- »

janeiro 17, 2012

A audácia

Tecnicamente eu não estava mentindo. O caminhão, de fato, passava de madrugada e era minha responsabilidade levar o lixo para fora... só que às terças. Omiti esse pequeno detalhe e dei um selinho rápido nela, a deixando lá no quarto por um instante. Aí apressei o passo até a cozinha e peguei o saco meio vazio que estava no nosso latão, atravessando pela sala e saindo pela porta da frente – numa movimentação que gerou certo estranhamento ao Fer. Afinal, , ainda era quinta.
 
Todo o lixo do nosso andar tinha que ser depositado numa espécie de cesto na área da escada, que além de estar a uns bons trinta metros do nosso apartamento, ainda ficava atrás de uma porta corta-fogo. Era o lugar perfeito para não ser ouvida. Larguei o saco no tal cesto e tirei o celular do bolso, apoiando o corpo contra a parede para terminar de digitar a mensagem para um dos fornecedores.
 
Segundos depois, do nada, alguém abriu a porta.
 
Olhei para o lado e a Mia passou com as sacolas do delivery, agora vazias. Naquele seu moletom preto, umas cinco vezes maior do que o seu tamanho, que ela usava como vestido. Com as mangas erguidas nos antebraços e as pernas descobertas nuns coturnos velhos. Jogou as sacolas no cesto e então se virou, me encarando por um instante. Parecia angustiada. E eu sabia que ela não tinha ido até lá para jogar a porra do delivery fora. Mas abaixei o olhar para a tela, mais uma vez, procurando não me envolver.  
 
Um silêncio constrangedor cresceu entre nós. Inferno. Chequei por cima do meu ombro, meio de relance, e ela continuava ali, a alguns metros de mim. Então terminei a mensagem rapidamente, enfiando o celular meio de qualquer jeito no bolso e me virei também, a encarando de volta. 

Por algum motivo, a Mia tinha os olhos marejados, como se alguma verdade estivesse engasgada na garganta – mas não era capaz de dizer. Não disse nada. Por longos segundos. Que se dane. Balancei a cabeça, sem paciência para aquilo. E aí, quando fui passar pela porta, ela me segurou pelo braço, de repente. Me obrigando a virar de novo na sua direção.
 
_Não quero que você fique com ela – pediu, baixinho.

0 comentários: