_N-não, ele... – me enrolei, tentando responder com naturalidade –
...saiu, f-foi levar uns amigos que tavam aí.
_Hum.
O seu olhar oscilou, voltando para mim no batente da porta. Parada,
ali, implorando para que não levasse a mal aquilo. Estava vestindo uma jaqueta
preta, botas curtas por cima do jeans e um cachecol com flores pequenas,
indicando o frio que fazia do lado de fora. O seu cabelo preto caía, bonito e
desfiado, por cima do lenço. Me encarou, refletindo, como se procurasse alguma
explicação plausível – a que fosse – para a minha cara de culpada, quieta
ali, e para a Mia logo atrás, apenas de blusão no chão do apartamento vazio.
Mas... afinal,
rolou alguma coisa?!
Nem eu sabia dizer, eram sempre esses momentos tão dispersos, argh.
A Mia nos observava de longe e os seus olhos, os da Clara, não se enraiveceram
diante da situação, se manteve tranquila. Ainda assim, no fundo deles, podia
perceber uma constatação magoada – uma decepção comigo e consigo mesma, pelas
possibilidades pouco admiráveis que o meu comportamento podia vir a tomar. E eu
me dava conta agora, de repente, do quanto me importava com o que ela pensava.
_E-então, mas... – eu disse, afobada – ...eu, e-eu vou com você!
Sem saber bem o porquê, em meio a uns segundos de constrangimento,
me virei para me trocar, para a acompanhar – estava nervosa. Pedi que me esperasse
dois minutos, que iríamos juntas até a Ouro Fino, uma galeria de artistas
independentes que ficava do outro lado da Augusta. Me virei na direção do
corredor, meio às pressas. E a Clara se surpreendeu com a minha decisão.
A Mia também.
Com as pernas de fora no blusão, sem que a visse, me seguiu até o
quarto e fechou a porta atrás de nós. Por
que diabos você veio?, a olhei
ali, angustiada. Agora é que a
Clara vai pensar que tá rolando alguma coisa mesmo, porra!
_Você vai mesmo com ela? – me perguntou, num tom baixo e levemente
indignado.
Respondi que “sim”, começando a tirar as roupas do meio da zona que
estava o meu armário. E a Mia ficou em silêncio, cruzando os braços. Vesti os
meus jeans rasgados e coloquei a primeira camiseta que vi na frente, junto com
um lenço palestino. Enquanto procurava pela minha jaqueta no bolo de roupas,
largadas ali de qualquer jeito, ouvi-a suspirar, irritada. A um metro de mim.
Achei a jaqueta.
Me virei e a Mia ainda estava lá. O que cê ainda tá fazendo aqui, meu?! Aquilo não me ajudava em nada
a manter as aparências para a Clara. Por
favor, só volta para a sala. Desviei novamente o olhar, enquanto calçava um
par de tênis sujos. Cruzando e descruzando sistematicamente os braços, a Mia
era incapaz de esconder o seu incômodo e me observava ajeitar o cabelo amassado
no espelho, meio de qualquer jeito, às pressas.
_É sério mesmo que você vai com ela?! – ela sussurrou, de novo, ainda
mais indignada – Agora? Assim?!
_E o que eu deveria fazer, Mia? – respirei fundo, colocando a
jaqueta para sair logo – Hum?! Esperar aqui com você até o Fernando voltar?
_Não foi o que eu quis dizer... É só q-que, sei lá, eu achei que a,
a gente tivesse...
_Sei. Ótimo plano! – a interrompi, irônica, indo já em direção à porta
– Só que só funciona para uma de nós.
_Não. Você não precisa ir...
A sua mão alcançou a minha, me segurando. Havia carinho no toque
dos seus dedos. Eu suspirei, tentando não me deixar afetar por cada gesto seu,
e a olhei, ainda decidida. Sentia-me estranhamente capaz de ser cada vez mais
sincera com a Mia.
_Não. Não preciso ir, não preciso mesmo... – retruquei, inquieta,
também sussurrando – E você também não precisa ficar com ele. Mas você, v-você
fica, não é?! E enquanto você fizer o que quiser, eu também faço.
Desviei dela e fechei a jaqueta, apressada, soltando minha mão da
sua. A Mia me deu passagem, quieta, com os olhos magoados. E eu abri a porta do
quarto. Preciso sair logo daqui.
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