fer – ele e a Mia já estavam trancados ali há algum tempo.
 
Liguei o secador e, no meio do barulho e daquele ar quente todo, ouvi chegar uma mensagem no meu celular. O telefone estava largado na pia. Entre os fios bagunçados no meu rosto, abaixei para ler – “oi, ñ sei se seu numero eh o msm. qria ter falado mais com vc hj. foi estranho te ver, fiquei pensando nisso dps... mas enfim, ñ vou falar por aqui. Hj vou com um amigo ai perto, na hot hot. tô indo pra lá daqui a pouco. Se ñ for fazer nd, te devo uma? Bjs, clara”.
 
Fiquei parada por um instante, sem reação. Precisava de algum tempo para processar – direito – todos os acontecimentos daquele dia. Li mais uma vez, em silêncio, e coloquei o telefone de volta na pia, em seguida. Sem responder.
 
De algum jeito, as suas palavras me inquietavam. Me sentia cutucada – só não tinha certeza em que sentido. Não vou fazer isso, pensei. Não ia revirar aquilo dentro de mim, não ia me desgastar respondendo. Liguei de novo o secador, tentando não me distrair do meu objetivo ali, que era só secar o cabelo e voltar para a porra do quarto. Observei os meus olhos no espelho, meio que por inércia, enquanto o ar passava pelos fios sobre a minha cabeça. A inquietude, contudo, continuava lá. Em algum lugar. Baguncei o cabelo para um lado, mexendo-o sob o ar quente. Pouco tempo depois, não o suficiente para já estar seco, baguncei pro outro lado. E então ao oposto, o mesmo de antes, mais uma vez. E aí virei de novo – merda.
 
Senti a ansiedade crescer.
 
Dane-se. Joguei todo o cabelo para a frente, abaixando a cabeça e ignorando o sentimento. Comecei pela nuca, aí desci para a franja e a lateral esquerda, a diagonal da frente. A de trás. A direita. A outra diagonal. A mesma de antes. Voltei à nuca. O lado esquerdo. A franja. Não importava quanto bagunçava meu cabelo, não secava. Deixei o ar correr em cima dos fios por um tempo, depois joguei-os para trás e tornei a secá-los normalmente, mas não ia direito. Parecia que eu estava ali há horas – e provavelmente, tinha ficado menos de 5 minutos. Droga.
 
Peguei o celular e li mais uma vez a mensagem. Apoiei ambos os antebraços na borda da pia, segurando o telefone em mãos e olhando para a tempestade em copo d’água que eu, de repente, estava fazendo com o ressurgimento da Clara. E com o ciúme da Mia na sala. Considerei responder, mas – o que diabos vou dizer? “Já tenho planos”? Por algum motivo besta, eu não conseguia dispensá-la. Passei a mão na nuca, encarando o teto e respirando fundo, me livrando mentalmente daquela situação ridícula. Engoli todas as minhas idiotices e devolvi o telefone à pia, pegando novamente o secador e ligando-o na última potência.
 
Fechei os olhos e dei início à maior barulheira contínua, bagunçando os fios de um lado para o outro com as mãos, abrutalhada. E sem pensar em porra nenhuma. 1... 2... 3... 19... 20... Chega. Larguei o secador sobre a pia do banheiro, dum jeito grosseiro. E apoiei ambas as mãos na superfície fria, irritada. Respirei fundo. Isso não está certo, briguei comigo mesma, não com a Patti. Me forçaria àquilo agora – a ir na porcaria do cinema e foda-se a merda da Clara.
 
Retornei ao quarto, determinada. Vesti a primeira regata branca que vi, uma dessas que ficam soltas ao redor do corpo, tão larga que era quase indecente. E enfiei as pernas numa calça jeans. Peguei o meu maço e isqueiro, pronta para sair. É. Sentia como se não pudesse parar um segundo ou faria, de certo, alguma merda muito grande.
 
Saí do quarto e fui para a sala atrás da minha carteira. O Fer estava na cozinha agora, de samba-canção e descalço. Caminhou até a porta do corredor, apoiando-se de lado na parede e me olhando, enquanto comia um lanche improvisado. Achei a carteira. Peguei-a, esmagada no vão do sofá, provavelmente ali desde que voltei do estúdio de tatuagem. Separei apenas o documento e o dinheiro, colocando-os no bolso junto ao maço e largando a carteira de volta no sofá.
 
_Humm... – o Fer disse, então, me olhando de cima a baixo – ...bom encontro com a namoradinha, hein?!
 
Revirei os olhos, sem lhe dar ouvidos. Ela não é minha nam..., interrompi o pensamento antes que a frase saísse pela minha boca, argh. Deixa pra lá. Me movi em direção à porta, sem intenção alguma de desacelerar, e apanhei a chave na saída. Andei pelo corredor em linha reta, chamei e o elevador chegou. Já no térreo, atravessei a entrada do prédio e desci para a rua. O shopping Center 3 era a uns dez minutos andando, já quase na Paulista. Acendi um cigarro e comecei a caminhar. No entanto, agora, no escuro e perigosamente sozinha, sentia-me estranha. Com um sentimento conhecido no estômago.
 
Merda.
 
Segui em frente, ignorando. Passei pela banca, pelos outros prédios. E atravessei a primeira rua, a segunda. Aí passei a Peixoto, o bar da Aloka. Os jovens bêbados circulavam pela calçada da Frei, escandalosos; podia ouvi-los conversar aos gritos. Caminhei os últimos quarteirões olhando os meus tênis contra o cimento, tentando me distrair, e quando já estava quase lá, encarei o escuro à minha frente por um descuido. E então parei. Inferno. Me virei, a cinco metros de um ponto de táxi, tomada por uma curiosidade masoquista que não deveria estar ali. A última coisa que eu queria era provar o Fer certo em toda a sua análise psicológica barata de mim mesma. Olhei no celular e já eram onze horas, droga. Hesitei ao encostar na porta, querendo voltar ao mesmo lado que estava indo – porra. O motorista me encarava confuso, do lado de dentro de um Palio, com a luz acesa. Entrei.
 
_Sabe onde é a Hot Hot, amigo?
_Lá na Santo Antônio, não?
_É... – afundei contra o encosto do táxi num suspiro desgraçado, já me odiando.

dezembro 28, 2011

Irredutível

_Mas e aí, afinal, o que rolou hoje?
 
O Fer perguntou, ao meu lado no sofá.
 
_Não, nada. A gente só... – desdenhei – ...se cumprimentou na rua e eu, sei lá... disse que tinha ido tatuar lá perto e tal, mas não rolou nada.
_E cê ficou de boa?
_Ah, fiquei... não sei. Foi meio estranho. Num esperava encontrar ela, manja? – bebi mais um pouco da cerveja – Sei lá, acho que me pegou meio de surpresa, fazia tempo que eu não pensava nela...
_Hum, sei...
_E e-ela... – passei a mão no rosto, afundada entre as almofadas – ...ela tava... bonita, meu.
_Ihhh... – o Fer começou rir.
 
A Mia subiu novamente os olhos para mim, com desgosto.
 
_Quê?!
_Vai começar já...
_Vai começar o quê, meu?! – me indignei.
_Você aí... – o Fer fez graça, acendendo um cigarro – ...já vai lá se interessar pela menina de novo.
_Não vou nada...
_Ah, vai, sim. É a sua cara fazer isso, mano... É só cê tomar um fora que cê fica obcecada pela garota – tragou, soltando a fumaça logo em seguida, e a Mia ficou nos observando – Essa Clara aí mesmo, meu! Quanto tempo cê ficou com ela antes?! E depois tava lá, toda mal, sofrendo. Puta bad e vocês nem tinham namorado...
_E daí?! Num posso achar ruim?? – resmunguei, irritada com ele – Eu gostava dela, porra! Cê nunca sentiu nada assim por ninguém que saiu só umas vezes? – revirei os olhos – Ah, vá Fernando!
_Não. Não é isso, é você que não resiste a um pé na bunda! – riu – Se for trocada por outra, então... Nossa! Aí você entra em surto até conseguir a mina de volta... Faça sol, faça chuva, que se dane, cê dá um jeito!
_Cala boca, mano. Nada a ver! – me revoltei – E eu não vou sair com ela, tá, não é nada disso. Tô só te contando o que rolou, porra... Por isso que não te falo mais as coisas, caralho, cê só me enche o saco! Não tem nada a ver, nada a ver... – enfatizei – ...eu tô em outra, meu.
_“Tá bom”... – riu e encostou de volta no sofá, sendo irônico – ...vai ser igual aquela lá, do colegial. A... a Nana!
_O que tem a ver, cacete?!
_Ela não te deu um fora depois que vocês se pegaram no começo do segundo ano e cê ficou toda obcecada com a mina até conseguir namorar com ela no meio do terceiro e foi uma grande merda eterna por sei lá quanto tempo?!
_Não foi uma grande merda... – murmurei, contrariada.
_Velho, cê tem até tatuagem pra porra da mina!
 
A dona do infinito.
 
_Ai, como cê é mala, Fernando... – o empurrei – ...e nada a ver, meu. Eu tô saindo com uma mina agora... e ela é ótima, mano. A Clara nã...
_Ah, é! – me interrompeu, rindo – Porque isso sempre te impediu!
_Não, babaca, eu quis dizer que tô saindo pra valer, caralho.
_Quem, aquela lá do Vegas? Que cê conhece faz três dias?
_É, a Patti...
 
A Mia virou o rosto e voltou a encarar a TV, impaciente com o assunto. Qual é, garota? Sem se dar conta, o Fer começou a me tirar de apaixonadinha e eu fiz questão de retribuir os seus comentários com alguns socos de leve. Acabamos nos enrolando numa pancadaria amigável no sofá, aos risos, o que só piorou o humor da sua namoradinha. De cara feia, sentada no chão.
 
Que seja.   

À toa

De volta ao apartamento, após algumas horas vendo a Lê sofrer e pagar pelo tanto que me zoou, já lá pelas 8 da noite, passei pela porta de entrada e encontrei com o Fer e a Mia sentados na sala. Em meio a uma marofa descomunal, pra variar. Uma travessa de bolo de chocolate parcialmente comida estava sobre a mesa de centro – o clichê do clichê da larica. Achei graça.  
 
Assim que me viu, o Fer quis checar a tatuagem nova. Me acomodei ao seu lado no sofá, roubando um gole da sua cerveja, e puxei a lateral da camiseta para que visse o desenho. Uma caravela em traços old school. Os restos de tinta e um pouco de sangue tiravam um tanto da visibilidade por trás do plástico, então o Fer o esticou com os dedos para ver melhor. Tentando não me machucar. Aquela porra estava inchada e dolorida, mas eu estava orgulhosa por ter aguentado em uma só sessão.
 
Sentada no chão ao seu lado, mais adiante, a Mia levantou os olhos discretamente e observou o desenho por um segundo. Depois tornou a olhar para frente, para a televisão. Fiquei algum tempo lá, afundada no sofá, comentando a ida ao estúdio com o Fer. Já com a blusa devidamente abaixada e um dos pés sobre a mesinha de centro, segurando a cerveja em mãos.
 
_Come um pedaço aí... – o Fer comentou, levantando a travessa de bolo – ...a Mia que fez agora à tarde.
_Não, tô de boa. Acabei de tatuar, meu, nem posso comer chocolate...
_Ah tá, e cerveja pode?!
_Ah, sei lá, né... – ri.
_Nada a ver, mano! Não dá nada! Eu nunca faço essas merdas aí e todas as minhas tão de boa, meu...
 
Tem razão. Olhei para a travessa, coberta com uma calda grossa de chocolate, daquelas visivelmente deliciosas, e aí, claro, mudei de ideia, me esticando para pegar o que chamei de “tá, vai, só um pedacinho”. O Fer riu.
 
_Pô, ficou gostoso mesmo, hein... – comentei, de boca cheia, meio surpresa que a Mia tivesse de fato acertado uma receita na vida – Mandou bem!
 
Mas ela não sorriu, nem agradeceu pelo comentário. Apenas me olhou. E num raciocínio não muito complexo, concluí que ainda me ressentia pela noite do Vegas. Eu é que devia tá brava,, pensei. E aposto que nem eram tão amigas assim. Me afundei no sofá, amarga. Não tinha nada para fazer até as onze – quando ia no cinema com a Patti. Na TV, estava passando um filme qualquer do Stallone.
 
O dia começava a escurecer e a perder aquele calor todo das horas anteriores, tornando-se ligeiramente mais agradável. Ainda assim, o ar entrava abafado pela janela aberta. Queria poder arrancar as calças, que me incomodavam toda vez que chegava em casa, mas a presença da Mia me inibia. Ela estava num mini-shorts jeans e com um sutiã preto, sem blusa, fumando um baseado. O Fer também estava sem camiseta, numa bermuda velha.
 
Só eu com esse pano todo, argh.
 
Tentei compensar com a cerveja gelada, numa preguiça de me mover até o quarto e me trocar. Mandei uma mensagem para a Patti entre um gole e outro, afundada entre as almofadas, e combinamos de nos encontrar na frente da bilheteria do Center 3 – umas boas quadras para cima do apê. Aí larguei o celular e fiquei assistindo o filme com eles. Minha cabeça se encheu de pensamentos aleatórios – entre eles, a Clara.
 
_Ei... – o Fer me perguntou, um tempo depois, me cutucando com as costas da mão – ...que cê tá toda brisando aí, meu?
_Nada, tô pensando só... – tomei mais um gole da minha segunda cerveja – ...rolou uma parada hoje, sei lá.
_O quê?
_Ah, nada demais, encontrei uma... – suspirei, desconfortável – ...uma mina aí, não sei se cê lembra dela, a Clara?
 
Na mesma hora que o seu nome saiu da minha boca, os olhos da Mia se voltaram a mim. Mas logo abaixou a cabeça e não falou nada. Fingiu não prestar atenção. O Fer riu, me zombando –que lembrava dela por causa de todo o escândalo que eu fiz, enfatizou, no dia que a peguei com outra no Vegas e saí chutando as coisas pela sala. Depois desembestou a falar sobre a festa no apartamento que demos para “curar a minha fossa” – a mesma em que eu me tranquei no banheiro com a Mia e demos uns amassos pela primeira vez.
 
Mas desse detalhe ele não sabia.

dezembro 27, 2011

Björk

Me puxou pela mão entre as pessoas e sorriu, ao me encontrar ali no meio – os arredores da Calixto estavam naquele caos dos sábados. Arqueei as sobrancelhas, surpresa, sem saber direito como reagir, e tirei o cigarro da boca por um momento. O segurando para baixo, entre o polegar e o indicador. A Clara estava com uma regata preta e sem sutiã, o cabelo preso em um grande coque improvisado sobre a cabeça. Me olhou de cima a baixo, me deixando sem jeito, e me cumprimentou. Estava bonita – as pintinhas no rosto e os olhos levemente puxados, com ares de boliviana-argentina.
 
_Nossa, o que... – ela sorriu, animada em me ver – ...cê tá fazendo pra esses lados?
_E-eu tô com umas amigas aí... – fiz um gesto com a cabeça e a mão que segurava o cigarro, apontando a direção em que a Lê e a Thaís foram, me sentindo desconfortável em falar com ela, assim, de repente – ...a gente t-tava...
_Cês vieram pra feirinha?! – me interrompeu, interessada.
 
Agia como uma boa conhecida, não sei bem. Pôs uma das mãos na curva que fica entre o ombro e o pescoço, num gesto sutil. Daqueles que a tornavam, filha-da-mãe, realmente sexy. O calor, aquela gente ao redor e a situação toda começaram a me incomodar. Mas, por qualquer motivo imbecil, eu não caí fora na mesma hora.
 
_N-não, eu... e-eu vim tatuar lá no, sabe, aqui embaixo depois da Schaumann. O que vo... – me atrapalhei um pouco, estranhamente confusa – ...o que você tá... – ela me olhava, tentando entender o que eu estava dizendo de forma pouco articulada, aí eu me lembrei – ...ah, é! Você... v-você trabalha aqui, não?!
_Sim – ela riu.
 
E foi só então que me toquei de que estava a um quarteirão da loja onde ela trampava e onde eu a viera buscá-la meses antes, uma vez. Ocasião na qual me encharquei toda de chuva e que fui arrastada até o Glória. Como pude esquecer. Tudo me voltou de uma só vez, as recordações da Clara, o jeito como terminamos, de repente, caindo a ficha da situação em que me encontrava naquele instante, senti um embrulho no estômago – e ela percebeu.
 
_Faz tempo, não faz? – sorriu, meio sem graça.
_Faz. Olha, e-eu preciso ir, minhas amigas já tão lá na frente... – disse, dando sinais com o corpo de que ia sair; a sua presença me deixava inquieta – ...eu, a, a gente... tem que voltar lá pro estúdio, então...
 
O meu desconforto cresceu, merda. Não consegui sorrir, mas por algum motivo tentei ser educada. Quando passa algum tempo, acho, certas coisas perdem a importância. E os erros dela desapareceram.
 
_Tá bem... – ela sorriu e encostou uma das mãos no meu braço, com intimidade – ...a gente se fala, espero.
 
Murmurei um “aham” meio grosseiro, concordando com a cabeça, e coloquei o cigarro de volta entre os lábios, já me virando para descer e sair logo dali. Não dei bola – ou tentei, ao menos. Ela ficou me observando ainda, a menos de um metro na mesma calçada, e eu procurei não pensar naquilo. Desci a rua até encontrar a Lê e a Thaís, já do outro lado da feira, me perguntando quem diabos era aquela.
 
_Ah, uma garota aí... – disse, meio chateada.
 
Não sabia por que me sentia tão estranha. Não queria ter trombado com ela. Acho, não sabia dizer. A Lê insistiu mais um pouco, curiosa, e eu mudei de assunto – preferia não falar daquilo. Voltamos ao estúdio, onde eu ficaria fechada pelas próximas horas. Sã e salva.

dezembro 26, 2011

Pain lovers

Já tinha esquecido de quanto, filha da puta do caralho, aquilo doía. Argh. Minha costela ia se rasgando aos poucos. E a porra da açougueira da Thaís achava graça no meu sofrimento, me chamando de “dramática” durante o processo todo. Meu cu – aquele era o pior lugar que tinha para tatuar, todas as minhas outras tinham doído menos. Algumas deram até gosto. Já aquela estava me matando. A pele na costela é fina e o osso por debaixo aumenta a sensibilidade, é de foder. Tava doendo tanto que quase desisti quando terminou o contorno. Mas a Thaís era rápida – então, decidi engolir e encarar o resto.
 
Cacete. Que dor. 
 
_PUTA QUE PARIU! – xinguei – CÊ TÁ PESANDO A MÃO, CARALHO, NÃO É POSSÍVEL!
_Para de reclamar, mano! – a Thaís ria, debochando – Costela nem dói tudo isso...
_AH, NÃO! IMAGINA! SUAVE!!
_Pois merece, ninguém mandou atrasar... – a Lê me zombou também – ...agora aguenta!
_TOMAR NO CU, LETÍCIA, EU ATRASEI 20 MINUTOS, PORRA!
_Mano, na boa... – reclamou – QUE MERDA cê tava fazendo que cê não consegue chegar às 10:30 aqui NUM SÁBADO?!
_QUE CÊ ACHA?
 
Resmunguei, tentando engolir a dor.
 
_Tava piranhando por aí, essa desgraça... – a Thaís riu, mergulhando a agulha na tinta antes de continuar – ...num tava, cachorra?
_TAVA, CARALHO... – travei os dentes, sentindo a maquininha cortar minha costela – TAVA!
_Hummm, com quem?
_Aquela mina lá do Vegas... – suei frio – ...PUTA MERDA, MANO!
_E valeu a pena, pelo menos?! – a Lê continuou, ignorando minha dor.
_Ah, foi legal.
_Ih. Num senti firmeza...
_Não é, foi bom. É só que a mina... – respirei fundo, suportando a agonia que atravessava o meu torso inteiro – ...a mina, n-não sei. Foi a primeira vez dela com mulher, sabe?
_Sei – a Lê riu, se divertindo comigo – Então cê fez o serviço todo e agora tá subindo pelas paredes? É isso?
_Cala a boca, mano...
_Uai. Achei que cê já tava acostumada... – a Thaís fez graça – ...depois de todo o rolo lá com a Mia.
_Velho, não. A Mia... – me segurei, sem querer entrar no mérito do quanto a Mia me desgraçava a cabeça, de como a gente fodia sem qualquer inibição, cacete – ...a, a Mia e-era diferente.
_Vixi. Deu uma saudadezinha? – a Lê me provocou.
_Claro que não, mano!
_Ó! – a Thaís alertou – Vou continuar aqui. Para de se mexer!
 
Inferno. Assim que a agulha recomeçou, senti a dor reverberar pelos meus ossos como se dilacerasse meu peito por dentro. Mais dez minutos daquela tortura e eu tava prestes a matar a Thaís. Que dor. Que dor desgraçada, mano. Quando enfim terminou, ela limpou todo o sangue da minha pele e a sujeira de tinta preta e vermelha ao redor. E eu me levantei para ver no espelho. Do caralho, sorri recompensada, como se tivesse vencido uma maratona.
 
Foda-se a dor – aquilo sempre valia a pena.
 
Me plastifiquei inteira. E agora, era a vez da Lê de sofrer nas mãos da nossa amiga. Mas antes saímos para “almoçar”, já às quase quatro da tarde. Tínhamos menos de meia hora, o que mal me dava tempo para olhar as câmeras na feirinha da Calixto. Mas fomos mesmo assim. O sol estava de rachar – subimos a Teodoro e pegamos qualquer coisa para comer na esquina, seguindo direto para a feira lotada. Me entretive por algum tempo na barraca de um maluco cheio das polaroids, mas, como toda vez que eu ia na Calixto, percebi que não tinha dinheiro para pagar nem um quinto do que pediam por cada antiguidade ali.
 
Subimos um pouco mais na Teodoro, passando pelas infinitas lojas de novos designers e de instrumentos musicais, até a ruazinha da Choque Cultural, onde trabalhava uma amiga da Thaís. Batemos papo por algum tempo, entretidas, mas aí já era hora de voltarmos. Conforme fomos descendo a Teodoro, me empenhei em acender um cigarro no meio daquela gente toda, um tanto distraída – e foi quando dei de cara com a Clara.

dezembro 23, 2011

Mancadas clássicas

_Hum... – murmurei, enfiada no travesseiro – ...que horas são?
 
Tinha apagado. A Patti estava em pé, apoiada na janela com um cigarro na mão. Nua – como se aquela madrugada a tivesse libertado dela mesma. Abri os olhos e achei graça, sonolenta. Observei uma faixa de sol iluminar a âncora tatuada em sua coxa, me espreguiçando por cima do travesseiro. Repeti então a pergunta e ela sorriu de volta para mim, arqueando as costas para olhar o relógio da parede.
 
_Dez e vinte – respondeu.
_Não! TÁ BRINCANDO?! – dei um pulo, na mesma hora, já pegando a boxer no chão – ...merda, merda... – a vesti rapidamente e comecei a procurar pelas minhas roupas – ...mil vezes merda.
_O que foi? – a Patti se assustou – Cê tem que ir??
_Eu vou tatuar, tá marcado às 10 e meia... – coloquei o jeans, sem abotoar, e fui calçando de qualquer jeito os meus All Stars – ...que merda, puta que pariu. Minhas amigas vão me matar, cara!
_Calma, eu te levo! Onde é? É perto?
_Não, meu. Fica aí! Não precisa se vestir, sair correndo... – coloquei a minha camiseta amarrotada, fechando as calças em seguida – ...deixa, eu me viro. Vai dar tempo!
 
Ah, mas não vai.
 
Beijei-a rapidamente, num meio-selinho apressado. E corri escada abaixo para pegar o primeiro táxi que aparecesse – desgraça. Podia ouvir, na minha cabeça, a Lê me xingando de todos os nomes possíveis. Eu era uma mulher morta. Morta. Droga! Não ia dar tempo porra nenhuma. Olhei meu celular, já no banco de trás de um táxi, enquanto passava as direções do caminho, e só então me dei conta da minha grosseria. Inferno.
 
Só que aí já estava longe demais para reparar o dano. Argh. Fechei os olhos, apertando-os em arrependimento, conforme o taxista descia a Arcoverde. Primeira noite da garota com uma mina e eu largo ela lá, que nem uma cafajeste. Qual é o meu problema? Por um segundo, temi que pensasse mal de todas as lésbicas do mundo – e pior, que ficasse com um pé atrás comigo. Ah, não, isso não.
 
Abri um SMS às pressas e digitei: “Ei, desculpa sair correndo assim... rs, eh q minha amiga vai me matar msm, juro!! Posso te compensar + tarde? ;)”. Assim que enviei, olhei para frente pela janela e notei a porra do trânsito em que estávamos. Um pouco mais abaixo, a Arcoverde estava completamente parada por causa da feirinha da Calixto. Dez pras onze em pleno sábado, revirei os olhos, me sentindo uma burra, é óbvio que ia tá tudo parado.
 
_Deixa, amigo... vou a pé daqui! – toquei no ombro do motorista, já tirando o dinheiro da carteira – Quanto deu?
 
Bati a porta do táxi, descendo a rua entre os carros, com pressa. Já tinha subido na calçada quando a Patti me respondeu – “relaxa, vms sim! <3, ufa. Segui descendo e digitando, atrapalhada, dividindo minha atenção entre a rua esburacada e o visor do celular. Perguntei o que ela queria fazer e, para o infortuno dos meus extintos anos de estudante, ela escolheu ir num cinema de shopping.
 
Ê programinha de hétero, hein?
 
Achei graça, mas não discuti. Aceitaria qualquer coisa que ela falasse. Atravessei a Henrique Schaumann com certa impaciência – o semáforo da avenida não fechava nunca, caralho –, a poucas quadras do estúdio onde a Thaís trabalhava. Tinha em mãos o primeiro cigarro do dia, já pela metade. Sabia que teria que entrar direto assim que chegasse e me preocupava o meu estômago vazio.
 
Andei mais duas quadras e logo avistei a Lê, parada em frente ao estúdio. Revoltada. Estava apoiada contra um poste, com uns óculos escuros e uma bermuda, daquelas bem sapatão mesmo, porque decidiu de última hora que tatuaria a panturrilha. Fumava impaciente. Com cara de quem ia mesmo me matar. Me aproximei, atravessando a rua, já receosa com a bronca.
 
_Mano, tomar no cu você e essa merda da sua pontualidade, cara. Eu vou te esganar... – a Lê tirou os óculos e jogou o cigarro na calçada, me segurando pelo braço como uma criança, me arrastando para dentro do estúdio.

dezembro 05, 2011

Os minutos

Acordei. A posição era terrivelmente incômoda – sentada torta no chão e com a nuca apoiada desconfortavelmente na beirada da cama. Dei um suspiro repentino, saindo daquele estado semiacordado. Cacete, esfreguei a mão no rosto. Lá fora ainda estava escuro. 3:08. Ergui o rosto, olhando para o relógio na parede e então virei para checar o colchão atrás de mim. Ali, igualmente capotada sem intenção, a Patti dormia desajeitadamente. Tinha os pés descalços e as pernas nuns desses shorts de ficar em casa, com uma camisa vermelha de flanela que eu zombei assim que pisei no seu apartamento – perguntando se tinha se fantasiado de sapatão para o nosso encontro.
 
Descemos para a rua assim que eu cheguei. A acompanhei ao mercado na esquina, fazendo graça o tempo todo enquanto ela comprava umas cervejas – andando pelos corredores e a chamando de “amor” toda vez que passava alguém, erguendo qualquer produto aleatório e perguntando se estava precisando “lá em casa”. Como se fôssemos casadas. A Patti ria e então entrava na brincadeira, me chamando de “benzinho”. Me pedia para ir buscar sabão em pó ou algo do tipo. Nunca tirei e pus tanta coisa que não ia levar no cesto.
 
Quando voltamos, conversamos por uma eternidade, sentadas na sacada daquele predinho pequeno em Perdizes onde ela morava com duas amigas. Dividindo cigarros e cervejas. O seu jeito despreocupado me divertia. Falava sobre o seu trabalho, as suas ilustrações, me mostrou a tatuagem que fez com uma delas. Uma sereia com escamas pretas e turquesa. Não a beijei a noite toda. Uma das suas colegas pediu uma pizza lá pelas dez e comemos juntas, sentadas no tapete da sala ouvindo qualquer banda indie que a Patti gostava. Kasabian, Kaiser Chiefs, uma dessas com K no nome. Não sei bem. Lá pelas tantas, fomos para o quarto ver o filme. E em algum momento, sem planejar, nós duas capotamos.
 
Ainda nada de beijo.
 
Agora desperta, sonolenta, arranquei os meus tênis. E apenas com as meias nos pés, subi na cama, passando por cima dos seus joelhos até o outro lado, no maior silêncio que consegui. Para não a acordar. Me acomodei no pequeno espaço de colchão que sobrava entre a Patti e a parede – o quarto estava frio, e ali não. Assim que ajeitei a cabeça ao seu lado, ela se mexeu. Sem realmente despertar. E por um instante, pensei em colocar o meu braço ao seu redor. Mas hesitei. Com receio de ultrapassar algum limite, a observando ali, ligeiramente hétero e dormindo ao meu lado. Dobrei o braço debaixo do travesseiro, então, apoiando o rosto ali. E fechei os olhos.
 
Mas o sono não veio. 3:10. 3:15. 3:20. 3:25. 3:30. 3:35 e nada. Fracassava terrivelmente. Argh. Até que virei o corpo, inquieta, deitando a barriga contra o colchão. E foi então que a Patti acordou, agora pra valer.
 
_Desculpa... – murmurei, baixinho.
_Não... t-tudo bem... – ela sorriu de volta, com sono – ...acho q-que a gente... acabou meio q-que...
_É.
 
Uma calma silenciosa preencheu o quarto. Ela achou graça, se espreguiçando, e então se aproximou do meu corpo, se aninhando em mim para se esquentar. Apoiou a cabeça no meu ombro e eu tirei o cabelo de cima da cara, meio de qualquer jeito. Hum. Afundei os dedos na flanela, a abraçando pela cintura. A Patti me trazia um sentimento nostálgico. E eu me sentia bem ali, com ela. Meus dedos passeavam lentamente sobre as linhas do xadrez na sua blusa, já quase pegando no sono.
 
Mas, aí, foi a Patti que se moveu.
 
Ajeitou o corpo e eu abaixei meus olhos até os dela, no escuro. Sem pensar muito, levantei a mão até o seu rosto, deslizando os dedos pelas suas bochechas, o seu queixo... a sua boca. Havia algo naquela garota que me desconcertava. “Me diz”, ela sussurrou, “tá sendo o pior encontro da sua vida, né?”. Eu ri – “não”. “Sei”, murmurou, num resmungo incrédulo, “amanhã cê vai dizer pras suas amigas que nem um beijo te dei”. Neguei com a cabeça, de leve, e achei graça.
 
Mas ainda dá tempo, garota.
 
E num impulso, ela percorreu os poucos centímetros de pano que ainda tinha entre nós, se movendo intuitivamente na minha direção. Foi ela, não eu. E foram os seus lábios que buscaram os meus. Mas eu a beijei de volta – no breu. Primeiro assim, nuns selinhos curtos. E lentos. Um após o outro. E então meus lábios tocaram o canto da sua boca e os seus se entreabriram, se transformando aos poucos num beijo de verdade. Deixei os meus dedos entrarem nos fios escuros do seu cabelo. E ela subiu em mim, com uma perna de cada lado, me puxando para mais perto. Fechou os olhos, hum.
 
3:40... 3:45. 3:50. 3:55. 4:00. 4:05. 4:10. 4:20? 4:20. 5:20. 6:20. 7:20.

novembro 24, 2011

Hipótese infundada

E ainda assim, a ideia não saía da minha cabeça.
 
Filhos da puta.
 
Ah, não. Eu não ia enlouquecer por culpa daqueles dois mal-amados. Me recusava, que se fodam. Eles e as suas teorias de merda. É. Ainda assim, passei parte da noite que se seguiu angustiada, atormentada pela quantidade de acertos da Marina sobre a minha vida amorosa. Joguei um pouco de videogame com o Fernando para me distrair, me convencendo entre uma pista e outra de Mario Kart de que a Mia não tinha influência alguma em quem eu queria ou deixava de querer.
 
Isso é ridículo, eu revirava os olhos, refletindo comigo mesma. Lá pelas duas, o Fer foi dormir para conseguir trabalhar direito no dia seguinte e eu segui ali sozinha. Essas eram, afinal, as minhas primeiras “férias” em muito tempo. Quer dizer, se não contar os três dias que eu simplesmente não apareci no trabalho lá pra meados de dezembro porque estava a 100 km de São Paulo fodendo a Dani na casa dos pais dela, em Campinas – um pequeno deslize na pior fase da minha fossa, esta sim impulsionada pela minha decepção com a Mia uns meses antes.
 
Mas agora eu já tinha superado. Acordei pouco depois das 14h no dia seguinte com a cara amassada no sofá. E saí correndo para conseguir chegar a tempo pro exame admissional nas redondezas da praça da Sé, às 15h. Merda. O calor abafado que impregnava o ar paulistano me deu dor de cabeça, enquanto eu balançava naquele metrô suado – mas cheguei intacta e a tempo.
 
Ufa.
 
De lá, fui direto ao meu antigo trabalho, resgatar a carteira de trabalho que tinha deixado para assinarem. A Patti me enviou uma mensagem enquanto eu estava na linha verde, que eu só li uns quarenta minutos depois, quando terminei de assinar toda papelada e saí do estúdio. Por algum motivo, não conseguia responder. Bloqueio emocional estúpido. Argh. Caminhei pelas ruas estreitas da Vila Madalena e o calor começou a me irritar, baixando minha pressão. Minha cabeça estava dando voltas na Patti. Pensei que estragaria tudo, como sempre, e senti a respiração apertar o meu peito.
 
Não sabia por que gostava assim dela, com tanta facilidade – mas a verdade é que, sim, gostava. Com Mia ou sem Mia. Peguei então o meu celular. E disquei para ela. Hope my new star doesn't turn to dust. You think I'm playing with you..., poucos instantes depois ela atendeu e eu sorri, ...but i'm just afraid to lose. Ela parecia feliz em me ouvir, competindo com o tráfego de ônibus e carros barulhentos que se enfileiravam na hora do rush.
 
_E aí, já desistiu do nosso encontro hoje?
_Olha, estranhamente não... – ela riu, do outro lado da linha.

novembro 23, 2011

Hush! Hush!

Vc me deixa meio boba... como pode? rs”. Olhei a mensagem dela, já pela terceira vez, e sorri. Estiquei os pés sobre o apoio lateral do sofá e traguei mais uma vez. Dei uma bola e segurei o haxixe no pulmão por alguns instantes, com o corpo largado contra as almofadas. E então deixei que a fumaça saísse. O sol começava a se pôr do lado de fora da Frei Caneca, aos poucos preenchendo o cômodo todo com um tom alaranjado. Tinha pedido demissão e passei o resto da tarde conversando com a Patti, que agora colocava um sorriso no canto da minha boca.

Aquela tarde de quinta estava tranquila. E eu estava feliz por não ter que trabalhar até segunda. Abri o campo para uma nova mensagem e digitei o número do celular da Marina, decorado uns anos antes. “Qdo vc ñ consegue parar de ler uma msg, eh q c ta meio apaixonadinha, neh?”, digitei e hesitei. Ah, não. Não dava. Por mais que fosse a Marina, que eu sabia que ia adorar receber esse tipo de fofoca, eu não podia mandar aquilo assim. Deletei tudo, de uma só vez, e comecei de novo: “Ñ consigo parar de olhar a msg de uma garota”.

Mandei.

E a Marina, claro, respondeu no mesmo instante, antes que eu levasse mais uma vez o baseado à boca. “QUE GAROTA????? :) :) :)”, em letras maiúsculas e exageradas. Comecei rir sozinha – mas cê se empolga, hein, Marina. Ainda não tinha contado direito sobre a Patti para ela, só mandei uma mensagem bêbada do Vegas, falando que consegui o emprego e que estava comemorando aos beijos com minha nova namoradinha de balada. Sem muitos detalhes. Dei mais um trago e respondi quem era. “Mas essa ñ é a q vc conhece faz, tipo, um dia?”, ela me questionou. “E daí?”, soltei a fumaça no ar, despreocupadamente.
 
O meu cabelo começava a bagunçar de tanto tempo largada ali no sofá. Me curvei sobre a mesinha de centro e deslizei suavemente uma das pontas do baseado na parede do cinzeiro, fazendo com que as poucas cinzas formadas caíssem. Ainda estava com o celular em mãos, mas a Marina não me respondia. Larguei-o sobre a mesa. Aí traguei mais uma vez e decidi parar naquela – haxixe batia mais forte em mim. É. Mais um pouco e eu ficaria realmente chapada. Soprei a fumaça para o lado e o apaguei no cinzeiro, apoiando-o na borda. O celular vibrou sobre a mesa – “vc ñ acha q pode ta projetando um pouco, linda? :-/”.
 
Projetando o quê, meu?!

Me ofendi, na mesma hora. Afundei o corpo contra o sofá e bufei, olhando a tela do celular. Não precisava desse tipo de comentário. Não vindo da Marina. Achei que cê ia ficar animada, porra. Neste mesmo instante, o Fer entrou no apartamento com as roupas do trabalho, carregando umas sacolas de mercado nas mãos. Me cumprimentou de longe e deixou as chaves sobre a mesa ali ao lado, atravessando então para a cozinha. Pouco depois, voltou pra sala. Começou a falar e eu me virei para olhá-lo, ali em pé, atrás do sofá, tentando abrir um pacote com os dentes.

_E aí... – me perguntou, quase indecifravelmente, com a boca ocupada – ...pediu demissão?
_Pedi.
_E foi de boa?
_Ah, mais ou menos. Meu chefe ficou meio puto, falou que eu tava largando ele na mão, e depois veio com um papo de que já tava pensando em me cortar mesmo... Foi um babaca.

Notei mais uma mensagem da Marina chegar no meu celular, largado sobre a mesa, mas não peguei para ler. Não quero saber. O Fer finalmente conseguiu abrir o pacote e se sentou na poltrona, ao lado do sofá, olhando para o meu celular aceso.

_Hum... – o indicou com a cabeça – ...num vai responder?
_Ah, não, é a Marina me dando bronca...
_Ê laiá – ele riu, comendo uma bolacha – Quê que cê fez agora?!
_Eu? Nada! Ela tá achando ruim só porque tô gostando de alguém...
_Quem?
_Ah... – me espreguicei, enquanto falava, esticando o corpo contra o encosto – ...uma mina aí.
_Não, jura?! E cê resolveu inovar também em... sei lá... outras áreas da sua vida?
_Babaca – eu comecei a rir dele e peguei o celular para ler.

“Flor, ñ se chateia. Eu só acho q vc devia ir com calma e ver se... se é isso msm, sabe?”, a Marina tinha me escrito. Argh. Fechei o celular e larguei na mesinha de centro, de novo.

_Mas conta aí... Que menina que é?
_Ah, aquela lá do Vegas... – sorri – A Patti.
_Nossa, mano, mas cê já tá gostando dela?

Então ele me olhou, como se estranhasse, arregalando os olhos por um instante. Quê? Aí levantou as sobrancelhas, dando de ombros – como se dissesse um “então tá” conformado. Não entendia a porra da reação das pessoas à minha volta. Qual é agora?! Não era como se eu nunca tivesse me interessado por ninguém, na minha vida toda. Ainda que, ... eu só conhecesse ela há um dia. Mas, e daí? Me deixa, porra. Finjam menos surpresa, menos relutância, me emburrei, afundada no sofá.
 
Sejam educados, caralho.
 
Balancei a cabeça e parei de olhar na direção do Fer, desviando o olhar pro chão. Isso é ridículo. Quem são vocês pra ficar me julgando? Aliás, quem é a Marina pra ficar supondo teorias a meu respeito? Sobre o que eu sinto ou não por uma garota? Eu tô bem, porra. E tô bem há meses. Agora não posso me interessar por ninguém? Vai se foder! Eu gosto de falar com a Patti. E isso não quer dizer nada. Nada! Não é como se, como se a garota estivesse substituindo a porcaria da Mia na minha vida. No meu coração. Inferno.

novembro 22, 2011

SMS

“E se eu te chamasse pra sair um dia desses...”, comecei a digitar, “...vc subiria?”. Apoiei as costas entre as duas paredes do elevador do prédio, com os pés cruzados em frente ao corpo. “Te dei a resposta pra essa pergunta umas mil vezes ontem”, a Patti me respondeu. “Sem segundas intenções, juro”. “Aham”. “Sem tequila?”, desci do elevador para a rua e segui a pé para o metrô. Logo depois, alguns minutos, chegou mais um SMS dela. “Mas oq a gnt ia fazer sóbria juntas?”. Como assim, meu?, me ofendi. “Entao c acha q ñ pode se divertir cmg sem tequila?”. “Talvez precise esquecer 1 pouquinho q vc eh menina, rs”. Comecei a rir, indignada, e virei a esquina com o celular em mãos. “Mas essa eh a melhor parte, garota... ;-)”. Bati ritmadamente com os dedos no visor do celular, ansiosa, à espera da próxima mensagem. “Eh.. Talvez seja msm :3”. Sorri na mesma hora. E pedi: “Sai cmg, vai?”. “Mas oq a gnt iria fazer afinal?”. “Oq vc quiser, ñ sei”, acendi um cigarro. Já estava na entrada do metrô, mas enrolava um pouco, esperando a conversa terminar para tomar a linha verde e ir pedir demissão no estúdio. Poucos segundos após minha última mensagem, a Patti me respondeu. “Ok. Mas preciso de um plano... ñ posso simplesmente ir aí pra ficar c/ 1 garota! ;-x”. Sorri com o canto da boca, achando graça no bloqueio dela – “ñ pode? rs”. Então me pus a pensar por um instante, sem muitas ideias. Aí abri o navegador no meu celular, tragando enquanto buscava qualquer desculpa para nos vermos. “”, digitei segundos depois, “vi aqui q vai passar O Iluminado amanhã na tv e tô sem companhia, serve?”. “Ñ da mto medo?”. “Dá, rs”. “Mas e se eu ñ conseguir dormir dps?. “Te faço cia, uai”. “Hummm... talvez”. “Prometo me comportar”. “Promete?”. “Sim, rs”. Levei o cigarro mais uma vez à boca, tragando uma última vez antes de o apagar e entrar na estação. E assim que pisei escada rolante da Consolação, a resposta dela piscou na tela – “topo!”.

outubro 23, 2011

Seqüelas

“Gostei de te conhecer ;) E dsclp por ñ ter subido, rs!” – o meu celular apitou nos meus ouvidos, ultrassensíveis com aquela ressaca, e os meus olhos cansados se esforçaram para ler a mensagem da Patti ali. Eram 8:15 e eu não tinha dormido nem três horas. Argh. 

Com o raciocínio consideravelmente prejudicado, tentei conciliar aquelas poucas palavras com o que me restava de memória da noite anterior. O que não era lá muita coisa – tinha um buraco de tempo na minha cabeça. Recordava-me de ter voltado para a pista com a Patti e de termos dançado, agarradas uma na outra. Mas depois disso não tinha nada. Zero.
 
Não. Espera...
 
Uma lembrança meio confusa dela encostada numa parede suja da Augusta me veio à mente, como um flash rápido. Nossos corpos pressionados um no outro, nos beijando. Uns dois segundos de memória, não era o suficiente para eu me lembrar do contexto todo. Subimos a Augusta juntas?
 
Reli a mensagem, agora mais desperta, e tentei encaixar as peças soltas, mas o desfecho daquela noite permanecia vago. Por que ela não ficou? Sentia como se estivesse esquecendo algum fato importante. Não vou lembrar. Nem a pau. Por outro lado, a parte que eu, sim, lembrava me fazia sorrir – e apesar da ressaca, o meu humor estava sensacional. Quis responder logo para a Patti, mas precisava urgentemente esvaziar cada shot consumido no Vegas da minha pobre e pequena bexiga.
 
Levantei da cama, com a mesma regata amassada da noite anterior, e apertei as pernas até o banheiro. Virei a maçaneta e, bam, porta trancada! Ahh, filho-da-mãe... Bati na porta, pedindo pro Fer sair. Assim que percebeu que estava nas redondezas da privada, meu corpo se deixou levar pela empolgação e eu estava prestes a fazer xixi ali mesmo. Tentei mais uma vez a maçaneta, já pulando de um lado para o outro em pleno corredor, e – nada. Aquela merda continuava trancada. Inferno. Ouvi então a descarga e pensei, agora vai. Mas nada, de novo. Um minuto se passou e nem chance da maçaneta abrir. Soquei então a porta com a lateral da mão, numa tentativa de apressar o meu colega de quarto.
 
_VAI LOGO, PORRA! – gritei, apoiada no batente – TENHO QUE MIJAR!!
 
Uns segundos depois, a porta se abriu e eu dei de cara com... a Mia.
 
Claro. Me movi para passar, mas ela não se mexeu, bloqueando a droga da porta com o corpo. Estava com aquela cara de poucas ideias e vestida apenas num camisetão cinza desbotado. Só me faltava essa agora. A encarei, sem paciência, e aí tentei passar mais uma vez, agora pelo outro lado. Ela continuou imóvel. Ótimo, vou mijar na calça, suspirei, ainda que não as tivesse usando.
 
A desgraçada estava fazendo de propósito. Olhei para ela de novo, impaciente com aquele seu joguinho, e ela me encarou de volta, como se eu lhe devesse alguma coisa. Numa afronta silenciosa de você-sabe-que-o-que-você-fez-ontem-foi-inaceitável. Argh. Minha bexiga estava prestes a explodir.
 
_Licença, eu preciso mesmo usar... – disse, grosseiramente, me forçando banheiro adentro pelo espaço estreito entre ela e o batente da porta.
 
Abaixei a cueca e sentei no vaso, assim que entrei. Ia levar quatro segundos, no máximo, tamanha a urgência que eu já estava. A Mia ficou ali, por um instante, parada na porta, ainda me olhando feio. Quer assistir? Fica à vontade, a encarei de volta. Até que uma hora saiu, me deixando sozinha no banheiro – para voltar correndo para os braços do Fer, revirei os olhos, com certa implicância.
 
Dei a descarga e então continuei com meu dia – o que envolvia procurar minha Carteira de Trabalho, sair de casa de estômago vazio só para não dividir a cozinha com o casalzinho-lixo e ir pedir demissão. Vamos que vamos.

outubro 15, 2011

Sozinhas, enfim

_“Patti” – sentei ao lado dela, no degrau do lado de fora do Vegas – Sabe, eu gosto desse nome...
_Gosta? – ela me deu uma olhada rápida de canto de olho, sorrindo, com um cigarro aceso nas mãos – Hum, te vi conversando com outra “Patti” lá dentro...
_Eu? Onde?
_No bar...
_Ah... – ri, observando-a tragar – ...ela é só uma amiga.
 
A Patti me olhou como se não acreditasse e balançou a cabeça, rindo.
 
_Quê?! – me justifiquei – É só que fazia... um “tempo” que a gente não se via.
_Tá bom... – ela achou graça, desconfiada – ...e então quer dizer que gosta de Pattis?
_Gosto. Me lembra a Patti Smith...
_Ah, não! – ela riu, soltando a fumaça para o lado – A Patti Smith, meu?! Ela é horrorosa!
_Ah, qual é... Mano, a mulher é um gênio!
_Tá... e horrorosa.
 
Parei e a encarei por um segundo, indignada.
 
_Então, é assim? Uns amassos sapatão e, de repente, cê é já expert em quem é gata ou não? – a zombei.
_Não precisa ser sapatão para saber que a Patti Smith não é bonita...
_Mano... – me revoltei – ...EU TE COMPARO COM UMA DAS MULHERES MAIS FODAS QUE JÁ EXISTIRAM E CÊ FICA OFENDIDA PORQUE NUM ACHA ELA BONITA?! – roubei o seu cigarro, rindo – Chega. Parei. Já deu pra mim, cê tá muito louca...
 
Balancei a cabeça e dei um trago, olhando para o movimento na rua Augusta à nossa frente, desacreditada.
 
_Hum, então... o que cê tá me dizendo é que iria pra cama com alguém como a Patti Smith?
_Nossa, mas COM CERTEZA! NA HORA!
_Do jeito que ela é hoje? Velha e acabada?!
_Mano, sim... – a contrariei, entregando o cigarro de volta para ela – ...de qualquer jeito. De todos os jeitos. Cê já ouviu ela cantar, porra?! As coisas que ela escreve?!? Se aquela mulher me desse bola, eu morria feliz...
_Ah, mas cê tá falando isso só porque admira ela, não vale!
_Como não vale?! Tesão é tesão. É isso. Vem de muitas formas, meu...
_Tá. Mas falando só fisicamente... – me provocou – ...eu ou a Patti Smith?
_Ela.
_Fisicamente!
_A Patti Smith, porra.
_Ah, não! Duvido!
_O quê?! – a observei dar um último trago, ao meu lado, apagando o cigarro na calçada – Você acha mesmo que não?!
_Meu, eu tenho certeza que não!
_Nossa, dormia com ela fácil! Fácil!
_Ela? – me olhou, sem acreditar – Ao invés de mim?
 
Ri mais uma vez, achando graça na sua indignação, e apoiei a mão nos joelhos para levantar do degrau, ficando em pé na calçada. Aí me virei na sua direção.
 
_Não tô dizendo que não te acho gata, meu. Mas ela também é e tem muito mais pra se gostar numa mulher além disso, porra... – estiquei a mão para ela, que a usou para se erguer também – ...quê?! Tá surpresa?!
_De certa forma... – sorriu – ...assim, depois da sua cachorrada lá dentro, não te tomaria exatamente pelo tipo “sentimental”.
_Que cachorrada, mano?! – a encarei, subindo o degrau para voltar pro Vegas – Do que cê tá falando?!
 
Ela revirou os olhos, sem paciência com a minha cafajestice. Passamos pela porta da balada e a Patti olhou mais uma vez na minha direção, revoltada.
 
_Quê, meu?! – eu ri, brincando – É que eu tenho um interesse meio efusivo...
_Ah, cala a boca! Essa é a coisa mais ridícula que já ouvi...
 
Ela achou graça e eu me aproximei, na maior cara de pau, a encostando contra a parede. “Cê é muito idiota”, resmungou. “Olha...”, murmurei, já perto da sua boca, “...te garanto que o meu interesse agora tá todo aqui”. “Sei”, ela riu. E numa reconciliação improvável e bêbada, do nosso namorico de balada, nos beijamos ali no escuro, cercadas pelas cortinas pesadas e vermelhas do Vegas.

outubro 11, 2011

Mea culpa

O meu coração ganhou força – senti aquele músculo pulsando dentro de mim, tão forte quanto as batidas que saíam de cada um daqueles amplificadores, conforme eu entrava cada vez mais para o meio da pista. Entre todas aquelas pessoas e com só uma na cabeça. Maldita. Determinação é mesmo algo poderoso, não é? Me enfiei na multidão à procura da maior confusão que eu pudesse encontrar. Qualquer uma que fosse. Foda-se. Tinha dificuldade em discernir as pessoas movendo-se à minha volta, já bêbada demais. Fui trombando com corpos desconhecidos, buscando pela Patti ou por qualquer péssima ideia.
 
E foi quando dei de cara com a pior delas.
 
Isso é genial. Andei mais uns dois ou três metros, em pequenas curvas, ultrapassando os outros à minha frente até chegar onde ela estava dançando. Sem qualquer remorso, que se dane. Encostei suavemente a minha mão em seu braço, conforme lhe cumprimentava, e ela disse um “oi” hesitante, me olhando de volta, confusa.
 
_Você não lembra de mim, né? – eu disse.
_Não, desculpa... – ela riu, lamentando, então olhou por mais alguns segundos para a minha cara e aí, de repente, arregalou os olhos – ...não, não, espera! Você, cara... v-você tava no aniversário da Mia! Não tava?!
_Sim... – sorri e encostei em seu ouvido, explicando – ...eu moro com o Fer. Tava ali de longe e te vi, meu. Pô, que legal. Muito legal mesmo te encontrar! Eu lembro de você daquele dia, na festa...
_Nossa, mas isso faz uma eternidade! – ela seguiu rindo, achando graça, já quase se apoiando de volta em mim, igualmente bêbada – Como cê ainda lembra de mim?! A gente mal se falou!
_Ah, sei lá... – dei de ombros e ri também – ...só lembro. Acho que cê ficou na minha cabeça...
_Como assim? – sorriu – O que ficou?!
 
Olhei para ela por uns dois segundos, fixamente, imprestável e absolutamente consciente do que estava fazendo. E aí sorri, abaixando a cabeça:
 
_Não, nada. Não é nada...
_O quê?! – ela me cutucou, já curiosa.
_Nada, meu... – retruquei, rindo – ...escuta, posso te pagar uma bebida?
_Quando?! Agora?
_É... – sorri.
 
E ela me observou por um instante, intrigada e em meio ao atordoamento da pista, então sorriu, dizendo que sim. Levei-a de volta, através da multidão, até o balcão. E sendo bem sincera, a minha cota de héteros já estava estourando pela noite. Em condições normais, eu já não teria mais paciência, mas ela estava praticamente fazendo todo o trabalho para mim – e em menos de vinte minutos, já estava totalmente na minha.
 
Os beijos foram apenas consequência. Assim como os olhares dos amigos dela, a poucos metros de nós, e não muito tempo depois os do meu melhor amigo, o Fer, próximo a uma das paredes da balada. Era questão de segundos agora até ele comunicar a Mia ao seu lado. Provavelmente rindo do fato de eu estar pegando uma das suas amigas. Então, fechei os olhos – e deixei cada célula filha-da-puta restante em mim fazer aquilo direito. Uma vez que ela tivesse visto e eu provado qualquer que fosse meu ponto ali, aí poderia largar daquela garota e voltar atracar meu barco em outra... âncora.
 
E assim foi. De uma só vez. Assim que abri os meus olhos novamente, depois de um beijo demorado, procurei a Mia no canto que dividia minutos antes ao lado do Fer e não encontrei nenhum dos dois. Então soltei da garota, na mesma hora.

outubro 05, 2011

Shitlist

When I get mad
And I get pissed
I grab my pen
And I write out a list
Of all the assholes
That won't be missed
 
You've made my... 
Shitlist!
 
(L7)
 

outubro 02, 2011

Rancor meu, seu

_VOCÊ SABE MUITO BEM! – a Mia reclamou alto na minha direção, competindo com a música.
_Ah, sei?! – ri.
_Você, meu... – passou as mãos no rosto, nervosa comigo – ...VOCÊ É INACREDITÁVEL!!
_Mano... CÊ TÁ LOUCA, PORRA?! – me incomodei com a sua atitude – DO QUE DIABOS CÊ TÁ FALANDO?!?
 
Aí ela me encarou, séria, como se fosse óbvio. Ah, não me vem com essa.
 
_DIZ! DIZ, MIA! – a provoquei, brigando com ela no meio da multidão – DIZ O QUE CÊ QUER DIZER! FALA QUAL É O PROBLEMA!
_O MEU PROBLEMA É VOCÊ!
_Olha, Mia, até onde eu sei essa noite é minha, cara... – balancei a cabeça, sem paciência – ...e eu posso fazer o que eu quiser.
_FODA-SE SE A NOITE É SUA! FODA-SE! O problema... – ela se aproximou do meu ouvido, argumentando bêbada, me pegando de novo pelo braço – ...é que cê tá fazendo de propósito... – me segurou com força e aquilo começou a me incomodar – ...e VOCÊ SABE!
_TÔ FAZENDO DE PROPÓSITO, MEU?! – questionei de volta no seu ouvido, já puta da cara, aí afastei o rosto e a encarei, indignada – ESCUTA, MEU MUNDO NÃO GIRA MAIS EM TORNO DE VOCÊ, SABIA GAROTA?!?
 
Por um segundo. Por um segundo, vi os seus olhos se perderem na minha resposta. Me encarando de volta, quieta e mordida. Pareceu se ofender.
 
_E QUEM DISSE QUE É ISSO QUE EU QUERO?! – gritou de volta.
 
“Quem disse...”, comecei a rir, nervosa, sem engolir mais uma só mentira que saía da sua boca. Não depois de assistir os seus olhos me seguirem, desconfortáveis, por toda aquela porra daquela balada, cada maldito segundo, cada droga de boca que eu beijava, cada garota que eu segurava, a merda da noite inteira. Agora vinha com esse discursinho idiota para cima de mim. “Quem disse”. Não podia acreditar na cara de pau dela de vir tirar satisfação comigo, assim, aquilo me enchia de uma raiva tremenda, perigosamente combinada com doses e mais doses de tequila. Inferno de garota.
 
_Não quer, né? – a encarei, irônica – Tá bom, então.
_Olha, você não sabe nada da minha vida! – rebateu, fechando a cara.
_É E VOCÊ OBVIAMENTE NÃO ENTENDEU PORRA NENHUMA DA MINHA TAMBÉM! – pistolei – NÃO PARA VIR AQUI E SE ACHAR NO DIREITO DE FALAR A MERDA QUE QUISER PRA MIM!
_VAI TOMAR NO CU!
 
Gritou mais uma vez, antes de dar as costas para mim e se enfiar na multidão. Perdi de vez a paciência. Vai se foder, mano, vai se foder – desviei de um grupo de meninas que dançava à minha direita, seguindo em direção ao bar, mais irritada do que ficara em muito tempo. Aí trombei com o Fer, a menos de três metros de onde estávamos. Desavisado, ele vinha com duas bebidas nas mãos e me olhou como se ainda tentasse entender por que diabos tínhamos acabado de discutir e agora saíamos cada uma para um lado.
 
_O QUE ACABOU DE ACONTECER ALI?!
_NADA! – resmunguei, rancorosa, esbarrando nele para passar.
 
Ficou parado ali, com os copos em mãos, me observando ir para o outro lado. Não te devo satisfação, porra. Trombei com mais pessoas do que gostaria no caminho até o bar, deixando atrás de mim um rastro de má educação. Meses, cara... Meses! E a porra da Mia ainda me faz perder a cabeça, me indignei comigo mesma. Não conseguia me conformar com como seguia me deixando afetar por ela, tomada por uma raiva desmedida. Primeiro me dá um fora e agora vem com essa merda? Tá com ciúme?? Tomar no cu, caralho! Vê-la virar as costas para mim, se achando a certa na droga da história, fez subir todo o sangue que eu sequer sabia que tinha à cabeça. Folgada.
 
Não podia acreditar na pachorra da Mia de vir me cobrar qualquer diabo que fosse. Ah, você perdeu esse direito, garota, resmungava dentro de mim, fervendo de ódio, conforme pedia a quinta ou sexta dose da noite. Virei numa tacada só. Então fiquei de costas contra o balcão, apoiando os antebraços na madeira atrás de mim. Aí respirei fundo, fechando os olhos, tentando recuperar certa calma. Um, dois, três, quatro... dez. E olhei para a pista movimentada, de novo.
 
Agora eu vou fazer de propósito, sua desgraçada.

outubro 01, 2011

Não é problema meu

Saímos do banheiro com as mãos dadas, bem “namoradinhas de balada”. Com meus dedos entrelaçados nos seus, enquanto nos desviávamos das outras pessoas em direção ao grupo de amigos da Patti. Nossas mãos e atenções não se soltaram pelo restante das horas na pista. Os amigos dela estavam se deleitando com os beijos e as nossas risadinhas, compartilhadas ao pé do ouvido. A poucos metros do bar e da Thaís, que reapareceu só para me encher o saco, é, por todo aquele romance ao qual eu e a Patti demos início desde que saímos da cabine.
 
_RESOLVEU CASAR NA BALADA, É?! – ela me provocava, se divertindo, gritando a uma distância considerável de nós.
_CALA A BOCA, THAÍS!
 
Eu ria e, meio segundo depois, surgia o Gui para me dizer exatamente o mesmo. Todo mundo se divertindo às minhas custas, que ótimo. Àquela altura da madrugada, já malemal cruzava os olhos com os da Mia, perdidos em algum lugar das redondezas na companhia do Fer e de um amigo em comum nosso. As minhas intenções estavam agora inteiramente ancoradas nas pernas magníficas da Patti, que dançava comigo em meio à pista. Aí eu voltava os olhos mais acima, para os seus, e sorria. Sem valer um centavo. Ela achava graça. Ainda sorrindo, eu a beijava e a puxava ainda mais na minha direção. Então ela colocava os braços ao redor de mim e me agarrava de volta, nuns amassos inebriados.
 
Afogada em repetidas doses de José Cuervo, a minha mente era um branco absoluto. Não pensava em nada. Só continuava dançando, mergulhada nela, cada centímetro de mim indo contra o seu corpo, os seus dedos, a sua boca. Fui perdendo um pouco a linha. Descendo as mãos pelos seus shorts até a sua bunda, a segurando só um pouquinho, assim, na malandragem, num beijo embalado pelos amplificadores ensurdecedores do Vegas. Aí continuei descendo, com os olhos apertados e a boca na sua, sentindo nas pontas dos dedos aquele seu jeans se tornar pele macia, bem aos poucos, tocando as suas pernas por cima das linhas old school tatuadas na sua coxa.
 
A Patti me beijou com vontade, suspirando, puta merda, e aí me afastou. Sorrindo para mim. Abri os olhos sem entender bem o que se passava – ela riu e mandou eu ir esfriar os ânimos no bar. “Ainda não sou sapatão”, brincou. Ah, então é assim?, a encarei por um instante e comecei a rir. . Me virei, achando graça no pedido, e me enfiei na multidão para dar um tempo. Indo na direção do bar. A pista estava tão lotada que eu mal enxergava direito aonde estava indo, me espremendo entre as pessoas para passar.
 
_Meu... – a Mia me segurou pelo braço, de repente – ...v-você TÁ SENDO UMA IDIOTA!
_Oi?! – me soltei da sua mão, grosseiramente.
 
De onde diabos você surgiu, inferno?!
 
_Ah tô, é? – emendei, ainda pega de surpresa – Qual é, Mia? Tô te incomodando?!
 
Estava ali, parada no meio de toda aquela gente, nitidamente bêbada. Mas não me respondeu, me olhando como se eu tivesse cometido algum crime, furiosa. Não posso acreditar nessa merda. Tirei o maço do bolso, entediada até a morte por aqueles dois segundos de silêncio dela, ajeitando um cigarro de qualquer jeito entre os lábios, quase debochada.
 
_VÃO TE COLOCAR PRA FORA SE VOCÊ FUMAR AQUI, IMBECIL!
 
A Mia arrancou o cigarro da minha boca, na mesma hora, jogando-o no chão num movimento brusco. Fiquei a olhando, ali, sem entender direito o que estava acontecendo – era meu cigarro, cacete. Abaixei o olhar pro chão, vendo-o ser massacrado pelos pés alheios e senti um ódio infantil da Mia por aquilo. Folgada do caralho. Tornei a encará-la, já automaticamente irritada com aquela ceninha toda.
 
_QUAL É A SUA, GAROTA?!