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dezembro 07, 2012

Encontro às cegas

_Escuta... – a Thaís me perguntou, do nada – Cê ainda tá sério com a Clara?
_Do que cê tá falando, mano?!
 
Estranhei, equilibrando o celular contra o ombro, enquanto assinava um orçamento e tentava despachar toda papelada que ainda tinha que entregar antes de ir embora naquela terça. Minha amiga parecia estar na rua, pelo som do outro lado da linha, e eu podia ouvir alguém rindo ao seu lado.
 
_Não é... – respondeu, tentando segurar o riso – ...é só que tava indo comprar comida agora e encontrei uma mina aqui, sem querer. E mano... Puta gata!
_Sei... – comecei a rir.
_Pensei em apresentar vocês hoje, sabe, se cê tiver solteira... Ela fala espanhol, é filha de boliviano, trabalha numa loja de música aqui perto, tem cabelo comprido, assim, um undercut... – foi listando, fazendo graça – ...uma tatuagem na linha do ombro.
_Ahm...
_Ouvi dizer que ela gosta dumas trouxas igual você.
_Vai se foder!
_É sério, velho, ela acabou de me falar que curte umas sapatão ruim de sinuca.
_Olha, Thaís, cê nem vem cuspir no prato que comeu! – eu ri, revirando os olhos, e assinei mais uns papéis sem nem ver direito – Mas, agora sério, onde cês tão? Saio daqui uns quinze, vinte minutos, se pá...
_Tamo voltando pro estúdio, vou tatuar a Ju hoje. Cola lá!
_Bora, bora.
 
Desliguei o telefone ainda rindo. A amizade da Thaís com a Clara era fundamentada quase unicamente em me zombar. A cada oportunidade que surgia. Bestas. Me apressei para terminar o que faltava de trabalho e saí da produtora pouco antes das sete – a semana mal tinha começado e já estava cansada. Pelo menos agora, com o Du dividindo o apartamento comigo, já não precisava mais fazer tanta hora extra. Subi a rua até o metrô e fui em direção a Pinheiros para encontrar o meu date tão misterioso.
 
Quando cheguei no estúdio, uns quarenta minutos depois da ligação, a minha amiga estava debruçada sobre a sua namorada, tentando acertar um decalque nas suas costas. Ao lado delas, com as mãos apoiadas na maca, a Clara se inclinava para acompanhar de perto. Numa regata branca que roubou de mim uns meses antes – gostava de ir trabalhar com ela porque ficava larga e confortável no seu corpo. Seu cabelo estava preso numa trança sobre o seu ombro, revelando o undercut e a tatuagem de cruz andina que ela tinha na nuca.
 
Fechei a porta atrás de mim e a Clara virou o rosto na minha direção, sorrindo ao me ver. Sorri de volta, caminhando até onde elas estavam. O estúdio tinha paredes pretas com desenhos e decalques colados por todo lado, um sofá grande e umas espadas de São Jorge em vasos pelos cantos. Todos os outros tatuadores já tinham ido embora – só restavam as três ali. A Thaís levantou brevemente a cabeça para me cumprimentar, enquanto fazia uns retoques de caneta no decalque, e a Ju ergueu a mão sem poder se mover muito.  
 
_Hum... – me aproximei da Clara, fazendo graça – ...então é você que eu ia conhecer hoje?
_É – ela colocou os braços em volta do meu pescoço – Mas não sei, ouvi um papo aí que cê namora...
_Eu?! Não... – balancei a cabeça, na maior cara de pau – ...cê tá me confundindo.
_Ah, tô?
 
Ela riu e eu deslizei as mãos até suas coxas naquele jeans, a erguendo no meu colo num só movimento. E nos beijamos, ainda rindo, conforme ela cruzava as pernas ao redor do meu corpo. “Olha, se eu soubesse que cê era gata assim...”, cochichei, com a boca a centímetros da sua.  “Hum”, a Clara se divertia, “me diz o que cê ia fazer”. A Thaís revirou os olhos ao longe, gritando na nossa direção:
 
_PODE PARAR. SEM BAIXARIA AQUI DENTRO, VOCÊS DUAS!
 
E nós a ignoramos. Os meus pés encontraram intuitivamente o caminho até o sofá, caindo junto com a Clara sobre as almofadas. E a Thaís começou a reclamar de longe. A gente riu, se agarrando quase de propósito. Subi em cima da Clara e a apertei pela cintura, nuns beijos com gosto. “TEM CÂMERA AQUI DENTRO!”, minha amiga insistia, nos xingando. E a gente fazia que não escutava. Nisso, senti o meu celular vibrando. Tirei ele do bolso, ainda entre as pernas da Clara, rindo, e olhei rapidamente no visor – merda. Era a Mia me ligando. Recusei a chamada, num reflexo rápido, mas senti certo desconforto.
 
Aí guardei o telefone no bolso, de novo.

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