Tecnicamente eu não estava mentindo. O caminhão, de fato, passava
de madrugada e era minha responsabilidade levar o lixo para fora... só que às
terças. Omiti esse pequeno detalhe e dei um selinho rápido nela, a deixando
lá no quarto por um instante. Aí apressei o passo até a cozinha e peguei o saco
meio vazio que estava no nosso latão, atravessando pela sala e saindo pela
porta da frente – numa movimentação que gerou certo estranhamento ao Fer. Afinal,
né, ainda era quinta.
Todo o lixo do nosso andar tinha que ser depositado numa espécie
de cesto na área da escada, que além de estar a uns bons trinta metros do nosso
apartamento, ainda ficava atrás de uma porta corta-fogo. Era o lugar perfeito
para não ser ouvida. Larguei o saco no tal cesto e tirei o celular do bolso,
apoiando o corpo contra a parede para terminar de digitar a mensagem para um
dos fornecedores.
Segundos depois, do nada, alguém abriu a porta.
Olhei para o lado e a Mia passou com as sacolas do delivery, agora
vazias. Naquele seu moletom preto, umas cinco vezes maior do que o seu tamanho,
que ela usava como vestido. Com as mangas erguidas nos antebraços e as pernas descobertas
nuns coturnos velhos. Jogou as sacolas no cesto e então se virou, me encarando
por um instante. Parecia angustiada. E eu sabia que ela não tinha ido até lá
para jogar a porra do delivery fora. Mas abaixei o olhar para a tela, mais uma
vez, procurando não me envolver.
Um silêncio constrangedor cresceu entre nós. Inferno. Chequei
por cima do meu ombro, meio de relance, e ela continuava ali, a alguns metros
de mim. Então terminei a mensagem rapidamente, enfiando o celular meio de qualquer
jeito no bolso e me virei também, a encarando de volta.
Por algum motivo, a Mia
tinha os olhos marejados, como se alguma verdade estivesse engasgada na garganta
– mas não era capaz de dizer. Não disse nada. Por longos segundos. Que se
dane. Balancei a cabeça, sem
paciência para aquilo. E aí, quando fui passar pela porta, ela me segurou pelo
braço, de repente. Me obrigando a virar de novo na sua direção.
_Não quero que você fique com ela – pediu, baixinho.
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