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março 30, 2011

One, two, three... floor!

Uma tequila, claro, virou duas. E duas viraram quatro. Inevitavelmente. E após uma perigosa série de doses compartilhadas, o meu julgamento foi por tequila água abaixo. De novo. Cinquenta minutos depois, me encontrava num estado lastimável, esparramada numa cadeira de bar, desafiando a loira de alargadores pretos, afundada na sua jaqueta e igualmente fora de si, a me vencer num campeonato de palitocóptero. Não conseguia parar de rir da idiotice daquilo, o que obviamente prejudicava o meu desempenho – fazendo com que o palito caísse do meu nariz. Fala sério.
 
A clientela do bar já começava a se dispersar, lá pelas 5-e-alguma-coisa da manhã. E os atendentes nos olhavam torto dum canto, suspeitando da nossa falta de intenção de pagar a conta. Quando o palito da Isa caiu, lá pela quarta vez consecutiva, ela se apoiou na mesa com os olhos semiabertos e ficou contando em voz alta, achando graça, enquanto eu tentava provar que conseguia fazer o meu dar mais cinco voltas.
 
Caiu na terceira, merda.
 
Abaixei para pegar o palito no chão, reclamando do meu próprio fracasso. E ao retornar à posição normal, me senti tonta, bêbada como um gambá. Coloquei o palito sobre a mesa e me debrucei no tampo de madeira, olhando para a Isa de volta. Me pareceu bonita, assim, de repente – para quem já tinha sobrevivido a uma balada e à maior enrolação do século, isto é. E após uma longa noite de tentativas malsucedidas, foi então que o clima finalmente despontou entre nós duas. Sorrimos uma para a outra. E ela percebeu a brecha.
 
_Se eu tentar te beijar agora... – disse, flertando – ... cê vai dar um jeito de virar o rosto, não vai?
_Não sei... – fiz graça, brincando com o palito sobre a mesa – ...tenta, ué.
 
Ela me observou, desconfiada, e inclinou o rosto na minha direção. Os garçons nos olhavam. A barra do vestidinho amarrotado já tinha subido tanto que, de onde eu estava, parecia que ela estava só de jaqueta. Sorri, conforme se aproximou de mim, cogitando se dava aquele beijo ou não. E no último segundo, desviei. Encostei o rosto no canto da sua boca e lhe dei um beijo comportado na bochecha, de propósito. Ela riu, na mesma hora.
 
_Filha-da-puta...
_Quê?! Cê achou que eu ia dar uns pegas com você aqui, meu?
_Tá – me provocou – Vamos pro carro, então...
_Não, meu... – balancei a cabeça, rindo, e aí a encarei fixo por um instante, sentindo a tequila bater – ...hum, e se eu disser que eu vou?
_Eu pago a conta agora, meu.
 
Suspirei. Sem muita certeza do que estava fazendo dizendo ali.
 
_Tá. Então, vamos.

A carona

O ar passava gelado entre os meus dedos, voando leves ao som do álbum experimental que tocava no carro da Isa. Cex, “Actual Fucking”. Minha cabeça seguia apoiada na janela aberta, o antebraço todo para fora e os dedos suspensos no ar. Eu estava bêbada, realmente bêbada – tinha aberto a janela para não vomitar ali dentro, enjoada pelas voltas que demos pela Lapa para deixar o amigo dela em casa. Agora o carro seguia em linha reta pela Heitor Penteado. Só eu e ela.
 
Mas a minha mente e o meu olhar estavam longe – na Mia, é.
 
Eu sabia o que a Isa queria. Sabia exatamente o que ela estava pensando, sentada ali ao meu lado, fumando um cigarro e me observando vez ou outra, com o canto do olho, murmurando a melodia insinuante que saía do rádio. Sabia porque aquele era o papel a que eu me acostumara. A ser a garota que liga para outra às três da manhã. A atravessar a cidade para foder alguém que não ia encostar um dedo sequer em mim. A não significar. A não ser ninguém. E sabia, antes de mais nada, porque sabia o que eu tinha feito aquela “carona” parecer ao telefone.
 
Mas, àquela altura, eu estava pouco me fodendo.
 
Brisava nas batidas em downtempo da música e nos meus dedos no ar, olhando a cidade passar por detrás. Ajeitei o rosto, apoiando o queixo sobre o braço que pendia para o lado de fora. E ao notar o mínimo movimento meu, a Isa puxou assunto. Coloquei os ouvidos do lado de dentro do carro – “quê?”, pedi para ela repetir. E encostei o corpo contra o assento, colocando os pés no painel e escorregando no banco, com os joelhos na altura do rosto.
 
_Eu perguntei... – ela sorriu – ...no que cê tá pensando aí?
_Em nada... – murmurei, largada no banco do passageiro, desanimada – ...sei lá. Em parar pra comer, talvez.
_Pra comer?
_É – sugeri, a poucos quarteirões de casa, sem fome alguma – Tá com fome?
_Olha, até comeria... – sorriu pra mim – Mas só vai ter boteco aberto essa hora!
_Não. Vamos no Prime Dog, meu.
 
E aí passamos reto pela Augusta, atravessando até o final da Paulista. É – eu estava enrolando. Descaradamente. Ganhando tempo ali, sem fome alguma, enfiando um hambúrguer vegano goela abaixo. Enrolando pois sabia que, assim que descesse na porta do meu modesto edifício, ela ia querer subir comigo. E eu não queria ser a filha-da-puta que, além de pegar carona a troco de beijo nenhum, também diz estou-cansada-deixa-para-outro-dia. Mas não estava afim. Então precisava criar, no mínimo, a ilusão de que aquilo tinha sido um encontro.
 
Sentada naquela cadeira gelada do Prime Dog, rodeada de outros bêbados que começavam a sair das baladas, eu a escutava tagarelar. E entrava numa bad cada vez maior. A Isa encostava sua mão na minha, debaixo da mesa, e eu apoiava ambas ao lado do prato. Aí ela pegava discretamente na minha perna e eu a cruzava, dois segundos depois. Vez atrás de outra. Ia desviando das suas tentativas de criar qualquer clima para um possível beijo e ela percebia, achando graça, como se eu estivesse me fazendo de difícil.
 
Por que diabos eu tô aqui? Caralho.
 
Assim que levantamos da mesa, a Isa tentou me convencer a tomar uma saideira do outro lado da avenida. Ficou pulando na minha frente com as pernas descobertas num vestidinho preto amarrotado e uma jaqueta jeans dez vezes maior do que seu tamanho. Cacete. Depois de toda aquela comida, eu já estava levemente mais sóbria – o suficiente para saber que não tinha dinheiro para mais nada. Me restavam menos de dois reais em moedas.
 
_Não, mano – argumentei – Nem tenho grana mais.
_Ah vem, vai... – a Isa insistiu, rindo – ...eu peço uma tequila e a gente divide!
 
Céus.

março 28, 2011

Me engana, eu gosto

A Isa riu, do outro lado da linha – “ah, é?!”.
 
_É... – arrastei as palavras, com os olhos fechados – ...tava pensando agora mesmo. Onde cê tá?
_Onde eu tô? – achou graça – Por que cê quer saber?
_Ah. Curiosidade...
_Sei... – a Isa se divertia e eu tragava, me forçando àquela situação – ...mas o que eu ganho se te contar?
_Mano... – respirei fundo – ...todo o desinteresse do mundo.
_Ah, agora é fácil assim?
_É.
_O que eu quiser, então?
 
Quer que eu repita, porra?
 
_Vai... – insisti – Me fala onde cê tá.
_Hum. Tá com pressa?
 
Cacete.
 
_Não. Não é pressa, é só que... sei lá, agora me pareceu uma boa hora pra gente... – hesitei – ...dar aquele beijo.
_Às três da manhã?! – zombou.
_Alguma coisa contra ligações de madrugada?
_Nenhuma. É só que, né... Assim, do nada...
_Não do nada, eu... – soltei a fumaça no ar e me preparei para mentir, descaradamente – ...eu meio que, sei lá, fiquei com você na cabeça, sabe... depois da gente conversar mais cedo. Fiz merda em ligar?
_Não! – ela riu – Nem um pouco. Eu tô aqui na Hot Hot, mas tava pensando em sair logo mais...
_E daí cê vai pra onde?
_Não sei. Depende. Onde cê tá?
_Na Clash. Mas tá um lixo aqui... – resmunguei – Cê tá de carro, meu?
 
Diz que sim, diz que sim... diz que sim.
 
_Tô – ela riu, de novo – Por quê? Quer que eu passe aí?!
_Não, mano... – me fiz de ofendida, sentindo a garoa na cara – ...eu me viro, aqui é completamente fora de mão pra você.
_Não, não, é de boa...
_Sério mesmo?
_Sim.
_Então já é.
_Mas espera... E se não funcionar?
_Se não funcionar o quê?
_O nosso trato... – fez graça – ...e se eu pegar o meu beijo e, de repente, eu quiser mais?
_Aí cê pega mais... – resmunguei, bêbada – ...pega o que você quiser, meu.
 
Só me tira dessa merda dessa rua, garota.

março 24, 2011

Na Clash

Péssima escolha. Engoli o restante de álcool no fundo do copo e o deixei novamente sobre o balcão, pedindo para o barman encher mais uma vez. Que porra eu tô fazendo aqui? Não devia ter saído de casa, resmunguei para mim mesma, observando o whisky tingir o balcão de vermelho através do vidro. O cara marcou a dose na minha comanda e eu olhei para a pista. A Lê já tinha desistido de me fazer dançar com ela, arranjando uma garota qualquer no meu lugar.
 
Não estava no clima. Não estava no clima pra porra nenhuma.
 
Um babaca de jaqueta jeans e camiseta dos Pistols, metido a moderninho, me enchia o saco, grudado ao meu lado. E eu o ignorava. Homens são como cachorros – não importa o tamanho da migalha, se você joga um só pedacinho, eles não saem mais do lado da mesa. E assim ele insistia, depois de meia resposta minha, falando coisas como o quanto Kerouac mudou a sua vida no ano anterior e o caralho a quatro. Eu preciso sair daqui.
 
Olhei por cima do meu ombro, a alguns metros dali, e a Lê seguia com as coxas metidas entre as pernas da garota. Eu tenho merda na cabeça, dei mais um gole no meu Jameson, me sentindo presa naquela droga de balada. O ambiente escuro e abafado da Clash tinha me enfiado com tudo na bad e eu estava rezando, implorando para ir embora logo. Sem nenhum sinal, todavia, de uma partida iminente. Achei mesmo que isso ia me fazer bem? Puxei então o celular do bolso, praticamente num ritual autodepreciativo a que tinha me acostumado, encarando a ausência de notificações. Como se o olhasse direto para o abismo que a Mia deixou na minha vida.
 
Que se foda, decidi, vou cair fora.
 
E saí. Sem sequer avisar a Lê, cambaleando de bêbada. Já do lado de fora, senti uma garoa fria me despertar daquele inferninho. Tirei o maço do bolso e acendi um cigarro torto, meio sem jeito, protegendo a brasa do vento enquanto lutava para fazer pegar. Dei a primeira tragada e deixei uma fumaça morna se espalhar no ar gelado. Onde você tá, Mia, cacete? Por que você não me liga como liga para ele? Caralho. Me esforçava para não pensar nela, tragando mais uma vez e sentindo meus braços congelarem. Mas a minha cabeça ficava voltando para a sua boca, para os seus olhos. Para a porra das suas pernas me abraçando, enquanto ela encostava a cabeça no meu ombro. Por que você não consegue me amar de volta?
 
Engoli seco e as palavras da Marina ecoaram na minha cabeça. Devia mesmo ter sido diferente a essa altura. Inferno. Suspirei e coloquei o cigarro na boca – precisava achar um jeito de sair daquele buraco na Barra Funda e voltar para a Frei Caneca. Observei o movimento na rua, me dando conta de que eu estava longe pra caralho de casa. Peguei o celular e olhei as horas – 03:17. Eu tô fodida, balancei a cabeça, sem acreditar, e soltei a fumaça. Não queria esperar até o metrô abrir. Contei os meus trocados restantes e não tinha o suficiente para um táxi. Merda. Quis então ligar para a Marina, pedir para que viesse me resgatar.
 
Mas não tinha coragem – não àquela hora.
 
Apoiei as costas contra a parede de fora da balada, sentindo minhas pernas instáveis e embriagadas. Argh. Aí me agachei e sentei naquela calçada suja, direto no chão. Encostei a cabeça contra o concreto da parede e rodei a minha lista de contatos do celular com uma mão, enquanto a outra segurava o cigarro inacabado. Meus pensamentos confusos me atrapalhavam. E sem raciocinar direito, pressionei o número da Isa – que eu tinha anotado naquela tarde. Tocou algumas vezes até ela atender.
 
_Então, pensei sobre aquele beijo...

março 21, 2011

6 minutos

Fiquei olhando para a tela do computador, acendendo um cigarro. Não posso fazer isso. Meus olhos estavam secos – e exaustos. E a foto da droga da Isa me encarava de volta, há duas semanas ali, esperando, entre os meus pedidos de amizade. Inferno. Soltei a fumaça no ar, que se foda. E sem pensar, aceitei o pedido e lhe escrevi numa tacada só – “pensei q o combinado era ñ significar nd pra mim, nem pra vc”.
 
Minimizei o navegador e voltei para o Media Player, ignorando aquela ânsia no meu estômago. Comecei a rodar a minha lista de músicas, cada vez mais e mais para baixo, com a mão direita no mouse. Trouxe o filtro até a boca e traguei, de novo. Minhas playlists todas já tinha me enjoado. Olhava para elas, uma a uma, enquanto ouvia qualquer música do Little Boots, soprando a fumaça para cima.
 
So don’t go messing with her heart or messing with her mind or messing with the things that are inside – a minha boca gesticulava silenciosamente, entre uma tragada e outra, montando uma nova lista para substituir as antigas. E apenas minutos depois, vi aparecer uma notificação no Facebook minimizado. (1). Subi mais uma vez a janela do navegador, por cima do player, e coloquei o cigarro na boca. Cliquei sobre o nome dela na tela. Aí apoiei as costas para trás, de volta ao encosto da cadeira, tirando o filtro dos lábios.
 
“Sem beijo, sem trato. Mas se rolar um, talvez eu perca o interesse... ;)”, li.

março 20, 2011

A vida sem ela

Os próximos dias se seguiram em silêncio. O meu telefone não tocava e as mensagens pelas quais ansiei o fim de semana inteiro nunca vieram. Era dilacerante. O nosso apartamento também ficou mudo. Ninguém falava, não abríamos a porra da boca. Apenas trocávamos olhares pelo corredor e depois seguíamos nossos caminhos – eu, o meu e ele, o dele. Não tocávamos o assunto, não falávamos da briga. Nem interferíamos um na vida do outro.
 
Eu sabia que o Fer estava mal – mas não conseguia me importar. Ele não sorria e tinha os olhos sempre amargos, escuros. Sabia que estava sofrendo. Enquanto ele, por outro lado, sequer se esforçava para reparar a dor que me corroía por dentro. E eu mantinha os meus motivos assim, escondidos dele, enterrados no meu peito junto com o meu coração. Estava quieta, apática. Andava pelo apartamento por mera necessidade de locomoção entre um cômodo e outro. E quanto mais o tempo passava, mais difícil era quebrar aquele silêncio.
 
Não é fácil se acostumar com o vazio depois de ter a sua vida tão preenchida. Não sabia o que fazer com todo aquele espaço que ela deixou – então, eu lia. Lia muito. Terminei “Inferno” da Eileen Myles em dois dias. E aí passei para o sofá, largada ali por horas e mais horas, assistindo televisão até a porra dos meus olhos secarem. Tentava evitar a internet, depois de uma madrugada deplorável em que fiquei olhando as antigas fotos da Mia no Facebook. Uma por uma. Agora enchia a cabeça para não a ocupar com os meus pensamentos depressivos.
 
Mas eles vinham.
 
E eu ficava horas sem conseguir dormir, sozinha na sala e encarando o teto, enquanto a TV gritava com as paredes. Pensando na Mia. E só nela, um milhão de vezes nela. No seu sorriso deitada ao meu lado no chão, nos seus dedos percorrendo minhas tatuagens, nas coisas que me dizia distraída e na temperatura dos ladrilhos contra nossa pele; em nós duas bêbadas na Sarajevo, em como ela dançava comigo, no nosso beijo na pista de cima. Caralho. E aí pensava nos seus olhos inchados naquele sábado, parada no elevador do prédio, pensava na sua boca muda. Até que não me aguentei – peguei o celular ao lado do sofá e o segurei por um tempo, deitada de lado, sem saber o que fazer. Não tinha ideia do que dizer para ela. Aí escrevi um desajeitado “Eei... :)”, na esperança de que ela também estivesse acordada naquela madrugada.
 
Ela não me respondeu.
 
Naquela noite e nem nos dias seguintes. Droga. A única que falava comigo era a Marina, numas poucas ligações durante a semana, preocupada. E eu tinha cada vez menos vontade de falar. Me fazia então perguntas do tipo “você comeu alguma coisa hoje?” e eu a respondia sem muita paciência, dizia que estava bem. “Você não tá enganando ninguém”, a Marina argumentava. Mas a verdade é que eu só não estava enganando ela – todo o resto não percebeu. Nem o Fer, nem os meus amigos. Recusei todos os convites da Lê e do Gui para sair. E todo mundo presumiu que eu estava ocupada, isso me bastava.
 
Me isolei. Não falava sobre a Mia – com a Marina ou com qualquer outra pessoa. E ainda assim podia sentir, presa dentro de mim, uma vontade insuportável de mencionar o seu nome. O tempo todo. De ir vê-la, de saber o que estava se passando. Tudo o que eu sabia, numa infeliz casualidade, era que ela tinha procurado o Fernando num dos dias que se seguiram à briga. Eu estava na cozinha, jantando, quando escutei ele discutir com ela pelo telefone. Abriu a porta do quarto com força, após algum tempo, falando um último “porque eu não quero que você me ligue, porra!” e saiu do apartamento, com raiva.
 
Nesse dia, eu me senti um verdadeiro nada.
 
E era por isso que não falava dela com ninguém. Porque me doía lembrar – ou desconfiar, que fosse – da possibilidade de que ela sequer pensasse em mim. Assim o meu silêncio me protegia, me distraía do dela. Maldição. Ainda que eu soubesse que era com ela que o Fer discutia no telefone. E eu ficava ali, sem escolha, ouvindo por tabela. Aí o babaca saía de casa sem nem se dar conta da repercussão dos seus atos barulhentos e eu restava sozinha, com o estômago embrulhado e uma vontade filha-da-puta de fazer alguma merda muito grande. Só para colocar tudo para fora. Descarregar toda aquela frustração de não ser comigo. De não ser para mim a porra da ligação.
 
Sentei em silêncio por vinte minutos naquela noite, com o meu telefone mudo na minha frente na mesa. E depois, com um rancor desgraçado, estourei o volume do som da sala até os vizinhos reclamarem.

março 18, 2011

Dig me out

...out of this mess, baby, out of my head.
(Sleater-kinney)
 
Desci a rua acendendo um cigarro, enfiando toda a fumaça que podia para dentro. Maldição. Tentava evitar ficar checando a porcaria do celular a cada cinco minutos – mas, de uma forma realmente masoquista, não conseguia me conter. Tirei-o novamente do bolso, já quase na esquina de casa, e olhei para a tela. Nenhuma mensagem. Nada. Nada da Mia. Eram sete da noite e as calçadas já estavam tomadas de gente na Frei Caneca, o trânsito buzinava incessantemente. Aquela azucrinação toda me incomodava.
 
Assim que entrei no apartamento, cruzei com o Fer saindo de casa – com pressa. Não falou comigo e eu também não fiz questão de cumprimentá-lo, indo direto para o meu quarto. Grosso do caralho. A verdade é que, é, talvez eu devesse fazer o mesmo que ele. Sabia que ficar ali, sozinha, não ia tornar os meus pensamentos mais suportáveis. Pelo contrário. Mas larguei o corpo na cama e fiquei encarando a porra do teto, numa insistência burra. Me deixava tomar por uma angústia desgraçada. E podia sentir o meu coração disparar, bêbado e machucado. Peguei o celular na mão e encarei a caixa de mensagens vazia, mais uma vez.
 
Inferno.
 
“Pfvr”, digitei para a Mia, “fala cmg”.
 
Larguei o celular na cama e levantei, inquieta, sentando em frente ao computador. Aí liguei a música, no último volume, tentando me distrair de qualquer jeito. Assim que abri o Facebook, dei de cara com a infeliz da Isa entre os meus pedidos de amizade. Não. Nem a pau. Fechei o navegador na mesma hora, num impulso infantil. Caralho, esfreguei as mãos no rosto, em que merda eu fui me enfiar? Comecei a ser tomada por uma bad desgraçada. E infelizmente, fechar a janela não desaparecia com o problema que aquela noite no Vegas tinha me causado com a Mia.
 
Argh.
 
Então bolei um baseado e o acendi, tentando sufocar aquele sentimento desesperador. Sozinha no quarto e olhando para a merda daquela tela vazia do computador. Não posso te perder agora, garota, traguei demoradamente. Não agora que gente tava tão bem, porra. Meu coração me doía a garganta e a cabeça. E conforme os minutos se transformaram em horas, afogada em maconha, foi me batendo uma paranoia de que eu tinha fodido tudo de vez. Aí todas as lágrimas que evitei naquela tarde na frente da Marina, e da Bia, vieram. De uma só vez.
 
_Má... – senti o ar sumir dos meus pulmões, puta merda, sem saber a quem mais recorrer – ...Má, e se ela não quiser mais?
_Ei – minha ex falou baixinho, do outro lado da linha – Calma, linda.
_Não, Má, mas e se... e se ela não quiser mais nada? – eu soluçava – P-por causa do, do Fer... da merda que eu fui fazer! – enxugava meus olhos inchados, sentindo o meu coração se despedaçar – E, e se... a, a Mia não quiser mais ficar comigo?! E se eu tiver fodido tudo, Marina?!?

março 17, 2011

Maus modos, claro

_Me vê a conta da doze.
 
O cara do caixa me olhou torto, de saco cheio dos bêbados de sábado à noite que lotavam o bar com alguns decibéis extras, num caos barulhento, e procurou a comanda da minha mesa. Colocou-a por fim sobre o balcão, sem dar muita atenção para mim. Estúpido. Peguei o papel para analisar os pedidos, me sentindo consideravelmente embriagada e com dificuldade em fixar na cabeça o que eu lia. Preciso sair logo daqui. Não ia conseguir tolerar mais uma hora daquela baboseira romântica entre a Marina e aquela garota ridícula, interagindo na mesa, bem na minha frente. Estava prestes a ser grossa com as duas, bêbada e num estado de espírito de merda, e sendo assim, preferia evitar uma ceninha. Busquei no bolso os meus trocados pouco numerosos.
 
_Precisava sair da mesa assim?!
 
A Marina encostou em mim, de repente, indignada.
 
_Eu vou pagar as quatro Itaipavas, a dose e... – a ignorei, me dirigindo ao cara do caixa – ...e, e me vê um maço também. Pode ser o Lucky.
_Hein?! Eu tô falando com você... – ela insistiu, daquele jeito Marina de ser, que inferno – Precisava?! Você me largou falando sozinha! E... e agora vai embora?! Assim, do nada?!
 
Ela continuou e eu comecei a perder a paciência, a ouvindo reclamar. Eu estava bêbada e o timbre da sua voz ecoava irritantemente nos meus ouvidos. Não sei qual é a porra da dificuldade em interpretar os sinais mais óbvios, me enfadei daquela ladainha. Se eu levantei da mesa, é porque não quero ficar ali. Se fui até o caixa, é porque vou embora. Se não me despedi, é porque não quero olhar na droga da sua cara. E se você traz a porra da sua namorada para encontrar a sua ex, você deveria esperar descontentamento, cacete, é tão difícil assim?!
 
Mas não – a Marina tinha que insistir.
 
_O que acontece com você hoje?!
 
Nada, que é isso... O meu dia foi ótimo.
 
_HEIN?! – se irritou – Precisava dessa ceninha toda?!? A gente tava lá conversando, de boa, todo mundo... Que saco, que que deu em você agora?!?
_Nada... – tentei segurar a minha grosseria, contando as moedas na minha mão, e as entreguei para o atendente. Observei ele derrubá-las para dentro da caixa registradora e só depois notei que a Marina estava sozinha ao meu lado – ...cadê a sua namoradinha?
_Meu... – ela me olhou, realmente sem entender – ...qual é o seu problema?! Ela, e-ela foi no banhei...
_Ótimo! – a interrompi, pegando o maço no balcão – Assim não preciso falar tchau.
 
Me virei, já para ir embora, querendo dar o fora dali logo – mas a Marina, claro, me segurou.
 
_Dá para você falar comigo direito?! – me pegou pelo braço – O que tá acontecendo?!?
_Mano... o que você acha?!?! – retruquei, irritada – Eu não gosto dela, Marina, VOCÊ SABE QUE NÃO GOSTO!
_Qual é, agora?! Tá com ciúmes da Bia?!
_CIÚMES?!? – revirei os olhos, achando absurdo ter que me explicar – VELHO, ELA TE TRATOU QUE NEM MERDA NÃO FAZ DUAS SEMANAS, TE FEZ SENTIR MAL POR MINHA CAUSA, PORRA, POR VIR ME VER... E AGORA EU TENHO QUE SENTAR AQUI E FICAR FAZENDO SOCIAL, MARINA?!?! TOMAR NO CU! VOCÊ PODIA TER ME AVISADO, NÉ, CARALHO!! – me revoltei – AÍ EU NEM APARECIA NESSA MERDA DESSE BAR!
_E O QUE EU IA FAZER, HEIN, ME DIZ?! EU TAVA NA CASA DELA! EU IA DIZER O QUÊ?! IA SAIR, ASSIM, DO NADA?!?! – ela discutiu de volta e aquilo me lembrou a pior época quando estávamos juntas – Sério, me diz, você acha que eu não tenho vida, né?! Que tudo gira em torno desse seu mundinho... Você realmente acha que todo mundo vai largar o que tá fazendo, largar a casa, a comida, a namorada, o trabalho, os amigos... só pra vir te ver, quando você decide ligar?!
_“DECIDE”?!? “DECIDE LIGAR”?!?! – retruquei, mais alterada ainda – Eu não “decidi” te ligar, Marina! Não é como se, do nada, me deu na telha atrapalhar sua tarde de sábado “maravilhosa” com a merda da sua namorada... Vai se foder, mano!! Você acha mesmo que eu “decidi” te ligar?! Que eu não tinha nada melhor pra fazer do que me enfiar numa porra de uma briga com o Fernando e com a Mia hoje?! Que eu queria estar nessa droga dessa confusão de novo?!? É o pior dia da minha vida!! E agora eu preciso agendar com antecedência pra poder contar com você quando eu tô na merda???
_Desculpa... E-eu sei, eu... – se apressou em voltar atrás, fechando os olhos – ...me desculpa, linda.
_Desencana, eu vou embora...
 
Enfiei o maço no bolso e saí, em direção à rua. Já estava de saco cheio.

março 15, 2011

Bar de esquina

Cê só pode tá brincando, me irritei ao olhar para frente e ver a Marina atravessando a rua, acompanhada. Merda. Traguei mais uma vez o meu cigarro já quase acabado, sentada num boteco do outro lado da calçada. E encarei a garota de mãos dadas com ela, uma idiota de cabelo curtinho preto, com cara de sapadrão sapatão e mais ou menos do meu tamanho. Estava de jeans e uma regatinha branca, tinha uma tatuagem tosca ao redor de um dos braços, a um palmo dos ombros. A Marina só pode ter merda na cabeça para trazer essa garota aqui, soltei a fumaça para o lado, sem tirar os olhos das duas, que só agora chegavam ao meu lado da calçada.
 
_Meu, tá impossível estacionar... – a Marina comentou e sorriu ao me ver – ...oi.
_Cê parou muito longe? – perguntei meio por perguntar, ainda engolida pelo meu próprio drama.
_Não, mas foi difícil conseguir lugar, né? – ela se virou para a menina, em busca de validação, numa intimidade repugnante – Ah! Essa é a Bia...
 
Jura.
 
_Hum. Então você é a tal... – ela me olhou, forçadamente simpática, colocando a mão na parte de baixo das costas da Marina como quem protege o seu território.
_E aí... beleza?!
 
Disse meio indiferente, só para não a deixar no vácuo, e eu soltei a fumaça que acabara de tragar. O clima ficou estranho. Seguiu-se um breve silêncio que elas pareceram ignorar. Isso é culpa minha, traguei mais uma vez, detestando o rumo daquele sábado, enquanto elas se sentavam, se juntando a mim numa mesa a quatro quadras de casa, não devia ter insistido para a Marina no telefone, não devia. Meu humor estava péssimo. A Mia ainda não tinha me respondido e a última coisa que eu queria agora era sentar ali, vulnerável, e contar todo o desenrolar daquela tarde de merda pra Marina, com a droga da sua namoradinha do lado. Como se eu já não me sentisse mal o suficiente, observei a garota e o seu olhar cruzou com o meu. Nenhuma de nós foi com a cara uma da outra.
 
Mal haviam se sentado, todavia, e a Bia perguntou para a Marina se ia querer algo para beber. Aí saiu para chamar o garçom na porta do bar, a alguns metros dali. A olhei se levantar da cadeira e imediatamente lancei um olhar de onde-diabos-você-tá-com-a-cabeça para a Marina, do outro lado da mesa. Aquela situação era ridícula, completamente desnecessária, e ela sabia. “Seja simpática”, os seus lábios gesticularem em silêncio, me encarando de volta da mesma forma que a minha mãe me encararia se eu estivesse me comportando mal aos sete anos de idade. Inferno.
 
A tal da Bia se sentou novamente na mesa e sorriu para a Marina, sem perceber nada. Desviei o meu olhar, com certo desgosto, pegando o copo semicheio de cerveja e apagando o restinho do cigarro na mesa de madeira. Dei um gole e as duas ainda se olhavam, vi através do fundo de vidro, aí dei mais um e depois outro gole. Por fim, elas pararam. O meu copo já estava vazio, então me pus a enchê-lo com uma garrafa de Itaipava sobre a mesa e agora a Marina me encarava como se esperasse a grande história da vez. O sol abafava o ar ao redor, refletido na calçada, num calor desgraçado.
 
Mesmo incomodada com a presença da embuste, comecei a lhe contar tudo o que tinha acontecido desde terça-feira – a ida na casa da Mia, o sexo, as tatuagens, o encontro com o Fer no dia seguinte, o Vegas, a loira, os garotos em casa, a Mia chegando de madrugada com o Fer, eu no sofá, a briga no dia seguinte, nossa conversa no quarto, o elevador e o meu eu-te-amo fora de hora. A Marina ouvia tudo atentamente, curiosa. E a sua namoradinha também, argh.
 
Aquilo me desconcertou o tempo inteiro, a cada segundo, tirando o peso das minhas palavras. Não me sentia tão triste como achei que me sentiria ao reviver cada minuto daquela tarde lastimável. De certa forma, o meu incômodo com a presença da Bia parecia ofuscar a minha angústia com tudo o que tinha acontecido – me recusava a chorar na sua frente.
 
_E até agora nenhuma mensagem dela?
 
A Marina me olhou, chateada.
 
_Não... Ela não vai responder, Má, eu sei que não. E você também sabe... Ela, e-ela não quer lidar com essa porra toda. Ela nunca quis!
_Meu, larga mão dessa garota... – a namorada até-então-muda da Marina resolveu se intrometer.
_“Essa garota”? – eu repeti, rindo, achando ridículo.
_Linda, me escuta, ela... – a Marina olhou na direção da Bia enquanto falava, reprovando o comentário idiota – ...a Mia, ela... acho que ela tá se sentindo culpada demais. Não sei. Eu tenho medo dela ir atrás do Fer, tentar se redimir, sei lá. E aí o que cê vai fazer? Você não pode ficar aí esperando, sofrendo tudo de novo.
_Eu não vou ficar esperando.
_Tá. Mas...
_Não... – interrompi o que ela ia dizer e passei as mãos no rosto, sentindo aquilo me apertar a garganta, de repente – ...eu vou. Eu sei que eu vou. Eu vou esperar, meu... Mas que inferno! – voltei atrás.
 
Que situação de merda, xinguei para mim mesma, me odiando por estar tão à mercê da Mia. Enchi o meu copo com a segunda garrafa de cerveja da mesa. E a Marina segurou a minha mão, com um olhar de pena insuportável. Só permiti porque a tal da Bia olhou torto para nossas mãos ali, sobre a mesa, enciumada.
 
_Linda, você vai se afundar nessa confusão toda... Eu nunca te vi assim, me preocupa. Não sei se dá pra você, sabe, esperar tanto assim da Mia. A, a Mia é... complicada. Ela ainda precisa se resolver direito, nã...
_Eu sei, mas, Má, ela sente alguma coisa por mim! Eu sei que sente!! E o que eu vou fazer, porra?!? Dar as costas pra isso logo agora que... que a gente tava finalmente chegando em algum lugar?!? É a Mia... a minha Mia, caralho! – me exaltei, inquieta – Eu não posso deixar pra lá. Não foi você que disse que ela precisava de... d-de alguém para ir lá e pegar ela pela mão?! Que eu tinha que ter paciência e que...
_Foi, foi – ela me cortou – Mas eu... não sei, eu não sei o que pensar!
_Essas últimas semanas foram maravilhosas, Má. Me escuta, eu sei que a Mia gosta de mim. Eu consigo sentir isso!
_Mas, gata, que segurança maior cê poderia dar pra ela? Você já disse que ama ela e se a resposta não foi imediata, se na hora ela nã... – a Marina hesitou, parecendo medir suas palavras – ...escuta, se isso não fez diferença, você amar ela ou não, se não aliviou a confusão em que ela tá, meu... – se interrompeu de novo, suspirando – ...sabe, eu só acho que... q-que devia ter sido diferente, a essa altura. Depois de tudo o que vocês já viveram. Ela, não sei, e-ela ainda tá muito presa ao Fer, ela ama ele demais pra...
_Não... – balancei a cabeça – ...não.
_Quer ouvir?! – ela brigou comigo e eu cruzei os braços, intragável, ouvindo a contragosto – Não tô dizendo que ela não sente nada por você... Você pode até esperar a poeira abaixar, tentar falar com ela. Ir conversar com calma. Mas, não sei, eu acho que ela tá se sentindo culpada demais para assumir o que vocês têm agora. Não acho que ela vai voltar pra você tão cedo, linda.
_Eu espero. Eu espero, porra! – argumentei, incomodada – Já não esperei antes, caralho?!
_É diferente, cê já tá envolvida demais agora, meu, você vai...
_O quê?! Vou o quê? Me machucar?!? – meus olhos marejaram – Bela bosta!
_Não faz isso, flor. Não fala assim, por favor.
 
E faço o quê, então?!

março 12, 2011

Estaticidade lenta

Olhei a porta do elevador se fechar lentamente. Parada, em pé no meio do corredor. Não, meu. Por favor. A Mia estava do outro lado, apoiada contra uma das paredes, mas não me encarava de volta. De cabeça baixa, covarde. Inferno. Os meus olhos não desviavam dos dela –não faz isso, garota. Por favor. A porta estava prestes a se fechar por completo e aquilo estava acabando comigo antes mesmo de terminar. Antes mesmo daquela porra daquele elevador descer e a levar embora, de vez, sem me dizer uma única palavra. Nada além de um “eu preciso ir”, hesitante e inseguro, murmurado sem sequer me olhar, tropeçando em suas próprias palavras.
 
É só isso que cê tem pra me dizer? Só isso, Mia?!, o meu coração se apertava ao olhá-la ir, ali, com a sua regata preta desajeitada no corpo e os olhos inchados, me sentindo uma idiota completa. Maldição. Quando foi que eu perdi a noção?! Qualquer noção, porra??
 
Assisti a porta do elevador se fechando diante de mim. Muda. Ah, como queria. Como eu queria poder dizer algo, impedir que aquela fresta se fechasse – enfiar a mão ali, do nada, e parar tudo, não deixar que ela fugisse, que evitasse as minhas palavras. A minha droga de declaração romântica malsucedida. Qualquer coisa, porra, Mia. Me fala qualquer coisa. Me manda à merda, diz que não me ama, mas fala, caralho, eu a observava, conforme os últimos centímetros de vão entre as portas se esvaíam, não me deixa aqui. Não vira as costas para nós. E eu a olhava, olhava e olhava, sem me mover, como se isso fosse o suficiente para fazer aquela porra daquela porta parar. A olhava, cacete, como se o desespero no meu olhar fosse capaz de a segurar ali por mais alguns instantes – e talvez fosse, de fato, se a Mia simplesmente erguesse o rosto e me notasse ali.
 
Mas ela não olhou. Ela não fez nada.
 
Puta merda. Senti vontade de chorar, num impulso angustiado. Não. Isso não, não posso perder a cabeça, tentei respirar. Mas senti as lágrimas me apertarem a garganta, no segundo em que aquela porta de fato fechou, e o meu peito foi invadido por um arrependimento insuportável. Magoada, com o coração na mão – e sem resposta. Engoli seco. Caralho. Andei pelo corredor e bati a porta do apartamento com força, atrás de mim. Estava prestes a desmoronar. O Fernando continuava no quarto, podia sentir o cheiro do baseado queimando, vindo debaixo da sua porta – me lembrando do quão insignificante eu era. E quem ela escolheu, no final. Inferno.
 
Com raiva e frustrada, me tranquei no meu quarto. Não queria ver o mundo por um mês. Foda-se, foda-se tudo, pensei, mas não conseguia me aquietar, andando de um lado para o outro. Apoiei a cabeça contra o vidro da janela e fechei os olhos, então, respirando fundo. Por que eu fui falar?!, suspirei, sem conseguir conter as lágrimas, por que eu fui lá e fodi tudo? Por que eu tinha que abrir a boca e assustar ela, porra?!, não me conformava. Eu estraguei tudo. Aquilo ia me tirar a paz, o sono – eu sabia.
 
Apanhei um cigarro em cima da mesa do computador e o acendi, na tentativa de me acalmar. E foi quando escutei o meu celular tocar. Era a Mia – “vc me ama msm?”. Traguei uma vez, soltando a fumaça em seguida, olhando para a mensagem dela. “Amo”. Digitei de volta, sem hesitar. E larguei o celular sobre o parapeito da janela, com os olhos molhados. Eu sabia que ela não ia responder.

Me olha, garota

Here we go again...
I kindda wanna be more than friends
So take it easy on me...
I’m afraid you’ll never satisfy

...

Oh-ohh, I want some more...
Oh-ohh, what are you waiting for?
Take a bite of my heart tonight

Oh-ohh, I want some more...
Oh-ohh, what are you waiting for?
What are you waiting for?

Say goodbye to my heart tonight.

(Neon Trees)

março 10, 2011

Portas, portas

A porta da frente mal havia batido quando abri a do meu quarto, indo para o corredor. Estava furiosa – comigo mesma, com a droga da situação toda. Batendo o recorde de estrondos dentro do apartamento naquele sábado, uma porta atrás da outra. Puta que pariu. O Fernando se recuperava da discussão na sala, fumando um baseado que o denunciou ali antes mesmo de eu poder vê-lo. Estava sentado na poltrona perto do sofá e eu, perdendo a cabeça por saber que a Mia tinha acabado de sair dali, machucada.
 
Marchei até ele, engolindo o meu próprio amor por ela. E ordenei:

_VAI RESOLVER! – o encarei, com raiva, apontando para a porta – VAI RESOLVER ESSA MERDA AGORA!
_Quê?! – ele se surpreendeu, indignado – Não tenho nada pra resolver, meu! Quem tem que se resolver é ela!
_NÃO INTERESSA!! VAI RESOLVER... ESSA... – senti meus olhos se encherem de água, de repente, sem entender bem por quê – ...ESSA... DROGA!
_QUE DIFERENÇA FAZ PRA VOCÊ, CARALHO?! SE ELA QUER IR EMBORA, ÓTIMO!! – deu um trago, fingindo indiferença, nitidamente abalado – EU NÃO QUERO ELA AQUI. POR MIM, ELA NÃO PRECISA MAIS APARECER NESSA PORRA DESSA CASA. NUNCA MAIS! FODA-SE!!
_Escuta aqui... – eu mal conseguia escutar ele falar aquelas babaquices, sentindo me doer o peito – ...a Mia... a Mia saiu do meu quarto chorando a... a merda do coração pra fora... e sabe por quê?! SABE POR QUÊ?! HEIN, CARALHO?!? – o encarei, ofegante – Porque por... por algum motivo estúpido e... e... bizarro, ela… ela te ama. ELA AINDA TE AMA, SEU BABACA! Ela te ama e não consegue viver com o que ela fez! Agora, cê me escuta... – eu o ameacei, amarga – ...se essa garota sair daqui hoje se sentindo um... um lixo... se achando menos... como se não merecesse estar nessa porcaria desse namoro, Fernando... se ela... se ela pisar pra fora desse prédio acreditando em uma só palavra do que cê disse pra ela hoje, uma palavra sequer... meu, eu tô falando sério, cê vai se ver comigo. Eu não vou te perdoar! – levantei a voz – VOCÊ LEVANTA DESSA PORRA DESSA CADEIRA AGORA E VAI LÁ RESOLVER ESSA MERDA!!
_E DESDE QUANDO ISSO É ASSUNTO SEU, CARALHO?!? – ele gritou comigo, se levantando na minha direção – SE VOCÊ QUER SABER, EU ACHO MESMO QUE ELA É, ACHO QUE ELA É TUDO ISSO! TUDO! E SE ELA SAIR DAQUI SE SENTINDO UM NADA, POR MIM, QUE SE DANE. EU É QUE NÃO VOU CORRER ATRÁS DELA! JÁ DEU, CHEGA DESSA PORRA! EU QUERO É QUE SE FODA!!
_Cara, cê realmente se acha melhor do que ela, né?! – eu o observei, sem acreditar no que estava ouvindo – Hein?!? Se acha, não se acha?! Cê vai mesmo deixar ela sair daqui se odiando, não é, por uma merda qualquer... – meus olhos já estavam secos, agora revoltados – ...achando que te magoou, que te feriu, que é uma porra duma idiota, que fez uma coisa tão... tão imperdoável, não é?! – o encarei – Agora, me diz, o quão “terrível”, o quão “imperdoável” e “idiota” será que você se sentiu enquanto tava enfiado naquele quarto, meses atrás, COMENDO A DROGA DA SUA EX-NAMORADA?! HEIN?! PORQUE, NA BOA, FERNANDO, SE A SUA MORAL TÁ TÃO OFENDIDA AGORA, IMAGINO QUE CÊ NÃO DEVE TER CONSEGUIDO DORMIR NO DIA SEGUINTE, NÃO É, CARALHO?! Diz, diz pra mim se cê foi contar tudo pra Mia no segundo em que a Júlia saiu andando daqui?
_Cala a boca...
_CONTOU OU NÃO CONTOU?!? ELA SABE?! A MIA SABE?!? OU ELA TÁ LÁ SE ODIANDO POR NADA, HEIN, FERNANDO?! AÍ, DO OUTRO LADO DESSA PORTA... – briguei com ele – ...SE SENTINDO UMA MERDA ENQUANTO VOCÊ FICA QUIETO AQUI, SE ACHANDO MUITO ACIMA DELA!!
_Não é a mesma coisa... – ele resmungou.
_Não é?! ME EXPLICA ENTÃO, PORRA, QUE PARTE É DIFERENTE?!?
_Mano, na boa... – ele passou por mim, encerrando a conversa e indo para o corredor – ...não se mete!

Covarde.

Vi ele fechar a porta do quarto, logo em seguida. Que se dane. Saí do apartamento, na esperança de ainda encontrar a Mia ali. Não posso, me prometi, não posso deixar ela ir embora assim. Chateada consigo mesma e comigo. Não. Não suportava a ideia de deixá-la magoada, aquilo estava me sufocando por dentro. Olhei para o lado do elevador, meio descrente de que iria vê-la – mas lá estava ela.
 
Ufa.
 
Encostada na parede oposta à do elevador, com o rosto prensado contra uma das mãos e o celular na outra, digitando qualquer coisa. Não fazia nem cinco minutos que tinha saído, tempo suficiente para a minha discussão com o Fernando. Caminhei até ela, inquieta e apressada, e ouvi o elevador chegar. Merda. A sua cabeça se ergueu e ela me ignorou, com a óbvia intenção de dar o fora dali o quanto antes.

_Mia, espera... Por favor, cê entendeu tudo errado!
_Cê não precisa fazer isso...
 
Ela desviou de mim, indo para o elevador.

_Preciso, sim! Preciso, porque eu não quero te magoar também, porra! Não hoje... – segurei sua mão – Por favor, meu, fica! Olha, eu juro, eu juro que não foi nada! Uma menina... me... m-me atacou enquanto eu… tava muito, mas muito chapada mesmo... na casa duns amigos, depois da balada, e... e não foi nada. Meu, eu... não troquei um beijo sequer com ela, eu...
_Na boa, não quero que você se explique...
 
Ela se soltou da minha mão e seguiu em direção ao elevador, ainda chorando.

_Não! Me escuta, porra... – me desesperei – E-eu sei que parece que eu... tô sendo eu, como... como eu sempre sou... e fazendo merda, mas... eu juro que não. Não dessa vez! E-eu... eu não fiquei com ninguém. Eu não queria ficar com ninguém e eu... E-eu disse isso pra ela, porra, disse pra todo mundo! Ainda tomei o maior esporro do meu amigo! Sabe, eu...
_Você pode ficar com quem quiser – ela segurou a porta do elevador, já do lado de dentro, e me olhou, rancorosa – Eu não vou falar nada. Eu não devia ter falado nada, eu... – abaixou a cabeça – ...eu acabei de passar a noite com o Fê, porra. Eu nunca devia ter falado merda nenhuma, você não tem obrigação nenhuma comigo, nunca teve... – as lágrimas escorriam pelo seu rosto – ...não é da minha conta o que você faz ou deixa de fazer na sua vida. Muito menos agora. Na boa, cê faz o que cê quiser...
_Caralho, Mia... COMO CÊ É CABEÇA-DURA, PORRA! – segurei o elevador do outro lado e fiquei de frente para ela – Me escuta, cacete! Eu não quero. Eu não quero ficar com ninguém. Ninguém que não seja você e eu não ligo para o que quer que cê tenha feito... ontem, hoje, sei lá quando, porra! – a encarei, com sinceridade, sentindo meu coração arregaçar meu peito – Eu preciso que cê acredite em mim, que quando eu digo que eu quero que você fique, é porque eu quero mesmo. E se eu disse que não fiquei com a droga da menina, é porque eu não fiquei! Eu não tô mentindo para você. Eu não preciso mentir pra você, cacete, mas que inferno! Eu não quero. Não quero mais isso! – subi a voz e os meus olhos marejaram – E não quero que cê não se importe com uma droga de um chupão no meu pescoço! Não quero que você me mande fazer o que eu bem entender com a minha vida, porra! Porque eu não vou! Eu não vou. Não mais... Cê não entende, caralho?! Eu amo você!

Isso. Perfeito. Fala mesmo, sua idiota!
 
Eu e o meu timing de merda, argh. As palavras saíram da minha boca e entraram no seu ouvido desavisado. Aquelas três malditas palavras. E a Mia ficou parada, ali, me encarando, dentro da porra do elevador. Eu suspirei, abaixando a cabeça.

_Eu sempre te amei, meu...

março 05, 2011

O purgatório

Entrei. E lá estava ela, subindo as calças pelas pernas, ao lado da minha cama. As lágrimas corriam, incessantes, pelo contorno das suas bochechas e desciam até o seu queixo. A essa altura, ela sequer as enxugava, com as mãos ocupadas com os botões da calça, fechando-os um a um, nitidamente desconcertada. Esse desgraçado, filho-da-puta do Fernando, me irritei, ainda com raiva da reação dele. Encostei a porta, em silêncio, sentindo o meu coração acelerado pela discussão. Ela me ouviu entrar, mas ignorou. Eu não sabia direito o que fazer.

_Mia...
_Eu tô bem! – respondeu na mesma hora, me cortando.

Respirei fundo. Cê vai ficar chorando aí, orgulhosa, ou vai me deixar ajudar, porra?!, a encarei. Não era boa com aquilo – nunca soube lidar com os meus próprios sentimentos, que dirá com os dos outros. Mas não suportava vê-la chorando, aquilo acabava comigo. A minha vontade era de ir até lá e beijar cada lágrima no seu rosto, até tirar todo o sal da sua pele, da sua boca, dos seus olhos, incansavelmente, até não sobrar um resquício de tristeza naquela garota.

Fui e a abracei – porque um beijo, agora, não funcionaria. Não dadas as circunstâncias. Com o Fer do lado de fora e aquele arrependimento amargo ali dentro. Tinha peso demais nas nossas consciências para isso. Então a abracei – andei até ela, ignorando aquela sua atitude de eu-estou-bem, e a segurei. Senti suas mãos me empurrarem de volta, na altura do meu estômago, relutante, mas insisti. A fiz ficar. Podia sentir o seu corpo tremer, chorando e soluçando, contra o meu. Até que ela me segurou de volta e ficamos juntas ali, quietas, por algum tempo.

_Ele... – ela começou a cochichar, de repente, como se me confessasse, deixando as lágrimas escorrerem no meu ombro – ...ele... e-ele me perguntou... do nada, e eu... eu não sabia o que fazer... – ela me apertou ainda mais e eu passei a mão no seu cabelo, a acalmando – ...t-tava tudo bem... a gente, a gente tinha acordado e... e tava conversando... aí ele disse que... que o... o Marcos falou pra... pra ele ficar... esperto comigo... que ele não... não devia confiar em mim... e o, o Fer... – ela continuou, baixinho, cada vez soluçando e cedendo mais – ...o Fer não acreditou, ele... ele falou só por... p-por falar... hoje, na cama, sabe... ele... ele me perguntou se eu já... já tinha... traído ele ou algo assim, mas... meio de bobeira, porque ele... – sentia sua respiração pesar, machucada – ...porque ele sabia que eu, eu ia dizer que não e a gente... ia rir disso... mas... – ela se enfiou mais e mais em mim, arrependida – ...eu não... eu não tava esperando e eu, eu fiquei... olhando para ele... que nem uma porra duma idiota! E não... não consegui dizer nada... nada... – merda – ...e ele, e-ele percebeu... não tinha como não perceber, ele... começou a surtar, a me encher de pergunta e eu não sabia o que falar... não... n-não conseguia... aí e-eu acabei admitindo, eu... meio que dei a... a entender que... que tinha sido um cara... eu não sabia que porra fazer... e ele falou um monte pra mim... e eu... cara, como eu fui burra... eu fui muito burra... eu sou uma idiota, uma puta duma idiota!
_Ei... não fica assim, linda... – disse, no seu ouvido – ...agora já aconteceu, meu. Vai ficar tudo bem. Cê não tinha como saber...
_Não, eu sou... – ela insistia, chorando – ...eu sou uma idiota. Uma idiota, meu! Uma puta duma estúpida... o que eu fui... o que eu fui fazer, porra... com, com a gente... a gente tava tão... tão bem... ontem... – ah, cê quis dizer vocês... – ...eu não... eu não queria... não queria... machucar ele assim... desse jeito... eu... e-eu... – ela soluçava, aos prantos, já realmente fora de si – ...eu amo tanto, tanto... eu amo tanto ele... – o meu coração se apertou e eu a segurei forte, num impulso – ...tanto, tanto, meu... eu não aguento ver ele assim... eu não podia... não podia ter feito isso... e-ele não vai me perdoar... nunca... eu não vou me perdoar, meu... o que... o que eu fui fazer, puta que pariu? Como isso... isso... sequer começou?! Eu... eu não... – ela se atrapalhava na própria fala, se desmontando em lágrimas – ...eu sou o pior lixo de pessoa do... do mundo, porra.
_Você não... – a interrompi na mesma hora, indignada – ...acredite, Mia, você não é a pior pessoa do mundo. Meu, você não é nem a pior pessoa desse apartamento! – movi o corpo para trás, de leve, a segurando pelo rosto e a olhei, ela riu por um segundo, com os olhos inchados de chorar – Escuta, qualquer coisa, qualquer coisa que você possa ter feito... – garanti, passando o dedo sobre suas bochechas, as secando – ...eu e o Fernando, com certeza, já fizemos pior. Cê não precisa se sentir mal. Não você, meu... – sorri para ela – ...sério. E linda, na boa, ele é um babaca! Ele nunca deveria ter reagido assim, ter falado com você daquele jeito, ter sido estúpido... – a expressão no seu rosto, de repente, mudou e ela se afastou.
_Eu... e-eu... – ela disse, me soltando dela e se virando para a cama – ...eu preciso ir.
_Mia? – a olhei, sem entender, e ela me ignorou, de frente para as suas coisas sobre o colchão; tirou o camisetão que estava vestindo, meio bruscamente, e eu a segurei pela mão, tentando chamar sua atenção – ...Mia?!
_Você... – ela me encarou, soando diferente – ...você não pode falar dele. O que, o q-que a gente fez foi errado. Em todos os níveis de “errado” que existem, e você sabe! Você mesma disse, não disse?! E eu ainda fui lá e tive a pachorra de... de brigar com ele... de machucar ele mais ainda, a... a gente tava errada! – se irritou – Então, não... n-não critica... não critica ele, não fala dele!
_Eu não... – a olhei de volta, sem acreditar – ...Mia, o Fer é meu amigo. Eu não tô contra ele, porra. E eu sei, o que a gente fez não foi certo, mas isso não dá direito dele falar o que quiser, desse jeito ainda, para você. Ele saiu da linha, cacete! Todo mundo saiu!
_Mas ele tinha razão...
_Sobre o quê?! Sobre você ser uma “filha-da-puta”?! É isso?!? – levantei a voz, indignada – É isso que você acha?!? Você realmente acha que merece ouvir esse tipo de lixo de um panaca que não sabe se controlar?!?
_Ah! – ela me encarou, mordida de raiva – E VOCÊ SABE, POR ACASO?!?!

O quê?!, a olhei, me sentindo meio confusa, mas que diabos...?! Não tive sequer tempo de processar. Ela se virou e colocou a blusa que estava nas suas mãos, uma regata preta, largando a anterior sobre a cama, já prestes a sair do quarto.

_E a propósito... – se virou novamente para mim, puta – ...belo chupão. Deixa eu adivinhar, cê saiu ontem e levou um tombo?! – ela me olhou, irônica.
 
E eu fiquei sem resposta.

Balançou a cabeça, como se não quisesse lidar com aquilo. E murmurou para si mesma o quanto ela era idiota, com uma angústia escondida por detrás dos gestos, agora bastante decididos a sair dali. Inferno. Passou por mim, sem olhar mais na minha direção, indo embora. Mas que inferno, porra. A Mia bateu a porta atrás de si, me deixando no quarto. E eu fiquei ali, sozinha, me odiando. Em seguida, ouvi a porta da frente abrir e se fechar e, sem entender direito, escutei o Fer gritar mais alguma coisa antes que ela saísse. Merda. Não podia deixá-la ir embora daquele jeito. Mas que porra de opção eu tenho?!, passei as mãos no rosto, agoniada.

E aí, claro, não me aguentei.

março 03, 2011

E a cara-de-pau

Fui direto na direção deles e puxei o Fer pelo ombro, o tirando com força de perto dela. Aí me enfiei na frente, entre os dois, enquanto a Mia chorava atrás de mim.

_JÁ CHEGA, FERNANDO, PASSOU DO LIMITE! – gritei – VAI PRA LÁ!!
_NÃO SE METE! – ele brigou comigo – ISSO NÃO É ASSUNTO SEU!!
_É ASSUNTO MEU, SIM!! É ASSUNTO MEU, SIM, PORRA!! – berrei de volta, indignada – SE ELA MANDOU VOCÊ SAIR, VOCÊ SAI, CARALHO! QUE MERDA CÊ PENSA QUE CÊ TÁ FAZENDO??!  
_EU?!? CÊ SABE O QUE ELA FEZ?! – apontou para a Mia, olhando para ela atrás de mim – SABE?!?
_NÃO ME INTERESSA!!!
_EU NÃO FIZ NADA!! NÃO FIZ NA-DA!!! – a Mia se meteu, soluçando, e começou a gritar por cima do meu ombro – VOCÊ VAI ACREDITAR NAQUELE IDIOTA, PORRA?!?!
_ELE É MEU AMIGO!! MEU AMIGO, CACETE!! – repetiu, gritando nos meus ouvidos e me esmagando entre eles dois, como se eu sequer estivesse ali – O QUE VOCÊ DISSE?!? O QUE CÊ ACABOU DE ME DIZER, HEIN?!?!
_Fernando... sai... de... – fiz força, o empurrando, mais uma vez – ...DE CIMA, PORRA!!!
_NÃO SE METE, CARALHO!! – gritou comigo, me tirando dali – SAI DA MINHA FRENTE!! E VOCÊ... – ele olhou para a Mia, irritado – VOCÊ, VOCÊ SAI DA MINHA CASA... NÃO QUERO MAIS TE VER AQUI, PORRA!!

Aí me meti no meio dos dois, de novo.

_Fê... – a Mia voltou a implorar, desesperada, enquanto eu me enfiava na sua frente – ...por favor! Por favor, não faz isso! Não fala assim!! Eu... E-eu...
_Eu não sei como eu acreditei em você... – ele encostou novamente em mim, tentando chegar perto dela – ...como eu... mano... você... você tem noção do quanto eu te amo, DO QUANTO EU TE AMEI, DESGRAÇA?!?! – vi os seus olhos marejarem – HEIN?! E PRA QUÊ?!? PRA VOCÊ IR LÁ DAR PRA OUTRO?!?! PRA VOCÊ MENTIR ASSIM PRA MIM, PORRA?!?! NA MINHA CARA?!?! QUAL É O SEU PROBLEMA, CARALHO?!?! – a voz dele tremia e eu mantinha minhas mãos entre os nossos corpos, tentando apartar a briga – OU SOU EU O PROBLEMA??!? SOU EU O PROBLEMA, MIA?!?
_NÃO!!! – ela soluçou – CLARO QUE NÃO!!
_ENTÃO O QUE FOI, CACETE?!?! – ele gritou e comecei a empurrá-lo na direção oposta, o tirando de cima – ME LARGA, CARALHO!! DEIXA ELA FALAR... VAI, ME FALA!! ME FALA, PORRA!! FALA O QUE FOI!!
_E-eu não... – ela gaguejou, sem fôlego – ...juro... eu juro, que n...
_FALA!! QUAL O PROBLEMA, SE NÃO SOU EU?!? PORQUE PARECE QUE CÊ SÓ TÁ ESPERANDO UMA PORRA DUM MOTIVO PRA TERMINAR COMIGO, NÃO É?!?
_NÃO!!
_VAI SE FODER, MIA! QUANTO TEMPO CÊ TÁ ME TRAINDO??!?!?
_FERNANDO, CHEGA!! – gritei, de novo, voltando à discussão – SE ACALMA AÍ, PORRA, MAS QUE MERDA!!
_NÃO SE METE, QUE CÊ NÃO SABE NEM DO QUE A GENTE TÁ FALANDO!!
_SEI! SEI, SIM!! – respondi, com o sangue fervendo – E SABE DO QUE MAIS EU SEI?? SABE, FERNANDO?!? HEIN?!?! SABE O QUE MAIS EU SEI?!? – berrei – O QUE MAIS ACONTECEU NESSA PORRA DESSE APARTAMENTO?!?!
_VOCÊ CALA ESSA SUA BOCA!!!
_SENÃO O QUÊ?!?! – gritei de volta, o provocando – HEIN?! SENÃO O QUÊ, SEU MERDA?!?!

E aí ficamos em silêncio, subitamente, por uns dois segundos. Encarando um ao outro, com os dentes cerrados, sem nos mover. Sem ousar continuar – nem eu, nem ele. Inferno. Se eu falasse... se eu falasse o segredo dele... se eu contasse... o meu, de repente, ganharia proporções dez... cem... mil vezes mais cretinas. Eu não podia contar, não se ficasse quieta sobre a minha parte naquela merda toda. Nenhum de nós ali, naquele corredor, valia um só centavo – nós três. Mas, ainda assim, nos achávamos dignos de estar ali, em pé, acusando os podres um do outro deliberadamente.

_Essa discussão acabou... – me enchi daquilo, irritada, e me virei, enfiando a Mia meio de qualquer jeito no meu quarto, dando as costas para ele – ...chega.
_MANO, CÊ BOTA ESSA MINA PRA FORA DAQUI! – ele apontou pra ela no quarto, ainda puto – EU NÃO QUERO ELA NO APARTAMENTO!!
_CALA A BOCA, FERNANDO!! – bati a porta com força, deixando a Mia lá dentro, e me virei para brigar com ele – JÁ CHEGA!! CHEGA, PORRA!! ACABOU A DISCUSSÃO!! ELA SAI QUANDO EU QUISER QUE ELA SAIA!!
_VAI FICAR DEFENDENDO ESSA IDIOTA, CARALHO?!?
_VOU! VOU FICAR, SIM!! ATÉ VOCÊ SE ACALMAR, CACETE!
_VAI À MERDA... – gritou e começou a andar na direção da sala, balançando a cabeça – ...MANO, VAI À MERDA! VÃO AS DUAS PRO INFERNO!!

Desregulado de merda, bufei, ainda nervosa, me virando para entrar no quarto atrás da Mia.

março 02, 2011

O pau da barraca

_SAI, CARALHO! SAI DAQUI AGORA!
_Não... não...  – ouvi a Mia soluçar – ...por favor!
_CAI FORA, MIA!!
_Por favor, Fê... – ela chorava – ...por favor, não faz isso!
_SOME DA MINHA FRENTE, PORRA!!
 
Ele começou a berrar ainda mais alto. Ótimo, gritaria conjugal do casal ternura, me afundei no sofá, tentando não ser vista ali, eu mereço isso. Argh.

_Vamos voltar pro quarto... – ouvi a Mia implorar – ...por favor, meu, por favor. Vem cá.
_ME SOLTA, CARALHO! EU NÃO TENHO NADA PRA FALAR COM VOCÊ!!
_Fê... Fê, meu, eu... eu juro que… eu n...
_CALA A BOCA! EU NÃO QUERO OUVIR MAIS NADA!!
_Me escuta... – ela soluçava mais ainda, desesperada – ...por favor, só me escuta, e-eu...
_NÃO, PORRA!! TÔ TE FALANDO, MIA... SAI DAQUI!  
_EU NÃO VOU SAIR!! – ela gritou de volta, de repente – EU NÃO VOU!

Larguei o controle de qualquer jeito no chão e me sentei no sofá, assustada com o grau de agressividade que a discussão estava tomando. Olhei para o corredor atrás de mim e tentei entender o que diabos estava acontecendo. Isso tá estranho. Eles sequer me notaram, ambos em pé, gritando um com o outro na frente da porta do quarto do Fer. A Mia estava só de camisetão, segurando o que deviam ser suas roupas na mão, e ele de bermuda, com os olhos já vermelhos, chorando de raiva. Raramente vi o Fernando tão nervoso, parecia prestes a socar a parede. Ela chorava e chorava, desesperada, tentando chegar perto dele – se aproximar, encostar nos seus braços – e ele a tirava de cima, toda vez, aí ela insistia e eles discutiam ainda mais. Numa barulheira desgraçada.

Já tinha visto os dois brigarem antes. Diversas vezes, aliás, naquele apartamento – sempre gritavam um com o outro daquele jeito, faziam um escândalo e depois faziam as pazes, era sempre o mesmo drama. Não que eu pudesse dizer muito. Mas nunca era nesse nível. Não – aquilo parecia diferente.

_MEU, POR FAVOR!! – ela chorava, apertando as mãos e as roupas contra o peito, como se realmente doesse – ...por favor, por favor... Fê, eu nã...
_VOCÊ NÃO, O QUÊ?! HEIN?!?! VOCÊ NÃO, O QUÊ?!?!
_Vamos, vamos pro quarto, Fê – ela o puxava – Por favor!
_VOCÊ NÃO FEZ O QUÊ?! FALA PRA MIM!! – ele se soltava, irritado – FALA, CARALHO!! OLHA NA MINHA CARA E FALA QUE NÃO FEZ!! VOCÊ NÃO, O QUÊ, HEIN PORRA?!?!
_O QUE VOCÊ QUER QUE EU DIGA?! – ela berrou de volta, de repente, ainda chorando – IMPORTA, CACETE??? VAI FAZER ALGUMA DIFERENÇA?!? VAI???
_IMPORTA!! MANO, EU... – ele balançava de um lado pro outro, com raiva – ...eu não acredito que... que... filha-da-puta, mano... SUA FILHA-DA-PUTA!! – perdeu o controle de novo – VAI TOMAR NO SEU CU, MIA!! CÊ TEM NOÇÃO DO QUE CÊ FEZ COMIGO, PORRA?!?! COM A GENTE, CARALHO?!?!
_E-eu... e-eu não queria, Fê, eu n...
_COM QUEM? ME FALA, CACETE!! – ele gritava, na frente dela – QUANDO?! QUANDO FOI, HEIN?!? COM QUEM?!?!
_COM NINGUÉM!!
_COM QUEM, PORRA?!?!
_COM NINGUÉM! – ela o empurrou – SAI DA MINHA FRENTE!!
_CÊ NÃO QUERIA FICAR?! – pôs o braço na parede, a impedindo de sair, e eu comecei a me levantar, atenta – HEIN?! NÃO QUERIA?!?! NÃO DISSE QUE NÃO IA SAIR?!? ENTÃO AGORA VOCÊ FICA, PORRA! FICA ATÉ ME FALAR O NOME DO DESGRAÇADO! FALA, CACETE!!
_ME DEIXA EM PAZ!
_CONTA O QUE ACONTECEU, CARALHO!!!

Já chega. Pulei por cima do encosto do sofá, na mesma hora, como se a briga de repente fosse minha.
 
E era.